Você está na página 1de 4

Faculdade Dehoniana

Moral Fundamental I: Fundamentos da Ética Cristã


Sander Bryan Felicio da Cruz Brito
20/05/2022

CONSIDERAÇÕES SOBRE A MORAL APÓS O CONCÍLIO VATICANO II

O presente trabalho discorre sobre dois temas da Teologia Moral: a moral como
seguimento de Cristo fundada na Encíclica Veritatis Splendor1 e a contribuição do Concílio
Vaticano II para o tema, conforme o Decreto Optatam Totius2. Assim, pretende-se esclarecer
criticamente o conteúdo, expondo-o em dois textos distintos seguindo cada temática.

O SEGUIMENTO DE CRISTO COMO PRINCÍPIO MORAL

A moral é uma realidade própria da vida humana, uma vez que o homem naturalmente
se questiona acerca do que fazer para realizar-se. Infelizmente, apesar de ser via de felicidade,
a Moral tem sido encarada de forma negativa, como leis extrínsecas que são impostas sobre os
indivíduos, contrariando a reta compreensão de sua finalidade. Assim, faz-se necessário
apresentar esta ética cristã de forma positiva, originada e fundada no seguimento de Cristo.
Tendo em vista este fim, é preciso compreender que as discussões morais têm uma
dimensão antropológica. Em verdade, a Moral não é um acessório opcional, mas faz parte do
“ser” do homem. Basta observar que esta questão é tratada até mesmo fora do âmbito religioso,
como de fato se faz na reflexão moral dentro da Filosofia.3
Porém, se por um lado a questão é natural ao homem, a resposta autêntica é de ordem
divina. Muitos sistemas racionais foram erigidos no intuito de direcionar o agir humano, mas
apenas o transcendente é capaz de dar a resposta final. Isto ocorre porque sendo Deus o fim do
homem, a resposta à questão “Como devo agir para me realizar?” é, no fundo, referida a Ele. 4
Neste sentido, o Cristianismo oferece uma contribuição ímpar. Trata-se da boa notícia
de que, fadados os esforços humanos rumo ao transcendente, Deus mesmo desce ao seu

1
Cf. JOÃO PAULO II. Veritatis Splendor.
2
Cf. CONCÍLIO ECUMÊNICO VATICANO II. Decreto Optatam Totius. In: VIER, Frederico (coord.).
Compêndio do Vaticano II: Constituições, Decretos, Declarações. 2015.
3
Cf. MARITAIN, Jacques. A Filosofia Moral. 1964. p. 15-17.
4
Cf. BOFF, Clodovis. O livro do sentido: Qual é, afinal, o sentido da vida? 2021. p. 375-388.
encontro na Encarnação. Assim, em Jesus Cristo é revelado de modo completo e definitiva a
mensagem de amor e salvação do Pai, a via moral que responde aos anseios da humanidade. 5
Infelizmente, tal verdade parece não ser considerada nas reflexões contemporâneas.
Pelo contrário, é depreciada de tal forma que se tornou perante o mundo uma figura impositiva,
negativa, um pesado fardo de leis exteriores e alienantes. Assim, o menosprezo de sua
importância se estende desde as conversas populares até os ambientes acadêmicos.
À vista disso, é imprescindível uma retomada do senso positivo da via moral no
cristianismo. Este senso deve centrar-se na sequela Christi, isto é, no seguimento de Cristo,
sobretudo em sua entrega total6. Desta maneira entende-se que esses princípios de
comportamento são mais que meras normas, mas um caminho de amor a Deus e ao próximo7.
Vale a pena destacar que este caminho de não é uma realidade abstrata ou submissa ao
capricho das vontades individuais. Antes, trata-se do concreto seguimento de uma Pessoa –
divina, mas de natureza também humana – que viveu os dramas deste mundo, revelando a
verdadeira conexão que existe entre a norma e o sujeito. Assim, esta relação encontra em Jesus
seu verdadeiro significado: a lei foi feita para o (ou em favor do) homem, e não o contrário 8.
Entretanto, é necessário esclarecer que seguir a Cristo como via de amor não é
desprezar os Mandamentos. Em verdade, cumprir tais leis não é um moralismo frenético e
ultrapassado, mas sim o preâmbulo da verdadeira caridade, um pressuposto deste caminho. De
fato, somente abraçando integralmente os divinos preceitos o sujeito se torna livre para amar9.
Contudo, especialmente em decorrência da grande influência midiática e cultural
contemporânea, tais palavras podem ser sentidas como um fardo insuportável. Aliás, quem é
plenamente capaz de cumprir estritamente cada preceito? Quem tem forças para obedecer sem
pestanejar a lei divina? De fato, tal carga se mostra humanamente impossível.
Por outro lado – eis a grande maravilha do Evangelho – o Criador concede à sua
criatura a capacidade de realizar aquilo que Ele deseja. Em outras palavras, Deus não apenas
pede o cumprimento da lei, mas através de sua graça infunde no homem que vive segundo o
espírito a força de a cumprir10, mostrando que é leve o fardo e suave o jugo do Senhor11.
Portanto, entendendo a Moral como questão essencial da vida humana em sua busca
de sentido, urge superar sua compreensão estreita, reduzida a leis extrínsecas. Tal superação

5
Cf. Ibidem, p. 419-462.
6
Cf. JOÃO PAULO II. op. cit. n. 19.
7
Cf. AGOSTINHO DE HIPONA. A Doutrina Cristã. I, 22, 20 – I, 34, 38.
8
Cf. Mc 2, 27.
9
Cf. JOÃO PAULO II. op. cit. n. 13-15.
10
Cf. Ibidem. n. 23-24.
11
Cf. Mt 11,30.
decorrerá de uma apresentação dos divinos preceitos sob a ótica do seguimento de Cristo, sem
com isso depreciar a essência dos Mandamentos, mas encontrando uma chave de leitura mais
profunda. Assim, afirmando integralmente a ética cristã pela via positiva do amor será possível
um diálogo mais atrativo ao homem moderno sem perder nada do conteúdo da Revelação.

A MORAL CRISTÃ NO CONCÍLIO VATICANO II

O Concílio Vaticano II foi ocasião de renovação da forma de viver a fé imutável da


Igreja Católica. Dentre os vários temas abordados neste encontro de bispos, merece destaque o
estudo da Teologia Moral, cujas reflexões renovadas mostraram um alinhamento entre a
doutrina de sempre e uma devida avaliação crítica. Desta forma, é possível vislumbrar as
riquezas morais das considerações conciliares e quão fecundos são os frutos sociais produzidos.
Antes do Concílio, a moral estava intimamente relacionada com o uso de manuais.
Assim, seu estudo se concentrava em estabelecer princípios que seriam aplicados em casos
concretos, sobretudo através de um processo lógico próprio12. Neste sentido, um clássico
exemplo desta época é a obra magna de Santo Afonso de Ligório, a Theologia Moralis,
tipicamente “manualística” e com largas referências escolásticas13.
Depois do Concílio, buscou-se uma fundamentação hermenêutica crítica, capaz de
dialogar com a modernidade, aliando uma exposição de caráter científico com o conteúdo das
Sagradas Escrituras. Este direcionamento dos estudos aspirava pôr em evidência a sublimidade
da vocação cristã e ao mesmo tempo apresentar ao mundo os frutos da caridade que decorrem
desta vida. Assim, agregando a marca transcendental de sua identidade, o cristão deve ser capaz
de enriquecer a vida do mundo com suas obras pela via moral.14
Neste sentido, um exemplo de contribuição conciliar foram as considerações sobre a
consciência humana. Por este ângulo, viu-se que a moral não é a cega obediência de leis
estranhas ao homem. Em verdade, ainda que vindas ‘de fora’, isto é, de Deus, tais preceitos são
familiares a cada indivíduo porque estão escritos em seus corações. Assim, o reconhecimento
desta realidade mostra tal potencial transformador que é capaz de unir os homens em prol da
busca de soluções justas para muitos problemas contemporâneos.15

12
Cf. COELHO, Mário Marcelo. Moral Fundamental I: Introdução. 2022. p. 1.
13
Cf. AFONSO MARIA DE LIGÓRIO. Teologia moral: da regra dos atos humanos. 2017. p. 25-30.
14
Cf. CONCÍLIO ECUMÊNICO VATICANO II. Decreto Optatam Totius. In: VIER, Frederico (coord.).
Compêndio do Vaticano II: Constituições, Decretos, Declarações. 2015. n. 16.
15
Cf. Idem. Constituição Pastoral Gaudium et Spes. In: Frederico VIER (coord.), Compêndio do Vaticano II:
Constituições, Decretos, Declarações. 2015. n. 16.
Portanto, nota-se uma grande contribuição do Concílio Vaticano II para a moral,
especialmente na conjunção entre doutrina (referida nas Escrituras) e a hermenêutica (movida
pela crítica). Assim, conduzindo o estudo da moral pela via de seus fundamentos mais que pela
mera aplicação de generalidades, é possível gerar homens conscientes de seu dever e capazes
de promover na sociedade um grande bem simplesmente por viverem a caridade que creem.

REFERÊNCIAS

AFONSO MARIA DE LIGÓRIO. Teologia moral: da regra dos atos humanos, vol. 1. Rio de
Janeiro: CDB, 2017.

AGOSTINHO DE HIPONA. A Doutrina Cristã: Manual de exegese e formação cristã. São


Paulo: Paulus, 2002 (Patrística 17) (Ebook).

BOFF, Clodovis. O livro do sentido: Qual é, afinal, o sentido da vida?, vol. 1. São Paulo:
Paulus, 2021.

COELHO, Mário Marcelo. Moral Fundamental I: Introdução. Taubaté: pro manuscripto, 2022.

JOÃO PAULO II. Carta encíclica “Veritatis Splendor” (online). Disponível em:
<https://www.vatican.va/content/john-paul-ii/pt/encyclicals/documents/hf_jp-
ii_enc_06081993_veritatis-splendor.html>. Acesso em: 26 de março de 2022.

MARITAIN, Jacques. A Filosofia Moral. Tradução de Alceu Moroso Lima. Rio de Janeiro:
Livraria Agir Editora, 1964.

VIER, Frederico (coord.). Compêndio do Vaticano II: Constituições, Decretos, Declarações.


31ª ed. Petrópolis: Vozes, 2015.

Você também pode gostar