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O presente trabalho discorre sobre dois temas da Teologia Moral: a moral como
seguimento de Cristo fundada na Encíclica Veritatis Splendor1 e a contribuição do Concílio
Vaticano II para o tema, conforme o Decreto Optatam Totius2. Assim, pretende-se esclarecer
criticamente o conteúdo, expondo-o em dois textos distintos seguindo cada temática.
A moral é uma realidade própria da vida humana, uma vez que o homem naturalmente
se questiona acerca do que fazer para realizar-se. Infelizmente, apesar de ser via de felicidade,
a Moral tem sido encarada de forma negativa, como leis extrínsecas que são impostas sobre os
indivíduos, contrariando a reta compreensão de sua finalidade. Assim, faz-se necessário
apresentar esta ética cristã de forma positiva, originada e fundada no seguimento de Cristo.
Tendo em vista este fim, é preciso compreender que as discussões morais têm uma
dimensão antropológica. Em verdade, a Moral não é um acessório opcional, mas faz parte do
“ser” do homem. Basta observar que esta questão é tratada até mesmo fora do âmbito religioso,
como de fato se faz na reflexão moral dentro da Filosofia.3
Porém, se por um lado a questão é natural ao homem, a resposta autêntica é de ordem
divina. Muitos sistemas racionais foram erigidos no intuito de direcionar o agir humano, mas
apenas o transcendente é capaz de dar a resposta final. Isto ocorre porque sendo Deus o fim do
homem, a resposta à questão “Como devo agir para me realizar?” é, no fundo, referida a Ele. 4
Neste sentido, o Cristianismo oferece uma contribuição ímpar. Trata-se da boa notícia
de que, fadados os esforços humanos rumo ao transcendente, Deus mesmo desce ao seu
1
Cf. JOÃO PAULO II. Veritatis Splendor.
2
Cf. CONCÍLIO ECUMÊNICO VATICANO II. Decreto Optatam Totius. In: VIER, Frederico (coord.).
Compêndio do Vaticano II: Constituições, Decretos, Declarações. 2015.
3
Cf. MARITAIN, Jacques. A Filosofia Moral. 1964. p. 15-17.
4
Cf. BOFF, Clodovis. O livro do sentido: Qual é, afinal, o sentido da vida? 2021. p. 375-388.
encontro na Encarnação. Assim, em Jesus Cristo é revelado de modo completo e definitiva a
mensagem de amor e salvação do Pai, a via moral que responde aos anseios da humanidade. 5
Infelizmente, tal verdade parece não ser considerada nas reflexões contemporâneas.
Pelo contrário, é depreciada de tal forma que se tornou perante o mundo uma figura impositiva,
negativa, um pesado fardo de leis exteriores e alienantes. Assim, o menosprezo de sua
importância se estende desde as conversas populares até os ambientes acadêmicos.
À vista disso, é imprescindível uma retomada do senso positivo da via moral no
cristianismo. Este senso deve centrar-se na sequela Christi, isto é, no seguimento de Cristo,
sobretudo em sua entrega total6. Desta maneira entende-se que esses princípios de
comportamento são mais que meras normas, mas um caminho de amor a Deus e ao próximo7.
Vale a pena destacar que este caminho de não é uma realidade abstrata ou submissa ao
capricho das vontades individuais. Antes, trata-se do concreto seguimento de uma Pessoa –
divina, mas de natureza também humana – que viveu os dramas deste mundo, revelando a
verdadeira conexão que existe entre a norma e o sujeito. Assim, esta relação encontra em Jesus
seu verdadeiro significado: a lei foi feita para o (ou em favor do) homem, e não o contrário 8.
Entretanto, é necessário esclarecer que seguir a Cristo como via de amor não é
desprezar os Mandamentos. Em verdade, cumprir tais leis não é um moralismo frenético e
ultrapassado, mas sim o preâmbulo da verdadeira caridade, um pressuposto deste caminho. De
fato, somente abraçando integralmente os divinos preceitos o sujeito se torna livre para amar9.
Contudo, especialmente em decorrência da grande influência midiática e cultural
contemporânea, tais palavras podem ser sentidas como um fardo insuportável. Aliás, quem é
plenamente capaz de cumprir estritamente cada preceito? Quem tem forças para obedecer sem
pestanejar a lei divina? De fato, tal carga se mostra humanamente impossível.
Por outro lado – eis a grande maravilha do Evangelho – o Criador concede à sua
criatura a capacidade de realizar aquilo que Ele deseja. Em outras palavras, Deus não apenas
pede o cumprimento da lei, mas através de sua graça infunde no homem que vive segundo o
espírito a força de a cumprir10, mostrando que é leve o fardo e suave o jugo do Senhor11.
Portanto, entendendo a Moral como questão essencial da vida humana em sua busca
de sentido, urge superar sua compreensão estreita, reduzida a leis extrínsecas. Tal superação
5
Cf. Ibidem, p. 419-462.
6
Cf. JOÃO PAULO II. op. cit. n. 19.
7
Cf. AGOSTINHO DE HIPONA. A Doutrina Cristã. I, 22, 20 – I, 34, 38.
8
Cf. Mc 2, 27.
9
Cf. JOÃO PAULO II. op. cit. n. 13-15.
10
Cf. Ibidem. n. 23-24.
11
Cf. Mt 11,30.
decorrerá de uma apresentação dos divinos preceitos sob a ótica do seguimento de Cristo, sem
com isso depreciar a essência dos Mandamentos, mas encontrando uma chave de leitura mais
profunda. Assim, afirmando integralmente a ética cristã pela via positiva do amor será possível
um diálogo mais atrativo ao homem moderno sem perder nada do conteúdo da Revelação.
12
Cf. COELHO, Mário Marcelo. Moral Fundamental I: Introdução. 2022. p. 1.
13
Cf. AFONSO MARIA DE LIGÓRIO. Teologia moral: da regra dos atos humanos. 2017. p. 25-30.
14
Cf. CONCÍLIO ECUMÊNICO VATICANO II. Decreto Optatam Totius. In: VIER, Frederico (coord.).
Compêndio do Vaticano II: Constituições, Decretos, Declarações. 2015. n. 16.
15
Cf. Idem. Constituição Pastoral Gaudium et Spes. In: Frederico VIER (coord.), Compêndio do Vaticano II:
Constituições, Decretos, Declarações. 2015. n. 16.
Portanto, nota-se uma grande contribuição do Concílio Vaticano II para a moral,
especialmente na conjunção entre doutrina (referida nas Escrituras) e a hermenêutica (movida
pela crítica). Assim, conduzindo o estudo da moral pela via de seus fundamentos mais que pela
mera aplicação de generalidades, é possível gerar homens conscientes de seu dever e capazes
de promover na sociedade um grande bem simplesmente por viverem a caridade que creem.
REFERÊNCIAS
AFONSO MARIA DE LIGÓRIO. Teologia moral: da regra dos atos humanos, vol. 1. Rio de
Janeiro: CDB, 2017.
BOFF, Clodovis. O livro do sentido: Qual é, afinal, o sentido da vida?, vol. 1. São Paulo:
Paulus, 2021.
COELHO, Mário Marcelo. Moral Fundamental I: Introdução. Taubaté: pro manuscripto, 2022.
JOÃO PAULO II. Carta encíclica “Veritatis Splendor” (online). Disponível em:
<https://www.vatican.va/content/john-paul-ii/pt/encyclicals/documents/hf_jp-
ii_enc_06081993_veritatis-splendor.html>. Acesso em: 26 de março de 2022.
MARITAIN, Jacques. A Filosofia Moral. Tradução de Alceu Moroso Lima. Rio de Janeiro:
Livraria Agir Editora, 1964.