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Fernando Araújo
A hora dos
direitos dos animais
À Rosário, em comemoração do seu mestrado, mais um livro sobre gatos.
Cheguei à análise do tema dos direitos dos animais pela via das
minhas leituras de bioética. Poderá porventura afigurar-se menos claro que
este tema pertença ainda aos domínios da bioética, ou mesmo que consti
tua um caso-limite nessa disciplina - sendo de êsperar que uma tal inte
gração cause estranheza àqueles que estão habituados a abordar a bioética
de uma perspectiva estritamente centrada em interesses humanos.
E no entanto, se a bioética é o estudo da dimensão moral de acções e
intenções que se referem ao suporte vital da existência, às condições e atri
butos físicos da vida terrena - mesmo que seja apenas o estudo daqueles
que respeitam directamente à espécie humana "-"-'; então é insofismável a
integração do problema do estatuto dos não-humanos no quadro geral das
considerações da bioética, a menos que se pretenda que o suporte material
5 Só em termos jurídicos, refiramos que esta matéria prende-se com domínios tão
variados como o direito ambiental, o direito de propriedádé, o direito penal, o direito da
caça, dos transportes, a responsabilidade civil de detentores de animais, a regulamentação
da actividade agrícola, da pecuária, da veterinária, da experimentação científica, dos jar
dins zoológicos, etc. - cfr. Antoine, Suzanne, "Le Droit de l' Animal, Évolution et Pers
pectives", in Cyrulnik, B. (org.), Si les Lions..., cit., 946-947.
6 Regan, Tom, The Case for Animal Rights, Berkeley, University of Califomia Press,
1983.
7 Singer, Peter, Animal Liberation, New York, New York Review of Books, 1975
(21990).
10 Querelle des Bêtes: A Arquitrave da Bioética?
9 Cfr. Wise, Steven M., Rattling the Cage. Toward Legal Rights for Animais, Lon
don, Profile Books, 2001, 74.
10 Cfr. Festinger, Leon, A Theory of Cognitive [)issonance, Stanford, Stanford Uni-
· ._,.. ,..
versity Press, 1957. ·
11 Veja-se, por exemplo, a advertência inicial de Thomas Young, em An Essay on
Humanity to Animals, London, T. Cadell, 1798, 1 (agora reimpresso em Garrett, Aaron V.
(org.), Animal Rights and Souls in the Eighteenth Century, 6 vols., Bristol, Thoemmes
Press, 2000, V).
12 Taylor, Thomas, A Vindication of the Rights of Brutes, Boston, Benjamin Sweet
ser & William Burdick, 1795.
13 Cfr. Eckersley, Robyn, "Natural Justice. From Abstract Rights to Contextualised
Needs", Environmental Values, 3 (1994), 161-172.
12 Querelle des Bêtes: A Arquitrave da Bioética?
lista» que associa gozo estético à ideia de imutabilidade 14, não é de subes
timar, mas também não é de recear, o afinco com que todos nos esforça
mos por preservar as nossas convicções básicas - com que, monotonica
mente, tendemos a rejeitar e a desconsiderar todos os dados anómalos, ou
a absorvê-los por forma a obtermos a sua compatibilização com as nossas
convicções se estas estão ameaçadas, não sendo invulgar remetermos os
novos dados para a tal «periferia irónica» que defende o sanctus sancto
rum das nossas convicções fundamentantes.
Tudo isso contribuiria para a perenidade das convicções partilhadas,
se não nos fosse possível ultrapassarmos a «incomensurabilidade não
racional» de dois paradigmas que se sucedem (para usarmos a linguagem
celebrizada por Thomas Kuhn 1 5) - o que muitas vezes, no entanto, se
conseguirá obter por um «salto intuitivo», pela súbita iluminação do que
havia de insuficiente no paradigma anterior, ou do que há de revelador no
novo paradigma.
Quanto mais uma teoria sacode os fundamentos das nossas convic
ções, mais feroz será, em suma, a batalha a travar pela sua aceitação - até
que um salto de fé, mais do que uma indução monotónica a partir dos fac
tos adquiridos, desperte um sentido de plausibilidade e de adequação esté
tica das novas teorias 1 6.
Acredito que a causa dos direitos dos animais desperta precisamente
um tal confronto paradigmático, e por isso terei, porventura vezes de mais,
de abandonar o terreno da pura confrontação dialéctica em favor de uma
argumentação que, para·ser minimamente congruente, tem que àceitar ali
cerces novos e rejeitar alguns lugares comuns da nossa cultura herdada -
atento à advertência de Noam Chomsky de que "quando entramos na
arena do argumento e do contra-argumento,' da táctica e da praticabili
dade técnica, da citação e das notas de pé de página, quando aceitamos a
legitimidade de debatermos certas questões, a nossa humanidade já se
perdeu"l7. Tanto pior se este expediente de procurar congruência interna
14 Cfr. Lovejoy, Arthur O., The Great Chain of Being. A Study of the History of an
ldea, Cambridge Mass., Harvard University Press, 1964, 12 ( 11936).
15 Kuhn, Thomas S., The Structure of Scientific Revolutions, Chicago, University of
Chicago Press, 1962.
16 Cfr. Weinberg, Steven, "The Revolution that Didn't Happen",New York Review of
Books, 45 (8/10/98), 51.
17 Chomsky, Noam, American Power and the New Mandarins, Harmondsworth,
Penguin, 1969, 11.
A Hora dos Direitos dos Animais 13
2 1 Cfr. Kolber, Adam, "Standing Upright: The Moral and Legal Standing ofHumans
and Other Apes", Stanford Law Review, 54 (2001), 164.
22 Cfr. Arles, Paul, Libération Animale ou Nouveaux Terroristes? Les Saboteurs de
l'Humanisme, Villeurbanne, Golias, 2000; Guither,Harold D., Animal Rights. History and
Scope of a Radical Social Movement, Carbondale, Southem Illinois University Press, 1998.
23 Cfr. Simons, John, "The Longest Revolution: Cultural Studies after Speciesism",
Environmental Values, 6 (1997), 483-497.
24 Convenção Europeia para a Protecção dos Animais de Companhia, de 13 de
Novembro de 1987 (aprovada pelo Decreto n.º 13/93, de 13 de Abril).
A Hora dos Direitos dos Animais 15
"( ...) tem-me animado até hoje a ideia de que o menos que um escri
tor pode fazer, numa época de atrocidades e injustiças como a
nossa, é acender a sua lâmpada. fazer luz sobre a realidade de seu
mundo, evitando que sobre ele caia a escuridão, propícia aos
ladrões, aos assassinos e aos tiranos. Sim, segurar a lâmpada, a
despeito da náusea e do horro r. Se não tivermos uma lâmpada eléc
trica, acendamos o nosso toco de vela ou, em último caso, risque
mos fósforos repetidamente, como um sinal de que não desertamos
nosso posto" - Erico Veríssimo25 .
"Gostam das aves aquele velhote e aquela velhinha que nos magros
parques parisienses dão de comer aos pombos, e de que tão injus
tamente troçamos, pois graças àquele bater de asas que os rodeia
entram em relação com o universo" - Marguerite Yourcenar 26/27 .
"Relativamente à parte da criação que é viva apesar de desprovida
de razão, a violência mesclada de crueldade no modo de tratar dos
animais é ainda mais profandamente contrária ao dever do homem
para consigo mesmo, visto que isso entorpece no homem a simpa
tia para com o sofrimento daqueles, enfraquece e paulatinamente
aniquila uma disposição natural, muito proveitosa para a morali
dade na relação com os outro s homens - ainda que, entre outras
coisas, seja consentido aos homens matar os animais de uma forma
célere (sem tortura), ou impor-lhes um trabalho (já que os próprios
homens têm que se lhe submeter) na condição de que ele não
exceda as suas forças; em contrapartida há que condenar as expe
riências no decurso das quais os animais são martirizados ·por
meros objectivos especulativos, .quando se poderia atingir os mes
mos fins sem recorrer a elas" - Immanuel Kant 28/2 9 .
2 .a) A teriofilia
O sentimento de amor pelos animais (descontada a perversão da bes
tialidade) humaniza ou degrada a nossa humanidade? No seu sentido ori
ginal, a teriofilia - noção pioneiramente elaborada e vulgarizada por
George Boas (noção que não deveria confundir-se com a de zoo.filia por
que em rigor esta última abarca igualmente a espécie humana na sua ani
malidade, enquanto aquela se refere em exclusivo à relação com os não
humanos, sendo contudo que empregaremos as duas expressões como
sinónimos) 30 - designa uma mescla de solicitude e de compaixão, por um
lado, e por outro uma crença primitiva na superioridade dos não-humanos,
um fascínio pela pureza inimputável e determinista da «naturalidade»
deles, pela sua não-maculação por uma «intencionalidade» - um fascínio
como aquele que se denota no "efficit in avibus divina mens" de Cícero3 1 ,
ou em Jeremias 8:7.: "Até a cegonha conhece as estações que Deus lhe
indica; e a rola, o grou, a andorinha sabem o tempo das suas migrações.
Mas o meu povo não conhece os mandamentos de Deus"32.
E assim, se por um lado essa teriofilia humaniza e enobrece, exalta a
condição humana que é capaz de sentimentos de abnegação em proveito
de outras espécies, que é capaz de abster-se de retirar proveito de situações
de vulnerabilidade e de dependência em que de facto outras espécies se
tenham visto colocadas, por outro lado ela permite espelhar o carácter
decaído da nossa humanidade, servindo de pretexto à humilhação refle
xiva da nossa condição de espécie . - no que ela comporta de não-natural,
de alienado, de capaz de, na sua própria perfectibilidade, insinuar as raí
zes da sua desnaturação e da sua incompletude, furtanqo-se cruamente à
harmonia «poética» que faz de cada não-humano um testemunho elo
quente do determinismo criador da natureza3 3 e um apoio à projecção da
30 Cfr. Boas, George, The Happy Beast in French Thought of the Seventeenth Cen
tury, New York, Octagon Books, 1971, 1-2, 24-25, 47-49 ( 11933); Gill, James E., "Therio
phily in Antiquity: A Supplementary Account", Journal of the History of ldeas, 30 (1969),
40 1 -412; Lovejoy, Arthur O., George Boas & al., Primitivism and Related ldeas in Anti
quity, Baltimore, Johns Hopkins University Press, 1997, 389-420 ( 11935).
3 1 Cicero, M.T., De Divinatione Liber Prior , LIII, 120.
32 Sobre os pássaros como «humanidade metafórica», e os cães como «humanidade
metonímica», cfr. Lévi-Strauss, Claude, La Pensée Sauvage, Plon, 1962, 274.
33 A propósito dessa «dimensão poética» que se alberga na causa teriofílica, é de assi
nalar a obra semi-ficcionada do escritor sul-africano J.M. Coetzee, As Vidas .dos Animais
A Hora dos Direitos dos Animais 19
[(trad. p/ Maria de Fátima St. Aubyn), Lisboa, Temas e Debates, 1999], um conto ou meta
narrativa em duas partes, "Os Filósofos e os Animais" e "Os Poetas e os Animais", com
plementadas por quatro reflexões de especialistas, ehtre as quais a do próprio Peter Singer,
também ela apresentada sob forma ficcional - um pouco ao estilo de Jostein Gaarder.
34 Cfr. Baratay, Éric, "L'Anthropocentrisme du Christianisme Occidental", in Cyrul
nik, B. (org.), Si les Lions..., cit., 1431.
35 Veja-se o curioso paralelo com a cosmogonia platónica, exposta no Protágoras de
Platão: "E assim fez Epimeteu, o qual, não sendo muito arguto, esqueceu que tinha distri
buído pelos animais selvagens todas as qualidades que tinha para conferir - pelo que,
quando chegou ao homem, que ainda não tinha sido cónie�plado, ele ficou absolutamente
perplexo. Enquanto ele estava nesta perplexidade, Prometeu surgiu para inspeccionar a
distribuição, e verificou que todos os outros animais estavam adequadamente dotados,
enquanto que só o homem permanecia nú e descalço, sem um leito e sem armas de defesa".
3 6 Cfr . Fox, Michael A., The Case for Animal Experimentation, Berkeley, University
of Califomia Press, 1986; eiusdem, "Animal Experimentation: A Philosopher's Changing
Views", Between the Species, 3 (1987), 55-60; eiusdem, "On the «Necessary Suffering» of
Nonhuman Animais", Animal Law, 3 (1997), 25ss..
37 Cfr. Bocquet, Edmond, La Protection Pénale des Animaux dans les Législations
20 A Humanidade do Respeito
Française et Etrangeres, Paris, Recuei! Sirey, 1934; Giese, Clemens Heinrich & Waldemar
Kahler, Das deutsche Tierschutzrecht, bestimmungen zum schutze der Tiere (Tierschutz
gestz, Schlachtgesetz, Eisenbahnverkehrsordnung, Reischjagdgesetz, Reichsnaturschutz
gesetz, Strassenverkehrsordnung, mit den dazu ergangenem verordnungen) , Berlin, Dunc
ker & Humblot, 31944; Philipp, Feliciano, Protection of Animais in ltaly, Roma, Ente
Nazionale Fascista per la Protezione degli Animali, 1938.
3 8 Cfr. Bratton, Susan Power, "Luc Ferry's Critique of Deep Ecology, Nazi Nature
Protection Laws, and Environmental Anti-Semitism", Ethics and the Environment, 4
(1999), 3-22; Kalechofsky, Roberta, "Nazis and Animals: Debunking the Myth", The Ani
mais' Agenda, 16 (1996), 32ss..
39 Cfr. Attfield, Robin,. The Ethics of Environmental Concern, Oxford, Blackwell,
1983, 37; Baird, Robert M. & Stuart E. Rosenbaum (orgs.), Animal Experimentation: The
Moral lssues, Buffalo NY, Prometheus Books, 1991; Bleich, J. David, "Judaism and Ani
mal Experimentation", e Gaffney, James, "The Relevance of Anima) Experimentation to
Roman Catholic Ethical Methodology", ambos in RegãiJ., Tom (org.), Animal Sacrifices.
Religious Perspectives on the Use of Animais in Science, Philadelphia, Temple University
Press, 1986, 61ss., 149ss.; Harrison, Peter, "Animal Souls, Metempsychosis, and Theodicy
in Seventeenth-Century English Thought", Journal of the History of Philosophy, 31
(1993), 519-544; Hastings, Hester, Man and Beast in French Thought of the Eighteenth
Century, Baltimore, The Johns Hopkins Press, 1936, 242ss.; Maehle, Andreas-Holger,
"Literary Responses to Animal Experimentation in Seventeenth- and Eighteenth-Century
Britain", Medical History, 34 (1990), 27ss.; Passmore, John, "The Treatment of Animals",
Journal of the History of Ideas, 36 (1975), 195ss.; Shugg, Wallace, "Humanitarian Attitu
des in the Early Animal Experiments of the Royal Society", Annals of Science, 24 (1968),
227-238.
40 Como Berchtold, Leopoldo, Ensaio sobre a Extensão dos Limites da Beneficência
a Respeito, Assim dos Homens, Como dos Mesmos Animaes, Lisboa, Régia Oficina Tipo
gráfica, 1793; Bougeant, Guillaume Hyacinthe, Amusement Philosophique sur le Langage
A Hora dos Direitos dos Animais 21
des Bêtes, Geneve, Droz, 1954 ( 11739); Boullier, David Renaud, Essai Philosophique sur
l 'Âme des Bêtes, Précédé du Traité des \fois Principes qui Servent de Fondement à la Cer
titude Morale, Paris, Fayard, 1985 ( 1 1728, 21737); Daggett, Herman, The Rights of Ani
mais. An Oration Delivered at Providence College, Sépie'Iríber 7, 1 791, New York, Ameri
can Society for the Prevention of Cruelty to Animais, 1926; Oswald, John, The Cry of
Nature. Or, an Appeal to Mercy and to Justice, on Behalf of the Persecuted Animais, Lon
don, J. Johnson, 1791; Young, Thomas, An Essay on Humanity to Animais, London, T.
Cadell & W. Davies, 1798.
4 1 Cfr. Agulhon, Maurice, "Le Sang des Bêtes. Le Probleme de la Protection des Ani
maux en France au x1xe Siecle", in Cyrulnik, B . (org.), Si les Lions ..., cit., 1185.
42 Sobre a dificuldade de destrinça entre deveres «directos» e «indirectos» no direito
positivo, cfr. Kolber, A., "Standing Upright...", cit., 177 .
22 A Humanidade do Respeito
43 Cfr. Miller, Peter, "Do Animais Have Interests Worthy of Our Moral Interest?'\
Environmental Ethics, 5 (1983), 3 19-334; Sprigge, Timothy L.S., "Respect for the Non
Human", in Chappell, T.D.J. (org.), The Philosophy of the Environment, Edinburgh, Edin
burgh University Press, 1999, 117- 134; Shepard, Paul, The Others: How Animais Made Us
Human, Washington DC, Island Press, 1995.
44 Pense-se na ansiedade do animal enjaulado que não consegue assegurar, dentro do
seu espaço confinado, a «distância crítica» que, permitindo-lhe a fuga, evitasse a sua agres
sividade defensiva - cfr. Ellenberger, Henri, "Jardin Zoologique et Hôpital Psychiatri
que", in Brion, Abel & Henry Ey (orgs.), Psychiatrie Animale, Paris, Desclée de Brouwer,
1964, 574-575.
45 Aquilo que tantos visitantes de jardins zoológicos tomam por comportamentos
A Hora dos Direitos dos Animais 23
sada pelo aumento da sua longevidade46, ou, nas versões modernas do Tier
garten (tributárias do pioneirismo de Carl Hagenbeck47), sucessoras do
paradeisos persa, do vivarium romano e da «ménagerie» iluminista48, por
pretensas reconstruções de «ecossistemas» e por colecções de animais com
afinidades filogenéticas (bastando pensar-se que os dados da genética apon
tam para o facto de qualquer população com menos de 500 indivíduos ter
uma elevadíssima probabilidade de extinção por acidentes reprodutivos e
por degeneração endogâmica49 - ainda que se reconheça que a reprodução
em cativeiro é para muitas espécies ameaçadas a última oportunidade)50.
bizarros, cómicos até, dos animais, são na realidade manifestações de profundas alterações
psíquicas e fisiológicas. Há -por isso nos jardins zoológicos essencialmente uma «desnatu
ração», uma «conservação» de animais que são roubados à natureza e ficam perdidos para
essa mesma natureza; pelo que há quem sugira ironicamente a designação de «jardins zoo
ilógicos» - cfr. Nouet, Jean-Claude, "Zoos", in Cyrulnik, B. (org.), Si les Lions . .., cit.,
547, 552.
46 Cfr. Allen, Robert D. & William H. Westbrook (orgs.), The Handbook of Animal
Welfare: Biomedical, Psychological, and Ecological Aspects of Pet Problems and Control,
New York, Garland, 1979; Appleby, Michael C., What Should We Do About Animal Wel
fare?, Oxford, Blackwell Science, 1999; Appleby, Michael C. & Barry O. Hughes (orgs.),
Animal Welfare, Wallingford, CABI, 1997 ; .Clough, Caroline E. & Barry Kew, The Animal
Welfare Handbook, London, Fourth Estate, 1993; Ng, Yew-Kwang, "Towards Welfare Bio
logy: Evolutionary Economics of Animal Consciousness and Suffering", Biology and Phi
losophy, .10 (1995), 255-285 ; Webster, John, Animal Welfare. A Cool Eye Towards Eden,
Oxford, .Blackwell Science, 1995.
47 Cfr. Hagenbéck, C., Von Tieren und Menschen. Erlebnisse und Erfahrungen, Ber
lin, Deutsches Verlagshaus, 1908.
48 Cfr. Ellenberger, Henri, "Jardin Zoologiqué et Hôpital Psychiatrique", in Brion, A.
& H. Ey (orgs.), Psychiatrie Animale, cit., 560ss..
49 É impossível compaginar os desígnios da biodiversidade com as condições de
criação de animais domésticos e de abate, e de animais em cativeiro - bastando pensar
mos no quanto é difícil respeitar os limites da consanguinidade, que impõem a inexistên
cia de antepassados comuns nas cinco gerações anteriores às dos progenitores. Enquanto a
selecção natural tende a ser estabilizadora de um polimorfismo genético, a selecção artif
i
cial, porque é direccionada, tende a reduzir a variabiÍid�dé' genética nas populações. Cfr.
Denís, Bernard, "La Fabrication des Animaux", in Cyrulnik, B. (org.), Si les Lions ..., cit.,
713, 720.
5 0 Cfr. Druckler, Geordie, "Toward a More Appropriate Jurisprudence Regarding the
Legal Status of Zoos and Zoo Animais", Animal Law, 3 (1997), 189ss.; Dunlap, Julie &
Stephen R. Kellert, "Zoos and Zoological Parks", in Reich, Warren Thomas (org.), Ency
clopedia of Bioethics, Revised Edition, New York, Simon & Schuster - Macmillan, 1995,
184-187; Hancocks, David, A Dijferent Nature.: The Paradoxical World of 'Zoos and Their
Uncertain. Future, Berkeley, University of Califomia Press, 2001, passim; Jamieson, Dale,
24 A Humanidade do Respeito
"Zoos and Animal Welfare", in Bekoff, Marc & Carron A. Meaney (orgs .) , Encyclopedia
of Animal Rights and Animal Welfare, Westport CT, Greenwood Press , 1 998 , 376-377 ;
Jamieson, Dale, "Zoos Revisited" , in Chappell, T.D .J. (org.), The Philosophy of the Envi
ronment, cit., 1 80- 1 92; Kreger, Michael D., "History of Zoos" , in Bekoff, M. & C .A. Mea
ney (orgs .) , Encyclopedia of Animal Rights..., cit., 369�370; Loisel , Gustave, Histoire des
Ménageries de l'Antiquité à Nos Jours, 3 vols ., Paris, O. Doin , 1 9 1 2; Malamud, Randy,
Reading Zoos. Representations of Animais and Captivity, New York, New York University
Press , 1 998 .
5 1 Cfr. Cyrulnik, Boris, "Les Animaux Humanisés", in Cyrulnik, B . (org.) , Si les
Lions..., cit., 48 .
52 Está hoje comprovado que existe um passado de violência com animais numa ele
vada percentagem de assassinos em série, como o «Son of Sam» (David Berkowitz) , o
«Boston Strangler» (Albert DeSalvo) , Jeffrey Dahmer, etc . - cfr. Lockwood, Randall &
Frank R. Ascione (orgs .) , Cruelty to Animais and Interpersonal Violence. Readings in
Research and Application, West Lafayette lnd., Purdue University Press , 1 998 .
53 Cfr. Hutton, J. S . , "Animal Abuse as a Diagnostic Approach in Social Work" , in
Katcher, Aaron Honori & Alan M . Beck ( orgs.), New Perspectives on Our Lives With Com
panion Animais, Philadelphia PA, University of Pennsylvania Press , 1 983 , 444-447 .
A Hora dos Direitos dos Animais 25
54 Sobre a Lei Grammont e os seus antecedentes, cfr. Agulhon, Maurice, "Le Sang
des Bêtes. Le Probleme de la Protection des Animaux en France au XJXe Siecle", in Cyrul
nik, B. (org.), Si les Lions . .., cit., 1192ss.; Ferry, Luc & Claudine Germé (orgs.), Des Ani
maux et des Hommes. Anthologie des Textes Remarquables Écrits sur le Sujet du XVe Sie
cle à Nos Jours, Paris, Librairie Générale Française, 1994, 457-465.
55 Cabet, na sua Voyage en /carie (1840), tinha já imaginado o afastamento dos mata
douros para as periferias das cidades, poupando aos habitantes citadinos o cruento espectá
culo do abate na via pública - Cabet, Étienne, Oeuvres, Paris, Anthropos, 1970, I, 43-44.
26 A Humanidade do Respeito
axiológica, mesmo que difusa e inorgânica. Terá que ser a sociedade, com
novos hábitos e convicções, a impor ao Direito o reconhecimento de que
há alguns seres não-humanos que não só têm interesses que não podem
ser objecto de comércio, que não podem ser postos em causa ou aliena
dos a troco de quaisquer benefícios, por mais elevados que esses benefí
cios sejam56, mas também - · mais crua e crucialmente - têm capacida
des de satisfação e sofrimento que, no seio da experiência terrena,
são directamente comensuráveis com os da espécie humana, disputando
legitimamente com ela os meios escassos com os quais todas as formas
de vida dotadas de sensibilidade aumentam a satisfação e reduzem o
sofrimento.
Quando se fala de «direitos dos animais», notemo-lo, pode ter-se em
vista dois propósitos distintos:
1) o de deixar assente que a apropriação humana. do mundo animal
não é um facto evidente ou incontrovertido - e que por isso
existe um programa de defesa sistemática dos interesses em jogo
(usando-se a expressão, pois, no mesmo sentido em que ela ocorre
quando se trata de referir os «direitos» de categorias de pessoas);
2) o de procurar a consagração de uma genuína personalidade jurí
dica nalguns não-humanos, mesmo fazendo tábua-rasa daquilo
· que possa entender-se como distintivo da espécie humana, ou da
liberdade de conduta que exista para a normalidade dos indiví
duos dentro desta espécie5 7 .
Conquanto possamos, uma vez por outra, referir-nos a um só desses
propósitos, temos para nós que só a prossecução simultânea de ambos faz
sentido - se é uma verdadeira «juridicidade» que se trata de constituir, na
tutela de interesses individuais e colectivos dos não-humanos, e não que
remos ficar pelas «meias-tintas» bem-intencionadas de simples proclama
ções enfáticas.
Porisso há que transcender o radicalismo antropocêntrico - que em
breve assimilaremos ao preconceito do «espec(smo» - através do «des
centramento da (bio)ética», o remate de outros «descentramentos» anti-
56 Cfr. Francione, G.L., "Animais as Property", cit., iv-v; Wicklund, Petra Renée,
"Abrogating Property Status in the Fight for Animal Rights", Yale Law Journal, 107
(1997), 569ss.
5 7 Cfr. Goffi, Jean-Yves, "Droits des Ariimaux et Libération Animale", in Cyrulnik,
B. (org.), Si les Lions ... , cit., 891.
A Hora dos Direitos dos Animais 27
6 1 Cfr. Barton, Miles, Direitos dos Animais (trad. p/ Espirídia Viterbo), Porto, Edin
ter, 1988; eiusdem, Porque Maltratámos os Animais? (trad. p/ Rui M_ário Oliveira Correia),
Porto, Asa, 1990; Kelch, Thomas G., "The Role of The Rationàl and the Emotive in a
Theory of Animal Rights", Boston College Environmental Ajfairs Law Review, 27 (1999),
34-36; Wise, Steven M., "Recovery of Common Law Damages for Emotional Distress,
Loss of Society, and Loss of Companionship for the Wrongful Death of a Companion Ani
mal", Animal Law, 4 (1998), 33ss..
62 Veja-se, por exemplo, Franklin, Adrian, Bruce Tranter & Robert White, "Explai
ning Support for Animal Rights: A Comparison of Two Recent Approaches to Humans,
Nonhuman Animais, and Postmodernity", Society & Animals, 9 (2001), 127-144.
63 Cfr. Phineas, Charles, "Household Pets and Urban Alienation", Journal of Social
History, 7 (1974), 340; Stewart, Mary, "Loss of a Pet - Loss of a Person. A Comparative
Study of Bereavement", in Katcher, A.H. & A.M. Beck (orgs.), New Perspectives on Our
Lives. . ., cit., 390-404.
64 Um neologismo para designar o «fetichismo com animais de companhia (pets)»,
forjado pela aglutinação «pet» + <1etishism» = «petishism» .
A Hora dos Direitos dos Animais 29
67 Cfr. Kelch, T.G., "The Role of the Rational. . . ", cit., l ss..
68 Cfr. La Follette, Hugh, "Animal Rights and Human Wrongs", in Dower, N. (org.),
Ethics and the Environment, Aldershot, Gower Press, 1989, 80; Taylor, Angus, "Animal
Rights and Human Needs", Environmental Ethics, 1 8 ( 1 996), 249-260.
69 Cfr, Primatt, Humphrey, A Dissertation on the Duty of Mercy and Sin of Cruelty
to Brute Animais, London, T. Cadell, 1 776, 35-36, 4 1 -43 (agora reimpresso em Garrett,
A.V. (org.), Animal Rights and Souls . . ., cit., III).
A Hora dos Direitos dos Animais 31
70 Veja-se, a esse respeito, Oswald, John, The Cry of Nature, or an Appeal to Mercy
and to Justice, on Behalf of the Persecuted Animais, London, J. Johnson, 1791, 77-78
(agora reimpresso em Garrett, A.V. (org.), Animal Rights and Souls . . ., cit., IV), os seus
argumentos vegetarianos (ibid., 32) e as suas alegações contra a «coisificação» de seres
vivos e sensíveis (ibid., 86).
7 1 Cfr. Engell, James, The Creative Jmagination: Enlightenment to Romanticism,
Cambridge Mass., Harvard University Press, 1981, 143-160; Thomas, Keith, Man and the
Natural World: A History of the Modem Sensibility, New York, Pantheon Books, 1983.
72 Cfr. Serres, Michel, Le Contrat Naturel, Pw;is, François Bourin, 1990; Arluke,
Arnold & Clinton R. Sanders, Regarding Animais, Phiradé)pfíia, Temple University Press,
1996; Dumas, Denis, "Peut-il y Avoir un Contrat Naturel? La Raison Modeme au Tribunal
de l'Écologie", Dialogue, 31 (1992), 292-310.
73 Veja-se algumas ideias similares em: Burgat, Florence, Animal, Mon Prochain,
Paris, Odile Jacob, 1997; Morris, Desmond, The Animal Contract. Sharing the Planet,
London, Virgin, 1990.
74 Cfr. Cave, George S., "Animais, Heidegger, and the Right to Life", Environmen
tal Ethics, 4 (1982), 249-254; Schalow, Frank, "Who Speaks for the Animais? Heidegger
and the Question of Animal Welfare", Environmental Ethics, 22 (2000), 259-271.
32 A Humanidade do Respeito
77 Cfr. Fiedler, Leslie, Freaks: Myths and lmdges of the Secret Self, New York,
Simon & Schuster, 1978, 28; Serpell, James & Elizabeth Paul, "Pets and the Development
of Positive Attitudes to Animals", in Manning, Aubrey & James Serpell (orgs.), Animais
and Human Society, London, Routledge, 1994, 127-144.
7 8 Maclntyre, Alasdair, Dependent Rationai Animais. Why Human Beings Need the
Virtues, Chicago, Open Court, 1999, 2; eiusdem, "The Need for a Standard of Care", in
Francis, Leslie & Anita Silvers (orgs.), Americans with Disabilities. Expioring lmplications
of the Law for Individuais and lnstitutions, New York, Routledge, 2000, 81-86. Cfr. ainda:
Bronze, Fernando José, Lições de Introdução ao Direito, Coimbra, Coimbra Editora, 2002,
34 A Humanidade do Respeito
104n5; Waller, Bruce N., The Natural Selection of ÀÜtonomy, Albany NY, SUNY Press,
1998.
79 Às vezes indutora de pobreza, como é enfatizado em: Cicchino, Peter M. , "Buil
ding on Foundational Myths: Feminism and the Recovery of «Human Nature»: A Response
to Martha Fineman", Journal of Gender, Social Policy & The Law, 8 (2000), 73.
80 Incondicionalmente significantes e infungíveis para aqueles que nos amam a par
tir da sua dependência. Cfr. Becker, Lawrence C. , "The Good of Agency", in Francis, L. &
A. Silvers (orgs.), Americans with Disabilities . . . , cit., 54-63.
81 Cfr. também: Fineman, Martha Albertson, "Cracking the Foundational Myths:
Independence, Autonomy, and Self-Suffi.ciency", Journal of Gender, Social Policy & The
Law, 8 (2000), 14.
82 Kittay, Eva Feder, Love 's Labor. Essays on Women, Equality, and Dependency,
London, Routledge, 1999, 27; eadem, "At Home with My Daughter", in Francis, L. & A.
Silvers (orgs.), Americans with Disabilities . . . , cit., 64-80.
3. A «Especista» Soberba Humana
8 5 Mais do que 98%, - se pensarmos que uma parte do DNA é inerte em termos de
informação genética. Cfr. Goodall, Jane, "The Conflict Between Species in an Ever More
Crowded World", Animal Law, 4 (1998), iss.
86 Os chimpanzés estão geneticamente (e tamb�m· morfologica e bioquimicamente)
mais próximos dos humanos do que dos gorilas. E contudo, a distância de 2% do DNA
pode não ser de modo algum despicienda, se pensarmos nas profundas diferenças que
encontramos na espécie humana, a qual está apesar disso ligada, toda ela, por uma simili
tude de 99,99% do DNA - cfr. Kolber, A., "Standing Upright...", cit., 169.
87 A existência de «zoonoses», ou seja, de doenças «sem fronteiras», transmissíveis
irrestritamente entre as espécies, constitui um dado objectivo contra as «barreiras especis
tas». As zoonoses pode ser causadas pelos mais diversos agentes patogénicos: parasitas
(ténias, toxoplasmose), bactérias (salmonelas, tuberculose), vírus (raiva, gripe). Cfr. Bru
gere-Picoux, Jeanne, "Maladies Sans Frontieres. Les Agents Transmissibles Non Conven
tionnels ou «Prions»", in Cyrulnik, B. (org.), Si les Lions ..., cit., 783.
88 Montaigne, Michel de, "Apologie de Raimond Sebond", in Essais, cit., II, 92.
89 Montaigne, Michel de, "Apologie de Raimond Sebond", in Essais, cit., II, 95.
90 Cfr. Cyrulnik, Boris, "Les Animaux Humanisés", in Cyrulnik, B. (org.), Si les
Lions ... , cit., 29.
A Hora dos Direitos dos Animais 37
95 Cfr. Jamieson, Dale, "Ethics and Animais: A Brief Review", Journal of Agricul
tura[ and Environmental Ethics, 6 - Supplement (1993), 15-20.
96 Sobre a «ilusão antropomórfica» e a sua demarcação face à «ilusão zoomórfica»,
cfr. Ellenberger, Henri, "Jardin Zoologique et Hôpital Psychiatrique", in Brion, A. & H. Ey
(orgs.), Psychiatrie Animale, cit., 559.
97 Haveria ainda a distinguir a «zoomania», que procura na natureza não-humana
espelhos de virtudes, a «zooantropia» que assenta na identificação despersonificante das
motivações humanas com as não-humanas, do «zoomorfismo» que procura decalcar da
«naturalidade animal» paradigmas de conduta humana - cfr. Bensch, Claude, "La Nudité
Primale", in Cyrulnik, B. (org.), Si les Lions..., cit., 172-173.
9 8 Cfr. Kelch, Thomas G., "Toward a Non-Property Status for Animais", New York
University Environmental Law Journal, 6 (1998), 539.
A Hora dos Direitos dos Animais 39
99 Cfr. Lansbury, Coral, The Old Brown Dog. Women, Workers, and Vivisection in
Edwardian England, Madison, University of Wisconsin Press, 1985, 17 1.
100 Smellie, William, The Philosophy of Natural History, Edinburgh, Bell & Brad
fute &e., 1799, II, 419-420 (agora reimpresso em Garrett, A.V. (org.), Animal Rights and
Souls . . . , cit., I) .
101 "Vai ter com a formiga, preguiçoso! Observa o seu comportamento e aprende!
Ainda que não tenha nem chefe, nem governador, nem superior, contudo sabe que deve tra
balhar bem no Verão, juntando alimento com vista ao Inverno"; "As formigas - que são uns
animaizinhos sem defesa mas que sabem guardar no Verão a comida para o Inverno" -
Provérbios, 6: 6; 30: 25.
102 Cfr. Pluhar, Evelyn B., Beyond Prejudice: The Moral Significance of Human and
Nonhuman Animais, Durham NC, Duke University Press, 1995; eadem, "Is There a Moral
Relevant Difference Between Human and Animal Nonpersons?", Journal of Agricultura[
Ethics, 1 (198 1), 59-68.
40 A «Especista» Soberba Humana
104 Hume, David, A Treatise of Human Nature (L.A . Selby-Bigge & P.H . Nidditch ,
eds.), Oxford, Clarendon, 1989, 177.
42 A «Especista» Soberba Humana
10 6 Plutarch, Moralia. XII - Bruta Animalia Ratione Uti (trad. p/ Harold Chemiss &
William C. Helmbold), Cambridge Mass., Harvard U.P., 1957 (Loeb, 406). O episódio é
referido também por Erasmo no Elogio da Loucura, XXXV.
10 7 La Fontaine, Jean de, Les Compagnons d'Ulysse, in Fables, Paris, Flammarion,
1995, XII. Cfr. Bronze, F.J., Lições..., cit., 104n6.
4. A «Cadeia do Ser» e a Demarcação
entre Espécies
1 10 Charles Darwin começa por fornecer uma visão puramente animal da espécie
humana (em nome da unidade do mundo biológico) em On the Origins of Species by
Means of Natural Selection, or Preservation of Favoured Races in the Struggle for Life
(11859), e só mais tarde versa especificamente o problema da colocação da espécie humana
no contexto natural, em The Descent of Man, and Selection in Relation to Sex ( 1 1871).
Entre ambas as obras, a diferença está em que na segunda se admite que o mecanismo da
selecção natural se encontrar ele próprio submetido a uma dinâmica evolutiva - e que por
isso o mecanicismo evolutivo possa ceder, nas sociedades humanas, à prevalência de estra
tégias altruístas, solidaristas, e outras. Cfr. Tort, Patrick, "Darwinisme Social: La Méprise",
in Cyrulnik, B. (org.), Si les Lions..., cit., 602-603.
1 1 1 Cfr. Dombrowski, Daniel A., The Philosophy of Vegetarianism, Amherst, Uni
versity of Massachusetts Press, 1984, 84; Brumbaugh, Robert S., "Of Man, Animals, and
Morais: A Brief History", in Morris, Richard Knowles & Michael W. Fox (orgs.), On the
Fifth Day - Animal Rights and Human Ethics, Washington DC, Acropolis Books, 1978,
11; Petrinovich, Lewis F., Darwinian Dominion. Animal Welfare and Human Interests,
Cambridge Mass., MIT Press, 1999; Racheis, James, Created from Animais. The Moral
Implications of Darwinism, Oxford, Oxford University Press, 1990; Wise, Steven M.,
"How Nonhuman Animais Were Trapped in a Nonexistent Universe", Animal Law, 1
(1995), 36, 39.
1 12 Cfr. Finkelstein, Jacob J., "The Ox that Gored", Transactions of the American
Philosophical Society, 71/2 (1981), 7-8, 39; Guerrini, Anita, "The Ethics of Animal Expe
rimentation in Seventeenth-Century England", Journal of the History of Ideas, 50 (1989),
391ss.; Harrison, P., "Animal Souls... ", cit., 519ss ..
A Hora dos Direitos dos Animais 47
humana). Não havendo lugar ao acaso - rejeição de Tyché que denota «hor
ror vacui» - , tendo-se tudo por sobredeterminado, e reduzindo-se o conhe
cimento à descoberta, à revelação, desse plano providencial, compreende.,.se
que o acesso a esse plano através do conhecimento - primeiro o conheci
mento mítico, depois o racional - tenha deixado a espécie humana numa
posição privilegiada quanto à tradução do plano providencial e quanto à con
formação valorativa com os seus propósitos teleológicos; sendo disso um
típico corolário - formulado já por Hesíodo em Os Trabalhos e os Dias -
a convicção de que era próprio, e exclusivo, do humano o cultivo de valores
como a justiça, por contraposição à «condição animal», limitada, na sua vida
de relação, ao recurso à violência 113.
Séculos volvidos, Thomas Hobbes, no Leviathan e no De Cive, reti
rará corolários de um similar entendimento dualista para a sua concepção
da condição dos não-humanos: visto que estes não faziam parte do «pac
tum subjectionis» através do qual os humanos alcançavam a paz e se liber
tavam do «estado de natureza», eles não apenas ficavam irremediavel
mente presos a um tal «estado de natureza», como ainda podiam
livremente matar humanos e ser mortos por humanos sem que se verifi
casse qualquer injustiça - visto, muito singelamente, não ocorrer o valor
justiça no estado de natureza _ 1 1 4.
Mas fora Aristóteles a rematar esse filão do determinismo helénico,
insistindo em que toda a natureza é teleológica, o que significa que todos
os processos naturais estão dirigidos a um determinado fim e se definem
em função dele: complementando, afinal, o «princípio de plenitude» que
Platão formulara já, a ideia de que a vida mais não é do que a realização
de todas as possibilidades de existência que se contêm em potência nas
ideias que correspondem às formas vivas, e que portanto a natureza é uma
grande «ordem cósmica» dentro da qual cada uma dessas formas vivas
ocupa uma posição estanque e rígida, numa confirmação viva e perma
nente da imobilidade e congruência inteligível desse «grande esquema das
coisas» que a tudo confere um sentido, dessa «Grande Cadeia do Ser» 1 1 5 .
1 13 Cfr. Wise, S.M., "How Nonhuman Animais . . . ", cit., 20; eiusdem, Rattling the
Cage, cit., 1 1.
1 14 Cfr. Wise, S.M., Rattling the Cage, cit., 4 1.
1 15 Cfr. Lovejoy, A.O., The Great Chain of Being, cit., 52-53 ; Wise, S.M., "How
Nonhuman Animais. . . ", cit., 23 ; Bekoff, Marc, "What is a «Scale of Life?»", Environ
mental Values, 1 ( 1992), 253-256.
48 A «Cadeia do Ser» e a Demarcação entre Espécies
1 16 Cfr. Singer, Peter, Libertação Animal (trad. p/ Maria de Fátima St. Aubyn), Porto,
Via Óptima, 2000, 221.
117 Cfr. Wise, S.M., "How Nonhuman Animais . . . ", cit., 26-30.
1 18 Cfr . Plutarch, Moralia. XII- Bruta Animalia Ratione Uti. De Solertia Animalium
(trad. p/ Harold Chemiss & William C. Helmbold), Cambridge Mass., Harvard U.P., 1957
(Loeb, 406); Porphyre, De l'Abstinence (trad. p/ J. Bouffartigue & M. Patillon), Paris, «Les
Belles Lettres», 1979, III, 152ss ..
1 1 9 Cfr. Harrison, Peter, "The Virtues of Animais in Seventeenth-Century Thought",
Journal of the History of ldeas, 59 (1998), 464.
A Hora dos Direitos dos Animais 49
120 Por entre uma vasta literatura, cfr. Engberg-Pedersen, Troeis, The Stoic Theory of
Oikeiosis. Moral Development and Social lnteraction in Early Stoic Philosophy, Aarhus,
Aarhus University Press, 1990; Sorabji, Richard, Animal Minds and Human Morals - The
Origins of the Western Debate, London, Duckworth, 1993.
12 1 Cfr. Philonis Alexandrini, De Animalibus a<Jversus Alexandrum (trad. p/ Abraham
Terian), Ann Arbor, Scholar Press, 1981, §§ 45 e 84. , · ·/ '
122 "lus naturale est, quod natura omnia animalia docuit: nam ius istud non humani
generis proprium, sed omnium animalium, quae in terra, quae in mari nascuntur, avium
quoque commune est" (D. 1.1.1.3, Ulpianus 1 inst.); "lus naturale est quod natura omnia
animalia docuit. nam ius istud non humani generis proprium est, sed omnium animalium,
quae in caelo, quae in terra, quae in mari nascuntur" (1 . 1.2.pr). Cfr. Cordeiro, A. Mene
zes, Tratado ... /- li- Coisas, cit. , 2 17.
12 3 É possível multiplicar as expressões eloquentes dessa dualidade estóica que se
encontra nos textos justinianeus, mas limitemo-nos a algumas: "Manumissiones quoque
50 A «Cadeia do Ser» e a Demarcação entre Espécies
-se, por isso, uma tensão similar àquela que se registou entre o direito
natural que, em nome da «liberdade natural», proscrevia a escravatura, e o
direito das nações que, em nome de uma prática civilizacional expressiva
de interesses, a admitia; uma tensão que durou quase dois mil anos, até ao
triunfo do entendimento abolicionista do direito natural - mas que, como
observa Steven Wise, subsiste ainda no caso dos não-humanos I24 .
Um dos equívocos básicos da «Grande Cadeia do Ser» (da scala natu
rae) foi ter-se tomado o «plenumformarum», não como um simples inventá
rio apres-coup, mas como um predeterminado «programa da natureza» que
se consumaria nessa «plenitude actual», como comprovativo de uma predis
posição - e não de uma predisposição qualquer, mas de uma vontade pro
videncial omnipotente, antropomórtica na sua infinita bondade, tal como ela
passava a conceber-se com o triunfo generalizado dos monoteísmos I25/ I26.
Decisiva para a ideia de uma «Grande Cadeia do Ser» é, insista-se, a
convicção de que, subjazendo-lhe uma ordenação divina, nada deveras
existe por acaso, de que tudo serve uma teleologia, de que nenhuma poten
cialidade fica por realizar-se num «princípio de plenitude» que é tanto o
efectivar de tudo o que é conceptualmente pensável como é o desenrolar
de um enredo significante - ainda que o significado só seja acessível no
fim dos tempos - , convertendo a ligação entre «mundo inteligível» e
«mundo sensível» num princípio de determinismo cósmico 127 ; e de que o
iuris gentium sunt. est autem manumissio de manu missio, id est datio. libertatis: nam
quamdiu quis in servitute est, · manui et potestati suppositus est, manumissus liberatur
potestate. quae res a iure gentium originem sumpsit, utpote cum iure naturali omnes liberi
nascerentur nec esset nota manumissio, cum servitus esset if1cognita: sed posteaquam iure
gentium servitus invasit, secutum est bene.ficium manumissionis. et cum uno naturali
nomine homines appellaremur, iure gentium tria genera esse coeperunt: liberi et his con
trarium servi et tertium genus liberti, id est hi qui desierant esse servi" (D. 1.1.4, Ulpianus
1 inst.); "Servitus est constitutio iuris gentium, qua quis domínio alieno contra naturam
subicitur" (D. 1.5.4.1, Florus 9 inst.). "Servitus autem est constitutio iuris gentium, qua
quis domínio alieno contra naturam subicitur" (1. 1.3.2).
124 Cfr. Wise, S .M., Rattling the Cage, cit., 33.
125 Cfr. Lovejoy, A.O., The Great Chain of Being, cit., 244.
126 Sobre a inferiorização dos animais como corolário da «grande cadeia do ser», ver
também: Maybury-Lewis, David, Millennium: Tribal Wisdom and the Modem World, New
York, Viking, 1992, 36-37; Milner, Richard, The Encyclopedia of Evolution: Humanity 's
Search for lts Origins, New York, Henry Holt, 1990, 201.
1 21 Cfr. Lovejoy, A.O., The Great Chain of Being, cit., 52; Wise, S .M., Rattling the
Cage, cit., 11-16.
A Hora dos Direitos dos Animais 51
Omnia VII (J.-P. Migne, ed., Patrologiae Cursus Completus. Series Latina, 199), Paris, s.n.,
1900, cols. 635ss..
135 Cfr. Lovejoy, A.0., The Great Chain of Being, cit., 90-91.
136 Green, Peter, Alexander to Actium. The Historical Evolution of the Hellenistic
Age, Berkeley, University of Califomia Press, 1990, 462.
137 Essa «ilusão finalista» pode ser entendida como uma perversa decorrência da
«domesticação». Cfr. Baratay, Êric, "L'Anthropocentrisme du Christianisme Occidental",
in Cyrulnik, B. (org.), Si les Lions . .., cit., 1442.
1 3 8 Cfr. Wise, S.M., Rattling the Cage, cit., 9, 12.
54 A «Cadeia do Ser» e a Demarcação entre Espécies
142 Cfr. Summa Theologiae, Prima Secundae, Q. 13, 2/3, "Utrium Electio Conveniat
Brutis Animalibus" ; Aristotle, History of Animais. Books 7-10 (trad. p/ D.M. Balme), Cam
bridge Mass., Harvard U.P., 1 99 1 , VIII-IX, 558a20, 608a l 7, 6 10b22, 6 1 2a l (Loeb, 439);
Sorabji, R., Animal Minds . . ., cit., 12-20. ,
143 Summa Theologiae, Secunda Secundae Partii; Qu'aéstio 64, art. 1 , ad. 3.
144 Civitas Dei, I, 20.
145 Contra Celsum, IV, 54.
146 Confessiones, 13. 23. 33. Cfr. Muratova, Xénia, "Adam Donne Leurs Noms Aux
Animaux", Studi Medievali, 1 8 ( 1 977), 368-373.
147 Summa Contra Gentiles, Livro 3b, Cap. CXII. Cfr. Warren, Mary Anne, Moral
Status. Obligations to Persons and Other Living Things, Oxford, Clarendon, 1 997, passim.
14 8 Sobre a posição de S. Tomás de Aquino acerca do estatuto dos não-humanos, cfr.
ainda: Macintyre, A., Dependent Rational Animais . . ., cit., 53-55.
56 A «Cadeia do Ser» e a Demarcação entre Espécies
152 Cfr. Budiansky, Stephen, /f a Lion Could 'Fqlk...4-TJimal Intelligence and the Evo
lution of Consciousness, New York, Free Press, 1998; xxiii.
153 Cfr. Bodson, Liliane, "L'Histoire des Animaux", in Cyrulnik, B. (org.), Si les
Lions . . ., cit., 238.
154 Friedrich, Hugo, Montaigne (trad. p/ Dawn Eng), Berkeley, University of Cali
fomia Press, 1991, 121 (11949).
155 Cfr. Foucault, Michel, Histoire de la Folie à l 'Âge Classique, Paris, Gallimard,
1976, 31.
156 Já que "da «natureza racional» não se infere forçosamente a ... dignidade ética!"
- Bronze, F.J., Lições . . ., cit., 450n l 06.
58 A «Cadeia do Ser» e a Demarcação entre Espécies
tarem conhecer ou explicar o mundo para viverem nele, e por isso é-lhes
mais imediatamente acessível a integração na natureza e uma vida harmo
niosa e pacífica. Dito de outro modo, e com uma tonalidade mais antropo
cêntrica, para os cépticos não existe nenhuma ligação necessária ou
demonstrável entre a realidade física e os estados mentais, nenhuma
garantia metafísica, ou anima mundi, que assegure a realidade e a fiabili
dade desse contacto, pelo que para o homem esse desejo de conhecimento
como condicionamento da acção pode permanecer indefinidamente como
um conatus frustrado 157 .
Montaigne adita a esses precursores pirronistas o quantum satis de
teriofilia para encontrar a pedra angular, a «petra scandali», de um «des
centramento ético» que se abre à consideração da paridade de condições
naturais de todas as espécies - uma espécie de antecâmara do darwi
nismo: "A Natureza acolheu universalmente todas as criaturas; e não há
nenhuma que ela não tenha fornecido plenamente de todos os meios
necessários à conservação do seu ser" 158, sustentará, numa hábil variante
do princípio da plenitude; não sendo por acaso que, de todas as teses de
Montaigne, será esta da paridade com os animais, dadas as suas corrosivas
incidências nos fundamentos da «Cadeia do Ser», que causará maior repú
dio da parte de teocratas como BossuetI 59/I 60.
No fundo, trata-se de um regresso a Plutarco: este tinha sustentado,
nos Moralia, os argumentos pitagóricos favoráveis à existência de um
espírito em todas as formas de vida, e é só o preconceito teológico cristão
relativo à dignitas, depois· prolongado pelo neoplatonismo de Pico della
Mirandola, que vedou a evolução dessa ideia, ao menos até ao ressurgi
mento de correntes cépticas e à iniciativa de MontaigneI 6 l
1 57 Cfr. Floridi, Luciano, "Scepticism and Animal Rationality", Archiv filr . Ges
chichte der Philosophie, 79 (1997), 45ss..
1 58 Montaigne, Michel de, "Apologie de Raimond Sebond", in Essais, cit., II, 96.
1 59 Cfr. Bossuet, Jacques Bénigne, Traité de la Concupiscence, Paris, Éditions F.
Roches, 1930, 58-59.
160 E no entanto, é difícil de descortinar em que é que a passagem citada de Mon
taigne se distingue desta outra (de sabor panteísta) de São João da Cruz: "De todas as cria
turas - não somente as superiores, mas também as inferiores, em conformidade com o
que cada uma recebeu em si mesma de Deus - se eleva uma voz em testemunho daquilo
que Deus é; cada uma à sua maneira exalta Deus, dado que Deus nelas habita" (cit. in
Hyland, J.R., God 's Covenant with Animais. A Biblical Basis for the Humane Treatment of
All Creatures, New York, Lantern Books, 2000, xii).
161 Cfr. Friedrich, H., Montaigne, cit., 1 21-122.
A Hora dos Direitos dos Animais 59
1 62 Cfr. Boas, G., The Happy Beast ..., cit., 91, 132-135, 141-142; Harrison, P., "Ani
mal Souls. . . ", cit ., 520; Kulstad, Mark, "Leibniz, Animais, and Apperception", Studia
Leibnitiana, l 3 (1981), 25-60; Miles, Murray, "Leibniz on Apperception and Animal
Souls", Dialogue, 33 (1994), 701-724; Rosenfield, Leonora Cohen, From Beast-Machine
to Man-Machine. Animal Soul in French Letters from Descartes to La Mettrie, New York,
Octagon Books, 1968, 10-13, 25, 110-114, 175-176, 188, 204, 271-272 ( 11940).
163 Harrison, P., "The Virtues of Animais... ", eit., 4)1 .
1 64 Sobre a teriofilia de Pierre Charron, cfr. ainda: Bo�s, G., The Happy Beast ..., cit.,
56-61.
165 Cfr. Lloyd, Genevieve, "Spinoza's Environmental Ethics", Inquiry, 23 (1980),
293-311; Martinengo-Cesaresco, Evelyn, The Place of Animais in Human Thought, Lon
don, T. Fisher Unwin, 1909, 353; Naess, Ame, "Environmental Ethics and Spinoza's Ethics
and Comments on Genevieve Lloyd's Article", lnquiry, 23 (1980), 313-325; Rosenfield,
L.C., From Beast-Machine ..., cit., 69-70, 126-127.
166 Berman, David, "Spinoza's Spiders, Schopenhauer's Dogs", Philosophical Stu
dies, 29 (1982/83), 202-209; Macintosh, J.J., "Animais, Morality and Robert Boyle", Dia-
60 A «Cadeia do Ser» e a Demarcação entre Espécies
por seu lado, terá sido representante de uma sensibilidade teriofílica mode
rada, capaz de reconhecer sensibilidade, e um embrião de racionalidade,
aos animais, preservando contudo a noção de superioridade da espécie
humana 1 67.
Entretanto, graças em especial à militância do anatomista Jean Rio
lan II ( 1 5 80- 1 657), difunde-se progressivamente a oposição à vivissecção,
que se sustentou ser não apenas cruel como cientificamente ilegítima,
dadas as diferenças anatómicas entre a espécie humana e as demais - o
que levou alguns a qualificar os praticantes da vivissecção como carnicei
ros, capazes de virem a legitimar, com a sua conduta, a própria vivissec
ção humanal 68. Multiplicam-se, nos séculos XVII e XVIII, os estudos que
versam a experimentação animal e a vivissecção, quase todos em tom vee
mentemente condenatóriol 69.
A confluência da tradição primitivista com as tendências naturalistas
da estética e da ética, por um lado, e com o empirismo epistemológico, por
outro, será característica da «revolução cultural» do iluminismo. Um dos
fascínios que resultam dessa confluência foi o do estudo da etologia como
forma de captação do que há de «natural» - ou seja, de «animal» - no
próprio comportamento dos humanosl 70, procurando a explicação da
humanidade através da descrição da animalidadel 7 1 . Não se tratava agora
togue, 35 (1996), 443-444; Oster, Malcolm R., "The «Beam of Diuinity»: Animal Suffe
ring in the Early Thought of Robert Boyle", British Journal for the History of Science, 22
(1989), 151-179.
167 Cfr. Wolloch, Nathaniel, "Christiaan Huygens's Attitude toward Animais", Jour
nal of the History of ldeas, 61 (2000), 420.
168 Cfr. Maehle, A.-H., "Literary Responses . . . ", cit., 31, 34-35; Maehle, Andreas
Holger & Ulrich Trõhler, "Animal Experimentation from Ántiquity to the End of the Eigh
teenth Century: Attitudes and Arguments", in Rupke, Nicolaas A. (org.), Vivisection in His
torical Perspective, London, Croom Helm, 1987, 21-23.
169 Cfr. Guerrini, A., "The Ethics of Animal Experimentation . . . ", cit., 391-407; Bra
die, Michael, "The Moral Status of Animais in Eighteenth-Century British Philosophy", in
Maienschein, Jane & Michael Ruse (orgs.), Biology and the Foundations of Ethics, Cam
bridge, Cambridge University Press, 1999, 32-51; Daly, Macdonald, "Vivisection in Eigh
teenth-Century Britain", British Journal of Eighteenth-Century Studies, 12/1 (1989),
57-67; Maehle, Andreas-Holger, Kritik und Verteidigung des Tierversuchs: Die Anfiinge
der Diskussion im 1 7. und 18. Jahrhundert, Stuttgart, Franz Steiner, 1992.
11 0 Cfr. Vauclair, Jacques, "Deux Approches pour Étudier la Cognition Animale: Pro
gramme Généraliste et Programme Écologique", in Cyrulnik, B. (org .), Si les Lions ..., cit., 349.
11 1 Cfr. Armengaud, Françoise, "Au Titre du Sacrifice: L'Exploitation Économique,
Symbolique et ldéologique des Animaux", in Cyrulnik, B. (org.), Si les Lions ..., cit., 883.
'
�.
A Hora dos Direitos dos Animais 61
172 Cfr. a Introdução em Garrett, A.V. (org.), Animal Rights and Souls .. ., cit., I, vi.
1 73 Cfr. Lovejoy, A.O., The Great Chain of Being, cit., 235; Wokler, Robert, "Per
fectible Apes in Decadent Cultures: Rousseau's Anthopology Revisited", Daedalus, 107
( 1978), 107- 134.
174 Cfr. Hume, D., A Treatise. . ., cit., 178- 179.
1 75 Também tem sido notado que uma fonte de· pe�anente confusão é o facto de
usarmos a mesma terminologia, indiferentemente, para designarmos fenómenos que ocor
rem em espécies e contextos muito diferentes - e que por isso pode gerar a ilusão de con
tiguidade ou de continuidade entre fenómenos que, apesar de merecerem uma só desig
nação («inteligência», por exemplo) são na realidade incomensuráveis. Cfr. Verdoux,
Hélene, "Modeles Animaux et Psychopatologie", in Cyrulnik, B. (org.), Si les Lions...,
cit., 504.
1 7 6 Bougeant, Guillaume Hyacinthe, Amusement Philosophique sur le Langage des
Bêtes, Geneve, Droz, 1954 ( 1 1739).
62 A «Cadeia do Ser» e a Demarcação entre Espécies
1 77 Boullier, David Renaud, Essai Philosophique sur l 'Âme des Bêtes, Précédé du
Traité des Vrais Príncipes qui Servent de Fondement à la Certitude Morale, Paris, Fayard,
1985 ( 1 1728, 2 1737).
1 7 8 Para uma resposta britânica a Bougeant, que denota uma muito mais aguda sen
sibilidade ao estatuto moral dos animais, cfr. Hildrop, John, Free Thoughts upon the Brute
Creation. Or, An Examination of Father Bougeant 's Philosophical Amus.ement &e. ln Two
Letters to a Lady, London, R. Minors, 1742/3 (agora reimpresso em Garrett, A.V. (org.),
Animal Rights and Souls . . ., cit., 1).
1 79 Cfr. Nicolson, Marjorie & G.S. Rousseau, «This Long Disease, My Life» . Ale
xander Pope and the Sciences, Princeton NJ, Princeton University Press, 1968, 87-109.
1 80 Kant, 1., Kritik der reinen Vernunft, zweite Auflage 1 787, AK, III, Berlin, Georg
Reimer, 19 11, 44 1 [A668 / B696].
1 8 1 Lovejoy, A.O., The Great Chain of Being, cit., 329.
,.\
A Hora dos Direitos dos Animais 63
182 Cfr. Wetlesen, Jon, "Animal Rights or Human Duties?", Archiv für Rechts- und
Sozialphilosophie, Beiheft 61 (1994), 163-173.
18 3 Cfr. Passmore, John, "Philosophy and Ecology", in Brinkmann, Klaus (org.),
Ethics: The Proceedings of the Twentieth World Congress of Philosophy, Bowling Green
OH, Philosophy Documentation Center, 1999, I, 141-150.
184 Gouveia, Jorge Bacelar, "A Prática de Tiro aos Pombos, a Nova Lei de Protecção
dos Animais e a Constituição Portuguesa", Revista Jurídica do Urbanismo e Ambiente, 13
(2000), 241 (cfr. a bibliografia aí indicada).
5. A Tradição Religiosa
" E assim dei-me conta de que Deus permite que o mundo continue
no curso do pecado para poder pôr à prova a humanidade, e para
que os próprios homens verifiquem que não são melhores do que os
animais. Pois tanto estes como aqueles respiram o mesmo ar, todos
têm o mesmo destino, todos morrem. A humanidade não tem reais
vantagens sobre os animais, e tudo é efémero. Todos vão para o
mesmo lugar, todos foram feitos do pó, e todos para o pó hão-de
voltar" - Eclesiastes , 3 : 1 8-20 1 85 .
"Pas de bête que n 'ait un reflet d 'infini; / Pas de prunelle abjecte
et vile qui ne touche / L'éclair d 'en haut, parfois tendre et parfois
faro uche; / Pas de monstre chétif, louche, impur, chassieux, / Qui
n 'ait l 'immensité des astres dans les yeux." - Victor Hugo 1 86 .
187 Cfr. Harrison, P., "The Virtues of Animais... ", cit., 466-467, 475-476.
188 Sobre as bases religiosas e filosóficas da consideração pelos animais, cfr. Cor
deiro, A. Menezes, Tratado ... /- li- Coisas, cit., 212-214.
18 9 Cfr. Wolloch, N., "Christiaan Huygens's... ", cit., 430-431. Cfr. ainda: Ariansen,
Per, "Anthropocentrism with a Human Face", Ecological Economics, 24 (1998), 153-162.
1 90 Cfr. Shepard, P., The Others . . ., cit., passim.
A Hora dos Direitos dos Animais 67
19 1 Cfr. Linzey, Andrew, Christianity and the Rights of Animais, New York, Cross
roads, 1991, 22, 36-39; cfr. ainda: Drewermann, Eugen, Da Imortalidade dos Animais.
Uma Esperança para as Criaturas que Sofrem (trad. p/ Anneliese Mosch), Mem Martins,
Inquérito, 1996; Linzey, Andrew, Animal Theology, London, SCM Press, 1994; Linzey,
Andrew, "Animal Theology", in Bekoff, M. & C.A. Meaney (orgs.), Encyclopedia of Ani
mal Rights. . ., cit., 283-284; Linzey, Andrew, The Place of Animais in Creation: A Chris
tian View, Philadelphia, Temple University Press, 1986; ),.i9zey, Andrew & Dan Cohn
Sherbok, After Noah: Animais and Liberation of Theology, London, Mowbray, 1997;
Linzey, Andrew & Dorothy Yamamoto (orgs.), Animais on the Agenda. Questions About
Animais for Theology and Ethics, Urbana, University of Illinois Press, 1998; Linzey,
Andrew & Tom Regan, Animais and Christianity: A Book of Readings, New York, Cross
roads, 1988; Webb, Stephen H., On God and Dogs: A Christian Theology of Compassion
for Animais, Oxford, Oxford University Press, 1998.
1 92 Linzey, A., Animal Theology, cit., passim.
1 93 Cfr. Preece, Rod, Animais and Nature: Cultural Myths, Cultural Realities, Van
couver, UBC Press, 1999, 127.
68 A Tradição Religiosa
1 94 Cfr. Linzey, A. & D. Cohn-Sherbok, After Noah . . ., cit., passim; O'Neill, Onora,
"Environmental Values, Anthropocentrism, and Speciesism", Environmental Values, 6
(1997), 127-142.
1 95 Cfr. Sutherland, Anne & Jeffrey E. Nash, "Animal Rights as a New Environ
mental Cosmology", Qualitative Sociology, 17 (1994), 171-186.
1 96 Cfr. Passmore, John, Man 's Responsibility for Nature: Ecological Problems and
Western Traditions, London, Duckworth, 1974, 9.
A Hora dos Direitos dos Animais 69
1 97 Provérbios, 12:10.
1 98 Cfr. Linzey, A., Christianity and the Rights 0fArJj11JlllS, cit., 25-28; Muratova, X.,
"Adam . . . ", cit., 368ss..
1 99 Genesis, 1:29 e 9:3. Cfr. Wise, S.M., Rattling the Cage, cit., 17 .
200 Números, 22: 21-38.
201 Muito evocativo de um lugar paralelo nas Mil e uma Noites, o episódio do falcão
que salva do envenenamento um rei e o seu cavalo. Cfr. Budiansky, S., lf a Lion Could
Talk. . ., cit., xiv.
202 Cfr. Bratton, Susan Power, "The Original Desert Solitaire: Early Christian
Monasticism and Wildemess", Environmental Ethics, 10 (1988), 31-53.
203 Coríntios /, 15: 46.
70 A Tradição Religiosa
204 Cfr. Hughes, J. Donald, "Francis of Assisi and the Diversity of Creation", Envi
ronmental Ethics, 18 (1996), 311-320.
20 5 Singer, P., Libertação Animal, cit., 185.
20 6 Cfr. Dean, Richard, An Essay on the Future Life of Brutes. Introduced with
Observations upon Evil, lts Nature and Origin, 2 vols., London, G. Kearsly, 1768, I, 74
(agora reimpresso em Garrett, A.V. (org.), Animal Rights and Souls . . ., cit., II). Richard
Dean é um líder nas investidas contra a posição cartesiana quanto ao mecanicismo animal
(id., II, 80).
J.
A Hora dos Direitos dos Animais 71
e por isso nem podem merecer o sofrimento nem podem ser melhorados
através dele"207. Outros, como Alvin Plantinga, atribuíram o sofrimento
dos animais à presença de um obscuro «princípio do mal»208 , enquanto
outros, defrontados com a perplexidade, recuaram para posições cartesia
nas e negaram pura e simplesmente a existência de sofrimento nos animais
- ao menos, de um sofrimento comensurável com aquele que os huma
nos experimentam - 209.
Quanto a este último ponto, é inegável que nos seres humanos adul
tos se forma uma distinção clara entre dor e sofrimento, a primeira assente
na sensibilidade e o segundo na capacidade de «meta-representação» inte
lectual das experiências, que transforma as emoções em angústias - e faz
da própria representação um motivo de penosidade, independentemente
da dor que se experimenta nos eventos que são objecto dessa representa
. ção2 1012 1 1 . Mas esta «nuance conceptual» pouco faz para resolver o pro
blema da teodiceia, porque nem mesmo dentro da própria espécie humana
a questão tem a ver com a intensidade ou com a capacidade de represen
tação ou de alongamento temporal da dor (por antecipação ou por persis
tência), tendo antes a ver com a intenção dos desígnios divinos que são
postulados pela teodiceia, e que, dada a omnipotência divina, impõem ou
consentem qualquer tipo de dor, por ínfima ou transitória que essa dor seja.
Para John Hick, que assume uma posição próxima da de Alvin Plan
tinga, o sofrimento animal, não tendo a dimensão de castigo ou de edifi
cação, inscreve-se no contexto mais geral do «mal natural», ou seja, do
mal necessário para que Deus permaneça a uma distância epistémica da
207 Lewis, C.S., The Problem of Pain, New York, MacMillan, 1962, 129; cfr. Weir,
Jack, "Virtue Ethics", in Bekoff, M . & C.A. Meaney (orgs.), Encyclopedia of Animal
Rights . . ., cit., 357-358.
20 8 Plantinga, Alvin, God and Other Minds, Ithaca, Comell University Press, 1967,
149ss..
20 9 Cfr. Harrison, Peter, "Theodicy and Animal Pairt'.', Philosophy, 64 ( 1989), 79-92.
2 10 Cfr. Dennett, Daniel C., Kinds of Minds, New York, Basic Books, 1996, 164-167;
Harrison, Peter, "Do Animais Feel Pain?", Philosophy, 66 (199 1), 25-40.
2 11 Também há quem faça a distinção entre dor e sofrimento sublinhando que, na pró
pria espécie humana, pode ocorrer a primeira sem que ocorra o segundo, mormente quando
não se manifesta uma conduta visando terminar aquela, como no caso de quem «corre por
gosto», ou no caso da dor experimentada num estado de delírio. Cfr. Hare, R.M., Moral
Thinking, Oxford, Clarendon, 198 1, 93; Lewis, David, "Mad Pain and Martian Pain", in
Block, Ned (org.), Readings in the Philosophy of Psychology, Cambridge Mass., Harvard
University Press, 1980, I, 2 16-222.
72 A Tradição Religiosa
humanidade (para que haja liberdade humana sem que ao mesmo tempo a
existência divina se torne implausível, dentro de um contexto factual em
que está excluído o «paraíso hedónico» e tem de mediar entre ambos os
planos de existência o facto do mal radical). Contudo, também John Hick
não resiste a, distinguindo dor de sofrimento, recusar aos animais não
humanos a capacidade de sofrimento (um argumento perigoso, como
vimos, já que excluiria também a possibilidade de sofrimento nas crianças
e em «casos marginais»2 12), o que, ou deixa a dor animal à margem da teo
diceia, ou atinge os fundamentos desta fazendo-a coexistir com um facto
insofismável mas teleologicamente absurdo, ou ainda (terceira hipótese)
leva novamente a conceber a dor animal como uma realidade instrumental
em relação aos desígnios de edificação moral e espiritual da humani
dade2 1 3 - isto é, conduziria, em última análise, a um novo absurdo, o da
conversão da arrogância especista em fundamento da própria teodiceia2 1 4,
um perigoso passo na direcção idolátrica do antropomorfismo teogónico,
agora erigido em ponto de apoio da soteriologia.
Para Peter Geach, o sofrimento animal é um mal genuíno, mas a bon
dade divina não alastra particularmente para essa área de sofrimento, visto
faltar-lhe o suporte físico que seria requerido por uma genuína simpatia
para com esse sofrimento2 1 5. Mas, pergunta-se: não seria essa limitação
vencida pela omnisciência divina? Que faltará à divindade para ela ser
incapaz de uma empatia com o sofrimento animal, uma empatia que é pra
ticamente espontânea no todo da espécie humana, uma empatia que a
nossa humanidade, quando não está profundamente tolhida por preconcei
tos insensibilizadores, tão facilmente alcança?
212 Cfr. Dombrowski, Daniel A., Babies and Beasts: The Argument from Marginal
Cases, Urbana, University of Illinois Press, 1997, passim.
2 1 3 Cfr. Hick, John, Evil and the God of Lave, New York, Harper and Row, 1978,
313ss.; cfr. ainda: Robinson, William S., "Some Nonhuman Animais Can Have Pains in a
Morally Relevant Sense", Biology and Philosophy, 12 (1997), 51-71.
2 1 4 Cfr. Betty, L. Stafford, "Making Sense of Animal Pain: An Environmental Theo
dicy", Faith and Philosophy, 9 (1992), 65�82.
2 1 5 Geach, Peter, Providence and Evil, Cambridge, Cambridge University Press,
1977, passim. Cfr. ainda: Lynch, Joseph, "Harrison and Hick on God and Animal Pain",
Sophia, 33 (1994), 62-73; Linzey, Andrew, "Theodicy", in Bekoff, M. & C.A. Meaney
(orgs.), Encyclopedia of Animal Rights . . ., cit., 297-299; Paterson, R.W.K., "Animal Pain,
God and Professor Geach", Philosophy, 59 (1984), 116-120.
A Hora dos Direitos dos Animais 73
216 Cfr. Finkelstein, J.J., "The Ox that Gored", cit., 28, 58, 73.
211 Cfr. Cyrulnik, Boris, "Les Animaux Humanisés", in Cyrulnik, B. (org.), Si les
Lions ..., cit., 37.
76 Use-Majesté: O Julgamento dos Animais
The Great Cat Massacre and Other Episodes in French Cultural History, New York, Vin
tage, 1985, 77.
22 1 Cfr. Cohen, Esther, "Law, Folklore and Animal Lore", Past and Present, 110
(1986), 18.
222 Cfr . Newman, Graeme, The Punishment Response, Philadelphia, J.B. Lippincott,
1978, 93; Serpell, James A., "Science and the History of European Attitudes to Animais",
in Hicks, E.K. (org.), Science and the Human-Animal Relationship, Amsterdam, SISWO,
1993, 39-49.
A Hora dos Direitos dos Animais 77
Com efeito, era comum que os animais acusados fossem sujeitos aos
mesmos métodos de interrogatório e de execução que cabiam aos humanos,
sendo a observância do pro forma do interrogatório, como é óbvio, um sim
ples prurido de preenchimento de todas as formalidades requeridas para o
julgamento. Incluía-se, na tramitação desses «julgamentos», até as execu
ções em efígie para os animais que tivessem fugido, e naturalmente a indi
gitação de advogados para representarem os interesses dos acusados223 .
A abundância de formalismos, a sua associação a tramitações de sen
tido inequívoco nos julgamentos de humanos e a específica atribuição de
culpa a animais individualizados desmentem aqueles que alegam que o
julgamento de animais, e até de objectos inanimados - lembremos Xer
xes a mandar vergastar o Helesponto224 - , não passou de uma forma oblí
qua de penalizar (pela perda e confiscação) os detentores negligentes des
ses animais e objectos, e em particular naquelas situações em que se
revelava impossível encontrar o detentor ou provar a sua culpa, já para não
dizer o seu conhecimento da própria actividade lesiva, e por isso era neces
sário agir in rem225 - o que significaria escamotear-se, entre outros, a evi
dência das atribuições separadas de culpas ao animal e ao seu detentor226.
Significaria igualmente escamotear-se abundantes dados etnográfi
cos e históricos que demonstram que em diversos lugares e tempos se
encarou a possibilidade de um contínuo jurídico que legitimasse os julga
mentos de animais - seja no sentido de os excluir da comunidade da
espécie humana, sancionando-os pela lesão de particulares interesses
humanos, num puro gesto de cruel arrogância especista, seja no sentido de
os proteger através de uma consideração niveladora dos seus interesses
com os dos humanos.
223 Cfr. Berman, Paul Schiff, "An Anthropological Approach to Modem Forfeiture
Law. The Symbolic Function of Legal Actions Against Objects", Yale Journal of Law &
the Humanities, 11 (1999), 29; eiusdem, "Rats, Pigs/!llld,Statues on Triai: The Creation of
Cultural Narratives in the Prosecution of Animais and-In:animate Objects", New York Uni
versity Law Review, 69 (1994), 288-289; eiusdem, "An Observation and a Strange but True
«Tale»: What Might the Historical Triais of Animais Tel1 Us About the Transformative
Potential of Law in American Culture?", Hastings Law Journal, 52 (2000), 123-150.
224 Hérodote, Histoires, V. 25, Paris, «Les Belles Lettres», 1946, 32.
225 Cfr. Berman, P.S., "An Anthropological Approach. . . ", cit., 35.
226 Cfr. Berman, P.S., "An Anthropological Approach . . . ", cit., 29-30; Breyer, Amy
A., "Asset Forfeiture and Animal Cruelty: Making One of the Most Powerful Toais in the
Law Work for the Most Powerless Members of Society", Animal Law, 6 (2000), 203ss ..
78 Use-Majesté: O Julgamento dos Animais
232 Cfr. Berman, P.S., "Rats, Pigs, and Statues ... ", cit., 288ss.; Boyer, R., Les Crimes
et les Châtiments au Canada Français, Montréal, Le Cercle du Livre de France, 1966, 70;
Dietrich, G., Les Proces d 'Animaux du Moyen-Âge à Nos Jours, Lyon, Bosc, 1961, 3 1-32;
Evans, E.P., The Criminal Prosecution and Capital Punishment ofAnimais, London, Faber
and Faber, 1987, 18-19, 123-124, 140 ( 1 1906) (com uma lista mais completa nas pp.
265ss.); Finkelstein, J.J., "The Ox that Gored", cit., '62-68; Koestler, A. & A. Camus, Réfle
xions sur la Peine Capitale, Paris, Calmann-Lévy, 1957, 67; Cohen, E., "Law, Folklore... ",
cit., 14-17; eadem, The Crossroads of Justice. Law and Culture in Late Medieval France,
Leiden, E.J. Brill, 1993, 110, 120- 12 1; Tester, Keith, Animais and Society. The Humanity
of Animal Rights, London, Routledge, 199 1, 74; Berman, P.S., "An Observation... ", cit.,
126ss.; Wise, S.M., Rattling the Cage, cit., 35ss..
233 Cfr. lmbert, J., La Peine de Mort, Paris, Aonand Colin, 1967, 13.
234 Sobre um caso de galos queimados vivos erir 1474, ou o julgamento de um touro
«assassino» em 1499, cfr. Vartier, J., Les Proces d 'Animaux du Moyen Âge à Nos Jours,
Paris, Hachette, 1970, 64, 70.
235 Bames, Julian, A History of the World in JQ Chapters, London, Jonathan Cape,
1989, 6 1-80 (sem esquecermos o julgamento da cabra Djali, que acompanhava Esmeralda,
na Notre-Dame de Paris, de Victor Hugo).
236 O filme The Advocate, de 1994 (realizado por Leslie Megahey), retrata um advo
gado estabelecido em Abbeville em 1452, e especializado na defesa de animais em pro
cesso-crime - cfr. Kolber, A., "Standing Upright...", cit., 179-180.
80 Lese-Majesté: O Julgamento dos Animais
vés da repressão penal directa, determinando que uma violação da lei fosse
acompanhada de uma «narrativa» através da qual o transgressor simbólico
da ordem estabelecida seria degradado e excluído (com similitudes com o
regime da «noxaê deditio» e dos deodandos - um regime tornado obso
leto pelo aumento dos riscos conexos com o aprofundamento da civiliza
ção industrial e da interdependência económica23 7), reafirmando-se a coe
são social através do mecanismo da aplicação de uma ordem jurídica
uniforme, até aos extremos de uma acção não deliberada e verdadeira
mente não imputável, mas suficientemente anómica e destrutiva para
constituir um perigo a ser afastado por todos os meios238 .
É curioso notar-se que a matéria da responsabilidade animal por
danos nasceu rodeada de ambiguidades que ditaram oscilações profundas
nas soluções dominantes, que vão das «noxales actiones» romanas até aos
preceitos bíblicos que cominam também um castigo para o animal239 -
passando pela notável lei mesopotâmica, com um pendor mais sensível às
incidências económicas, e menos propenso à sacralização dos interesses
humanos, do que a lei bíblica, mais próxima aquela, pois, das modernas
ordenações jurídicas, na forma de tratamento das condutas <lanosas dos
animais em termos de indemnização da vítima mais do que em termos de
castigo do animal, mais orientada em termos de reparação do que de puni
ção. E no entanto, contra a própria tradição bíblica e teológica, São Tomás
de Aquino sustentará ele próprio que é blasfémia a imputação de respon
sabilidade criminal aos animais irracionais, já que eles são meros instru
mentos da Providência, elos inimputáveis numa cadeia causal teísta240 -
237 Cfr. Berman, P.S ., "An Anthropological Approàch . ..", cit., 27-28, 31-32; Boyer,
R ., Les Crimes. . ., cit., 71; Finkelstein, Jacob J ., "The Goring Ox: Some Historical Pers
pectives on Deodands, Forfeitures, Wrongful Death and the Westem Notion of Sove
reignty", Temple Law Quarterly, 46 (1973), 171-172; Wise, S .M ., Rattling the Cage, cit.,
40ss ..
23 8 Cfr. Berman, P.S ., "An Anthropological Approach ...", cit., 3-5, 19-20, 38-39
(remetendo para a noção de «narrativa jurídica» em: Brooks, Peter, "The Law as Narrative
and Rhetoric", in Brooks, Peter & Paul Gewirtz (orgs.), Law 's Stories. Narrative and Rhe
toric in the Law, New Haven Conn., Yale University Press, 1996, 14ss.; Cover, Robert M .,
"Nomos and Narrative", Harvard Law Review, 97 (1983), 4ss.). Preferindo o conceito de
«significado social» ao de «narrativa», cfr. Lessig, Lawrence, "The Regulation of Social
Meaning", University oJ Chicago Law Review, 62 (1995), 943ss ..
239 Cfr. Exodus, 21:29-30 .
240 Cfr. Berman, P.S ., "Rats, Pigs, and Statues ...", cit., 311.
A Hora dos Direitos dos Animais 81
24 1 Cfr. Evans, E.P., The Criminal Prosecution .. ., cit., 53-55; Finkelstein, J J., "The
Ox that Gored", cit., 70; Berman, P.S ., "An Observation . . . ", cit., 152-153 ; Wise, S .M., Rat
tling the Cage, cit., 27, 76.
242 Cfr. Lombroso, Cesare, L'Homme Criminel. Criminel Né, Fou Moral, Épilépti
que, Crirninel Fou, Criminel d'Occasion, Crirninel par Passion, Paris, Félix Alcan, 21895,
I, 28-34 . Já antes (ibid., 8) Lombroso relatava um caso de excomunhão de ratos em Autun,
e um caso de maldição proferida contra lagartas em Turim.
82 Lese-Majesté: O Julgamento dos Animais
"Mas sob a Lua niio há nada que niio seja mortal e caduco, salvo as
almas atribuídas à espécie humana pela providência divina, enquanto
que acima da Lua tudo é eterno" - Marco Túlio Cícero 244 .
"Na Holanda discute-se agora, alto e bom som, se os animais são
máquinas. As pessoas até se divertem a ridicularizar os cartesia
nos, por estes conceberem que um cão que é agredido emite um som
que é similar ao de uma gaita de foles quando é comprimida" -
Gottfried Leibniz 245.
244 "infra autem iam nihil est nisi mortale et caducum praeter animos munere deo
rum hominum generi datos, supra lunam sunt aeterlia ;�:nnia" - M.T. Cícero, De Re
Publica Liber Sextus, XVII ( «Somnium Scipionis» ).
245 Leibniz, G .W., Carta de 1648 a Ehrenfried Walter von Tschimhaus, in Leibniz,
Gottfried Wilhelm, Philosophical Papers and Letters (trad. p/ Leroy E. Loemker), Dor
drecht, Reide!, 21969, 275-276.
246 Descartes, René, "Animals Are Machines", in Regan, Tom & Peter Singer (orgs.),
Animal Rights and Human Obligations, Englewood Cliffs NJ, Prentice-Hall, 21989; cfr.
ainda: Boas, G., The Happy Beast . . . , cit., 90n201; Cottingham, John, "A Brote to the Bro
tes? Descartes' Treatment of Animais", in Moyal, Georges J.D. (org.), René Descartes. Cri-
84 Questões de «alma» entre Cartesianismo e Revolução Darwinista
tical Assessments, 4 vols., London - New York, Routledge, 1991, IV, 323ss.; Harrison,
Peter, "Descartes on Animais", Philosophical Quarterly, 42. (1992), 219-227; eiusdem,
"The Virtues of Animais . . . ", cit., 463-484; Maclntyre, A.,Dependent Rational Animais. . .,
cit., 13-14, 32; Shugg, Wallace, "The Cartesian Beast-Machine in English Literature (1663-
1750)", Journal of the History of ldeas, 29 (1968), 279-292.
247 Sustentando a versão mais radical da tese cartesiana de ausência de sensações nos
animais, cfr. Steiner, Gary, "Descartes on the Moral Status of Animais", Archiv für Ges
chichte der Philosophie, 80 (1998), 268-291.
24 8 Cfr. Araújo, Fernando, Adam Smith. O Conceito Mecanicista de Liberdade,
Coimbra, Almedina, 2001, 655ss., 697ss ..
249 Note-se, todavia, que o mesmo Leibniz recusava a natureza reflexiva à racionali
dade animal - mas admitindo, com modéstia anti-especista, que o próprio ser humano tem
a sua conduta habitualmente determinada por esse tipo de racionalidade não-reflexiva, e
que por isso a animalidade predomina na conduta humana. Cfr. Leste!, Dominique, "Des
Animaux-Machines aux Machines Animales", in Cyrulnik, B . (org.), Si les Lions..., cit.,
681-682.
A Hora dos Direitos dos Animais 85
Macintosh, JJ., "Animais, Morality and Robert Boyle", cit., 437; Harrison, P., "Animal
Souls... ", cit., 521-524; Maehle, Andreas-Holger & Ulrich Trõhler, "Animal Experimentation
from Antiquity to the End of the Eighteenth Century:Attitudes and Arguments", in Rupke, N.A.
(org.), Vivisection. . ., cit., 26-27; Passmore, J., "Toe Treatment of Animais", cit., 204; Rosen
field, L.C., From Beast-Machine. .., cit., 18-21, 41-43, 69-70, 265-269; Shugg, W., ''Toe Carte-
sian Beast-Machine... ", cit., 279ss.; Wolloch, N., "Christiaan Huygens's... ", cit., 416-418.
264 Cfr. Guerrini, A., "The Ethics of Animal Experimentation... ", cit., 406-407;
Maehle, Andreas-Holger, "The Ethical Discourse on Animal Experimentation, 1650-
1900", in Wear, Andrew, Johanna Geyer-Kordescb. & Roger French (orgs.), Doctors and
Ethics: The Earlier Historical Setting of ProfessiondlEthiés, Amsterdam - Atlanta, Rodopi,
1993, 203-251; Maehle, Andreas-Holger & Ulrich Trõhler, "Animal Experimentation from
Antiquity to the End of the Eighteenth Century: Attitudes and Arguments", in Rupke, N.A.
(org.), Vivisection. . ., cit., 23-24.
265 Cfr. Lestel, Dominique, "Des Animaux-Machines aux Machines Animales", in
Cyrulnik, B. (org.), Si les Lions ... , cit., 682.
266 Cfr. Araújo, F., Adam Smith.. ., cit., passim; Rosenfield, L.C., From Beast
Machine .. ., cit., 141-153.
26 7 Cfr., por exemplo, Leahy, M.P.T., Against Liberation. . ., cit., 124-131, 222-228.
90 Questões de «alma» entre Cartesianismo e Revolução Darwinista
268 Regan, Tom, All that Dwell Therein. Animal Rights and Environmental Ethics,
Berkeley, University of Califomia Press, 1982, 6-27.
269 Rollin, Bernard E. , The Unheeded Cry. Animal Consciousness, Animal Pain, and
Science, Oxford, Oxford University Press, 1989, 107-201.
210 Rowan, Andrew N., Of Mice, Models, and Men. A Criticai Evaluation of Animal
Research, Albany NY, SUNY Press, 1984, 77-83.
21 1 Cfr. ainda: Smith, Jane A. & Kenneth M. Boyd (orgs.), Lives in the Balance: The
Ethics of Using Animais in Biomedical Research, New York, Oxford University Press,
1991; Smith, Richard, "Animal Research: The Need for a Middle Ground", British Medi
cal Journal, 322 (3/2/2001), 248-249.
212 Cfr. Mason, Jim, An Unnatural Order. Uncovering the Roots of Our Domination
of Nature and Each Other, New York, Simon and Schuster, 1993, 37.
A Hora dos Direitos dos Animais 91
273 Essa estratégia está hoje profundamente desacreditada, em larga medida graças a:
Damásio, António R., Descartes ' Error. Emotion, Reason, and the Human Brain, New
York, G.P. Putnam, 1994; eiusdem, The Feeling of What Happens. Body and Emotion in
the Making of Consciousness, New York, Harcourt Brace, 1999; eiusdem, Looking for Spi
noza. Joy, Sorrow, and the Feeling Brain, Orlando Fla., Harcourt, 2003.
274 Cfr. La Follette, Hugh & Niall Shanks, "The Origin of Speciesism", Philosophy,
71 ( 1996), 5 1-56; Kelch, T.G., "Toward a Non-Property Status... ", cit., 556ss.; Brown,
Les, Cruelty to Animais. The Moral Debt, Basingstoke, Macmillan, 1988; Carson, Gerald,
Men, Beasts, and Gods. A History of Cruelty and Kindness to Animais, New York, Scrib
ner, 1972, 36-42.
275 Mas porque haveríamos nós de ser forçados a optar pelo dualismo ou pelo
monismo, se ambos são, afinal, formas reducionistas? Ninguém no seu perfeito estado pro
curará compreender o que se escreve neste livro, seja analisando a tinta, o papel, as opções
tipográficas, seja atribuindo o que nele está escrito ,a Ull) �spírito descarnado, liberto dos
constrangimentos da materialidade, da «geração e corrupção» (para usarmos uma termino
logia aristotélica). Porque haveriam as demais expressões vivas da inteligência, tanto a
humana como a não-humana, de ser reconduzidas a uma pura base neurofisiológica (a
encadeamentos de impulsos neuronais), ou de ser atribuídas, em alternativa, a uma «alma»
de geração sobrenatural? Porque haveríamos nós, por isso, de nos enfeudar ao monismo
materialista ou ao dualismo idealista, se nem um nem outro isoladamente explicam sequer
o facto tão elementar de esta frase (que vai acabar em «sentido») fazer sentido? Veja-se a
este respeito as subtis interrogações de: Vidal, Jean-Marie, "Des Machines, des Animaux
et des Hommes?", in Cyrulnik, B. (org.), Si les Lions ... , cit., 335-336.
92 Questões de «alma» entre Cartesianismo e Revolução Darwinista
280 D. 1.5.2, Hermogenianus 1 iuris epit.. Cf/Wis�,'S.M., Rattling the Cage, cit., 21-
-24. E ainda: Byrne, Richard W., The Thinking Ape: Evolutionary Origins of Intelligence,
Oxford, Oxford University Press, 1995.
28 1 Cfr. Hargrove, Eugene C., "Foundations of Wildlife Protection Attitudes",
Inquiry, 30 (1987), 3-31.
282 As próprias expressões «adaptação» e «evolução» revelam uma fundamental
ambiguidade, uma nebulosa oscilação entre o determinismo mecanicista e a intencionali
dade teleologista (e daí que eles sugiram um movimento «ascensional» que não é valorati
vamente neutro).
94 Questões de «alma» entre Cartesianismo e Revolução Darwinista
28 3 Cfr. Fox, Michael W., "Man and Nature: Biological Perspectives", in Morris,
R.K. & M.W. Fox (orgs.), On the Fifth Day . .., cit., 12 1- 123; Kelch, T.G., "Toward a Non
Property Status. .. ", cit., 559-560; Rollin, B.E., The Unheeded Cry . . ., cit., 72.
284 Num primeiro momento, Marx e Engels reconhecerão em Darwin a transposição
para a natureza do tipo de conflitualidade que se detectava no seu espaço social coevo, uma
espécie de «naturalização do social»; e depois denunciarão nos darwinistas a transposição,
para o plano social e com o intuito de legitimar a perpetuação dos poderosos, do princípio
da sobrevivência dos mais aptos, um tipo de «socialização do natural». Cfr. Tort, Patrick,
"Darwinisme Social: La Méprise", in Cyrulnik, B. (org.), Si les Lions..., cit., 618.
8. Libertação - I - Podem Eles Sofrer?
Devem Eles Sofrer?
"A questão não é: Podem eles raciocinar? nem: Podem eles falar?
mas: Podem eles sofrer?" - Jeremy Bentham 2 8 5 /28 6 .
288 Cfr. La Follette, H. & N. Shanks, "The Origin of Speciesism", cit. , 50; Kay, Lor
raine, Living Without Cruelty, London, Sidgwick & Jackson, 1990.
A Hora dos Direitos dos Animais 97
292 As reacções fisiológicas dos animais que lhes aumentam a capacidade de fugirem
ou reagirem a agressões, acompanhadas de sinais externos e de modificações de compor
tamento, evidenciam aquilo que é por vezes designado como «síndrome geral de adapta
ção», cuja manifestação é tão reveladora da aptidão vital do animal como é indiciadora de
sofrimento efectivo, de um stress de medo, conflito e frustração que acompanha o processo
de readaptação a circunstâncias de «desequilíbrio». Cfr. Dawkins, Marian Stamp, Animal
Suffering. The Science of Animal Welfare, London, Chapman & Hall, 1980, passim.
293 Cfr. Singer, P., Libertação Animal, cit., 160-161.
294 Uma indemnização integral e efectiva que permitisse constatar, num cômputo
final, a ausência de qualquer dano - de modo tão inequívoco como é possível com o
«Óptimo de Pareto» de que falam os economistas cultores da «Análise de Bem-Estar».
A Hora dos Direitos dos Animais 99
2 95 Cfr. La Follette, Hugh & Niall Shanks, "Util-izing Animals", Journal of Applied
Philosophy, 12 (1995), 15-16, 18-19.
2 96 Cfr. ainda: Anderson, Warwick, "A New Approach to Regulating the Use of Ani
mals in Science", Bioethics, 4 (1990), 45-54; D'Amore, Emanuela, "Normativa che Regola
l'Utilizzo degli Animali a Fini Sperimentali o Scientifici", e Delpire, Veronique C. &
Michael Balls, "La Regolamentazione della Sperimentazione Animale a Livello Europeo",
ambos in Mannucci, Anna & Mariachiara Tallacchini (orgs.), Per un Codice degli Animali,
Milano, Giuffre, 2001, 225-236, 237-250.
100 Libertação - 1 - Podem Eles Sofrer? Devem Eles Sofrer?
297 Como o faz VanDeVeer, Donald, "Interspecific Justice", lnquiry, 22 (1979), 55-70.
298 Cfr. Frank, Joshua, "A Constrained-Utility Altemative to Animal Rights", Envi
ronmental Values, 11(2002), 49-62.
299 Antes que se pense que soçobrámos no «especismo», esclareça-se que o raciocí
nio é aplicável também ao sacrifício de vidas humanas, e que a expansão da rede viária não
somente agrava a probabilidade de acidentes de trabalho na construção das vias, mas tam
bém, aumentando a quilometragem disponível e diminuindo o congestionamento (permi
tindo incrementos nas médias de velocidades de circulação), agrava a probabilidade de per
das de vidas humanas.
A Hora dos Direitos dos Animais 10 1
3 00 Decreto-Lei que transpõe para a ordem jurídica interna a Directiva n.º 58/CE/
/ 1998, do Conselho, de 20 de Julho.
3 0 1 Cfr. Broom, D.M., "A Usable Definition of Animal Welfare", Journal of Agri
cultura[ and Environmental Ethics, 6-Supplement ( 1993), 15-25; Fraser, David, P.A. Phil
lips & B.K. Thompson, "Environmental Preference Test�ng to Assess the Well-Being of
Animais - An Evolving Paradigm", Journal of AgricÚltural and Environmental Ethics, 6
- Supplement (1993), 104- 114.
3 02 Já em 1998 um tribunal reconheceu, nos Estados Unidos, que a solidão de um
chimpanzé na sua jaula de um jardim zoológico (o Long lsland Game Farm Park and Zoo)
violava "o bem-estar psicológico dos primatas" que encontraria protecção no Animal Wel
fare Act federal; tanto ou mais importante, reconhecia-se legitimidade processual activa a
qualquer visitante de um jardim zoológico (cfr. Animal Legal Defense Fund lnc. v. Glick
man, 332 U.S.App.D.C. 104, 154 F.3d 426 (D.C.Cir. 09/01/ 1998)). Cfr. Kolber, A., "Stan
ding Upright...", cit., 198ss..
102 Libertação - 1 - Podem Eles Sofrer? Devem Eles Sofrer?
303 Cfr. Ng, Y.-K., "Towards Welfare Biology . . . ", cit., 255-285.
304 Cfr. Fraser, D., P.A. Phillips & B .K. Thompson, "Environmental Preference Tes
ting . . . ", cit., 104-114.
305 Cfr. Dawkins, Marian Stamp, "From an Animal's Point of View: Motivation, Fit
ness, and Animal Welfare", Behavioral and Brain Sciences, 13 (1990), 1-61; eadem, Ani
mal Sujfering. . ., cit., passim.
A Hora dos Direitos dos Animais 103
306 Que não tem que ser permanentemente revelada, mas deve ter sido revelada num
momento qualquer da existência - e daí o carácter crucial da personalidade, ou da iden
tidade, como susceptibilidade de se reconhecer, por permanência inter-temporal, que
aquele animal, humano ou não-humano, já foi capaz de exprimir prazer ou sofrimento num
momento da sua vida, ainda que não seja capaz de fazê-lo agora.
307 Veja-se um argumento similar em Gouveia, J.B., "A Prática de Tiro aos Pom-
bos...", cit., 253. ,,
308 Cfr. Eisnitz, Gail A., Slaughterhouse: The Shócking Story of Greed, Neglect, and
lnhumane Treatment lnside the U.S. Meat lndustry, New York, Prometheus Books, 1997;
Goodkin, Susan L., "The Evolution of Animal Rights", Columbia Human Rights Law
Review, 18 (1987), 259ss.; Lynch, Michael, "Sacrifice and the Transformation of the Ani
mal Body into a Scientific Object. Laboratory Culture and Ritual Practice in the Neuros
ciences", Social Studies of Science, 18 (1988), 265-289; Mason, Jim & Peter Singer, Ani
mal Factories, New York, Crown Publishers, 1980; Picard, Gilbert & Odile Martin,
L'Enfer des Animaux, Paris, Le Carrousel-FN, 1986; Patterson, Charles, Eternal Treblinka.
Our Treatment of Animais and the Holocaust, New York, Lantern Books, 2002.
104 Libertação - I - Podem Eles Sofrer? Devem Eles Sofrer?
3 13 Singer, P., Libertação Animal, cit., 134. Cfr. Travaglini, Franco, "II Benessere
Animale e il Caso della Gallina Ovaiola", in Mannucci, A. & M. Tallacchini (orgs.), Per
un Codice..., cit., 177-198.
3 14 Proclamada na UNESCO em 15 de Outubro de 1978, reformulada em 1989. Cfr.
Nouet, Jean-Claude, "Protection ou Respect de !'Animal?", in Cyrulnik, B. (org.), Si les
Lions..., cit., 1100.
3 15 Concluída no seio do Conselho da Europa e aprovada entre nós pelo Decreto n.º
99/81, de 29 de Julho.
3 16 Sirva de consolo à causa teriofílica a constatação de que essas expressões instru
mentalizadoras, se são degradantes para a humanidade no tratamento dos animais, ao
106 Libertação - I - Podem Eles Sofrer? Devem Eles Sofrer?
325 Cfr. Bodson, Liliane, "L'Histoire des Animaux", in Cyrulnik, B. (org.), Si les
Lions..., cit., 251.
326Protocolo aprovado entre nós pelo Decreto n.º 1/93, de 4 de Janeiro .
Convenção de 10 de Março de 1976, na redacção do Protocolo de Alteração de 6
32 7
de Fevereiro de 1992. Cfr. também o Decreto-Lei n.º 2 14/200 1, de 2 de Agosto, e os Decre
tos-Leis n.08 247/2002, de 8 de Novembro, 304/2000, de 23 de Novembro, 25 1/2000, de 13
108 Libertação - 1 - Podem Eles Sofrer? Devem Eles Sofrer?
8 .d) O abandono
Pelas mesmas razões que respeitam aos elos de dependência e desna
turalização que fragilizam os animais, mas também pelas menos nobres
razões de que se envolvem sentimentos antropocêntricos de preferência
afectiva, de protecção discriminada, a ordem jurídica tem sido particular
mente zelosa na especificação das salvaguardas contra o sofrimento dos
animais de companhia - sem dúvida os mais acarinhados mas também os
mais contingentemente expostos de todos os não-humanos, até na medida
em que, em razão da sua «antropização», do efeito mimético induzido pela
simbiose da domesticação329, a sua sobrevivência, a sua segurança, o seu
bem-estar, são postos em causa pelo simples facto do abandono pelos
humanos.
Assim, por exemplo, a Convenção Europeia para a Protecção dos
Animais de Companhia, de 1 3 de Novembro de 1 987 330, parte do reco
nhecimento de que "o homem tem uma obrigação moral de respeitar todas
as criaturas vivas", mas logo lhe adita a perspectiva antropocêntrica de
que os animais de companhia valem sobretudo como contributos para a
qualidade de vida dos seus detentores. E no art. 3.º, se taxativamente se
condena, no n.º 2, o abandono dos animais de companhia33 1, no n.º 1 timi-
332 Cfr. Moberg, G.P. & J.A. Mench (orgs.), The Biology of Animal Stress. Basic
Principies and Implications for Animal Welfare, Wallipgford, CABI, 2000.
333 Cfr. Rollin, Bernard E., "Social Ethics, VetetináryMedicine, and the Pet Over
population Problem", Journal of the American Veterinary Medical Association, 198 (1991),
1153-1156; eiusdem, "Animal Welfare, Science, and Value", Journal of Agricultura[ and
Environmental Ethics, 6-Supplement (1993), 44-50; eiusdem, Farm Animal Welfare.
Social, Bioethical, and Research Issues, Ames, Iowa State University Press, 1995. Cfr.
ainda: Beyer, Gerry W., "Pet Animais: What Happens When Their Humans Die?", Santa
Clara Law Review, 40 (2000), 617ss ..
334 Cfr. Castignone, Silvana, "II «Diritto ali' Affetto»", in Mannucci, A. & M. Tal
lacchini (orgs.), Per un Codice..., cit., 121-130.
110 Libertação - 1 - Podem Eles Sofrer? Devem Eles Sofrer?
335 Como resulta da redacção do art. 4.º do Decreto-Lei n.º 91/2001, de 23 de Março:
"Considera-se abandono de animais a remoção efectuada pelos respectivos donos, pos
suidores ou detentores de cães ou ·gatos para fora do domicílio ou dos locais onde costu
mam estar confinados, com vista a pôr termo à propriedade, posse ou detenção dos ani
mais citados, sem transmissão dos mesmos para a guarda e r:esponsabilidade de outras
pessoas, das autarquias locais e das sociedades zoófilas".
33 6 Veja-se o art. 1. 0 , 3, d) da Lei n.º 92/95, de 12 de Setembro, que proíbe o acto
consistente em "abandonar intencionalmente na via pública animais que tenham sido
mantidos sob cuidado e protecção humanas, num ambiente doméstico ou numa instalação
comercial ou industrial".
337 Por conjugação dos arts. 6.º, 1, h) e 30.º da Lei de Bases Gerais da Caça (Lei n.º
173/99, de 21 de Setembro), o abandono dos animais "que auxiliam e acompanham o caça
dor no exercício da caça" é um crime punível com pena de prisão até 6 meses ou com pena
de multa até 100 dias.
33 8 A crueldade pode também encontrar-se na exposição, e condições de exposição,
de animais destinados ao comércio de animais de companhia: por isso o art. 27 .º, 2 e 3 do
Decreto-Lei n.º 276/2001, de 17 de Outubro (que regulamenta o Decreto n.º 13/93, de 13
de Abril), admite a exposição de cães e gatos, mas só a partir da 6ª semana de idade, e só
por 15 dias no caso do alojamento em gaiolas.
A Hora dos Direitos dos Animais 111
341 Cfr. Francione, Gary L., "Animal Rights and Legal Welfarism: «Unnecessary»
Suffering and the «Humane» Treatment of Animais", Rutgers Law Review, 46 ( 1995), 730.
A Hora dos Direitos dos Animais 113
342 Narveson, Jan, "Animal Rights", Canadian Journal of Philosophy, 7 (1977), 161-
178; eiusdem, "On a Case for Animal Rights", Monist, 70 (1987), 31-49.
343 Cfr. Jamieson, Dale, "Rational Egoism and Animal Rights", Environmental
Ethics, 3 (1981), 167-171. Cfr. ainda: DeGrazia, David D ., "Autonomy of Animais", in
Bekoff, M. & C.A. Meaney (orgs.), Encyclopedia of Animal Rights ..., cit., 83-85 .
344 Cfr . Francis, Leslie Pickering & Richard Norman, "Some Animais Are More
Equal Than Others", Philosophy, 53 (1978), 507-527.
114 Libertação - 1 - Podem Eles Sofrer? Devem Eles Sofrer?
sito moral que nos veda que apreciemos um bem, o bem do antropocen
trismo, sem levarmos em conta o mal em que se alicerça, o mal que con
sente ou o mal que produz.
345 Cfr. Burgat, Florence, "Les Habits de la Cruauté", in Cyrulnik, B. (org.), Si les
Lions ..., cit., 1229.
346 Cfr. Chamberlain, Lesley, Nietzsche in Turin. An lntimate Biography, London,
Picador, 1997; Verrecchia, Anacleto, la Catastrofe di Nietzsche a Torino, Torino, Einaudi,
1978.
347 Cfr . Singer, Peter, "Utilitarianism", in Bekoff, M. & C.A. Meaney (orgs.), Ency
clopedia of Animal Rights ..., cit., 343-344.
A Hora dos Direitos dos Animais 115
condições da vida terrena - que não se deixe embalar por universos con
tra-factuais ou por esperanças redentoras que, de uma penada, compensa
riam numa única justificação remota todo o sofrimento acumulado -. Aqui
neste «vale de lágrimas» é a urgência do sofrimento que deve mobilizar
nos moralmente, como seres humanos e como seres vivos: nas palavras de
Richard Rorty, "O simplesfacto de sermos humanos não nos faz partilhar
um elo comum. Porque a única coisa que partilhamos com todos os outros
seres humanos é o mesmo que partilhamos com todos os outros animais
- a capacidade de experimentarmos dor "348!349.
«Devem eles sofrer ?>> - um dos pontos menos óbvios, mas cruciais,
da campanha pelos direitos dos animais tem sido o do combate à «huma
nização forçada» dos animais e do seu habitat, o emprego de animais em
espectáculos e exibições, a exploração ostensiva do seu sofrimento, o seu
uso em experiências de hibridização e de «apuramento de raças» - não
raro com resultados grotescos que apenas servem interesses lúdicos - , e
até em jardins zoológicos, nos quais os interesses científico e de preserva
ção muitas vezes se cruzam subtilmente com uma reafirmação de poder
humano sobre o destino das demais espécies. Isto para não se falar já na
castração e esterilização sistemáticas de animais domésticos, amplamente
apoiada em argumentos preventivos contra os riscos de sobrepopulação,
mas tantas vezes ditada, nos casos individuais, pelos objectivos da simples
redução dos animais a «autómatos dóceis» através da negação dos seus
impulsos sexuais, da sua conduta menos «aculturável» (o caso mais
extremo e cruel de «falácia patética», de projecção dos nossos condicio
namentos culturais sobre os animais)35 0.
356 Cfr. , por exemplo , Bivar, Carlos, Protecção aos Animais, Lisboa, Imp. Baroeth,
1944; Cordeiro, J. Alcino, Animais. Disposições Legais sobre Aguilhão, Cães, Maus Tra
tos, Matança Clandestina, Pombos Correios, etc., Póvoa de Varzim, s.n., 51969; Viana,
Júlio Mário, Influência da Protecção aos Animais na Moral e na Educação Cívica dos
Povos, Lisboa, Of. de S. José, 1932; e os panfletos da Sociedade Protectora dos Animais:
Colecção de Leis e Posturas Camarárias Cominativas de Maus Tratos aos Animais, Porto,
Tip. Mendonça, 1942 ( 1 1923); Leis, Posturas Camarárias e Instruções Gerais Relativas a
Maus Tratos aos Animais, Lisboa, S.P.A. , 31947 (21940; 1 1932); Protecção aos Animaes.
Projecto de Lei Apresentado à Assembleia Nacional Constitucional, Porto, s.n. , 1911;
Requerimento a sua Magestade El-Rei Pedindo a Abolição das Touradas em Portugal, Lis
boa, Typ. Mattos Moreira, 1876; Touros de morte?!.,,Nãgl,Representação da Sociedade
Protectora dos Animais, Lisboa, Of. de S. José, 1930; · Um Golpe na Rotina, Porto, s.n. ,
1909; Liga Nacional de Defesa dos Animais , Leis, Posturas Camarárias e Instruções
Gerais Relativas a Maus Tratos aos Animais, Lisboa, s.n., 1934; Sociedade Protectora dos
Animais Domésticos, Comemorações, 1897-1947 - 50.º aniversário, Funchal, Tip.
Comércio do Funchal, 1947; União Zoófila, Instruções a Todos os Amigos dos Animais,
Lisboa, s.n. , 1957.
357 Gaspar, Alfredo, "Sobre o Crime de Maus Tratos a Animais", Scientia luridica,
35 (1986), 171.
35 8 Transcrito em Cordeiro, A. Menezes, Tratado ... /- II- Coisas, cit., 222n822.
118 Libertação - I - Podem Eles Sofrer? Devem Eles Sofrer?
362 Cfr. Kniaz, Laura G.,. "Animal Liberation and the Law: Animais Board the
Underground .Railroad", Buffalo Law Review, 43 ( 1995); 800.
363 Cfr. Silverstein, Helena, Unleashing Rights: Law, Meaning, and the Animal
Rights Movement, Ann -Arbor, University of Michigan Press, 1 999, 143, 765, 781, 793;
Tresl, Jacqueline, "The Broken Window: Laying Down the Law for Animais", Southern
Illinois University .Law Journal, 26 (2002), 292.
1 20 A Fragilidade da Solução do «Bem-Estar»
364 Laura Kniaz sugere a sujeição dessas medidas a 5 questões: 1 ) como é que a
norma define «animal»? 2) em que género de actividades se proíbe a crueldade? 3) qual é
a relevância da culpa na incriminação dos perpetradores? 4) a norma tem sido efectiva
mente aplicada? 5) a moldura punitiva é suficientemente dissuasora? - cfr. Kniaz, L.G.,
"Animal Liberation... ", cit., 792.
365 Cfr. Regan, Tom, "Animal Rights, Human Wrongs", Environmental Ethics, 2
(1 980), 99- 1 20; eiusdem, "Animal Rights and the Law", St. Louis University Law Journal,
A Hora dos Direitos dos Animais 12 1
3 1 ( 1987), 5 13ss.; eiusdem, "Animais, Treatment of," in Becker, Lawrence C. & Charlotte
B. Becker (orgs.), Encyclopedia of Ethics, New York, Garland, 1992, II, 42-46; Regan,
Tom, "Ethical Perspectives on the Treatment and Status of Animais", in Reich, W.T. (org.),
Encyclopedia of Bioethics, cit., 159- 17 1; Regan, Tom, "Animal Rights", in Bekoff, M. &
C.A. Meaney (orgs.), Encyclopedia of Animal Rights. . ., cit., 42-43.
122 A Fragilidade da Solução do «Bem-Estar»
366 Cfr. Francione, Gary L., Rain Without Thunder. The ldeology of the Animal Rights
Movement, Philadelphia, Temple University Press, 1996, 1-3 1.
367 Martha Nussbaum elogia Steven Wise por fazê-lo, quebrando o impasse «esqui
zofrénico» que nos sensibiliza para o sofrimento animal mas nos faz pactuar com ele, nos
fornece os pensamentos mas não nos bloqueia os actos; por se pôr em marcha, mesmo sem
esperar que haja consenso em tomo da definição conceptual dos direitos dos animais -
Nussbaum, Martha C., "Animal Rights: The Need for a Theoretical Basis", Harvard Law
Review, 114 (2001), 1509- 15 12.
368 Cfr. Kelch, T.G., "Toward a Non-Property Status... ", cit. , 540-541.
A Hora dos Direitos dos Animais 123
cana37 2, que apela para a consagração, nesse mínimo, ao menos das «cinco
liberdades» que a Europa já consagrou373 .
Pela mesma razão se compreende o sucesso da perspectiva mais
ténue e inconsequente do apelo ao «bem-estar animal», visto que ela é
compatível com o mais arreigado antropocentrismo, posicionando-se, em
conformidade, como o «denominador mínimo» do consenso social que,
excluídas certas perversões teriofóbicas, é capaz de formar-se em torno da
definição do nível aceitável de «bem-estar» que deva ser respeitado nos
não-humanos - e portanto, em suma, um esforço positivo naqueles
ambientes em que uma consciência colectiva difusa e incipiente, ou uma
noção mal informada da imperatividade moral ou jurídica, tolham inicia
tivas fortes que, em vez de esperarem pelo apoio do consenso social, pro
curem dirigi-lo ou corrigi-lo, tomando a dianteira rumo a fins morais reco
nhecidamente válidos.
Mas cabe perguntar:
- poderá conceber-se um consenso forte em sociedades plurais, que
não partilham quadros de valores, mais a mais quando a fragmen
tação axiológica é presidida por tradições que não são propria
mente teriofílicas?
- não será perigoso, para a liberdade política, presumir-se a exis
tência de valores objectivos, reconhecidos, evidentes, que balizas
sem o espaço público da opinião, encerrando-o, ou prescindissem
dele - arvorando como propósito da lei a consagração de virtu
des ao serviço das quais a colectividade se colocaria, em abjecta
subserviência? Não é a política das virtudes e das evidências a
política do monolitismo doutrinário, do terror?
E assim, se é compreensível a impaciência dos defensores dos direi
tos dos animais, dos militantes da «libertação animal», com aquilo que
eles consideram ser a inerme complacência das preocupações com o bem
estar dos animais, que coexistem com o desrespeito de interesses e com a
violência generalizada e quotidiana, guardando a boa consciência com
simples proclamações de princípios, programas e intenções dentro de um
37 2 Cfr. Havercamp, Steven J., "Are Moderate Animal Welfare Laws and a Substai
nable Agricultura! Economy Mutually Exclusive? Laws, Moral Implications, and Recom
mendations", Drake Law Review, 46 ( 1998), 667.
373 Cfr. Tresl, J., "The Broken Window... ", cit., 286; Havercamp, S.J., "Are Mode
rate Animal Welfare Laws.. . ", cit., 675.
,,,;_
374 Cfr. Francione, Gary L., Animais, Property, and the Law, Philadelphia, Temple
University Press, 1995 ; eiusdem, Rain Without Thunder ..., cit.; eiusdem, Introduction to
Animal Rights: Your Child or the Dog?, Philadelphia, Tempfe'University Press, 1999.
375 Entre estes últimos, cfr. Wise, Steven M., "Hardly a Revolution: The Eligibility
of Nonhuman Animais for Dignity-Rights in a Liberal Democracy", Vermont Law Review,
22 (1998), 910-913 .
376 Cfr. Tresl, J., "Toe Broken Window . . . ", cit., 282; Mendelson, Joseph, "Should
Animais Have Standing? A Review of Standing Under the Animal Welfare Act", Boston
College Environmental Ajfairs Law Review, 24 (1997), 795 .
377 Cfr. Francione, G.L., Animais, Property, and the Law, cit., 65-89, 185-248;
Rikleen, Lauren S ., "The Animal Welfare Act: Still a Cruelty to Animais", Boston College
Environmental Affairs Law Review, 7 (1978), 129ss..
126 A Fragilidade da Solução do «Bem-Estar»
37 8 Cfr. Tresl, J., "The Broken Window . . . ", cit., 282-283; Mendelson, J., "Should
Animais Have Standing? . . . ", cit., 801.
379 Quanto à posição da Declaração relativa aos animais domésticos, ressalvar-se-á
a firme condenação do abandono como "acto cruel e degradante" (art. 6.º, 2); mas já
quanto a um direito a uma "longevidade natural" (art. 6.º, 1), ele afigura-se singularmente
desprovido de objecto, se pensarmos que as condições ambientais são decisivas para a
determinação dessa longevidade.
3 80 Cfr. Camm, Tara & David Bowles, "Animal Welfare and the Treaty of Rome -
A Legal Analysis of the Protocol on Animal Welfare and Welfare Standards in the Euro
pean Union", Journal of Environmental Law, 12 (2000), 202-203; Spedding, C .R.W., "Ani
mal Welfare Policy in Europe", Journal of Agricultura[ and Environmental Ethics, 6-Sup
plement (1993), 110-117.
3 8 1 Como abates "de emergência", sem atordoamento.
A Hora dos Direitos dos Animais 127
382 Cfr. Cartmill, Matt, A View to a Death in the Morning: Hunting and Nature
Through History, Cambridge Mass., Harvard University Press, 1 993 ; eiusdem, "History of
ldeas Surrounding Hunting", in Bekoff, M . & C.A. Meaney (orgs.), Encyclopedia of Ani
mal Rights . . ., cit., 1 97- 1 99; Causey, Ann S., "Fair Chase", in Bekoff, M. & C.A. Meaney
(orgs.), Encyclopedia of Animal Rights .. ., cit., 202-203 ; Dizard, Jan E., Going Wild: Hun
ting, Animal Rights, and the Contested Meaning �of Náture, Amherst, University of Massa
chusetts Press, 1 999; King, Roger J.H ., "Environmental Ethics and the Case for Hunting",
Environmental Ethics, 1 3 ( 1991), 59-85 ; Loftin, Robert W., "The Morality of Hunting",
Environmental Ethics, 6 (1984), 24 1 -250; Loftin, Robert W. & Ellen Klein, "Hunting", in
Reich, W.T. (org.), Encyclopedia of Bioethics, cit., 1 87- 1 90 ; Pacelle, Wayne, "Hunting", in
Bekoff, M . & C.A. Meaney (orgs.), Encyclopedia of Animal Rights . . ., cit., 1 96- 1 97 ; Pao
lillo, Giuseppe, "Tutela della Fauna o Massacro Legalizzato?", in Mannucci, A. & M. Tal
lacchini (orgs.), Per un Codice . .., cit., 1 3 1 - 1 60; Vamer, Gary, "Environmental Ethics and
Hunting", in Bekoff, M. & C.A . Meaney (orgs.), Encyclopedia of Animal Rights . . ., cit.,
200-20 1 .
128 A Fragilidade da Solução do «Bem-Estar»
Como sugerimos já, a própria lei de protecção aos animais - Lei n.º
92/95, de 12 de Setembro - é demasiado vaga, ao ponto de tomar-se
ambígua, quanto à justificação da violência contra os animais e quanto à
necessidade do sofrimento. Veja-se o art. 1 .º, 1: "São proibidas todas as
violências injustificadas contra animais, considerando-se como tais os
actos consistentes em, sem necessidade, se infligir a morte, o sofrimento
cruel e prolongado ou graves lesões a um animal".
Claro que se compreende que, da perspectiva de um animal incapaz
da percepção inteligente da convencionalidade das práticas sociais huma
nas, possa, por exemplo, afigurar-se como violenta a submissão a medidas
profilácticas, como a vacinação, ou o confinamento da sua «liberdade
natural» para efeitos de transporte em segurança; genericamente, dir-se-á
mesmo que a falta de percepção inteligente da convencionalidade, da
intencionalidade, das práticas humanas poderá até gerar no animal a per
cepção de que toda a restrição da sua «liberdade natural» é o primeiro acto
de um processo violento, por exemplo de uma agressão predatória contra
a qual os seus instintos estão predispostos. Estaríamos, nesses poucos
casos - e porventura também nos de interferência humana na predação
natural, como veremos adiante (Capítulo 2 1) - diante de exemplos de
«violência» justificada.
Mas não seria porventura possível demarcar-se melhor aquilo que
possa entender-se como justificação de toda a violência, procedendo a
uma enumeração, já que, como acabámos de referir, o bem-estar dos ani
mais reclama a ausência de qualquer tipo de violência, vista a incapaci
dade das vítimas para discernirem a relevância da justificação? Pense-se
que é precisamente essa incapacidade de di,scemimento da intencionali
dade humana que conduz à proibição da imposição aos animais de esfor
ços excessivos383 - porque, para lá do sofrimento adveniente do excesso,
não existe para o animal a capacidade de representação das finalidades
supererogatórias que justificariam moralmente, no ser humano, um
excesso espontâneo, livremente assumido. Porque não fazer o mesmo rela
tivamente à demarcação das possibilidades de inflicção de sofrimento aos
animais, em geral?
Mais grave, o art. l .º, 1, da Lei n.º 92/95 proíbe apenas a provocação
de sofrimento cruel e prolongado e de graves lesões, subentendendo-se a
contrario que são consentidos tanto um sofrimento breve e negligente, por
mais agudo que seja para a vítima, como lesões ligeiras no animal. E
quanto à experimentação científica, ainda que com a ressalva de se exigir
uma "comprovada necessidade", o art. l.º, 3, e) da mesma Lei - um
diploma que assume a defesa do bem-estar animal como sua finalidade
precípua, lembremos - , apenas proíbe "dores ou sofrimentos considerá
veis", o que só pode querer significar que as dores e os sofrimentos
«comuns» são genericamente admitidos, e que uma difusa comprovação
de «necessidade» permite ampliar até ao limite do imaginável a intensi
dade dos sofrimentos infligidos às cobaias.
«Devem eles sofrer?» - não, não devem, pelo que há muito caminho
a percorrer na protecção jurídica do bem-estar animal. ..
10. E a Incomparabilidade
dos Direitos Humanos?
Mas será que degrada, verdadeiramente? Ou não será antes que tudo
não passa de mais uma expressão do medo das origens390, da rejeição da
nossa animalidade, albergados ambos no desprezo e no ridículo com que
designamos as «bestas» ? 39 1
O argumento da incomparabilidade e da degradação dos direitos, des
graçadamente, não é novo na história das ideias: ele é recorrente na xeno
fobia das sociedades fechadas, na estratificação das sociedades de castas,
já foi usado contra a atribuição de direitos aos «escravos naturais» com a
alegação de que isso degradaria os direitos dos homens livres, e contra o
reconhecimento da igualdade jurídica dos sexos em nome da govemabili
dade da família ou da salvaguarda de prerrogativas «básicas» da parte
masculina da nossa sociedade.
E se pudesse discernir-se, nessa vontade de comparação de estatuto
etico-jurídico entre homens e animais, uma vontade deliberada e perversa
de humilhação da humanidade? É que, como já referimos, há quem
entenda que a defesa dos direitos dos animais, e sobretudo a militância da
«libertação animal», não passam de formas de devoção que vieram preen
cher o vazio deixado pelo declínio das religiões392 - formas expostas,
pois, a extremos de fanatismo e de desumanidade decalcados de provectos
delírios de devoção.
Mesmo sem fanatismo, é também compreensível o receio de um certo
tipo de «panteísmo animista» que poderia designar-se como «francisca
nismo jurídico»393 , uma atitude onirico-beatífica que tudo dissolveria em
indiferenciação contemplativa, retirando aos direitos humanos a força ideo
lógica e combativa que só séculos de esforço cultural permitiram consoli-
390 "L'humanité dans son ensemble ressemble aux parvenus honteux de leur humble
origine. Ils éloignent d 'eux ce qui le suggere. Que sont d 'ailleurs les «grandes» ou les
«bonnes» familles, sinon celles ou notre naissance fangeuse est le plus soigneusement
camouflée?" - Bataille, Georges, "Histoire de l'Émtisl@�, apud CEuvres Completes,
,· ·
Paris, Gallimard, 1976, V III, 52.
39 1 O insulto usando referências a animais remete-nos para a contiguidade entre
espécies, que reclama a degradação metafórica dos animais como barreira defensiva, tal
como a proibição do incesto nos demarca sexualmente dos nossos parentes mais próximos
- cfr. Leach, Edmund, "Anthropological Aspects of Language. Animal Categories and
Verbal Abuse", in Lenneberg, E.H. (org.), New Directions in the Study of Language, Cam
bridge Mass., MIT Press, 1964, 23-63.
392 MacDonald, Rhona, "How Animal Passions Became Aroused", British Medical
Journal, 322 (27/1/2001), 244.
393 Cfr. Gouveia, J.B., "A Prática de Tiro aos Pombos...", cit., 242-243.
134 E a Incomparabilidade dos Direitos Humanos?
394 Godlovitch, S., R. Godlovitch & J . Harris (orgs.), Animais, Men and Morais ...,
cit., 81 .
395 Cfr. Fjellstrom, Roger, "Specifying Speciesism", Environmental Values, 11
(2002), 63-74; Ryder, Richard D., Animal Revolution: Changing Attitudes Towards Spe
ciesism, Oxford, Basil Blackwell, 1989; Ryder, Richard D., The Political Animal. The Con
quest of Speciesism, Jefferson NC, McFarland, 1998; Steinbock, Bonnie, "Speciesism and
the ldea of Equality", Philosophy, 53 (1978), 247-256.
396 "/ cannot forbear adding to these reasoni'l;gs an obser-vation, which may,
perhaps, be found of some importance. ln every system of morality, which I have hitherto
met with, I have always remark'd, that the author proceeds for some time in the ordinary
way of reasoning, and establishes the being of a God, or makes observations concerning
human affairs; when of a sudden I am surpriz'd to find, that instead of the usual copula
tions of propositions, is, and is not, / meet with no proposition that is not connected with
an ought, or an ought not. This change is imperceptible; but is, however, of the last conse
quence. For as this ought, or ought not, expresses some new relation or affirmation, 'tis
necessary that it should be observ'd and explain'd; and at the sarne time that a reason
should be given, Jor what seems altogether inconceivable, how this new relation can be a
deduction from others, which are entirely different from it. But as authors do not commonly
use this precaution, I shall presume to recommend it to the readers; and am persuaded, that
this small attention wou'd subvert all the vulgar systems of morality, and let us see, that
the distinction of vice and virtue is not Jounded merely on the relations of objects, nor is
perceiv'd by reason." - Rume, D ., A Treatise ..., cit., 469-470 (Book III, Part I, Section 1).
A Hora dos Direitos dos Animais 135
404 Cfr. Post, Stephen, "The Emergence of Species Impartiality: A Medical Critique
of Biocentrism", Perspectives in Biology and Medicine, 36 (1993), 294; La Follette, H. &
N. Shanks, "The Origin of Speciesism", cit., 44; Watson, Richard A., "A Critique of Anti
Anthropocentric Biocentrism", Environmental Ethics, 5 (1983), 245-256.
40 5 Nozick, Robert, "About Mammals and People", The New York Times Book
Review, 27/11/1983, 11.
40 6 Cfr . Singer, Peter, Rethinking Life and Death, Oxford, Oxford University Press,
1995, 204-205.
138 E a Incomparabilidade dos Direitos Humanos?
407 "Ja das Kind, welches sich nur eben dem mütterlichen Schooj3e entwunden hat,
scheint zum Unterschiede von allen andern Thieren blos deswegen mit lautem Geschrei in
die Welt zu treten: weil es sein Unvermogen, sich seiner Gliedmaj3en zu bedienen, für
Zwang ansieht und so einen Anspruch auf Freiheit (wovon kein anderes Thier eine Vors
tellung hat) sofort ankündigt" - Kant, I., Anthropologie in Pragmatischer Hinsicht, AK,
V II, Berlin, Georg Reimer, 1917, 268.
A Hora dos Direitos dos Animais 139
408 Cfr. Racheis, James, "Darwin, Species, and Morality", Monist, 10 (1987), 98-99.
409 Cfr. La Follette, H. & N. Shanks, "The Origin of Speciesism", cit., 41-42.
4 10 Cfr. Singer, P., Libertação Animal, cit., 3-4.
140 E a Incomparabilidade dos Direitos Humanos?
4 1 1 Interesses que não sejam, eles mesmos, interesses em não sofrer, pois senão terá
que se recorrer a um critério genérico de colisão de direitos que, nessa última e excepcio
nal instância, não repugnará que seja «especista», preferindo poupar os humanos - até em
atenção à incomensurabilidade do sofrimento humano -.
4 1 2 Cfr. Singer, P., Libertação Animal, cit., 18; Tester, K., Animals and Society . . ., cit.,
passim.
4 1 3 Cfr. Araújo, Fernando, A Procriação Assistida e o Problema da Santidade da
Vida, Coimbra, Almedina, 1999, l l 5ss ..
4 1 4 Cfr. Singer, P., Libertação Animal, cit., 206.
A Hora dos Direitos dos Animais 141
4 15 Cfr. Frey, Raymond G., "Moral Standing, the Value of Lives, and Speciesism",
Between the Species, 4 ( 1 988), 1 99; Brennan, Andrew, "Toe Moral Standing of Natural
Objects", Environmental Ethics, 6 ( 1 984), 35-56; Clark, Stephen R.L., Animais and Their
Moral Standing, London, Routledge, 1 997; Goodpaster, Kenneth, "On Being Morally Con
siderable", Journal of Philosophy, 75 ( 1 978), 308-325.
4 16 Cfr. Holland, Alan J., "On Behalf of a Moderate Speciesism", Journal of Applied
Philosophy, l ( 1 984), 281 -29 1 .
4 1 7 Cfr . Racheis, J., Createdfrom Animais ... , cit., 1 99; contudo, cfr. Frey, Raymond
142 E a Incomparabilidade dos Direitos Humanos?
que atacam uma ou duas das suas manifestações - como o abate de ani
mais selvagens efectuado por caçadores, ou a experimentação cruel ou as
touradas - participam, eles próprios, noutras práticas especistas. Isto
permite que os atacados acusem os seus adversários de incoerência"4I 8 .
Essa incoerência pode derivar de uma fragilidade central do «anti
especismo», e que reside na dificuldade em evitar, no calor dos argumen
tos, cair-se num igualitarismo extremo que nivelaria a vida humana com a
vida não-humana no plano das representações de que pode depender a
avaliação tanto dos interesses como da sua violação e do sofrimento
conexo, ou incorrer-se na confusão entre dever de não-discriminação e
avaliação indiscriminada de realidades com valores distintos - confusão
que levaria a conclusões insustentáveis em casos extremos de conflitos de
interesses com desfechos de «vida ou morte», com o eventual sacrifício de
humanos em favor de não-humanos (porque, por exemplo, estes seriam
mais numerosos do que aqueles, ou porque se confrontariam «espécies
ameaçadas» com «casos humanos marginais») -, conduzindo assim à
própria degradação do valor ético do igualitarismo como dever indiscri
minado de solicitude, um valor que, na sua centralidade moral, não é, nem
pode ser, afectado por corolários não-intuitivos4I 9/420.
A charneira do anti-especismo deve ser, por essa razão, a da insistên
cia na igual consideração de «interesses comparáveis» das diversas espé
cies - abrindo por isso caminho à admissão de que haja interesses incom
paráveis, de que haja incomensurabilidade de posições - . Por isso se
pode reconhecer um «qualified speciesism», uma vontade de transcender
as ilações a partir de uin mero reconhecimento de diferenças de facto, para
fazer assentar as distinções em razões meta-éticas42I .
G., "Content, Value, and Richness of Animal Life", in Bekoff, M. & C.A. Meaney (orgs.),
Encyclopedia of Animal Rights . . . , cit . , 116-118.
4 18 Singer, P., Libertação Animal, cit., 2 15.
4 1 9 Cfr. Michael, Mark A., "Environmental Egalitarianism and «Who Do You Save?»
Dilemmas", Environmental Values, 6 (1997), 307-326.
420 Pela mesma razão, Richard Posner receia que a multiplicação de direitos, por
exemplo os atribuídos aos animais para abate, venha a repercutir-se no custo da produção
alimentar, agravando problemas de pobreza e de carência que já são muito graves na espé
cie humana - cfr. E-mail Interview with Judge Richard A. Posner (June 10, 2001), cit. in
Tresl, J., "The Broken Window... ", cit., 287, 308.
42 1 Cfr. Racheis, J., Created from Animais. . . , cit., 182- 183. Cfr. VanDeVeer, D.,
"Interspecific Justice", cit., 55-79.
A Hora dos Direitos dos Animais 143
422 Porém, sobre o «altruísmo recíproco» (não deliberado) como estratégia evolu
cionista, cfr. Noe, Ronald, "Biological Markets: Partner Choice as the Driving Force
Behind the Evolution of Mutualisms", in Noe, Ronald, Jan A.R.A.M. van Hooff & Peter
Hammerstein (orgs.), Economics in Nature. Social Dilemmas, Mate Choice and Biological
Markets, Cambridge, Cambridge University Press, 200 1, 95-96.
42 3 Cfr. Steinbock, B., "Speciesism ... ", cit., 247-256.
424 Cfr. Voice, Paul, "What Do Animais Deserve?", South African Journal of Philo
sophy, 14 (1995), 34-38.
144 E a Incomparabilidade dos Direitos Humanos?
425 Lembremos que já Aristóteles contava a história da mula que, terminada a sua
longa carreira de transportadora de materiais de construção para a Acrópole, foi na sua
velhice recolhida e alimentada a expensas do erário público, como um vulgar trabalhador
- Aristóteles, Historia Animalium, V I, 577b30 - 578a l .
426 Adam Kolber chama a atenção para a ambiguidade desta asserção: de facto, os
não-humanos (e alguns «casos humanos marginais») não poderão desempenhar esponta
neamente os actos que formalmente integram o acto de votar; mas daí ,não deve fazer-se
decorrer que os não-humanos (ou aqueles mesmos «casos humanos marginais») estejam
privados de representação política, nem deve retirar-se maquiavelicamente a conclusão de
que a atribuição de direitos aos animais poderia ser «minada» por uma sub-representação
- cfr. Kolber, A., "Standing Upright ... ", cit ., 201-202.
A Hora dos Direitos dos Animais 145
429 Cfr. Hull, David L., "The Ontological Status of Species as Evolutionary Units",
in Ruse, Michael (org.), Philosophy of Biology, New York, Macmillan, 1989, 146- 155.
43 0 Cfr. Callicott, J. Baird, "Animal Liberation: A Triangular Affair", Environmental
Ethics, 2 (1980), 3 18-324; Rolston III, Holmes, Environmental Ethics: Duties to and
Values in the Natural World, Philadelphia, Temple University Press, 1988; Wenz, Peter S.,
Environmental Justice, Albany NY, SUNY Press, 1988.
150 O «Especismo» Não-Humano: Uns Maislguais?
profunda» vão muito mais longe, e partem do princípio de que toda e qual
quer discriminação entre seres vivos no planeta é injustificável, conver
tendo-se numa violência contra animais «inferiores» e até contra seres
vivos inanimados - como já se tem alegado que sucede com o «chauvi
nismo animal» contra as plantas43 I .
O facto de haver fronteiras difusas não impede, todavia, que, além ou
aquém dessa zona nebulosa, de penumbra, os casos não-marginais sejam
tratados com uma segurança de princípios que não está dependente da
legitimidade ou da solidez de quaisquer demarcações. Já o defendemos
por outro prisma, quando insistimos no facto de a luta pelos direitos dos
animais não reclamar a degradação dos direitos humanos, e bem pelo con
trário poder tomar-se até como uma forma de, pela extensão de domínios,
reforçar e exaltar ainda mais a protecção da condição humana - agora
não exclusivamente na sua humanidade, mas também na sua anima/idade
-: sabemos bem que um paciente humano em estado comatoso irreversí
vel e terminal não tem, nem poderá vir a ter, uma vida sensorial e mental
tão rica como a de um chimpanzé adulto e saudável43 2; mas que implica
isso? Que consideramos que aquele paciente abandonou a espécie
humana? Que deixou de merecer a protecção jurídica? Que essa protecção
pode ser-lhe negada apenas com o fito de se evitar confusões de estatutos
na fronteira entre humanos e não-humanos?
Não, reservamos-lhe, a esse paciente comatoso e terminal, indepen
dentemente de ele se encontrar ou não na «penumbra fronteiriça», o trata
mento ético e jurídico que formulámos para o cerne de normalidade com
que definimos a espécie humana e, decerto com alguma falibilidade, dese
nhámos o perfil do agente moral e do .sujeito jurídico. As fronteiras não
interferem nessa solidez de princípios; porque haveriam elas de interferir
na consagração dos direitos dos animais, e mais crucialmente no seu
direito ao não-sofrimento, só pela circunstância de, lá nos confins, haver
casos em que é difícil ou inconclusivo determinar-se se subsiste uma capa
cidade de sofrimento?
Haverá não-humanos que evidenciem, sem qualquer margem para
dúvida, uma capacidade de sofrimento, isto é, que exteriorizem aquilo que,
43 1 Cfr. Arbor, J.L., "Animal Chauvinism, Plant-Regarding Ethics and the Torture of
Trees", Australasian Journal of Philosophy, 64 ( 1986), 335-339.
43 2 Cfr. Cigman, Ruth, "Death, Misfortune, and Species Inequality", Philosophy and
Public Affairs, 10 ( 1981), 47-64.
A Hora dos Direitos dos Animais 151
433 Cfr. Kelch, T.G., "Toward a Non-Property Status. . . ", cit., 531ss ..
434 Singer, P., Ética Prática, cit., 98.
435 Por essa mesma razão, o Great Ape Project foge de estabelecer uma fronteira
especista em tomo dos primatas, e declara-se «agnóstico» quanto à possibilidade, e mérito,
da expansão a outras espécies do tipo de tutela jurídica que é reclamada para aquelas espé
cies de primatas - cfr. Kolber, A., "Standing Upright. ..", cit., 182.
152 O «Especismo» Não-Humano: Uns Mais Iguais?
ou actuais, são membros das espécies animais nas quais essa capacidade já
foi detectada, pode até considerar-se haver um dever moral, que pode con
solidar-se juridicamente, de sacrifício das espécies perigosas, no sentido
da sua erradicação absoluta dentro do meio ecológico partilhado com as
vítimas (ainda que o extermínio total, em todos os ambientes, possa ser
desaconselhado pelo valor autónomo da biodiversidade).
Por isso, ao argumento de «ladeira escorregadia» que, contra a aboli
ção do «especismo», formulou o professor Richard A. Epstein, da Chicago
Law School, que julgava que a atribuição de direitos aos animais podia ser
rebatida com a interrogação "será que às bactérias também seriam reco
nhecidos direitos?"436, responderemos que não, que não deveriam ser
reconhecidos quaisquer direitos às bactérias, seja porque, que se saiba, não
se suscita quanto a elas o problema do sofrimento (taxinomicamente, são
até geralmente consideradas vegetais), seja porque, coexistindo no mesmo
ambiente de animais ostensivamente capazes de sofrimento, algumas delas
têm a aptidão de provocarem ou agravarem estados de sofrimento, ou até
de provocarem a morte437. Responderemos nas palavras coloridas de
Miguel Torga, que, de um vinhateiro, observava que "deitava enxofre e
sulfato nas videiras, simplesmente para defender a vida. É certo que
matava vida. Mas unicamente aquela que, errada e parasitária, estava
desde a nascença a soldo da morte"438.
436 Cfr. Glaberson, William, "Legal Pioneers Seek to Raise Lowly Status of Ani
mais", The New York Times, 18/8/1999.
437 Refutando também a «ladeira escorregadia» de Richard Epstein, cfr. Kolber, A.,
"Standing Upright...", cit., 182n l 20.
43 8 Torga, Miguel, Bichos, cit., 66.
439 Como sublinha Brenot, Philippe, "La Honte des Origines", in Cyrulnik, B. (org.),
Si les Lions ..., cit., 130.
A Hora dos Direitos dos Animais 153
440 Cfr. Johnson, Lawrence E., "Can Animais Be Moral?", Ethics and Animais, 4/2
( 1983), 6 1 .
44 1 Everett, Jennifer, "Environmental Ethics, Animal Welfarism, and the Problem of
Predation: A Bambi Lover's Respect for Nature", Ethics and the Environment, 6 (2001), 54.
442 A hibridização e os «transgénicos» suscitam problemas de fronteira particular
mente complexos: a partir de que momento existe uma nova forma de vida? A adição de
um só gene ao património genético de um indivíduo basta para ele ser excluído da sua espé-
1 54 O «Especismo» Não-Humano: Uns Mais Igutiis?
cie? Mas então o que teria sucedido em consequência dos impactos genéticos causados
pelos vírus na evolução do património genético da espécie humana? · - cfr. Denis, Bernard,
"La Fabrication des Animaux", in Cyrulnik, B. (org.), Si les Lions ..., cit., 711.
443 Cfr. Donnelley, Strachan, Charles R. McCarthy & Rivers Singleton Jr., "The
Brave New World of Animal Technology", Hastings Center Report, 24/1-Supplement
(1994), S l -S31; Sellers, Michael E., "Patenting Non-Naturally Occurring Man-Made Life:
A Practical Look at the Economic, Environmental, and Ethical Challenges Facing «Animal
Patents»", Arkansas Law Review, 47 (1994), 269ss..
444 O problema surge com muito mais premência para a espécie humana com os pro
gressos tecnológicos que propiciam a clonagem reprodutiva e a mais ampla manipulação
genética das células reprodutoras. Para meditarmos nas consequências, lembremos a deli
rante (mas profunda .. . ) efabulação de Vercors, em Les Animaux Dénaturés (Paris, Albin
Michel, 1952), sobre a hipótese de criação de hominídeos por hibridização entre a nossa
espécie e a de outros primatas (os «tropis», «paranthropus greamiensis»).
A Hora dos Direitos dos Animais 155
449 Cfr. Rollin, B.E., "Send· in the Clones... ", cit., 25-40.
45 0 Cfr. Albrecht, Michelle K., "Genetic Engineering of Domestic Animais: Human
Prerogative or Animal Cruelty?", Animal Law, 6 (2000), 233ss.; Sando(e., Peter, Nils Hol
tug & H.B. Simonsen, "Ethical Limits to Domestication"; Journal of Agricultura[ and
Environmental Ethics, 9 (1996), 114-122.
45 1 Cfr. Thompson, Paul B., "Ethical Issues in Livestock Cloning", Journal of Agri
cultura[ and Environmental Ethics, 11 (1999), 197-217; eiusdem, "Ethics and the Genetic
Engineering of Food Animais", Journal of Agricultura[ and Environmental Ethics, 10
(1997), 1-23.
452 Cfr. arts. 48.º, 2 e 49.º, l, b) do Código da Propriedade Industrial (Decreto-Lei
n.º 16/95, de 24 de Janeiro de 1995).
453 Cfr. Verhoog, H., "The Concept of Intrinsic Value and Transgenic Animais",
Journal of Agricultura[ and Environmental Ethics, 5 (1992), 147-160.
454 Sobre o debate entre «deontologistas» e «utilitaristas» em torno da definição de
«valor intrínseco» dos animais, cfr. Anderson, James C., "Species Equality and the Foun
dations of Moral Theory", Environmental Values, 2 (1993), 347-365.
A Hora dos Direitos dos Animais 157
457 Cfr. Kelch, T.G., "Toward a Non-Ptoperty Status . . . ", cit., 584.
45 8Cfr. Gewirth, Alan, Reason and Morality, Chicago, University of Chicago Press,
1978, 121.
459 Cfr. Crisp, Roger, "Utilitarianism and Vegetarianism", International Journal of
Applied Philosophy, 4 (1988), 41-49.
A Hora dos Direitos dos Animais 159
lution... ", cit., 873-900; eiusdem, Rattling the Cage, cit., passim.
464 Kelch, T.G., "The Role of the Rational...", cit., 15.
160 O «Especismo» Não-Humano: Uns Mais Iguais?
465 Tudo está em não se recusar que no comportamento dos não-humanos se descu
bram «graus de intencion�idade», como os que são abstractamente definidos por Daniel
Dennett - cfr. Gallo, Alain & Fabienne de Gaulejac, "Qu'est-ce que la «Condition Ani
male»?", in Cyrulnik, B. (org.), Si les Lions... , cit., 314.
466 Cfr. Stich, Stephen P., "Do Animais Have Beliefs?", Austr.alasian Journal of Phi-
losophy, 57 (1979), 15ss..
467 Cfr. Bekoff, Marc, "Deep Ethology, Animal Rights, and the Great Ape/Animal
Project: Resisting Speciesism and Expanding the Community of Equals", Journal of Agri
cultura[ and Environmental Ethics, 10 (1997/98), 269-296; eiusdem, "Social Cognition:
Exchanging and Sharing Information on the Run", Erkenntnis, 51 (1999), 617-632; Bekoff,
Marc & Jamieson Dale, "Reflective Ethology, Applied Philosophy, and the Moral Status of
Animais", Perspectives in Ethology, 9 (1991), 1-47 ; Brown Jr., Stuart M ., "On Self-Cons
ciousness and the Rights of Nonhuman Animais and Nature", Environmental Ethics, 2
(1980), 95 ; Fox, Michael W., Concepts in Ethology. Animal Behavior and Bioethics, Mala
bar Fia., Krieger, 21998; eiusdem, Laboratory Animal Husbandry. Ethology, Welfare, and
Experimental Variables, Albany NY, SUNY Press, 1986.
46 8 Wise, S.M., Rattling the Cage, cit. ( 1 1999).
469 Nussbaum, M.C., "Animal Rights . . . ", cit. , 1506-1550.
470 Posner, Richard A., "Animal Rights", Yale Law Journal, 110 (2000), 527-542.
A Hora dos Direitos dos Animais 161
47 6 Cfr. Gomez, Juan Carlos, "Are Apes Persons? The Case for Primate Intersubjec
tivity", Etica & Animali, 9 (1998), 51-63; Krause, Mark A., "Perspectives on Domestic and
Captive Animais: Biological Continuity and Great Ape Rights", Animal Law, 2 (1997),
171ss ..
477 Cfr. Wise, S.M., Rattling the Cage, cit., 190ss..
47 8 Sobre a «estratégia de batota» entre os não-humanos, cfr. Nunn, Charles L. &
Rebecca J. Lewis, "Cooperation and Collective Action in Animal Behaviour"; Noe,
A Hora dos Direitos dos Animais 163
Ronald, "Biological Markets: Partner Choice as the Driving Force Behind the Evolution of
Mutualisms"; Bshary, Redouan, "The Cleaner Fish Market", todos in Noe, R., J.A.R.A.M.
vanHooff & P. Hammerstein (orgs.), Economics in Nature . . ., cit., 46-48; 95-97; 147-150.
479 Sobre estratégias de reciprocidade e de pseudo-reciprocidade entre não-humanos,
cfr. Barrett, Louise & S. Peter Henzi, "The Utility of Grooming in Baboon Troops";
Bshary, Redouan, "The Cleaner Fish Market", ambos in Noe, R., J .A.R.A.M. vanHooff &
P.Hammerstein (orgs.), Economics in Nature . . ., cit., 131-135; 147-148.
480 Sobre a racionalidade das estratégias de cooperação animal, cfr. Nunn, Charles L. &
Rebecca J. Lewis, "Cooperation and Collective Action in Animal Behaviour"; Barrett, Louise
& S. PeterHenzi, "The Utility ofGrooming in Baboon Troops", ambos in Noe, R., J.A.R.AM.
vanHooff & P.Hammerstein (orgs.), Economics in Nature . . ., cit., 49-62; 120-124.
48 1 Sobre o exercício de «tolerância» entre não-humanos, como simples corolário de
uma estratégia dominante de reciprocidade, de «tit-for-tat», cfr. VanHooff, Jan A.R.A.M.,
"Conflict, Reconciliation and Negotiation in Non-Human Primates: The Value of Long
Term Relationships", in Noe, R., J.A.R.A.M. van fü>off,& P.Hammerstein (orgs.), Econo
mics in Nature. . ., cit., 81-85.
482 Cfr. De Waal, F., Good Natured . . ., cit., em especial o Cap. III; Leste!, Domini
que, "Les Singes Parlent-ils Vraiment?", in Cyrulnik, B. (org.), Si les Lions ... , cit., 993.
48 3 Cfr. Tomasello, Michael & Josep Call, Primate Cognition, New York, Oxford
University Press, 1997, v; Strauss, D.F.M., "Thought and Language: On the Line of
Demarcation Between Animal andHuman Abilities", South African Journal of Philosophy,
13 ( 1994), 175- 182.
484 Sobre «crenças» e «intencionalidades» nos animais não-humanos, cfr. ainda
Maclntyre, A., Dependent Rational Animais . . ., cit., 33-38, 57-58.
1 64 O «Especismo» Não-Humano: Uns Mais Iguais?
489 Cfr. Hammerstein, Peter, "Games and Markets: Economic Behaviour in Humans
and Other Animais", in Noe, R., J.A.R.A.M. van Hooff & P. Hammerstein (orgs.), Econo
mics in Nature . .., cit., 1-4.
490 Além dos clássicos de Herbert Simon, cfr. Aranson, P.H., "Rational Ignorance in
Politics, Economics and Law", Journal des Économistes e( (ÜJS Études Humaines, I ( 1989),
25-42; Becker, Gary S. & K.M. Murphy, "A Theory óf Rational Addiction", Journal of
Political Economy, 96 ( 1988), 675-700; Binmore, K.G., "Learning to Be Imperfect",
Games and Economic Behaviour, 8 ( 1995), 56-90; Hart, O.D ., "Is «Bounded Rationality»
an Important Element of a Theory of Institutions?", Journal of lnstitutional and Theoreti
cal Economics, 146 ( 1990), 696-702; Ponti, G., "Splitting the Baby in Two: Solving Solo
mon 's Dilemma with Boundedly Rational Agents", Journal of Evolutionary Economics, 10
(2000), 449-455.
49 1 Prigogine, Ilya & Isabelle Stengers, Entre le Temps et l'Éternité, Paris, Fayard,
1988, 88.
166 O «Especismo» Não-Humano: Uns Mais Iguais?
sentam para o próprio animal - o que pode nem sequer ser atingível -
mas apenas o que esses sentimentos representam para o homem, o modo
como atingem a inteligibilidade, como lhe despertam uma determinada
atitude, atitude que, no plano dos factos, é o único resultado que a Ética
pode pretender alcançar495.
499 Embora, como referimos, alguns chimpanzés e bonobos, e até gorilas, tenham já
sido ensinados a dominar sintacticamente uma linguagem gestual articulada.
500 Meditemos, contudo, nas citações supra de Ludwig Wittgenstein e de Stephen
Budiansky, para reconhecermos que é impossível ser-se categórico neste ponto.
50 1 Cfr. Gallo, Alain & Fabienne de Gaulejac, "Qu'est-ce que la «Condition Ani
male»?", in Cyrulnik, B. (org.), Si les Lions..., cit., 3 14.
5 02 "There is a sad poverty of imagination in an approach to animal protection that
can think of it only on the model of the civil rights movement. It is a poverty that reflects
the blinkered approach of the traditional lawyer, afraid to acknowledge novelty and there
fore unable to think clearly about the reasons pro or con a departure from the legal status
quo" - Posner, R.A., "Animal Rights", cit., 539.
A Hora dos Direitos dos Animais 17 1
5 1 3 "die menschliche Natur von der besonderen Beschaffenheit ist (die das Thier
nicht hat), durch Aufmerksamkeit auf gewisse locale Eindrücke das Gefühl derselben zu
verstarken oder auch anhaltend zu machen" - Kant, I., Anthropologie in Pragmatischer
Hinsicht, AK, V II, Berlin, Georg Reimer, 1917, 212.
5 1 4 Cfr. Kant, I., Kritik der Urtheilskraft, AK, V, Berlin, Georg Reimer, 1913, 465n.
5 1 5 Cfr. Carruthers, Peter, "Brute Experience", Journal of Philosophy, 85 (1989),
258-269; eiusdem, The Animais /ssue. Moral Theory in Practice, Cambridge, Cambridge
University Press, 1992; Carruthers, Peter & Peter K. Smith (orgs.), Theories of Theories of
Mind, Cambridge, Cambridge University Press, 1996.
5 16 Cfr. Robinson, W.S., "Some Nonhuman Animais... ", cit., 51-71.
A Hora dos Direitos dos Animais 175
5 1 9 Cfr. Hartshome, Charles, "Foundations for a Humane Ethics", in Morris, R.K. &
M .W. Fox (orgs.), On the Fifth Day..., cit., 160-162; Kelch, T.G., "Toward a Non-Property
Status . . .", cit., 565-566; Schmahmann, D .R. & L.J. Polacheck, "The Case Against. . . ",
cit., 747 .
5 20 Cfr. Maehle, Andreas-Holger & Ulrich Trohler, "Animal Experimentation from
Antiquity to the End of the Eighteenth Century: Attitudes and Arguments", in Rupke, N .A.
(org . .), Vivisection in Historical Perspective, cit., 14-47 ; Maehle, Andreas-Holger, "Cruelty
and Kindness to the «Brute Creation» . Stability and Change in the Ethics of the Man-Ani
mal Relationship, 1600-1850", in Manning, A. & J. Serpell (orgs .), Animais and Human
Society, cit., 81-105.
5 2 1 Cfr. Létard, Étienne, Marcel Théret & Michel Fontaine, "Évolution des Concep
tions de l' Homme au Sujet de l' Activité Mentale des Animaux depuis I' Antiquité jusqu'au
Xxe Siecle", in Brion, A. & H . Ey (orgs .), Psychiatrie Animale, cit., 41-67 .
A Hora dos Direitos dos Animais 177
522 Cfr. Harrison, P., "The Virtues of Animais. .",. qi� ., 476 .
:
52 3 Cfr. Sextus Empiricus, Outlines of Pyrrhonism (trad. p/ R.G. Bury), Cambridge
Mass ., Harvard U .P., 1933, I, 43 (Loeb, 273); eiusdem, Against the Logicians (trad. p/ R .G.
Bury), Cambridge Mass ., Harvard U.P., 1935, II, 379 (Loeb, 29 1); Montaigne, Michel de,
"Apologie de Raimond Sebond", in Essais, cit., II, 106 . Cfr. Floridi, L., "Scepticism . ..",
cit., 27-57 .
524 Platão, A República (trad. p/ Maria Helena da Rocha Pereira), Lisboa, Fundação
Calouste Gulbenkian, 4 1983, 84-85 [375d-376b] .
525 Rabelais, Oeuvres Completes, Paris, Seuil, 1973, 39 .
526 Montaigne, Michel de, "Apologie de Raimond Sebond", in Essais, cit., II, 10 1- 102.
178 Linguagem e Pensamento Não-Humanos
5 27 Sobre a agressão como estratégia evolucionista, cfr. Van Hooff, Jan A.R.A.M.,
"Conflict, Reconciliation and Negotiation in Non-Human Primates: The Value of Long
Term Relationships", in Noe, R., J.A.R.A.M. van Hooff & P. Hammerstein (orgs.), Econo
mics in Nature ..., cit., 67-71, 76-79.
5 28 Cfr. Byme, R.W., The Thinking Ape. . ., cit., 146, 154. Há também quem conjec
ture a existência de uma similar capacidade nalguns cetáceos.
5 29 Cfr. Singer, P., Libertação Animal, cit., 13. Cfr. Achim, Stephan, "Are Animais
Capable of Concepts?", Erkenntnis, 51 (1999), 79-92; Allen, Colin & Marc D. Hauser,
"Concept Attribution in Nonhuman Animais: Theoretic�al and Methodological Problems in
Ascribing Complex Mental Processes", Philosophy of Science, 58 (1991), 221-240; Goo
dall, Jane, "Chimpanzees - Bridging the Gap" e Ryder, Richard, "Sentientism", ambos in
Cavalieri, P. & P. Singer (orgs.), The Great Ape Project . . ., cit., 12, 220; Goodall, Jane, &
Steven M. Wise, "Are Chimpanzees Entitled to Fundamental Legal Rights?", Animal Law,
3 (1997), 61ss ..
53 0 Cfr. Allen, Colin & Marc Bekoff, Species of Mind: The Philosophy and Biology
of Cognitive Ethology, Cambridge Mass., MIT Press, 1997 ; Allen, C. & M.D. Hauser,
"Concept Attribution... ", cit., 221-240; Bekoff, Marc, "«Do Dogs Ape» or «Do Apes Dog»
And Does lt Matter? Broadening Deepening Cognitive Ethology", Animal Law, 3 (1997),
13ss.; eiusdem, "Deep Ethology . . . ", cit., 269-296; Bekoff, M. & J. Dale, "Reflective Etho
logy . . . ", cit., 1-47; Eddy, Timothy J., Gordon G. Gallup Jr. & Daniel J. Povinelli, "Attri
bution of Cognitive States to Animais: Anthropomorphism in Comparative Perspective",
Journal of Sociallssues, 49 (1993), 87-101; Singer, Peter, The Expanding Circle. Ethics
and Sociobiology, Oxford, Clarendon, 1981.
A Hora dos Direitos dos Animais 179
535 Cfr. Strauss, D.F.M., "Thought and Language . . . ", cit., 175-182.
53 6 Entre os primeiros, Dretske, Fred, Naturalizing the Mimi, Cambridge Mass., MIT
Press, 1995; Kirk, Robert, Raw Feeling, Oxford, Clarendon, 1994; entre os segundos, Car
ruthers, Peter, Language, Thought and Consciousness, Cambridge, Cambridge University
Press, 1996; Dennett, Daniel, Consciousness Explained, London, Penguin, 1991; Rosen
thal, David M., "Thinking that One Thinks", in Davies, Martin & Glyn W. Humphreys
(orgs.), Consciousness, Oxford, Blackwell, 1993, 197-223; entre os últimos, Chalmers,
David J., The Conscious Mind, Oxford, Oxford University Press, 1996; Nagel, Thomas,
The View from Nowhere, Oxford, Oxford University Press, 1986.
537 Cfr. Wise, S.M., Rattling the Cage, cit., 130-131.
A Hora dos Direitos dos Animais 181
542 O «salto» não intimida R.M. Hare, que, colocando-se empaticamente na posição
de uma truta, sustenta que preferiria a existência de uma truta de viveiro à de uma truta
«selvagem», e preferi-la-ia decerto à não-existência - visto que, num viveiro, a existên
cia decorreria sem insegurança nem privações alimentares, normalmente a morte ocorreria
com o mínimo de sofrimento, sem aquela exposição prolongada e angustiante às agressões
predatórias associadas à cadeia alimentar: cfr. Hare, R.M., "Why I Am Only a Demi-Vege
tarian", Essays on Bioethics, Oxford, Clarendon, 1 993, 228.
543 Cfr. Carruthers, Peter, Language, Thought and Consciousness, Cambridge, Cam
bridge University Press, 1998, 133-163; e ainda: Buytendijk, F.J.J., O Homem e o Animal.
Ensaio de Psicologia Comparada (trad . p/ Álvaro Simões), Lisboa, Livros do Brasil, 1979;
Chauvin, Rémy, A Etologia. Estudo Biológico do Comportamento Animal (trad. p/ Rui de
Espiney), Lisboa, António Ramos, 1977; eiusdem, Dos Animais e dos Homens (trad. p/
Maria Assunção Santos), Mem Martins, Terramar, 1990; Danysz, Pernette, A Inteligência
dos Animais (trad. p/ Alberto Candeias), Lisboa, Estúdios Cor, 1965; Dawkins, Marian
Stamp, Compreender o Comportamento Animal (trad. Augusta Gaspar), Lisboa, Fim de
Século, 22000; Lorenz, Konrad, Três Ensaios sobre o Comportamento Animal e Humano
A Hora dos Direitos dos Animais 183
(trad. p/ Noémia Seixas), Lisboa, Arcádia, 1975; Menault, Ernesto, A Inteligência dos Ani
mais (trad. p/ Alexandre da Conceição), Porto, Educação Nacional, 21935; Povinelli,
Daniel, "Chimpanzee Theory of Mind? The Long Road to Strong Inference", in Carruthers,
P. & P.K. Smith (orgs.), Theories of Theories of Mind, cit., 293-329; Richmond-Watson,
Zoe, Os Direitos dos Animais, Lisboa, Círculo de Leitores, 1987; Vauclair, Jacques, A Inte
ligência dos Animais (trad. p/ Catarina Rocha Lima),Lisp,o�, Livros do Brasil, 1992; Ver
beek, Yves, As Linguagens Animais (trad. p/ Mário Dias Correia), Lisboa, Amigos do
Livro, 1978.
544 Cfr. Wise, S.M ., Rattling the Cage, cit., 168ss.; Tomasello, M. & J. Call, Primate
Cognition, cit., passim.
545 No entanto, sobre formas de coligação e estruturação política entre os babuínos,
cfr. Noe, Ronald, "Biological Markets: Partner Choice as the Driving Force Behind the
Evolution of Mutualisms"; Barrett, Louise & S. Peter Henzi, "The Utility of Grooming in
Baboon Troops", ambos in Noe, R., J.A.R.A.M. van Hooff & P. Hammerstein (orgs.), Eco
nomics in Nature .. ., cit., 97-99; 120-121.
184 Linguagem e Pensamento Não-Humanos
546 Cfr. Goldman, Alvin, "Empathy, Mind and Morais", in Davies, Martin & Tony
Stone (orgs.), Mental Simulation, Oxford, Basil Blackwell, 1995, 186ss.; Gordon, Robert,
"Sympathy, Simulation and the Impartial Spectator", Ethics, 105 (1995), 727-742; Hare,
R.M., Moral Thinking, cit., 119-121; Singer, P., The Expanding Circle . . ., cit., l O l ss., 123-
124 (para lá da Theory of Moral Sentiments, de Adam Smith).
547 Cfr. Ellenberger, Henri, "Jardin Zoologique et Hôpital Psychiatrique", in Brion,
A. & H. Ey (orgs.), Psychiatrie Animale, cit., 575.
A Hora dos Direitos dos Animais 185
548 Cfr. Serpell, James, "From Paragon to Pariah: Some Reflections on Human Atti
tudes to Dogs", in Serpell, James (org.), The Domestic Dog, Cambridge, Cambridge Uni
versity Press, 1995, 254.
549 Apesar dos esforços para a constituição de uma zoologia «positiva», o pavor de
uma animalidade percebida como espaço natural da <<loucura» não deixou de povoar as
representações clássicas do «inferno», do poder subterrâneo do Mal, até ao momento em
que a Filosofia, centrada num desígnio antropológico, retirou desapaixonadamente à ani
malidade a sua conotação de «pura negatividade», permitindo a sua reconsideração no
panorama geral das manifestações terrenas da vida - cfr. Foucault, M., Histoire de la
Folie à l 'Âge Classique, cit., 168-170.
55 0 Cfr . Stich, S.P., "Do Animals Have Beliefs?", cit., 15-28.
55 1 Cfr. Miller, P., "Do Animals Have Interests ... ", cit., 319-333.
55 2 Mas também, na amplitude desta formulação relativista, não se poderia dizer o
186 Linguagem e Pensamento Não-Humanos
mesmo das espécies vegetais? Cfr. Schull, Jonathan, "Are Species Intelligent?", Behavio
ral and Brain Sciences, 13 (1990), 63-108.
55 3 Rosa, Humberto D., "Ética e Ciências Biológicas: Fundamentos de uma Relação
Crescente", in Silva, João Ribeiro, António Barbosa & Fernando Martins Vale (orgs.), Con
tributos para a Bioética em Portugal, Lisboa, Cosmos, 2002, 172-173.
554 Cfr. Achim, S., "Are Animais Capable... ", cit., 583-596; Dreckmann, Frank,
"Animal Beliefs and Their Contents", Erkenntnis, 51 (1999), 597-615.
555 Retirando daí o corolário de que deveria ser reconhecido um estatuto ético até a
seres inanimados, cfr. Brennan, A, "The Moral Standing.. .", cit ., 35-56.
A Hora dos Direitos dos Animais 187
560 Cfr. Griffin, Donalçl R., Animal Minds, Chicago, University of Chicago Press,
1992, 199; Nunn, Charles L. & Rebecca J. Lewis, "Cooperation and Collective Action in
Animal Behaviour", in Noe, R., J.A.R.A.M. van Hooff & P. Hammerstein (orgs.), Econo
mics in Nature. . ., cit., 57; Vauclair, Jacques, Animal Cognition. An lntroduction to Modern
Comparative Psychology, Cambridge Mass., Harvard University Press, 1996, 134-135.
56 1 Cfr. Chauchard, Paul, Sociedades Animais, Sociedade Humana, Lisboa, Dom
Quixote, 1974; De Waal, Frans, Chimpanzee Politics. Power and Sex Among the Apes, Bal
timore, Johns Hopkins University Press, 2 1998; Lane, Harlan L., The Wild Boy ofAveyron,
Cambridge Mass., Harvard University Press, 1976; Tinland, F., L'Homme Sauvage..., cit.,
passim; Tomasello, Michael, The Cultural Origins of Human Cognition, Cambridge Mass.,
Harvard University Press, 1999.
562 Sobre a multiplicação de casos de «meninos-selvagens», e a ocasião para a refle
xão sobre a animalidade da espécie humana, cfr. Douthwaite, Julia, "Rewriting the Savage:
The Extraordinary Fictions of the «Wild Girl of Champagne»", Eighteenth-Century Stu
dies, 28 (1994/95), 163-192; Novak, Maximilian E., "The Wild Man Comes to Tea", in
Dudley, Edward & Maximilian E. Novak (orgs.), The Wild Man Within: An lmage in Wes
tern Thought from the Renaissance to Romanticism, Pittsburgh, Univ. of Pittsburgh Press,
1972, 183-221.
A Hora dos Direitos dos Animais 189
563 Sobre este entendimento que tão amplamente esbate a demarcação entre a mora
lidade humana e os códigos de conduta com que podemos interpretar os não-humanos, ver,
além de Maclntyre, A., Dependent Rational Animais..., cit. (na perspectiva aristotélico
tomista), e de Kittay, E.F., Love's Labor..., cit., ainda: Reinders, Hans S., The Future of the
Disabled in Liberal Society. An Ethical Analysis, Notre Dame IN, University of Notre
Dame Press, 2000; Winnicott, Donald W., The Family and Individual Development, Lon
don, Routledge, 1992 (na perspectiva estritamente psicológica).
1 3. A Objecção Contratualista - A Força
do Paradigma
Tendo já defrontado algumas das teses e preconceitos básicos que
têm servido para fundamentar a oposição ao reconhecimento de direitos a
todo e qualquer não-humano, poderá afigurar-se tarefa menor - e quiçá
mesmo redundante e inútil - encarar a objecção contratualista, a qual
aparenta pouco trazer de novo para a consideração do tema.
Não podemos rejeitar o cabimento dessa reserva, pelo que muito do
que verdadeiramente importa para compreendermos a objecção contratua
lista e lidarmos com ela, estruturando a respectiva refutação, o omitiremos
de seguida, visto que se trata de argumentos já abordados e utilizados a
propósito do «especismo» e do problema dos «casos marginais».
Sucede, todavia, que o paradigma contratualista é, sem sombra de
dúvida, o mais utilizado na fundamentação da ética e do direito - ele é o
cânone do constitucionalismo, do liberalismo, da defesa dos direitos
humanos, da própria identificação do que sejam imputabilidade, respon
sabilidade, autonomia moral, o próprio cânone do que, no seu limite cen
tral, tende a ser a identidade axiologicamente relevante da humanidade. E
sucede, por isso, que esse carácter paradigmático reforça decisivamente a
atitude de «exclusividade especista», ainda que lhe não adite argumentos
verdadeiramente originais.
5 6 5 E daí que Kant sublinhasse que, na sua pêrspectiva, "O homem é o único animal
que tem o dever de trabalhar" - Kant, I., Über Piidagogik, AK, IX, Berlin - Leipzig,
Walter de Gruyter, 1923, 471.
5 66 Cfr. Voice, P., "What Do Animais Deserve?", cit., 34-38.
5 67 Já que, da perspectiva contratualista, cabe também perguntar onde é que se
encontra, na sociabilidade animal, a demonstração de sentimentos anti-especistas generali
zados, onde é que sentimentos afectuosos e altruístas que transcendam as barreiras das
espécies são definidores da normalidade de qualquer espécie - exceptuando a humana.
5 68 Com muita crueza mas também com impecável congruência, sustentava Kant que
"Em estado de embriaguez, o homem deve ser tratado apenas como um animal, não como
um homem" - Kant, I., Die Metaphysik der Sitten, Zweiter Theil. Metaphysische Anfangs
gründe der Tugendlehre, AK, V I, Berlin, Georg Reimer, 1914, 427.
5 6 9 Cfr. Rowlands, Mark, "Contractarianism and Animal Rights", Journal of Applied
Philosophy, 14 (1997), 235ss..
A Hora dos Direitos dos Animais 193
gem, pelo que é possível explicá-los pela sua origem, mas a sua justifica
ção transcende essa origem. Assim sendo, impõe-se a conclusão de que a
origem humana e comunitária da ética não significa que só os seres huma
nos, ou os membros de uma determinada comunidade, aqueles iluminados
nos seus juízos de mérito por uma «lei interior»570, ou aqueles que gozas
sem de plena autonomia e de plena consciência que os habilitasse a reci
procarem dentro do nexo das relações humanas no seio de uma comuni
dade restrita (excluindo portanto os deficientes profundos, as crianças, os
doentes terminais vegetativos, mas também as gerações futuras, os mete
cos, os gentios, as minorias e as castas inferiores), devam ser objecto
exclusivo dos juízos de que se compõe essa ética57I . Se não pudesse extra
vasar os domínios precisos da sua primeira formulação e do seu original
âmbito de vigência, como poderia alguma vez um sistema moral alcançar
a universalidade que o contratualismo precisamente reclama, desde Kant,
para a validação de todo e qualquer juízo ético?
Desconsideremos, por momentos, o problema dos «casos humanos
marginais» - com o fito de retoricamente evidenciarmos o quanto a sua
consideração é decisiva. Imaginemos que toda a espécie humana é consti
tuída exclusivamente por adultos não-deficientes, todos igualmente infor
mados e racionais, todos munidos de uma vontade bem-formada e suscep
tível de auto-disciplina57 2, todos igualmente poupados a situações de
carência económica extrema, de estigmatização ou de exclusão social.
Poderíamos então pacificamente admitir que, num tal ambiente de igual
dade perfeita, os «direitos» fossem definidos como pretensões correlacio
nadas com deveres, que «direitos» fossem, não todas as vantagens atribuí
das pelo sistema jurídico, mas apenas aquelas que tivessem defronte delas
verdadeiros deveres, legalmente sancionados - subscrevendo afinal a
velha estrutura dualista de Hohfeld, acrescentássemos ou não a ela o requi
sito da necessidade de algum estatuto moral, de alguma vontade ou capa-
570 Observava Kant que " Um animal privado de razão não pratica qualquer virtude.
Essa omissão não é portanto um vício (demeritumJ. Porque ele não violou qualquer lei
interior" - Kant, I., Versuch den Begriff der negativen GrojJen in die Weltweisheit einzu
führen, AK, II, Berlin, Georg Reimer, 1912, 183.
57 1 Cfr. Singer, P., Ética Prática, cit., 100-101.
57 2 Pois nas palavras de Immanuel Kant "A disciplina transforma a animalidade em
humanidade. Um animal já é tudo pelo seu instinto, tendo uma razão externa providenciado
imediatamente tudo para ele. Por seu lado, o homem necessita da sua própria razão" -
Kant, I., Über Padagogik, AK, IX, Berlin - Leipzig, Walter de Gruyter, 1923, 441.
194 A Objecção Contratualista - A Força do Paradigma
579 Cfr. Singer, Joseph William, "The Legal Rights Debate in Analytical Jurispru
dence from Bentham to Hohfeld", Wisconsin Law Review (1982), 975ss..
A Hora dos Direitos dos Animais 197
5 80 Cfr. Pluhar, E.B., Beyond Prejudice ..., cit., 235; Racheis, James, "Do Animais
Have a Right to Liberty?", in Regan, T. & P. Singer (orgs.), Animal Rights and Human
Obligations, cit., 221-222; Rodd, Rosemary, BiologJ1 Et!Jiçs, and Animais, Oxford, Cla
rendon, 1990, 241-250.
5 8 1 Cfr. Rowlands, Mark, Animal Rights: A Philosophical Defence, Basingstoke,
Macmillan, 2000, passim.
5 82 Carruthers, P., The Animais /ssue ..., cit., passim.
5 8 3 Leahy, M.P.T., Against Liberation ..., cit., passim.
5 84 Frey, Raymend G., Interests and Rights: The Case Against Animais, Oxford, Cla
rendon, 1980.
5 8 5 Cfr. Povilitis, Anthony J., "On Assigning Rights to Animais and Nature", Envi
ronmental Ethics, 2 (1980), 67-71.
198 A Objecção Contratualista - A Força do Paradigma
� - -:- ,,.
Vernunftwille, mithin die Pflicht verbunden, sich um die Menschheit durch Cultur übe-
rhaupt verdient zu machen, sich das Vermogen zu Ausführung allerlei moglichen Zwecke,
so fern dieses in dem Menschen selbst anzutreffen ist, zu verschaffen oder es zu fordern, d.
i. eine Pflicht zur Cultur der rohen Anlagen seiner Natur, als wodurch das Thier sich alle
rerst zum Menschen erhebt: mithin Pflicht an sich selbst" - Kant, I., Die Metaphysik der
Sitten, Zweiter Theil. Metaphysische Anfangsgründe der Tugendlehre, AK, V I, Berlin,
Georg Reimer, 1914, 392.
5 88 Cfr. Harrison, P., "The Virtues of Animais . .. ", cit., 472.
5 89 [bid., 477, 479-480.
200 A Objecção Contratualista - A Força do Paradigma
590 Cfr. Rawls, John, A Theory ofJustice, Cambridge Mass., Belknap Press, 1971, 512.
59 1 Cfr. Singer, Brent A., "An Extension of Rawls' Theory of Justice to Environ
mental Ethics", Environmental Ethics, 10 (1988), 217-231; Clark, Stephen R. L., "Anthro
pocentrism: Humanism", in Bekoff, M. & C.A. Meaney (orgs.), Encyclopedia of Animal
Rights . . . , cit., 68-69.
592 Cfr. Elliot, Robert, "Rawlsian Justice and Nonhuman Animais", Journal of
Applied Philosophy, 1 (1984), 95-106; eiusdem, "Moral Autonomy, Self-Determination
and Animal Rights", Monist, 70 (1987), 83-97.
593 Cfr. Pritchard, Michael S. & Wade L. Robinson, "Justice and the Treatment of
Animais: A Critique of Rawls", Environmental Ethics, 3 (1981), 55-61.
A Hora dos Direitos dos Animais 201
594 Cfr. VanDeVeer, Donald, "Of Beasts, Persons, and the Original Position", Mind,
62 (1979), 368-377; Gimeno, Paul, "L'Animal, l'Environnement et la Justice selon Rawls",
Critique, 58 1 (1995), 734-751.
595 Cfr. Pritchard, M. & W. Robinson, "Justice and the Treatment.. . ", cit., 55-6 1.
59 6 Cfr. Elliot, R., "Rawlsian Justice...", cit., 95-106.
202 A Objecção Contratualista - A Força do Paradigma
597 Tal a proposta de: Singer, B.A., "An Extension of Rawls' Theory ... ", cit., 217-231.
59 8 Muitos opositores da prática da caça «desportiva» admitiriam que a sua repug
nância pela prática se reduziria, e que a prática, não deixando de ser frívola, passaria a ser
mais leal, se as vítimas dispusessem de armas iguais às do caçador ...
A Hora dos Direitos dos Animais 203
599 Cfr. Coursey, Don L. , "The Revealed Demand for a Public Good: Evidence from
Endangered and Threatened Species", New York University Environmental Law Journal, 6
(1998), 4 11ss.; Frank, J., "A Constrained-Utility . . . ", cit., 49-62.
600 Cfr. Skirbekk, Gunnar, "Discourse-Ethical Gradualism: Beyond Anthropocen
"a man who has never been engaged in trade himself may undoub
tedly write well upon trade, and there in nothing which requires
more to be illustrated by philosophy than trade does" - Samuel
Johnson (sobre Adam Smith)602 .
Um dos pontos mais fracos da legislação que hoje atende já, de forma
extensa, aos interesses dos animais no seu bem-estar reside nas concessões
que as normas jurídicas têm feito - e não deixarão de fazer tão cedo - a
formas de exploração animal que, não obstante acarretarem frequente
mente situações de sofrimento generalizado nas suas vítimas, são cruciais
para a manutenção de um nível económico de bem-estar humano que asso
ciamos ao progresso civilizacional; formas de exploração que parecem
assim justificadas - ainda que pela problemática via do utilitarismo hedó
nico, o «Calcanhar de Aquiles» da análise económica - pelos interesses
da alimentação e da saúde humanas, colocando os animais ao serviço da
indústria pecuária ou da investigação científica (involuntariamente, é
certo).
Resistem assim muitos à consagração de direitos dos animais, sus
tentando que não deve interferir-se na sua exploração económica, de que
depende tão extensamente a prosperidade dos humanos e até a possibili
dade de progressiva minimização da fome · e dé erradicação de algumas
doenças. O argumento parece razoável, respeitável mesmo, até ao
momento em que lhe descobrirmos o pressuposto «especista», porque o
mesmíssimo argumento da conveniência da exploração ter-nos-ia trazido
602 Boswell, James, Life of Johnson, Oxford, Oxford University Press, 1987, 682-
683 (entrada de 16 de Março de 1776).
206 A Resistência Económica
até hoje numa total complacência com todo o tipo de práticas e usos ape
nas pelo facto de existirem, ou de consistirem numa tradição, e trazerem
proveito a alguém, ou a uma maioria, ou a todos, coisa que não aceitamos,
e nunca deveríamos ter aceitado, entre humanos - razão pela qual se uni
versalizou o combate à prática imemorial do esclavagismo, aliás tão van
tajosa para alguns, ou para muitos, ou para todos os não-escravos603 •
Além disso, o facto de naturalisticamente alguém estar nµma posição
de vantagem não coloca o Direito do seu lado, nem lhe confere uma legi
timação moral, pois senão reger-nos-íamos pela «lei da selva», seríamos
conformistas e deterministas, fatalistas - enquanto que, muito pelo con
trário, o Direito deve empenhar-se no nosso esforço civilizacional de acul
turação, reprimindo práticas que, por mais instintivas ou arreigadas que
sejam, violam interesses alheios ou ferem a consciência social.
Antecipemos, neste ponto, a resposta àqueles que, na insistência
teriofílica num «contínuo evolucionista» com repercussões anti-especis
tas, vêem vedada a demarcação entre natureza e moral que nos permite
emitir juízos valorativos apesar dos factos ou contra eles: o facto de haver
parasitismo ou predação natural não dá aos seres morais o direito de livre
mente se tornarem parasitas ou predadores, nem tolhe a capacidade de se
censurar a inflicção de sofrimento que resulte de quaisquer formas de
parasitismo ou de predação, por mais naturais que essas formas sejam.
Pela mesma razão, o facto de haver relações de domínio absoluto e de
irrestrita opressão e violência entre indivíduos e espécies não-humanas
nada autoriza aos seres humanos - não deve pacificar-lhes a consciência
quanto ao sofrimento que infligem, mesmo na mais proveitosa, útil ou pro
missora das suas actividades económicas ou científicas.
Mas porque haveríamos nós de presumir que a análise económica é
invariavelmente cúmplice da exploração violenta dos não-humanos? Por
que não haveríamos nós de reconhecer que essa mesma análise econó
mica, não estando necessariamente conotada com um qualquer sistema de
valores em especial, pode ser posta ao serviço da teriofilia, como o foi já
ao serviço da causa ambientalista?604
603 Cfr. Spiegel, Marjorie, The Dreaded Comparison: Human and Animal Slavery,
NY, Mirror Books, 1996 ( 1 1988).
604 Cfr. Brent, Robert J ., Applied Cost-Benefit Analysis, Cheltenham, Edward Elgar,
1997 ; Fisher, Anthony C., Environmental and Resource Economics. Selected Essays of
Anthony C. Fisher, Aldershot, Edward Elgar, 1995 ; Folmer, Henk, H . Landis Gabei & Hans
A Hora dos Direitos dos Animais 207
Opschoor (orgs.), Principies of Environmental and Resource Economics. A Guide for Stu
dents and Decision-Makers, Cheltenham, Edward Elgar, 1 995 ; Hartwick, John M . &
Nancy D. Olewiler, The Economics of Natural Resource Use, New York, Harper & Row,
1 986; Hodge, Ian, Environmental Economics. Individual Incentives and Public Choices,
New York, St. Martin's Press, 1 995; Tietenberg, J'om, Environmental and Natural
Resource Economics, New York, HarperCollins, 3 1 992; TÚ�er, R. Kerry, David Pearce &
Ian Bateman, Environmental Economics. An Elementary Introduction, Baltimore, Johns
Hopkins University Press, 1 993.
605 No frio eufemismo de Adam Smith, aquela «procura real» que se viu privada de
meios de conversão em «procura efectiva» ...
606 Cfr. Adams, John, "The Emperor 's Old Clothes: The Curious Comeback of Cost
Benefit Analysis", Environmental Values, 2 ( 1 993), 247-260; Brouwer, Roy, Neil Powe, R.
Kerry Turner, Ian J. Bateman & Ian H. Langford, "Public Attitudes to Contingent Valua
tion and Public Consultation", Environmental Values, 8 ( 1 999), 325-347 .
208 A Resistência Económica
608 Dworkin, Ronald M., "Is Wealth a Value?", Journal of Legal Studies, 9 (1980),
191ss.; Kronman, Anthony T., "Wealth Maximization as a Normative Principie", Journal
of Legal Studies, 9 (1980), 227ss ..
609 Posner, Richard A., "The Ethical and Political Basis of the Efficiency Norm in
Common Law Adjudication", Hofstra Law Review, 8 (1980), 501-502.
6 10 Cfr. Hardin, Garrett, "The Tragedy of the Commons", Science , 162/3859 ( 1968),
1243-1248.
6 1 1 Desmentindo o fundamento da interpretação histórica de Garrett Hardin, cfr. Cox,
Susan Jane Buck, "No Tragedy of the Commons", Environmental Ethics, 7 (1985), 49-61.
6 1 2 Cfr. Buchanan, James M. & Yong J. Yoon, "Symmetric Tragedies: Commons and
Anticommons", Journal of Law & Economics, 43 (2000), 1-13; Heller, Michael A. &
Rebecca S. Eisenberg, "Can Patents Deter Innovation? The Anti-commons in Biomedical
Research", Science , 280 ( 1998), 698-701.
210 A Resistência Económica
" Your children are not your children. / They are the sons and
daughters of Life 's longing for itself. / They come through you but
notfrom you, / And though they are with you, yet they belong not to
you. / ( . . .) / You are the bows from which your children as living
arrows are sent forth. / The archer sees the mark upon the path of
the infinite, and He bends you with His might that His arrows may
go swift and far." - Khalil Gibran6 1 7 .
6 1 7 Gibran, Khalil, "On Children", in The Prophet, New York, Knopf, 1923, IV.
2 12 Direito à Vida?
esses animais seria compensada com o facto da existência, que não ocor
reria sem aquela sorte predestinada. A existência, mesmo que curta e arti
ficialmente degradada a partir de um certo ponto, seria já por si mesma um
«bem em si mesmo», um bem incomensuravelmente superior à «não-exis
tência», e por isso o beneficiário deveria entender-se à mercê da graciosa
complacência do seu «demiúrgico» benfeitor - legitimado este a retirar
aquilo que, desde o início, poderia ter decidido não outorgar. Reduzindo
«ad absurdum» o argumento, dir-se-ia que ele sugere que certos animais
devem pagar com a vida . . . o benefício da vida que lhe demos ! Ficando sem
se saber, depois desse «pagamento», em que é que consistiria verdadeira
mente o benefício «líquido» daquela vida, o excedente de benefício em
relação ao custo...
Sublinhámos já que somente em relação a alguns animais é que pode
ria conceber-se que o problema da «não-identidade» fragilizaria o respec
tivo «direito à vida» - numa perversa consequência da simbiose que é a
domesticação, a qual, como anteriormente se viu, tem por efeito primor
dial a geração de elos de fragilidade e de dependência perante o domínio
que os seres humanos exercem no meio ambiente e cultural no qual aque
les animais são forçados a ingressar.
minha, com o argumento de que foi esse o propósito que, como autor, me moveu a escre
ver o livro, e que num pressuposto diferente (o da liberdade de interpretação, o de «eman
cipação do texto» face à minha intenção criadora) jamais teria escrito este livro, podendo
assim ter obstado de forma mais categórica e definitiva àquelas interpretações divergentes?
O leitor que medite na citação de Khalil Gibran, e que responda!
624 Cfr. Singer, P., Ética Prática, cit., 140ss ..
216 Direito à Vida?
625 Veja-se um argumento paralelo em Gouveia, J.B., "A Prática de Tiro aos Pom
bos...", cit., 257.
626 Cfr. Burgat, Florence & Robert Dantzer, Les Animaux d'Élevage Ont-Ils Droit au
Bien-Être?, Paris, lnstitut National de la Recherche Agronomique, 2001.
16. A Colisão de Interesses entre Humanos
e Não-Humanos , e a Complicação
dos «Direitos»
627 Cfr. Francione, G.L., "Animais as Property", cit.,}i; 'eiusdem, "Animal Rights and
Legal Welfarism ... ", cit., 721.
628 Sobre a legitimidade do abate ou esterilização de populações animais que amea
çam as colheitas, cfr. Midgley, Mary, "Beasts versus the Biosphere?", Environmental
Values, 1 (1992), 113-121.
62 9 Propondo meios de conciliação parcial dos objectivos de desenvolvimento rural
e de preservação ecológica (mormente propondo que haja menos «apartheid de espécies
selvagens» que, tomando-as invisíveis para os votantes, tende a legitimar decisões demo
cráticas que são nocivas para elas), cfr. Kiley-Worthington, Marthe, "Wildlife Conserva
tion, Food Production and «Development»: Can They Be Integrated? Ecological Agricul
ture and Elephant Conservation in Africa", Environmental Values, 6 ( 1997), 455-470.
63 0 Goodall, J ., "The Conflict ... ", cit., iss ..
63 1 Cfr. Frank, J., "A Constrained-Utility .. . ", cit., 49-62; Wellman, C., The Prolife
ration of Rights. . ., cit., passim.
632 Além disso, é de não esquecer que a «linguagem dos direitos» não passa de uma
A Hora dos Direitos dos Animais 219
Communitarian Agenda, New York, Crown, 1993, 5, 12; Glendon, Mary Ann, Rights Talk.
220 A Colisão de Interesses entre Humanos e Não-Humanos
The Impoverishment of Political Discourse, New York, Free Press, 1991, x-xii; Howard,
Philip K., The Death ofCommon Sense. How Law Is Suffocating America, New York, Ran
dom House, 1994, 51, 177-178.
635 Cfr. Walker, Samuel, The Rights Revolution. Rights and Community in Modern
America, New York, Oxford University Press, 1998.
636 Cfr. Regan, T., The Case for Animal Rights, cit., 308.
A Hora dos Direitos dos Animais 221
6 37 Por exemplo, o que se diria de um casal que matasse um filho ainda bébé quando
nascesse um irmão mais novo, alegando que aquele não se representava ainda a sua futu
ridade moral e que o nascimento do novo filho ia deixar incólume o bem-estar agregado?
6 3 8 Cfr. Fuller, Lon, "The Case of the Speluncean Explorers", Harvard Law Review,
62 (1949), 616-645; Suber, Peter, The Case of the Speluncean Explorers. Nine New Opi
nions, London - New York, Routledge, 1998.
6 39 Cfr. Frank, J., "A Constrained-Utility... ", cit., 49-62.
222 A Colisão de Interesses entre Humanos e Não-Humanos
tivações que, por mais toscas e «salomónicas» pareçam, são o único ponto
de apoio pragmático com que podemos contar para decidirmos relevante
mente na protecção de interesses vitais.
Insistamos que a solução através de «conflitos de direitos» não pode
deixar de implicitar algumas escolhas valorativas subjacentes, e que por
isso a simples existência de um mecanismo de solução de conflitos, por
mais ágil e bem oleado que esteja, não resolve nada se essas escolhas sub
jacentes nele não transparecerem: quando, como no exemplo de Tom
Regan, é preciso decidir, num grupo de quatro pessoas e um cão, quem
lançar fora do barco salva-vidas para que os outros sobrevivam, bem pode
mos reconhecer a todos um mesmo valor intrínseco e um mesmo interesse
aparente em não serem sacrificados, mas cedo concordaremos com o pró
prio Tom Regan - mais propriamente com aquilo que ele identifica como
o «princípio do respe\tO» - que o quadro de oportunidades de vivência
que é destruído pela morte imediata (aquilo que temos designado por
«representação de futuridade») é bem mais amplo nas pessoas do que no
cão; e isso conduzir-nos-á à conclusão de que seria igualmente legítimo
sacrificar cem cães, um a um, para salvar um único náufrago humano.
Mas, a dúvida subsistirá, quem somos nós para ajuizar o que é um quadro
de oportunidades de vivência de um cão, encarado do prisma subjectivo
desse cão? E que legitimidade teria essa representação, mesmo que mera
mente conjecturada, se nós a proibiríamos para legitimar o sacrifício dos
náufragos humanos incapazes, ou mais idosos, em benefício de cães sau
dáveis e jovens? E essa representação conjectural, mesmo entre humanos,
não feriria o princípio da igual consideração de interesses? Parece, afinal,
que entrar neste jogo de ponderações casuísticas é fazer extensas conces
sões ao utilitarismo hedónico, com a sua consâbida inaptidão para traçar a
distinção «nuancée» entre interesses humanos e interesses não-humanos,
a «fronteira epistémica», eticamente relevante, entre o que é «prosseguir
interesses» e «ter interesses» 640/64 1 .
640 Defendendo que esta última distinção não é um critério de demarcação relevante
para efeitos éticos, cfr. Sapontzis, Steve F., "The Moral Significance of lnterests", Envi
ronmental Ethics, 4 (1982), 345-358.
641 Algumas críticas inspiradas em Heidegger e numa «ética de solicitude» são diri
gidas a este «utilitarismo quantitativo», que é muito lesto no estabelecimento de princípios
igualitaristas entre humanos e não-humanos (em tudo aquilo em que esse igualitarismo não
prejudique o esforço de erradicação do sofrimento individual), mas se revela impotente
para resolver conflitos de interesses e, mostrando-se complacente com o abate sem sofri-
A Hora dos Direitos dos Animais 223
mento, não fornece uma base sólida para a condenação do extermínio em massa, do geno
cídio de não-humanos. Cfr. Cave, G.S., "Animais, Heidegger. . . ", cit., 249-254.
642 Cfr. La Follette, H. & N. Shanks, "UtiUzing j\nimals", cit., 1 4. Cfr., mais
amplamente, Dombrowski, D.A., Babies and Beasts . . ., cit.; Michael, M.A., "Environmen
tal Egalitarianism . . . ", cit., 307-325 ; Wilson, Scott, "Carruthers and the Argument From
Marginal Cases", Journal of Applied Philosophy, 18 (200 1 ), 135- 1 47.
643 Cfr. Caplan, Arthur L., "Is Xenografting Morally Wrong?", in Caplan, A. L. &
Daniel H. Coelho (orgs.), The Ethics of Organ Transplants: The Current Debate, Amherst
NY, Prometheus Books, 1 998, 123 ; Hoffman, Traci J., "Organ Donor Laws in the U.S. and
U .K.: The Need for Refonn and the Promise of Xenotransplantation", Indiana lnternatio
nal & Cornparative Law Review, 10 (2000), 371-372.
644 Cfr. Frank, J., "A Constrained-Utility . . . ", cit., 58ss..
224 A Colisão de Interesses entre Humanos e Não-Humanos
Cfr. Bostock, Stephen St. C., Zoos and Animal Rights: The Ethics of Keeping Ani
64 8
mais, London, Routledge, 1993, passim.
1 7. A Sacralização do Não-Humano
65 0 Permito-me recordar ao leitor que eu próprio tive, logo de início, o receio de que
a alegação da impotência dos argumentos face a uma sucessão de paradigmas pudesse ser
interpretada como uma concessão a esse tipo de «conversão pela espada»...
65 1 Cfr. Dombrowski, D.A., The Philosophy of Vegetarianism, cit.; Franklin, Adrian,
Animais and Modem Cultures. A Sociology of Human-Animal Relations in Modernity,
London, SAGE Publications, 1999; Herzog,Harold A., "«The Movement Is My Life». The
Psychology of Animal Rights Activism", The Journal of Social /ssues, 49 (1993), 103-119;
Jasper, James M. & Dorothy Nelkin, The Animal Rights Crusade: Growth of a Moral Pro
test, New York, Free Press, 1992; Groves, Julian McAllister, Hearts and Minds: The Con
troversy over Laboratory Animais, Philadelphia, Temple University Press, 1997; Newkirk,
Ingrid, Free the Animais! The Untold Story of the Animal Liberation Front and lts Foun
der, « Valerie», Chicago, Noble Press, 1992; Sperling, Susan., Animal Liberators: Research
and Morality, Berkeley, University of Califomia Press, 1988.
A Hora dos Direitos dos Animais 229
todas estas coisas, há uma outra que podemos fazer e é de suprema impor
tância: é sobre ela que assentam e é ela que confere coerência e signifi
cado a todas as outras actividades desenvolvidas em nome dos animais.
Essa coisa é assumirmos a responsabilidade das nossas próprias vidas,
tornando-as tão isentas de crueldade quanto possível. O primeiro passo é
deixarmos de comer animais". Contra a indústria alimentar, que considera
ser a exploração sistemática do sofrimento, concluirá: "Daí a necessidade
de cada um de nós deixar de comprar os produtos da criação moderna de
animais - mesmo que estejamos convencidos de que não seria errado
comer animais que tivessem vivido de modo agradável e morrido de forma
indolor"65 2 •
Concedamos a Peter Singer que uma simples ponderação de interes
ses poderá fazer-nos ao menos questionar se os prazeres do nosso paladar
podem justificar dietas carnívoras que determinem sofrimento, privações,
tédio e violência em animais de criação e de abate65 3 - sendo pois que a
«roupagem radical» pode servir ao menos para agitar as consciências
daqueles que, lamentando o facto bruto do sofrimento «industrial» dos
não-humanos quando não se limitam a remetê-lo para a obscuridade654, se
esquecem (ou querem esquecer) que eles são, através do mercado, os últi
mos beneficiários dessa cadeia de sofrimento, eles são a única razão de ser
dessa «indústria»655 .
65 2 Singer, P., Libertação Animal, cit., 149, 152. Cfr. Rifkin, Jeremy, Beyond Beef·
The Rise and Fall ofthe Caule Culture, New York, Dutton, 1992; Walters, K. & Lisa Port
mess (orgs.), Ethical Vegetarianism: From Pythagoras to Peter Singer, Albany NY, State
University of New York Press, 1999.
65 3 Cfr. Singer, Peter, "Utilitarianism and Vegetariap!sm", Philosophy and Public
Affairs, 9 (1980), 325-337; Crisp, R., "Utilitarianism and Vegetarianism", cit., 41-49.
654 Pode até sustentar-se que a industrialização gerou a nova categoria do «animal
oculto», ou seja, do não-humano que é afastado da nossa vista, não porque a sua presença
constituísse uma ameaça física ou um desafio à nossa animalidade, mas porque, na lógica
da exploração maciça, aviltámos tanto a sua liberdade e identidade natural que o espectá
culo se tomaria doloroso, obsceno. Cfr. Leste!, Dominique, "Des Animaux-Machines aux
Machines Animales", in Cyrulnik, B. (org.), Si les Lions ..., cit., 691-692.
655 Cfr. Denis, Bernard, "La Fabrication des Animaux", in Cyrulnik, B. (org.), Si les
Lions ..., cit., 712.
230 A Sacralização do Não-Humano
656 Para o caso do Islão, cfr. Izzi Dien, Mawil, The Environmental Dimensions of
lslam, Cambridge, Lutterworth, 2000; Masri, B.A., "Animal Experimentation: The Muslim
Viewpoint", in Regan, T. (org.), Animal Sacrifices . . ., cit., 171-197.
657Cfr. Lawrence, Elizabeth Atwood, "Cultural Perceptions of Differences Between
People and Animais. A Key to Understanding Human-Animal Relationships", Journal of
American Culture, 18 (1995), 75-82; Rollin, Bernard E., "Morality and the Human-Animal
Bond", in Katcher, A.H. & A.M. Beck (orgs.), New Perspectives on Our Lives . . ., cit., 500-
510; Shepard, Paul, Thinking Animais. Animais and the Development of Human lntelli
gence, New York, Viking Press, 1978.
A Hora dos Direitos dos Animais 231
65 8 Cfr. Luke, Tim, "The Dreams of Deep Ecology", Tetos, 76 (1988), 81, 87 . Cfr.
ainda: Fox, Michael Allen, "Vegetarianism", in Bekoff, M. & C.A. Meaney (orgs .), Ency
clopedia ofAnimal Rights. .., cit., 349-351; Gunn, Alastair S., "Why Should We Care About
Rare Species?", Environmental Ethics, 2 (1980), 17-37; Varner, Gary, "Vegetarian Diets:
Ethics and Health", in Bekoff, M. & C.A. Meaney (orgs .), Encyclopedia of Animal
Rights . . ., cit., 351-352; Waller, David, "A Vegetarian Critique of Deep and Social Eco
logy", Ethics and the Environment, 2 (1997), 187-197 .
232 A Sacralização do Não-Humano
para que haja lugar para os dois "- go, poor devi!, get thee gone, why
should I hurt thee? - This world surely is wide enough to hold both thee
and me"659!660.
659 Steme, Laurence, The Life and Opinions of Tristram Shandy, Gentleman, Har
mondsworth , Penguin, 1 985 , 1 3 1 . Sobre o «shandyismo» , cfr. Bronze, F.J., Lições..., cit.,
484n205 .
660 Cfr. a visão tradicional , «não-shandyana» , em: Nicholson , George, On the Pri
meval Diet of Man. Vegetarianism and Human Conduct Toward Animais (Rod Preece , ed.) ,
Lewiston NY, E. Mellen Press , 1999 ( 1 1 80 1 ) .
18. O Pro gresso das Ciências
e o Problema da Experimentação
663 Cfr. Cohen, Carl , "The Case for the Use of Animais in Biomedical Research",
New England Journal of Medicine, 3 1 5 ( 1 986) , 868 (cfr. todavia: Cohen , Carl & Tom
Regan , The Animal Rights Debate, Lanham, Rowman & Littlefield , 200 1 ) . E também há
quem considere seriamente a hipótese de objecção de consciência - cfr. Francione , Gary
L. & Anna E. Charlton , Vivisection and Dissection in the Classroom: A Cuide to Cons
cientious Objection, Jenkintown, American Anti-Vivisection Society, 1 992; Vallauri , Luigi
Lombardi , "L'Obiezione di Coscienza Legale alia Sperimentazione Animale, ex - Vivi
sezione (Legge 12 Ottobre 1 993 n. 4 1 3)", in Mannucci , A. & M. Tallacchini (orgs.) , Per un
Codice... , cit . , 269-284.
A Hora dos Direitos dos Animais 235
664 Botting, J.H., "Various Fallacies Persist in Vivisection Debate", British Medical
Journal, 322 (30/6/2001), 1603.
665 Cfr. Lewis, P., "Animal Tests for Teratogenicity: Their Relevance to Clinical
Practice", in Hawkins, D .F. (org.), Drugs and Pregnancy: Human Teratogenesis and Rela
ted Problems , Edinburgh, Churchill Livingstone, 1983, 17.
236 O Progresso das Ciências e o Problema da Experimentação
669 Cfr. Latour, Bruno, Science in Action, Milton Keynes, Open University Press,
1987, 48.
670 Cfr. Gross, Alan G., The Rhetoric of Science, Cambridge Mass., Harvard Uni
versity Press, 1990, 73; cfr . também Bazerman, Charles, Shaping Written Knowledge . The
Genre and Activity of the Experimental Article in Science, Madison, University of Wis
consin Press, 1988.
67 1 Cfr. Knorr-Cetina, Karin D., "The Ethnogqtphic Study of Scientific Work.
Towards a Constructivist Interpretation of Science", in Knorr-Cetina, Karin D. & Michael
J. Mulkay (orgs.), Science Observed: Perspectives on the Social Studies of Science, Lon
don, Sage, 1983, 119; Knorr-Cetina, Karin D., The Manufacture of Knowledge. An Essay
on the Constructivist and Contextual Nature of Science, Oxford, Pergamon, 1981; Lynch,
Michael, Art and Artifact in Laboratory Science. A Study of Shop Work and Shop Talk in a
Research Laboratory, London, Routledge, 1985, 151-152; eiusdem, "Sacrifice and the
Transformation of the Animal Body into a Scientific Object. Laboratory Culture and Ritual
Practice in the Neurosciences", Social Studies of Science, 18 (1988), 265-289.
672 Cfr. Sapontzis, Steve F., "We Should Not Allow Dissection of Animals", Journal
238 O Progresso das Ciências e o Problema da Experimentação
of Agricultural and Environmental Ethics, 8 ( 1995), 181- 189; eiusdem, Morais, Reason,
and Animais, cit., passim.
673 Cfr. Groves, J.M., Hearts and Minds. . . , cit., 14; Nelkin, Dorothy & James L. Jas
per, "The Animal Rights Controversy", in Nelkin, Dorothy (org.), Controversy: Politics of
Technical Decisions, London, Sage, 1992, 38.
674 Cfr. La Follette, Hugh, "Animal Rights and Human Wrongs", in Dower, N. (org.),
Ethics and the Environment, cit., 84-85 .
A Hora dos Direitos dos Animais 239
68 1 Cfr. Vamer, Gary E., "The Prospects for Consensus and Convergence in the Ani
mal Rights Debate", Hastings Center Report, 24/1 (1994), 24-28.
68 2 Cfr. Bium, Deborah, The Monkey Wars, New York, Oxford University Press,
.. ,
1995.
683 Cfr. Kress, Jack M., "Xenotransplantation: Ethics and Economics", Food Drug
Law Journal, 53 (1998), 353ss.; Thompson, P.B.., "Ethics and the Genetic ... ", cit., 1-23 ;
eiusdem, "Ethical Issues... ", cit., 197-217.
684 Smith, Richard, "Animal Research: The Need for a Middle Ground", British
Medical Journal, 322 (3/2/2001), 248-249; Ogden, Bryan D., "Principles of Animal
Research: Replacement, Reduction, Refinement, and Responsibility", Animal Law, 2
(1997), 167ss.; Hawkins, Penny, "Joumal Editors Could Help Raise Profile of Three Rs of
Animal Research", British Medical Journal, 322 (30/6/2001), 1603 .
242 O Progresso das Ciências e o Problema da Experimentação
68 5 Cfr. Smith, Richard, "Animal Research: The Need for a Middle Ground", British
Medical Journal, 322 (3/2/200 1), 248.
686 Quanto à experimentação, o dispositivo comunitário é frouxo e vincadamente
antropocêntrico, visto que assume que impõe apenas "normas mínimas", proscreve quais
quer formas de "dor, sofrimento, aflição ou dano permanente" mas apenas quando sejam
"desnecessariamente infligidos", admitindo que nalguns casos eles sejam "inevitáveis",
caso em que se prescreve o dever de reduzir ao mínimo esses "padecimentos" - veja-se a
Directiva n.º 86/609/CEE, do Conselho, de 24 de Novembro de 1986, transposta para a
ordem jurídica interna pelo Decreto-Lei n.º 129/92, de 6 de Julho.
68 7 Cfr. Singer, P., Libertação Animal, cit., 86.
688 Entre todos, Lehman, Hugh, "On the Moral Acceptability of Killing Animais",
Journal of Agricultura[ Ethics, 1 ( 1988), 155- 162.
689 E no entanto, cfr. Gluck, John P. & S.R. Kubacki, "Animais in Biomedical
Research: The Undermining Effect of the Rhetoric of the Besieged", Ethics and Behavior,
1 (199 1), 157- 173.
A Hora dos Direitos dos Animais 243
690 Cfr . Aureli, Donatella & Anna Mannucci, "II Veterinario come Mediatore
Sociale", in Mannucci, A. & M. Tallacchini (orgs.), Per un Codice .. ., cit., 295-306; Rollin,
Bernard E., "Veterinary Ethics", in Bekoff, M. & C.A . Meaney (orgs.), Encyclopedia of
Animal Rights . . ., cit., 354-356.
69 1 Cfr. Allen, Don W., "The Rights of Non-Human Animals and World Public Order:
A Global Assessment", New York Law School Law Review, 28 (1983), 377ss.; e, para o
específico caso australiano, Andersen, W., "A New Approach . . . ", cit ., 45-54.
692 Cfr. Rollin, B.E., "Animal Welfare.. . ", cit., 44-50.
1 9. O Choque da Teriofilia
com o Ambientalismo - I
Uma Questão de Sensibilidade?
1 9 . a) A «Ecologia Profunda»
A causa dos direitos dos animais diverge amplamente do quadro
valorativo que subjaz às ponderações ecológicas mais radicais, e nomea
damente à «ecologia profunda», conquanto a radicalidade das duas abor
dagens, e a ênfase comum na necessidade de «descentramento» da bioé
tica, possam sugerir uma maior afinidade, e tenham já propiciado alianças
políticas ocasionais.
A tese central da «ecologia profunda», desde a sua formulação inicial
em Ame Naess693 , passando pela sua consagração em James Lovelock694,
é a de que o desenvolvimento e o bem-estar de todas as formas de vida na
Terra têm um valor próprio e objectivo, independente de juízos de valor
(mormente de juízos de utilidade) por parte de uma só espécie, como é a
espécie humana.
A Terra é considerada um sistema fechado e orgânico, no qual tudo
depende de tudo, e não há, por isso, lugar a juízos de irrelevância, seja
formulados sobre o presente, seja projectados sobre o futuro, mesmo o
futuro mais remoto - já que todas as repercussões de todas as decisões
se farão sentir e se esgotarão nesse sistema fechado que não tem outra
alternativa que não seja a de se perpetuar pela auto-preservação e pela
auto-regeneração, por se tratar, em suma, de um invólucro finito para as
693 Naess, Ame, "The Shallow and the Deep, Long-Range Ecology Movement",
lnquiry, 16 (1973), 95-100.
694 Lovelock, James, Gaia: Um Novo Olhar Sobre a Vida na Terra (trad. p/ Maria
Georgina Segurado), Lisboa, Edições 70, 1989 .
246 O Choque da Teria.filia com o Ambientalismo
manifestações da vida, um pouco como uma nave espacial que tem que
transportar consigo todos os sistemas de apoio à manutenção da vida (0
que ficou consignado na metáfora da «spaceship earth», celebrizada por
Kenneth Boulding69 5).
Deste entendimento resultam corolários de «descentramento ético» ,
com crescente ênfase na desumanização, e depois até na «desanimaliza
ção», como sejam:
- a biodiversidade, contribuindo para a prossecução das finalidades
de preservação da vida no planeta, é também em si mesma dotada
de um valor intrínseco;
- só a prossecução de necessidades vitais da espécie humana per
mitiria a esta a interferência no desenvolvimento daqueles fins, e
especificamente a redução da riqueza e diversidade da vida;
- a moral da espécie humana deve adequar-se a essa perspectiva
biocêntrica ou ecocêntrica, em que impera o biossistema global
(«Gaia»), e a própria subsistência da espécie humana, como a de
qualquer outra espécie, está contingentemente exposta a conside
rações sobre a «economia» do biossistema como um todo;
- a bioética transformar-se-ia numa «ética ambiental», centrada em
juízos de compatibilidade com o sistema holístico, e subordinada à
«santificação da biosfera» e aos respectivos interesses de equilí
brio696 - sendo arredada deste «sistema holístico» a possibilidade,
seja de reconhecimento de esferas de interesses puramente indivi
duais, seja de atribuição de direitos e prerrogativas individuais.
Facilmente se perceberá que o encadeamento destes corolários torna
problemática a sua articulação com a matéria dos direitos dos animais -
na qual predominam ainda juízos relativos ao vàlor ético e jurídico de indi
víduos humanos e não-humanos, e o pano de fundo do condicionamento
ambiental tem uma relevância meramente indirecta697 -.
695 Boulding, K., "The Economics of the Coming Spaceship Earth", in Jarrett, Henry
(org.), Environmental Quality in a Growing Economy, Baltimore, Johns Hopkins Univer
sity Press, 1966, 3-14.
696 Sobre a centralidade do conceito (ou preconceito) de «equilíbrio ambiental», ou
«homeostase», e as ambiguidades que se acumulam em seu torno, cfr. Shrader-Frechette,
K.S. & Earl D. McCoy, "How the Tail Wags the Dog. How Value Judgments Determine
Ecological Science", Environmental Values, 3 ( 1994), 107-120 .
697 A ênfase no problema do sofrimento denota que a análise se centra no nível indivi
dual, o único em que efectivamente (não-alegoricamente) o sofrimento pode ser experimentado.
A Hora dos Direitos dos Animais 247
69 8 Cfr. Regan, T., The Case for Animal Rights, cit., 36 1-362.
699 Cfr. Hettinger, Ned, "Valuing Predation in Rolston's Environmental Ethics:
Bambi Lovers versus Tree Huggers", Environmental Ethics, 16 ( 1994), 3.
700 Mas também na «ecologia profunda», quando nas campanhas tende a utilizar as
imagens mais «temurentas» dos animais (as crias de elefante, as focas-bébé), recorrendo
ao mesmo aproveitamento dos sentimentos de afeição generalizadas pelos animais que
dizem desdenhar na causa teriofílica. Cfr. Milliet, Jacqueline, "La Part Féminine dans le
Phénomene Animal de Compagnie", in Cyrulnik, B. (org.), Si les Lions..., cit., 1092; Wal
ler, D., "A Vegetarian ... ", cit., 187- 197. Cfr. ainda: Sapontzis, Steve F., "Environmental
Ethics versus Animal Rights", in Bekoff, M. & C.A. Meaney (orgs.), Encyclopedia of Ani
mal Rights. . ., cit., 16 1- 162.
70 1 Além disso, e como bem observava Fredric Jameson, é, no presente momento
civilizacional, mais fácil vislumbrar-se uma hecatombe de S:?lapso ecológico do que o fim
histórico do capitalismo.. . - Cfr. Jameson, F., The Seeds of Time, New York, Columbia
University Press, 1994, xii; cfr. ainda: Sperling, S., Animal Liberators. . ., cit., passim;
Sutherland, A. & J.E. Nash, "Animal Rights... ", cit., 171-186.
7 02 Leopold, Aldo, A Sand County Almanac, Oxford, Oxford University Press, 1949;
cfr. Callicott, Baird, ln Defense of the Land Ethic. Essays in Environmental Philosophy,
New York, SUNY Press, 1989.
703 Sobre a evolução da perspectiva ecocêntrica, cfr. Attfield, Robin, The Ethics of
Environmental Concern, cit., passim.
704 Taylor, Paul, Respect for Nature, cit., passim.
248 O Choque da Teriofilia com o Ambientalismo
708 Regan, T., The Case for Animal Rights, cit., 240-241.
7 09 Cfr. Taylor, Paul, "Inherent Value and Moral Rights", The Monist, 70 (1987), 17.
1 10 Cfr. Rolston III, H., Environmental Ethics. . ., cit., 116.
1 1 1 Acusando Rolston de relativa insensibilidade ao valor intrínseco dos animais -
dada a sua aceitação até de práticas venatórias, que assimila à predação carnívora entre
espécies - , e de alinhar com os ambientalistas numa indiferença às manifestações de cons
ciência e de capacidade de sofrimento na natureza, cfr. Hettinger, N ., "Valuing Predation... ",
cit., 3-20.
250 O Choque da Teriofilia com o Ambientalismo
centro dos agentes morais até à periferia das pessoas morais que não são
agentes , e por fim até aos sujeitos morais que não são pess oas , des tac ando
nos organismos vivos a sua capacidade de existência autóno ma, susceptí
vel de organização e reprodução espontâneas , ou seja, o seu grau de simi
litude a verdadeiros e plenos agentes morais 7 I S - uma ilusão antropo
mórfica, decerto , mas porventura útil para aqueles que não quisess em
aventurar-se pelos bastidores das convicções socialmente partilhadas , em
busca dos fundamentos de uma abnegação ética com sacrifício do presente
dentro de um quadro de ganhos e perdas do qual a reciprocidade está
ausente .
Contudo , a insistência na objectividade do «valor intrínseco» , seja do
ambiente, seja dos animais , não se coaduna com a sofisticação relativista
(e nominalista) que hoje é reclamada pela generalização de sociedades
humanas plurais e tolerantes , nas quais a coexistência não depende de
«unanimismos» , e dispensa, desconfiando profundamente deles , dos
desígnios centrípetos das «conversões às evidências». Nesses termos , pode
considerar-se que o discurso ecologista, com as suas tendências meta-nar
rativas e a sua propensão para converter-se numa «Weltanschauung», é
dissonante em relação à tendência pós-moderna que fez decair as utopias
políticas e fragmentar o dogmatismo científico , como assinala Luc Ferry
logo nas primeiras páginas de A Nova Ordem Ecológica7 16 , um ataque em
forma à «deep ecology» e ao ecofeminismo - que logo prossegue com a
especificação dos seus receios , orientados para a evolução pró-totalitária
do doutrinarismo zelota e radical que se refugia nas causas ambientalistas ,
e até nos seus pendores nostálgicos (de uma pureza pristina) ou futuristas
(da «restauração» romântica de uma ordem purificada) 7 1 7 .
Alguns dos argumentos de Luc Ferry, admitamos , são excessivos ,
mormente quando conota as posições da «ecologia profunda» com o tota
litarismo das leis nazis de protecção aos animais "pelo seu valor intrín-
718 Veja-se o Código Penal do III Reich, de 26 de Maio de 1933, que sancionava a
crueldade contra os animais, por julgá-la contrária aos bons costumes - cit. in Ferry, L. &
C. Germé (orgs.), Des Animaux et des Hommes, cit., 50.
7 1 9 Cfr. Bratton, S.P., "Luc Ferry's Critique of Deep Ecology ... ", cit., 3-22.
720 E também não parece resistir, como já vimos, ao «contra-argumento dos Volks
wagens». Refutando como um mito a tradição de que a teriofilia fosse um alicerce da ideo
logia nazi, cfr. Kalechofsky, R., "Nazis and Animais...", cit., 32.
12 1 Como judiciosamente observa Armengaud, Françoise, "Au Titre du Sacrifice:
L'Exploitation Économique, Symbolique et Idéologique des Animaux", in Cyrulnik, B.
(org.), Si les Lions ..., cit., 884-885.
722 Cfr. Callicott, J.B., "Animal Liberation: A Triangular Affair", cit., 311-338; eius-
dem, "Animal Liberation and Environmental Ethics . . . ",. cit., 163- 169; eiusdem, ln Defense
of the Land Ethic. . ., cit.; eiusdem, "Moral Monism... ", cit., 51-60; eiusdem, "The Search
for an Environmental Ethic", in Regan, T. (org.), Matters of Life and Death . . ., cit., 322-
382; eiusdem, "«Back Together Again» Again", Environmental Values, 1 (1998), 461-475;
eiusdem, "Whaling in Sand County: The Morality of Norwegian Minke Whale Catching",
in Chappell, T.D.J. (org.), The Philosophy of the Environment, cit., 156-179; Heeger,
Robert & Frans W.A. Brom, "Intrinsic Value and Direct Duties: From Animal Ethics
Towards Environmental Ethics?", Journal of Agricultura[ and Environmental Ethics, 10
(2001), 241-252; Jamieson, Dale, "Animal Liberation is an Environmental Ethic", Envi
ronmental Values, 1 (1998), 41-57; Johnson, Edward, "Animal Liberation versus the Land
Ethic", Environmental Ethics, 3 (1981), 265-273; Norton, Bryan G., "Environmental
Ethics and Nonhuman Rights", Environmental Ethics, 4 (1982), 17-36; Varner, Gary E.,
"Can Animal Rights Activists Be Environmentalists?", in Marietta Jr., Don E. & Lester
Embree (orgs.), Environmental Philosophy and Environmental Activism, Lanham MD,
Rowman & Littlefield, 1995, 169-201; Varner, G .E., "The Prospects for Consensus... ",
A Hora dos Direitos dos Animais 253
cit., 24-28; eiusdem, ln Nature 's lnterests? lnterests, Animal Rights, and Environmental
Ethics, New York, Oxford University Press, 1998; Warren, Mary Anne, "The Rights of the
Nonhuman World", in Hargrove, Eugene C. (org.), The Animal Rights!Environmental
Ethics Debate: The Environmental Perspective, Albany NY, SUNY Press, 1992, 185-210;
Westra, Laura, "Ecology and Animals: Is There a Joint Ethic of Respect?", Environmental
Ethics, 11 (1989), 215-230.
7 2 3 Cfr. Jamieson, D ., "Animal Liberation . . . ", cit., 3-24; e as críticas a essa posição
em Callicott, J.B ., "«Back Together Again» Again", cit., 461-475; Crisp, Roger, "Animal
Liberation is not an Environmental Ethic: A Response to Dale Jamieson", Environmental
Values, 1 (1998), 476-478 .
7 24 Cfr. Benton, Ted, Natural Relations. Ecology, Animal Rights, and Social Justice,
London, Verso, 1993 ; Everett, J ., "Environmental .Ethics, Animal Welfarism . . . ", cit., 42-
67 ; Hettinger, N ., "Valuing Predation . . .", cit., 3-20; ,Mid�Íey, M ., "Beasts Versus the Bios
phere?", cit., 113-121; Sapontzis, Steve F., "Predation", in Bekoff, M. & C .A . Meaney
(orgs.), Encyclopedia ofAnimal Rights .. ., cit., 275-276; Stewart, Kristin L., "Dolphin-Safe
Tuna: The Tide is Changing", Animal Law, 4 (1998), l l l ss . .
7 2 5 Cfr. Midgley, M ., "Beasts Versus the Biosphere?", cit., 113-122.
7 26 É que a ênfase individualista da teriofilia, a sua concentração no problema do
sofrimento, choca com dois conceitos da maior importância para os ecologistas: aptidão e
selecção natural. Cfr. Aitken, Gill, "Conservation and Individual Worth", Environmental
Values, 6 (1997), 439-454 .
254 O Choque da Teriofilia com o Ambientalismo
de respeito pelos animais que seja ao mesmo tempo compatível com a con
sideração de um ética ambiental «holística»727 .
Note-se, de passagem, que o «holismo» gerado na ecologia é em bom
rigor extensível também aos domínios da teriofilia. É que nela, tal como
no ambientalismo, o raciocínio parte da constatação da ausência de dife
renças essenciais (registo ontológico) para a insistência na necessidade de
não-discriminação nos pontos relevantes (registo normativo), seja em ter
mos de inserção numa comunidade biótica (a tese da deep ecology), seja
em termos de simples erradicação do sofrimento (tese utilitarista), sendo,
portanto, que neste segundo caso a «libertação» se confina aos seres sen
síveis, únicos titulares de interesses - mas o faz uniforme e globalmente,
sempre de acordo com o mesmo critério de harmonia agregada728 .
Voltando ao problema dos «direitos», sugerimos já que ele pode nascer
de colisões de interesses mas não se esgota neles, e que a atribuição de direi
tos substantivos a indivíduos não-humanos, para ser uma verdadeira atribui
ção, deve impor o respeito, a proibição de interferência em interesses rele
vantes, mesmo quando não estejam em jogo interesses cruciais para
qualquer das espécies envolvidas - não permitindo afinal que uma certa
impressão de normalidade dissolva em irrelevância a posição do núcleo de
interesses que pode ser associado a cada indivíduo não-humano. Ora, como
sabemos que não é um interesse exclusivamente humano o da preservação e
sustentação de um determinado habitat natural, e que todos os animais par
tilham esse interesse de um modo não-trivial (um interesse não-conflituante
enquanto se mantém um equilíbrio populacional ou os habitats não se degra
dam), cá temos uma boa base «holística» de convergência entre a causa
teriofílica e as preocupações da «ecologia profunda»729.
Do lado ambientalista, existe também a impressão de que os defen
sores dos direitos dos animais, na medida em que insistem na associação
de «valor intrínseco» a «estatuto moral», tendem a desconsiderar o valor
intrínseco do ambiente, aceitando-o apenas como valor instrumental para
aquele conjunto restrito de seres vivos aos quais é possível atribuir um
estatuto moral - os únicos em relação aos quais a causa zoófila concebe-
ria que haja verdadeiros deveres morais -. Não admira, pois, que os
ambientalistas suspeitem que o movimento de «libertação animal» venha
não só a aceitar como toleráve�s muitas práticas lesivas do ambiente, ape
nas porque o bem directamente lesado não é um ser vivo e sensível dotado
das características que permitem a sua consideração moraF30, mas tam
bém que promova, ou aplauda a promoção, de medidas intencionalmente
dirigidas à «correcção» de aspectos ambientais que, para aquele movi
mento, se afigurem como veiculadores de sofrimento.
Contrapor-se-á a isto que a própria «ética ambiental» é, intencional
mente ou não, uma confluência de muito variadas perspectivas das huma
nidades e das ciências, especialmente apta, no seu eclectismo necessário,
para espelhar o pluralismo dos interesses socio-políticos e para, quando se
esquiva da congruência fanática, se dissolver em proclamações programá
ticas não raro inconsequentes73 I, e que por isso falta um ponto focal mais
nítido em direcção ao qual se exorte a causa teriofílica a evoluir.
Em ilustração dessa fundamental ambiguidade que perpassa o
ambientalismo, pense-se na discussão em torno do papel «natural» da
caça. Para alguns ambientalistas, ela deveria constituir a mais grave viola
ção da integridade ambiental, e não apenas em termos da ansiedade, sofri
mento ou perturbação dos padrões de conduta e da existência normal dos
animais perseguidos, nem apenas em função do risco que faz incorrer à
subsistência das espécies, mas também, e muito antes de qualquer verifi
cação de danos tão aparentes, por força do dano mais subtil e decisivo que
é a anomalia da simples interferência ecológica, da simples presença do
homem fora do seu habitat e dentro do das espécies perseguidas, bulindo
com a respectiva normalidade, como observador cuja presença atenta já
contra um certo tipo de «privacidade ambiental» das espécies, suscitando
reacções de defesa dos seus perturbados interesses de segurança, de terri
torialidade e de procriação - razão pela qual possivelmente até os «foto
safaris» deveriam ser proibidos732/733.
730 Cfr. Everett, J ., "Environmental Ethics, Animal Welfarism... ", cit., 44; Jamieson,
Dale, "Rights, Justice, and Duties to Provide Assistance: A Critique of Regan's Theory of
Rights", Ethics, 100 (1990), 349-362.
73 1 Cfr. Potter, Van Rensselaer, "Fragmented Ethics and «Bridge Bioethics»", Has
tings Center Report, 29/ 1 (1999), 38-40.
732 Cfr. Kawall, Jason, "Is (Merely) Stalking Sentient Animais Morally Wrong?",
Journal of Applied Philosophy, 17 (2000), 195-204.
733 Pela mesma razão, todos os zoólogos tendem hoje a ser «comportamentalistas»,
256 O Choque da Teriofilia com o Ambientalismo
a limitar-se à observação dos animais no seu habitat, procurando provocar o mínimo pos
sível de interferências. E isto porque cada vez menos se aceita que uma «espécie» seja ape
nas um legado genético de traços anatómicos e fisiológicos, para se lhe acrescentar requi
sitos respeitantes à etologia e à ecologia, respeitantes ao espaço natural de manifestação
irrestrita de condutas - cfr. Nouet, Jean-Claude, "Zoos", in Cyrulnik, B. (org.), Si les
Lions ... , cit. , 544, 549.
734 Coisa que, do ponto de vista dos defensores dos direitos dos animais, é patente
mente absurda, visto que em matéria de minimização do sofrimento o intuito «desportivo»
ou «não-desportivo» é totalmente irrelevante (apenas denunciando antropocentrismo na
sua pior faceta, que é a da indiferença ao sofrimento alheio, alicerçada na existência de uma
razão exculpativa para o acto danoso).
735 Veja-se o «Prólogo» à obra do Conde de Yebes, Veinte Anos de Caza Mayor
(1942), in Ortega y Gasset, José, Obras Completas, Madrid, Alianza Editorial / Revista de
Occidente, 1983, V I, 419-491.
736 Cfr. King, R.J.H., "Environmental Ethics ... ", cit. , 59-85.
A Hora dos Direitos dos Animais 257
737 Cfr. Diamond, Jared, The Third Chimpanzee: The Evolution and Future of the
Human Animal, New York, HarperCollins, 1 992, passim.
73 8 Cfr. Taylor, Paul, Respect for Nature, cit., passim; eiusdem, "Inherent Value and
Moral Rights", The Monist, 70 (1987), 17ss..
739 Cfr. Sterba, J .P., Three Challenges to Ethics . . ., cit., passim.
740 Cfr. Callicott, J. Baird, "The Search for an Environmental Ethic", in Regan, T.
(org.), Matters of Life and Death . . ., cit., 322ss..
258 O Choque da Teriofilia com o Ambientalismo
74 1 Cfr. Gewirth, Alan, "Human Dignity as the Basis of Rights", in Meyer, Michael
J. & William A. Parent (orgs.), The Constitution of Rights. Human Dignity and American
Vaiues, lthaca NY, Comell University Press, 1992, 10- 12, 2 1-24; Gewirth, Alan, Self-fui
fillment, Princeton NJ, Princeton University Press, 1998, 159ss..
742 Cfr. Baker, Steve, Picturing the Beast. Animais, ldentity and Representation,
Manchester, Manchester University Press, 1993; Franklin, A., Animais and Modem Cuitu
res. .., cit.; Guha, Ramachandra, "The Authoritarian Biologist and the Arrogance of Anti
Humanism. Wildlife Conservation in the Third World", The Ecoiogist (27/2/1997), 14- 19.
743 Isso não impede que haja clivagens dentro de uma mesma cultura - por exem
plo, quanto à comestibilidade de caracóis, rãs ou ostras - animais cuja ingestão causa
repugnância no mesmo meio em que o seu consumo é mais massificado. Cfr. Fischler,
Claude, "Le Comestible et I' Animalité", in Cyrulnik, B. (org.), Si ies Lions... , cit., 95 1-952.
A Hora dos Direitos dos Animais 25 9
de uma descrição «contaminada» por aquelas crenças, a qual por sua vez
condiciona aquilo que julgamos legítimo na nossa forma de relação com
os animais . A descrição, em suma, condiciona a prescrição744 . Mais relati
visticamente ainda, subscrevamos a observação de que aquilo que salva
muitos animais de acabarem na frigideira é o facto de acidentalmente lhes
termos atribuído um nome próprio745 .
Descontado o antropocentrismo - porventura inevitável - não é, de
facto, irrelevante nem ocioso colocar-se a interrogação acerca da definição
cultural do conceito de «animalidade», visto que ela representa coisas dis
tintas para o público em geral, para os zoologistas, para os ambientalistas
e para os apologistas da «libertação animal», sem que se tome evidente se
alguns destes sentidos, ou todos, são demasiado parciais e deslocados para
uma determinação do conceito-base, para a definição de espécie, de habi
tat, de processo evolutivo, e para a convergência entre as perspectivas
individual e global dos interesses da sustentabilidade do ecossistema e da
sobrevivência e bem-estar animais746 .
A avaliação etico-jurídica, por sua vez, pode assumir duas formas
(não estanques) no que respeita à condição animal:
a) uma forma assumidamente antropocêntrica, que só reconhece nos
animais o valor que eles têm para nós, daí resultando que muitas
«espécies protegidas» só o sejam quando não interferem signifi
cativamente na nossa cadeia alimentar, e que espécies que nos são
inúteis sejam facilmente reconcebidas como nocivas - pense-se
no exemplo dos ratos, cujo extermínio é muitas vezes abertamente
prosseguido, até por «razões ambientais»;
b) uma forma não-antropocêntrica, «essencialista» ou «não-instru
mentalizadora», que procura transcender os condicionamentos
culturais para reconhecer um valor aos animais que não seja
dependente dos interesses humanos - ou até da proeminência
desses interesses na eventualidade de conflitos, bastando tomar-se
por exemplo um eventual «direito à identidade genética» que se
744 Cfr . Budiansky, Stephen, The Covenant of the Wild: Why Animais Choose
Domestication, New York, William Morrow, 1 992, passim.
745 Observação que reproduzimos de: Fischler, Claude, "Le Comestible et 1 'Anima
lité", in Cyrulnik, B. (org.), Si les Lions. . ., cit., 955.
746 Cfr. Lawrence, E.A., "Cultural Perceptions ... ", cit., 75-82; Lee, Keekok, "An
Animal: What Is lt?", Environmental Values, 6 (1997), 393-410.
260 O Choque da Teriofllia com o Ambientalismo
147 Cfr. Clark, Stephen R. L., "Species-Essentialism", in Bekoff, M. & C.A. Meaney
(orgs.), Encyclopedia of Animal Rights . .., cit., 319-320.
A Hora dos Direitos dos Animais 26 1
75 0 Cfr. Allen, C. & M. Bekoff, Species of Mind ... , cit., passim; Dawkins, Marian
Stamp, Through Our Eyes Only? The Search for Animal Consciousness, Oxford, Oxford
University Press, 1998; DeGrazia, D., Taking Animais Seriously . . ., cit., passim.
75 1 Cfr. Nagel , Thomas, "Value", in Racheis, James (org.. ), Ethical Theory. l - The
Question of Objectivity, Oxford, Oxford University Press, 1998, Cap. V III.
75 2 Cfr . Callicott, J .B., "Animal Liberation: A Triangular Affair", cit., 311-338.
A Hora dos Direitos dos Animais 263
nossa consciência moral, que faz com que o mundo «pule e avance» de
cada vez que o homem sonha -. Tudo está, pois, em aproveitar, desse
anelo de qualidade existencial, a sua vocação policêntrica - mesmo que
não ecléctica - , resgatando-a de perversões totalitárias 753.
754 "Bonitas speciei excedit bonitatem individui, sicut formale id quod est materiale.
Magis igitur addit ad bonitatem universi multitudo specierum quam multitudo individuo
rum in una specie" - São Tomás de Aquino, Summa Contra Gentiles, lib . 2, cap. 45, n. 6.
755 A observação é de: Kolber, A ., "Standing Upright. ..", cit., 1 77.
266 Biodiversidade e Espécies Ameaçadas
75 6 Cfr. Babbitt, Bruce, "Between the Flood and the Rainbow: Our Covenant to Pro
tect the Whole of Creation", Animal Law, 2 (1996), 1ss . .
757 Sobre o «valor de reserva» e o «valor de legado» que se associam à preservação
das espécies, fazendo derivar deles uma posição drasticamente anti-teriofílica, cfr. Cooper,
David E., "Human Sentiment and the Future of Wildlife", Environmental Values, 2 (1993),
335-346.
75 8 Art. 1.0 da Convenção Quadro sobre a Diversidade Biológica, assinada no Rio de
Janeiro em 5 de Junho de 1992, e aprovada, para ratificação, pelo Decreto n.º 21/93, de 21
de Junho.
A Hora dos Direitos dos Animais 267
desse acidente na sua geração7 59. E também não é de rejeitar que essa pre
ferência pela consideração da espécie em detrimento do indivíduo seja
uma imposição estética da nossa sensibilidade pós-moderna, que favorece
o valor contemplativo da integração ambiental dessas espécies, em nome
de uma vontade de «harmonia cósmica»760.
759 Cfr. Dworkin, Ronald, Life 's Dominion: An Argument about Abortion, Euthana
sia, and Individual Freedom, New York, Alfred A. Knopf, 1993, 78-79.
760 Cfr. Cooper, O .E., "Human Sentiment .. . ", cit., 335-346.
76 1 Cfr. Stone, Christopher D., "Should Trees Have Standing? - Toward Legal
Rights for Natural Objects", Southern California Law Review, 45 (1972), 453-455.
762 Para usarmos uma dicotomia também presente em: Gouveia, J .B., "A Prática de
Tiro aos Pombos ...", cit., 239.
268 Biodiversidade e Espécies Ameaçadas
pela sua proximidade ao homem, não fossem mais susceptíveis ainda de eli
minação maciça, sobretudo por motivos económicos, ou até como se os ani
mais domésticos não fossem já eles próprios o produto de um outro «geno
cídio», correspondente ao seu desenraizamento de um anterior ambiente
natural -. Mas o mesmo zoófilo não poderá deixar de reconhecer o quão
poderosas são a regulação jurídica e a proibição absoluta de exploração ou
extermínio de certas espécies animais para ultrapassar os impasses e inefi
ciências advindos daquelas «falhas de mercado» que limitam a formação
espontânea de equilíbrios ecológicos em torno da actividade produtiva
humana, e limitam também a harmonização de interesses ambientais pela
simples via dos incentivos7 66: o quão poderosos têm sido instrumentos jurí
dicos como a Convenção sobre Zonas Húmidas de Importância Internacio
nal, especialmente como Habitat de Aves Aquáticas767, a Convenção sobre
o Comércio Internacional das Espécies de Fauna e Flora Selvagens Amea
çadas de Extinção7 68, a Convenção sobre a Conservação das Espécies
Migradoras Pertencentes à Fauna Selvagem7 69, a Directiva Europeia relativa
à conservação dos habitats naturais e da flora e fauna selvagens770, e ainda,
a nível interno, o Decreto-Lei n.º 204/90, de 20 de Junho, que estabelece
medidas de protecção de animais selvagens, necrófagos e predadores, ou o
Decreto-Lei n.º 75/9 1, de 14 de Fevereiro, que visa a protecção das aves sel
vagens e a salvaguarda dos respectivos habitats77 1.
dutiva é inevitavelmente poluente, pelo que uma equiparação daquele teor conduziria, se
interpretada literalmente, à paralização da actividade produtiva, ao sacrifício completo, e
exclusivo, dos interesses da espécie humana.
7 66 Cfr. Gare, Arran E., Postmodernism and the Environmental Crisis, London, Rou
tledge, 1995, 77-78.
7 67 Convenção sobre Zonas Húmidas de Importância Internacional, especialmente
como Habitat de Aves Aquáticas, concluída em Ramsar no Irão, em 2 de Fevereiro de 1971,
aprovada pelo Decreto n.º 101/80, de 9 de Outubro.
7 68 Convenção sobre o Comércio Internacional !las Espécies de Fauna e Flora Sel
vagens Ameaçadas de Extinção, assinada em Washington �Ín Março de 1973, aprovada
para ratificação pelo Decreto n.º 50/80, de 23 de Julho.
7 69 Convenção sobre a Conservação das Espécies Migradoras Pertencentes à Fauna
Selvagem, concluída em Bona em 24 de Junho de 1979, aprovada para ratificação pelo
Decreto n.º 103/80, de l l de Outubro.
770 Directiva n.º 92/43/CEE, do Conselho, de 21 de Maio, relativa à conservação dos
habitats naturais e da flora e fauna selvagens, transposta para o direito interno pelo
Decreto-Lei n.º 226/97, de 27 de Agosto.
11 1 Para uma panorâmica dos avanços legislativos nesta área, cfr. Ziekow, Jan, Tiers-
270 Biodiversidade e Espécies Ameaçadas
Isso não significa desencanto com a via jurídica - até porque esta
não está irreversivelmente comprometida com a preferência pela consi
deração dos valores da biodiversidade e do «valor intrínseco» da natu
reza, nem com a desconsideração pela individualidade dos seres não
humanos. Bem pelo contrário, não pode excluir-se que a ênfase na
linguagem dos direitos venha a tornar-se uma derradeira salvaguarda con
tra a sobrecarga dos recursos e contra a degradação da biodiversidade
através da disseminação universal de uma «ética da compaixão», que
parta da repulsa instintiva com o espectáculo do sofrimento individual
para o reconhecimento de que o respeito pela diversidade e pela dimen
são das espécies é um contributo indispensável para que esse sofrimento
individual se dissipe ou desapareça - conciliando assim a preservação
«holística» dos ecossistemas com uma compaixão individualizada, con
cretizada, dirigida a seres reais, como o reclama qualquer genuíno sis
tema ético - 77 8, vencendo essa bizarria, esse barroco «sofisma de com
posição», que sacraliza axiologicamente o todo ao mesmo tempo que se
obstina na recusa de reconhecimento de um estatuto moral ou jurídico aos
indivíduos de que esse todo se compõe779.
78 1 Cfr. Loftin, Robert W., "The Medical Treatment of Wild Animais", Environmen
tal Ethics, 7 ( 1985), 23 1-239; Rolston, Holmes, "WildAnimals, Duties to" , in Bekoff, M.
& C.A. Meaney (orgs.), Encyclopedia ofAnimal Rights . . . , �ft., 262-264.
782 Sobre estratégias predatórias, problemas de coordenação e «efeito de boleia» na
produção de bens colectivos em comunidades animais, cfr. Nunn, Charles L. & Rebecca J.
Lewis, "Cooperation and Collective Action in Animal Behaviour"; Hoeksema, Jason D. &
Mark W. Schwartz, "Modelling Interspecific Mutualisms as Biological Markets"; Dunber,
Robin I.M., "The Economics of Male Mating Strategies" , todos in Noe , R., J.A.R.A.M. van
Hooff & P. Hammerstein (orgs.), Economics in Nature.. . , cit . , 43-5 1 , 56-60; 179- 18 1; 262-
-264 ..
78 3 Cfr. Comstock, G., "How Not to Attack . . . ", cit., 178.
276 O Choque da Teriofilia com o Ambientalismo
uma predação humana, não menos predatória pelo facto de não causar tão
directa, intensa e ostensivamente o sofrimento das vítimas.
Reconhecendo que o combate à predação natural é possível e legí
timo em certas condições, uma parte dos deveres de protecção do bem
estar animal consagrados no direito dirige-se já à própria defesa contra a
violência e predação entre espécies. Veja-se, por exemplo, o que se esta
belece quanto aos animais de abate pela Convenção Europeia sobre a Pro
tecção dos Animais de Abate78 4, a qual, depois de no seu art. 5.º, 1 , esta
belecer que "os animais deverão ser deslocados recorrendo-se à sua
natureza gregária" (por forma a reduzir a sua ansiedade no transporte para
os matadouros), determina no seu art. 7. º, 5, que "os animais naturalmente
hostis entre si, devido à sua espécie, sexo, idade ou origem, deverão ficar
separados". Veja-se também a disposição específica para os animais de
companhia, no art. 8.º, 1 , b) do Decreto-Lei n.º 276/200 1, de 1 7 de Outu
bro78 5, norma em que se prevê que "Os animais devem dispor do espaço
adequado às suas necessidades fisiológicas e etológicas, devendo o
mesmo permitir : ( ... ) b) A fuga e refiigio de animais sujeitos a agressão
por parte de outros"; ou a disposição para os animais nas explorações
pecuárias, regendo o n.º 14 do Anexo A da Directiva n.º 58/CE/ 1 998, do
Conselho, de 20 de Julho786, que dispõe que "Os animais criados ao ar
livre devem dispor, na medida do possível e se necessário, de protecção
contra (... ) os predadores"787.
784 Convenção Europeia sobre a Protecção dos Animais de Abate, concluída no seio
do Conselho da Europa e aprovada pelo Decreto n.º 99/81, de 29 de Julho.
78 5 Decreto-Lei n.º 276/2001, de 17 de Outubro, que estabelece as normas legais ten
dentes à aplicação em Portugal da Convenção Europeia para a Protecção dos Animais de
Companhia (regulamentando o Decreto n.º 13/93, de 13 de Abril).
786 Directiva n.º 58/CE/1998, do Conselho, de 20 de Julho, transposta para a ordem
jurídica interna pelo Decreto-Lei n.º 64/2000, de 22 de Abril.
78 7 Veja-se ainda disposições similares na Convenção Europeia sobre a Protecção
dos Animais em Transporte Internacional, de 13 de Dezembro de 1968, aprovada pelo
Decreto n.º 33/82, de 11 de Março, ou na Directiva n.º 91/628/CEE, do Conselho, relativa
à protecção dos animais durante o transporte, transposta pelo Decreto-Lei n.º 153/94, de 28
de Maio (entretanto revogado pelo Decreto-Lei n.º 294/98, de 18 de Setembro).
A Hora dos Direitos dos Animais 277
e uma percepção «forte» dos seus interesses - cabendo, por isso, o ónus
da prova a quem quisesse recusar aquela atribuição, demonstrando não
apenas a inexistência, ou insuficiência, de dados mentais capazes de con
ferir autonomia aos animais, mas evidenciando também, com a sua sim
ples atitude de recusa, os perigos que adviriam, seja do «chauvinismo
especista», seja da «dissolução antropomórfica», ambos erros (simétricos)
que não permitiriam fazer jus ao «valor intrínseco» que pudesse reconhe
cer-se a esses (alguns) não-humanos como «sujeitos de uma vida» 79o .
Nestes termos, poderia dizer-se que a defesa contra a predação dos
animais decorreria, não da verificação do sofrimento causado pela preda
ção (visto que os direitos das vítimas não dependem da subsistência, ou
não, da qualidade de vida individuaF 9 I ), mas antes da verificação de uma
de duas outras circunstâncias: ou a violação deliberada de um dever de res
peito por parte de um agente moral - o que imediatamente tornaria irre
levante o fenómeno da predação selvagem -, ou a violação de valores
morais transcendentes que impusessem, em reacção à violação, o dever
imediato de oposição humana à predação animal - uma espécie de reac
ção punitiva pela lesão grave a valores estruturantes da moralidade ou da
juridicidade, do mesmo género que vimos fundamentar o «julgamento de
animais» .
790 Veja-se a síntese em: Goffi, Jean-Yves, "Droits des Animaux et Libération Ani
male", in Cyrulnik, B. (org.), Si les Lions ..., cit., 898.
79 1 Cfr. Regan, T., The Case for Animal Rights, cit ., 357; Everett, J., "Environmen
tal Ethics, Animal Welfarism . . . ", cit., 52-53.
792 Cfr. Watson, R.A., "A Critique ...", cit., 245-256.
A Hora dos Direitos dos Animais 279
795 Cfr. Sapontzis, Steve F., "Predation" , Ethics and Animais, 5/2 (1984), 27-38;
eiusdem, Morais, Reason, and Animais, cit., passim.
796 Cfr. Everett, J ., "Environmental Ethics, Animal Welfarism . . . ", cit., 48-49 .
A Hora dos Direitos dos Animais 281
797 Cfr. Callicott, J .B., /n Defense ofthe Land Ethic. . ., cit., 96-97; Everett, J., "Envi-
ronmental Ethics, Animal Welfarism... ", cit., 56-61.
79 8 Regan, T., The Case for Animal Rights, cit., 282-283.
799 lbid., 285.
800 Cfr. Jamieson, D., "Rights, Justice... ", cit., 349-362.
282 O Choque da Teriofilia com o Ambientalismo
80 1 Cfr. Ferré, Frederick, "Moderation, Morais, and Meat", Inquiry, 29 (1986), 391-
406; Wenz, P.S ., Environmental Justice, cit., passim.
802 Cfr. Loftin, R.W., "The Medical . . . ", cit., 231-239.
80 3 Cfr. Alward, Peter, "The Naive Argument Against Moral Vegetarianism", Envi
ronmental Values, 9 (2000), 81-89; Benatar, David, "Why the Naive Argument against
Moral Vegetarianism Really is Naive", Environmental Values, 10 (2001), 103-112 .
804 Singer, P., Ética Prática, cit., 91 .
22. A Via dos Direitos Subjectivos
808 Cfr. Feinberg, Joel, "The Rights of Animais and Unbom Generations", in Blacks
tone, William T. (org.), Philosophy & Environmental Crisis, Athens Ga., University of
Georgia Press, 1974, 43-68; Regan, T., The Case for Animal Rights, cit., 243.
809 Pode sustentar-se que «existir» é mais do que «viver», no sentido de que existir
pressupõe uma interacção com o ambiente, com a «circunstância», que pode envolver uma
«subjectividade» se existe uma receptividade a significações inteligíveis, no sentido de
ocorrer a criação e a reacção a essas significações - cfr. Buytendijk, F.J.J., L'Homme et
['Animal. .., cit., 22.
8 1 0 Cfr. Frey, R.G., lnterests and Rights . . ., cit., 19, 78-85, 122-123, 127.
8 1 1 Sustentando precisamente que muitos animais demonstram domínio d e uma lin
guagem expressiva de desejos e convicções, veja-se Vauclair, J., Animal Cognition ..., cit.,
10 1- 105, 137-145.
A Hora dos Direitos dos Animais 285
Cfr. Schmahmann, D.R. & L.J. Polacheck, "The Case Against. .. ", cit., 761.
8 12
Cfr. Tannenbaum, Jerrold, "Animais and the Law: Property, Cruelty, Rights", in
8 13
Mack, Arien (org.), Humans and Other Animais, Columbus, Ohio State University Press,
1995, 167.
286 A Via dos Direitos Subjectivos
81 4 Cfr. Sumner, L.W., The Moral Foundation ofRights, Oxford, Clarendon, 1987 , 15-18.
8 1 5 Cfr. Godkin, Susan , "The Evolution of Animal Rights" , Columbia Human Rights
Law Review, 18 (1987), 259ss . .
8 1 6 Cfr. Chapouthier, Georges, Au Bon Vouloir de l'Homme, /'Animal, Paris, Denoel,
1990; eiusdem, Les Droits de l'Animal, Paris, P.U F., 1992; Chapouthier, Georges & Jean-Claude
Nouet (orgs.), Les Droits de l'Animal Aujourd'hui, Condé-sur-Noireau, Arléa-Corlet, 1997.
A Hora dos Direitos dos Animais 287
mesmo valor jurídico das normas do Tratado, por força do disposto no art. 239.º deste). O
Bem-Estar Animal já era referido no art. 36.º do Tratado da Comunidade Europeia, tendo
também sido aditada ao Tratado da União Europeia uma Declaração sobre o Bem-Estar Ani
mal . Cfr. Camm, T. & D. Bowles, "Animal Welfare and the Treaty of Rome. . . ", cit., 197-198,
200ss. Cfr. ainda: Brooman, Simon & Debbie Legge, Law Relating to Animais, London,
Cavendish, 1997; Tallacchini, Mariachiara, "Appunti di Filosofia della Legislazione Ani
male" e Salvi, Maurizio, "Integrità e Valore Intrinseco negli Animali . II Caso Olandese",
ambos in Mannucci, A. & M . Tallacchini (orgs.), Per un Codice..., cit., 35-48, 211-224.
8 1 8 Cfr. Camm, T. & D. Bowles, "Animal Welfare and the Treaty of Rome . . . ", cit.,
Kaiser, Dieter (org.), Wir toten, was wir lieben. Das Geschiift mit geschützten Tieren und
Pflanzen, Hamburg, Hoffman & Campe, 1989; Kaplan,,Heln.111t Friedrich, Sind wir Kanni
balen? Fleischessen im Lichte des Gleichheitsprinzips, Frankfurt am Maio, Peter Lang,
1991; eiusdem, Tierrechte . Die Philosophie einer Befreiungsbewegung, Gõttingen, Echo,
2000; Maehle, A.-H., Kritik und Verteidigung des Tierversuchs, cit.; Teutsch, Gotthard
Martin, Soziologie und Ethik der Lebewesen. Eine Materialsammlung, Frankfurt am Maio,
Peter Lang, 1975; eiusdem, Tierversuche und Tierschutz, München, Beck, 1983 .
82 1 Quanto aos interesses científicos, o objectivo prioritário enunciado no debate
832 Nos termos do art. 68.º, 3, a) do Decreto-Lei n.º 276/2001, de 17 de Outubro, que
estabelece as normas legais tendentes a pôr em aplrçação ,em Portugal a Convenção Euro
peia para a Protecção dos Animais de Companhia (regulamentando o Decreto n.º 13/93, de
13 de Abril) . Daí igualmente a obrigatoriedade de uso, por todos os cães na via pública, de
coleira ou peitoral, e de açaimo ou trela (art. 16.º do Anexo à Portaria n.º 1427/2001, de
15 de Dezembro).
833 Pense-se na responsabilidade criminal que caiba, seja pela difusão de animais noci
vos através da sua «pseudo-domesticação» (art. 281.º, 1, a) do Código Penal), seja pelo uso
desses animais como instrumentos em crimes contra a vida ou contra a integridade física.
834 Nos termos do art. 6. 0 , 1, da Lei n.º 90/88, de 13 de Agosto, e do art. 9.º do
Decreto-Lei n.º 139/90, de 27 de Abril.
292 A Via dos Direitos Subjectivos
8 35 Veja-se, por exemplo, Tribe, Laurence H., "Ways Not to Think About Plastic
Trees: New Foundations for Environmental Law", Yale Law Journal, 85 (1974), 1315ss..
8 3 6 Cfr. McCartney-Smith, Enger, "Can Nonhuman Animals Find Tort Protection in
a Human-Centered Common Law?", Animal Law, 4 (1998), 184-188.
A Hora dos Direitos dos Animais 293
8 37 Cfr. Kelch, T.G., "The Role of the Rational.. .", cit., 1-4 1.
8 38 Cfr. Gaspar, A., "Sobre o Crime...", cit., 162.
8 39 Cfr. Wise, S.M., "Hardly a Revolution ... ", cit., 793ss..
840 Cfr. Garner, Robert, "Animal Rights, Political Theory and the Liberal Tradition",
Contemporary Politics, 8 (2002), 7-22; eiusdem, Animais, Politics, and Morality, Man
chester, Manchester University Press, 1993.
294 A Via dos Direitos Subjectivos
84 1Cfr. Favre, David, "Equitable Self-Ownership for Animais", Duke Law Journal,
50 (2000), 473-502 (em especial, 481-482n29). Cfr. também: Chanteur, Janine, Du Droit
des Bêtes à Disposer d'Elles-Mêmes, Paris, Seuil, 1993.
842 E mesmo assim... há quem sustente, a partir da consideração dos casos marginais
na espécie humana, que se estes não perdem a cidadania pelo facto de terem as suas capa
cidades gravemente diminuídas (ou de as não terem adquirido plenamente ainda), que a
prova de capacidade de formulação de valorações morais minimamente inteligíveis noutros
primatas deveria franquear-lhes o ingresso numa verdadeira cidadania política, com um
poder de representação nos interesses colectivos das comunidades humanas. Cfr. Acker
man, Bruce A., Social Justice in the Liberal State, New Haven, Yale University Press,
1980, 73-75, 80.
A Hora dos Direitos dos Animais 295
846 Cfr. Feinberg, Joel, "The Rights of Animais and Unbom Generations", in Blacks
tone, W.T. (org.), Philosophy & Environmental Crisis, cit., passim. Contra, Goffi, Jean
Yves, "Droits des Animaux et Libération Animale", in Cyrulnik, B. (org.), Si les Lions. . .,
cit., 892-897.
847 Contra o conceito de direito perfilhado por Feinberg, retirando a conclusão de que
os animais não têm direitos, cfr . McCloskey, H.J., "Moral Rights and Animais", Inquiry,
22 (1979), 25-54; cfr. Regan, Tom, "McCloskey on Why Animais Cannot Have Rights",
Philosophical Quarterly, 26 (1976), 25 l ss . .
848 Criticando como inconsistentes e insustentáveis estas exigências, cfr. Markie, Peter
J., "Feinberg on Moral Rights", Australasian Journal of Philosophy, 62 (1984), 237-245.
849 Cfr. DonneJJy, Samuel J.M., The Language and Uses of Rights. A Biopsy of Ameri
can Jurisprudence in the Twentieth Century, Lanham Md., University Press of America,
1994, 15, 25, 45; Hart, H.L.A., "Are There Any Natural Rights?", in Waldron, J. (org.), Theo
ries of Rights, cit., 83-89; Milne, A.J.M., Human Rights . . ., cit., 102; Sumner, L.W., The
Moral Foundation of Rights, cit., 163, 188; Wise, S.M., "Hardly a Revolution . . . ", cit., 816.
A Hora dos Direitos dos Animais 297
850 Cfr. Francione, G.L., Animais, Property, and the Law, cit. , 253.
298 A Via dos Direitos Subjectivos
mais estão já, com mais ou menos «santificação», envolvidos nesse sis
tema, seja como objectos de apropriação, seja como bens produtivos ou
bens alimentares, seja como instrumentos de geração de danos, seja como
companheiros, como guias, como protectores - seja ainda somente como
seres sensíveis que nos merecem respeito, ou como espécies cuja preser
vação nos é preciosa.
animais por todos os meios que estão já ao seu alcance, sem mais delon
gas - lançando mão, por exemplo, das inúmeras normas que reprimem a
crueldade sobre os animais - , sobretudo sem terem que estar à espera de
ulteriores «revoluções legislativas» que provavelmente nunca surgirão8 59;
sendo exemplo disso a «rede» de 700 advogados que compõem hoje, nos
Estados Unidos, o Animal Legal Defense Fund (ALDF), dispostos a uma
incansável defesa dos direitos dos animais - e não somente dentro do sis
tema judicial norte-americano860.
O obstáculo maior à efectivação dos direitos dos animais é o da res
pectiva praticabilidade contenciosa, é o da legitimidade processual e da
representação em juízo, visto que se poderá questionar o nexo legitimador
entre o «representante» e o animal, nos casos em que se trate directamente
da reparação de interesses do animal86 1 . Por um lado, a óbvia incapacidade
de exercício, pelos animais, dos direitos que convencionalmente lhes
sejam atribuídos não obsta a que estes direitos sejam sistematicamente
exercidos por representantes não-núncios, precisamente da mesma forma
que o são para os incapazes humanos862. Por outro lado, a legitimidade
processual daqueles que queiram representar os interesses dos animais
pode, de iure condendo, ser associada legislativamente à posição de inte
resse que as pessoas possam ter no bem-estar de animais específicos -
seja porque lhes foi ilegitimamente negada informação, seja porque são
afectadas pelo espectáculo do sofrimento, seja porque têm um título qual
quer que envolve a tutela da vida desses animais - , por forma a que, atra
vés do Direito, se exprima qual é o juízo público acerca da premência e
prioridade dos interesses em jogo863. Nada de transcendente, como se vê,
859 Cfr. Silverstein, H., Unleashing Rights ... , cit., 17; Tresl, J ., "The Broken Win
dow . . . ", cit., 277.
8 60 Cfr. Tresl, J., "The Broken Window . . . ", cit., 280; Frasch, P.D., B.A. Wagman &
S .S. Waisman (orgs.), Animal Law, cit., 747; Chamgers, Steve Ann, "Animal Cruelty
Legislation: The Pasado Law and lts Legacy", Animal Law; z (1996), 194.
86 1 Cfr. Schmahmann, D.R. & L.J. Polacheck, "The Case Against . . . ", cit., 773-774.
8 62 Cfr . Feinberg, Joel, "The Rights of Animais and Unbom Generations", in Blacks
tone, W.T. (org.), Philosophy & Environmental Crisis, cit., 47-48.
86 3 Cfr. Stone, C.D., "Should Trees Have Standing?... ", cit., 450ss.; Sunstein, Cass
R., "The Expressive Function of Law", University of Pennsylvania Law Review, 144
(1996), 2021ss.; eiusdem, "Standing . . . ", cit., 1333ss.; e mais especificamente: McDonald,
Karen L., "Creating a Private Cause of Action Against Abusive Animal Research", Uni
versity of Pennsylvania Law Review, 134 (1986), 399ss ..
302 A Via dos Direitos Subjectivos
864 Sendo assim, a imposição aos humanos de deveres de cuidado e suporte relativa
mente aos não-humanos provavelmente faria mais sentido pragmático do ponto de vista
destes últimos - facilitando até a generalização do respeito junto daqueles que são refrac
tários ao simbolismo da atribuição de direitos subjectivos aos não-humanos .
865 Cfr. Ariansen, P., "Anthropocentrism . . . ", cit., 1 53 - 1 62.
23 . O Obstáculo da Apropriação
Cfr. Kant, 1., Die Metaphysik der Sitten. Erster Theil. Metaphysische Anfangs
8 69
gründe der Rechtslehre, AK, VI, Berlin, Georg Reimer, 1914, 345.
870 Cfr. Favre, D., "Equitable . . . ", cit., 479-480 .
A Hora dos Direitos dos Animais 305
87 1 Cfr. ibid., 481-484. Cfr. ainda: Palmer, Clare, "The ldea of the Domesticated
Animal Contract", Environmental Values, 6 (1997), 411-425.
87 2 Cfr. Favre , D., "Equitable . . . ", cit., 486-489.
873 Cfr. Mazzoni, Cosimo Marco, "I Diritti degli Animali: Gli Animali Sono Cose o
Soggetti dei Diritto?" , in Mannucci , A . & M. Tallacchini (orgs .) , Per un Codice ..., cit., 111-
-120; Newell , B arbara, "Animal Custody Disputes: A Growing Crack in the «Legal Thing
hood» of Nonhuman Animais" , Animal Law, 6 (2000) , l 7.9ss.; Wise , Steven M., "Animal
Thing to Animal Person - Thoughts on Time, Place and Theo�ies", Animal Law, 5 (1999) ,
6 l ss.; eiusdem, "The Legal Thinghood of Nonhuman Animais", Boston College Environ
mental Affairs Law Review, 23 (1996) , 47 l ss..
8 74 Cfr. Hannah , H.W., "Animais as Property... ", cit., 573.
875 Veja-se , entre nós , o Acórdão da Relação de Coimbra de 6/3/85 (R. 11580 BMJ
345/456) atribuindo danos patrimoniais e não-patrimoniais por morte de um animal domés
tico - referindo-se , na fundamentação , à mágoa do dono pela perda de um animal por
quem tinha grande estima. Cfr. Costa , António Pereira da , Dos Animais. O Direito e os
Direitos, Coimbra , Coimbra Editora, 1998 , 67 , 81.
306 O Obstáculo da Apropriação
Serra, Adriano Vaz, "Responsabilidade pelos Danos Causados por Animais", Boletim do
Ministério da Justiça, 86 ( 1 959), 23, 58.
879 O reparo contra a expressão «possuidor» aparece em: Cordeiro, A. Menezes, Tra
886 Cfr. Gunn, Alastair S., "Traditional Ethics and the Moral Status of Animais",
Environmental Ethics, 5 (1983), 133-154.
24. Direito à Vida? - II - Os Limites
da Não-Personalidade
892 Cfr. Francis , L.P. & R . Norman , "Some Animais . . . ", cit., 507-527 ; Narveson , Jan,
"Animal Rights Revisited" , in Miller, Harlan B. & William H. Williams (orgs.) , Ethics and
Animais, Clifton NJ , Humana Press , 1 983 , 45-59.
893 Cfr. Pluhar, Evelyn B . , "Utilitarian Killing, Replacement, and Rights", Journal of
Agricultura/ Ethics, 3 ( 1 990), 147- 1 7 1 .
894 Cfr. Johnson, Lawrence E. , "Do Animais Have an Interest ln Life?" , Australasian
Journal of Philosophy , 6 1 ( 1 983) , 1 72- 1 84.
A Hora dos Direitos dos Animais 315
895 Cfr. Paske, Gerald H., "Why Animais Have No Right To Life: A Response to
Regan", Australasian Journal of Philosophy, 66 ( 1 988), 498-5 1 1 .
896 Cfr., todavia: Johnson, L.E., "Do Animais Have an Interest ln Life?", cit., 172- 1 84.
897 Cfr. Singer, P., Ética Prática , cit., 82, 94 .
316 Direito à Vida? - li - Os Limites da Não-Personalidade
que é isso que permite estabelecer uma distinção entre pessoas e seres
conscientes e sensíveis, reservando-se àquelas o alcance pleno do «direito
à vida» e a estes o alcance pleno do «direito ao não-sofrimento» B98. Com
efeito, pode sustentar-se que não é apenas o passado filogenético que
separa a espécie humana das demais, mas também é a memória histórica,
a capacidade de acumulação de um acervo de rememoração simbólica e de
condicionamento do presente em função dessa «sedimentação de identi
dade», que é exclusiva da espécie humana899 .
Parece-nos, pois, confusão ilegítima e desnecessária a inclusão, no
mesmo plano, da morte e do sofrimento - como acontece no art. 1 . º, 1,
da Lei n.º 92/95, de 12 de Setembro - , visto que sabemos que, no pre
sente estádio civilizacional, e a menos que subscrevamos uma pura «ética
vegetariana» e preconizemos uma truncagem na tradicional cadeia ali
mentar do habitat humano, temos de admitir, para os animais de criação,
a sua morte, desde que desacompanhada de sofrimento, sem ser preciso
recorrer-se ao expediente interpretativo de se considerar essa morte abran
gida pela ressalva da «necessidade» enunciada no texto do mesmo artigo,
já que essa «necessidade» será uma causa exculpativa excepcional, a reco
brir casos de sofrimento inevitável - o que não se pode aceitar que cor
responda à prática habitual do abate dos animais. Aliás, a mesma Lei n.º
92/95 estabelece essa demarcação entre morte e sofrimento logo na alínea
c) do n.º 3 do seu art. l .º, visto que sem hesitações prescreve a eutanásia,
"uma morte imediata e condigna", quando não sejam já possíveis o trata
mento e a recuperação de animais enfraquecidos, doentes ou idosos.
E o mesmo poderia dizer-se, aliás, quanto a um «direito à reprodu
ção» ou à «geração de vida», não podendo excluir-se que a incapacidade
de representação das consequências de explosões populacionais torne os
não-humanos inaptos para determinarem a cadência de geração de nova
vida que seja compatível com a sustentação de indivíduos ou de espécies,
seja em termos puramente naturais ou ambientais, seja mesmo em termos
de compatibilidade com as limitações económicas da espécie humana que
sustente esses não-humanos900 - sendo assim de admitir-se a prática da
90 1 Cfr. Morton, Adam, "A Note on Comparing Death and Pain", Bioethics, 2 ( 1 988),
1 29- 1 35 .
90 2Cfr. Putman, Daniel, "Tragedy and Nonhumans", Environmental Ethics, 1 1
( 1 989), 345-353 .
25. Libertação - II - As Lições
da História Humana
903 La Follette, Hugh, "Animal Rights and Human Wrongs", in Dower, N. (org.),
Ethics and the Environment, cit., 89.
904 Wise, S.M., Rattling the Cage, cit., 261.
320 Libertação - II - As Lições da História Humana
907 Cfr. Favre, D., "Equitable ... ", cit., 491ss. , 494ss., 497ss ..
908 Comentando o livro de Steven Wise, Rattling the Cage, Robert Verchick sustenta
que ele "marks what could become one of the groundbreaking civil rights battles of the next
generation" - Verchick, Robert R.M. , "A New Species of Rights", California Law
Review, 89 (200 1), 207.
322 Libertação - li - As Lições da História Humana
909 Cfr. Wise, S.M. , "How Nonhuman Animals .. . " , cit., 25-26. Cfr . ainda: Anderson,
J.C. , "Species Equality ... ", cit., 347-365.
9 1 0 Aristóteles, Ética a Nicómaco, 8.11.6-7, 1161b4-5; Ética a Eudemo, 1215h35;
Política, 1.2.4, 1253h30ss. - cfr. Green , P. , Alexander to Actium. . . , cit., 383.
9 1 1 Cfr. Buettinger, Craig, "Women and Antivivisection in Late Nineteenth-Century
America" , Journal of Social History, 30 (1997), 857-873; Drummond, William Hamilton ,
The Rights of Animais. And Man's Obligation to Treat Them with Humanity, London , J.
Mardon , 1838; Elston , Mary Ann , "Women and Anti-Vivisection in Victorian England" , in
Rupke, N.A. (org .. ), Vivisection in Historical Perspective , cit., 259-294; Engelhardt,
Édouard, De l'Animalité et de Son Droit, Paris, A. Chevalier-Maresco, 1900; Fairholme,
Edward G ., A Century of Work for Animais. The History of the Royal Society for the Pre
vention of Cruelty to Animais, 1824-1924 , New York, E.P. Dutton , 1924; Hamley, Edward
Bruce, Our Poor Relations. A Philowic Essay, Boston , J.E. Tilton, 1872; Nicholson,
Edward Williams Byron , The Rights of an Animal. A New Essay in Ethics , London , C.
Kegan Paul, 1879; Pemick, Martin S. , A Calculus of Suffering: Pain, Professionalism, and
Anesthesia in Nineteenth Century America, New York, Columbia University Press , 1985,
A Hora dos Direitos dos Animais 323
913 Cfr. Lamb, David, "Animal Rights and Liberation Movements", Environmental
Ethics, 4 (1982), 215-233.
9 1 4 Cfr. Deal, Carl, The Greenpeace Guide to Anti-Environmental Organizations,
Berkeley, Odonian Press, 1993, 83-84.
9 1 5 Veja-se a exortação nesse sentido, em: Posner, R.A., "Animal Rights", cit., 527.
9 1 6 Cfr. Cartmill, M., A View to a Death in the Morning. .., cit., 223.
26. Um Projecto de Guerra Perpétua:
O Ecofeminismo
"O homem, relutante em aceitar a sua dívida para com uma mãe
física, criou uma realidade alternativa, um heterocosmos, para se
conceder a si próprio uma ilusão de liberdade" - Camille Paglia9 I 7
9 1 7 Paglia, Camille, Sexual Personae. Art and Decadence from Nefertiti to Emily
Dickinson, London, Penguin, 199 1, 9.
9 18 Um credo dominante, dentro de uma pluralidade de orientações que caracteriza o
movimento. Cfr. Bartlett, Katharine T., "Cracking Fundations as Feminist Method", Jour
nal of Gender, Social Policy & The Law, 8 (2000), 32; eadem, "Gender Law", Duke Jour
nal of Gender Law & Policy, 1 ( 1994), l ss.; Chamallas, Martha, lntroduction to Feminist
Legal Theory, Gaithersburg MD, Aspen Law & Business, 1999, 3 1-112.
326 Um Projecto de Guerra Perpétua: O Ecofeminismo
"Feminist Legal Methods", Harvard Law Review, 103 (1990), 829ss.; Littleton, Christine
A., "Feminist Jurisprudence: The Difference Method Makes", Stanford Law Review, 41
(1989), 75 l ss.; MacKinnon, Catharine A., Toward a Feminist Theory of the State, Cam
bridge Mass., Harvard University Press, 1989, 106- 125; Schroeder, Jeanne L., "Abduction
From the Seraglio: Feminist Methodologies and the Logic of lmagination", Texas Law
Review, 10 (199 1), 109ss..
922 Cfr. Midgley, Mary, Animais and Why They Matter, Harmondsworth, Penguin,
1983, 61-64; Kheel, Marti, "The Liberation of Nature: A Circular Affair", in Donovan, J.
& C.J. Adams (orgs.), Beyond Animal Rights . . ., cit., 17-22.
923 Cfr. Bekoff, M., "What is a «Scale of Life?»", cit., 253-256.
924 Cfr. Singer, P., "Utilitarianism and Vegetarianism", cit., 327.
925 Cfr. Birke, Lynda, "Exploring the Boundaries: Feminism, Animals and Science",
in Adams, C.J. & J. Donovan (orgs.), Animais and Women . . ., cit., 49ss .. Veja-se passagens
similares em: Adams, Carol J., The Sexual Politics of Meat. A Feminist- Vegetarian Criti-
328 Um Projecto de Guerra Perpétua: O Ecofeminismo
cal Theory, New York, Continuum, 1 990; Baker, Steve, The Postmodern Animal, London,
Reaktion Books, 2000; Noske, Barbara, Beyond Boundaries: Humans and Animais, Mon
treal, Black Rose Books, 1 997 ; Plumwood, V., Feminism . .., cit., passim.
92 6 Cfr. Adams, C .J . , Neither Man nor Beast. . . , cit., 79; Lacroix, Charlotte A ., "Ano
ther Weapon for Combating Family Violence: Prevention of Animal Abuse", Animal Law,
4 ( 1 998), 33ss ..
927 Cfr. Kappeler, Susanne, "Speciesism, Racism, Nationalism . . . or the Power of
Scientific Subjectivity", in Adams, C.J. & J. Donovan (orgs.), Animais and Women. . ., cit., 324.
928 Cfr. Kelch, T.G ., "Toward a Non-Property Status .. .", cit., 574-577.
92 9 Cfr. Adams, C .J ., Neither Man nor Beast... , cit., 1 38; Donovan, J., "Animal
Rights and Feminist Theory", cit., 365 ; Birke, Lynda I.A., Feminism, Animais and Science.
The Naming of the Shrew, Buckingham, Open University Press, 1 994, 1 35 .
A Hora dos Direitos dos Animais 329
93 0 Cfr. Vance, Linda, "Beyond Just-So Stories: Narrative, Animais, and Ethics", e
Luke, Brian, "Taming Ourselves or Going Fera]? Toward a Nonpatriarchal Metaethic of
Animal Liberation", ambos in Adams, C.J. & J. Donovan (orgs.), Animais and Women . . .,
cit., 165, 175, 18 1- 183, 3 12-3 15.
93 1 Cfr . Slicer, Deborah, "Obligations to Animais Are Not Necessarily Based on
Rights", Journal of Agricultura/ and Environmental Ethics, 8 (1995), 16 1- 1 70; Plumwood,
V., "Integrating... ", cit., 285-322.
932 Cfr. Adams, C.J. (org.), Ecofeminism and the Sacred, cit., passim.
933 Cfr. Birke, Lynda, "Animal Rights: Ecofeminists' Perspectives", in Bekoff, M. &
C.A. Meaney (orgs.), Encyclopedia of Animal Rights . . ., cit ., 48-49; Twine, R.T.,
"Ma(r)king Essence... ", cit., 31-58.
330 Um Projecto de Guerra Perpétua: O Ecofeminismo
934 Veja-se um exemplo em Houde, L.J . & C. Bullis, "Ecofeminist Pedagogy . . . ", cit.,
143-174; Simons, J., "The Longest Revolution . . . ", cit. , 483-497; eiusdem, Animal Rights
and the Politics of Literary Representation, New York, Palgrave, 2001.
935 Acusando ambas as formas radicais de serem manifestações de uma misantropia
degenerada, cfr. Fox, Warwick, "The Deep Ecology-Ecofeminism Debate and Its Paral
lels", Environmental Ethics, 11 (1989), 5-25.
936 Cfr. Lind, Mareia, "Hume and Moral Emotions", in Flanagan, Owen & Amelie
Oksenberg Rorty (orgs.), ldentity, Character, and Morality. Essays in Moral Psychology,
Cambridge Mass., MIT Press, 1990, 133ss.; Luke, Brian, "Justice, Caring, and Animal
Liberation", in Donovan, J. & C.J. Adams (orgs.), Beyond Animal Rights. . . , cit., 82-86;
Warren, K.J., "The Power . . . ", cit., 125ss . .
937 Cfr. Araújo, F., Adam Smith ... , cit., 998ss . .
A Hora dos Direitos dos Animais 33 1
93 8 Cfr. Adams, C.J., Neither Man nor Beast . . . , cit., 12; Birke, L.I.A ., Feminism,
Animais and Science . . . , cit., 1 44. Veja-se também o trabalho pioneiro, e largamente entu
siástico, de Haraway, Donna J., "Primatology Is Politics by Other Means", in Bleier, Ruth
(org.), Feminist Approaches to Science, New York, Pergamon, 1 986, 77- 1 1 8 .
939 Cfr. Birke, LI .A., Feminism, Animais and Science. . . , cit., 1 46.
940 Cfr. Tester, K., Animais and Society . . . , cit., 77, 1 94- 1 95.
94 1 Veja-se a crítica a estas posições em Baker, S ., Picturing the Beast .... , cit., 212-217.
332 Um Projecto de Guerra Perpétua: O Ecofeminismo
942 Cfr. Regan, Tom, "Obligations to Animais are Based on Rights: Individual Rights
Are Not Grounded in Prejudice", Journal of Agricultura[ and Environmental Ethics, 8
(1995), 171-180.
943 Já Samuel Pufendorf, no De Jure Naturae et Genti�"m (1672), insistia que a guerra
da espécie humana contra os não-humanos se distingue das guerras entre humanos pelo
facto dequela, ao contrário destas, ser universal, perpétua e irrestrita, distinguindo-se tam
bém pelo seu carácter inteiramente desnecessário e desigual, o que para Pufendorf consti
tuiria um dano para o todo da sociedade e até uma afronta ao Criador - cfr. Burgat, Flo
rence, "Les Habits de la Cruauté", in Cyrulnik, B. (org.), Si les Lions ..., cit., 1231-1232.
944 Cfr. Dixon, B.A., "Toe Ferninist Connection... ", cit., 181-194. Contra: Gaard, G., "Wo
men, Animais... ", cit., 439-441, e Gruen, L., "On the Oppression ... ", cit., 441-444, que acusam
Beth Dixon de não perceber as ligações simbólicas que existem entre as duas classes de vítimas
da opressão patriarcal, e de não abarcar na sua análise o carácter problemático da demarcação
entre humanos e não-humanos, o qual denotaria já por si mesmo a vontade opressiva, numa es
pécie de «deslizamento categórico» entre dois tipos de opressão. Cfr. ainda: Dixon, Beth A., "On
Women and Animais: A Reply to Gruen and Gaard", Environmental Ethics, 20 (1998), 221-222.
945 Num novo ataque às posições de Beth Dixon, insistindo em que existe um qua-
A Hora dos Direitos dos Animais 333
dro geral de vontade de domínio e uma comunidade emotiva entre oprimidos, infiltrados já
nas categorias do entendimento e nas próprias formas de legitimação moral e política, cfr.
Crittenden, C., "Subordinate ... ", cit., 247-263; e, mais genericamente, Warren, K .J., Ecofe
minist Philosophy..., cit., passim.
27. Uma Síntese das Teses em Confronto
a) visão cristã:
946 Cfr. Regan, T. & P. Singer (orgs.), Animal Rights and Human Obligations, cit., 4-12.
336 Uma Síntese das Teses em Confronto
b) tese cartesiana:
e) tese kantiana:
d) visão contratualista:
947 lbid., 1 3 - 1 9 .
A Hora dos Direitos dos Animais 337
directa dos respectivos interesses, interesses que são, de uma forma qual
quer, «percebidos» por esses seres vivos, sendo pois experimentada tam
bém, de uma forma axiologicamente significativa, a lesão desses interes
ses (sendo perceptíveis graus de satisfação e insatisfação, de segurança e
ansiedade, no comportamento exteriorizado por esses animais).
Entre os argumentos que têm sido usados em apoio desta variante
inegualitária das teses directas, destacam-se aqueles que sustentam que é
exclusivo da espécie humana:
a) a consciência autónoma e reflexiva, alegando alguns que esses
são requisitos imprescindíveis para um estatuto moral pleno;
b) a intencionalidade moral, que confere aos actos humanos uma
dimensão nuancée que escapa à previsibilidade de simples reac
ções mais ou menos mecânicas e instintivas - permitindo a sedi
mentação de uma «personalidade moral» através do uso da liber
dade de acção;
e) a pertença a uma comunidade moral, que seria requisito necessá
rio à consagração de verdadeiros deveres e direitos, pois é só num
contexto de reciprocidade generalizada e de consciência racional
dos termos da interdependência que se afigura possível (e rele
vante) enunciar abstractamente esses direitos e deveres;
d) a personalidade jurídica: se entendermos que o conceito de direito
(subjectivo) pressupõe o de dever (de respeito pelos direitos
alheios), então deveríamos restringir o reconhecimento de direitos
a entes capazes de assumirem deveres em contrapartida daqueles
direitos, capazes de se integrarem numa comunidade regida por
princípios de reciprocidade e capaz de discernir formas legítimas
e ilegítimas de prossecução de interesses próprios no seio dessa
comunidade. Mais ainda, como o conceito de dever não postula o
de direito, não seria necessário reconhecermos direitos aos ani
mais para assumirmos deveres para com eles (embora se reco
nheça que a «linguagem dos direitos» reforça a protecção subjec
tiva dos interesses, conferindo ao titular desses interesses uma
identidade e uma sede de imputação de pretensões legítimas, que
não podem ser violadas em total impunidade). Em todo o caso,
como o conceito de direito é uma criação cultural convencional,
não nos é vedado concebermos que o único requisito para o reco
nhecimento de direitos é a constatação de um esforço de prosse
cução de interesses próprios «cristalizado» na permanência de
A Hora dos Direitos dos Animais 339
950 Cfr. Feinberg, Joel, "The Rights of Animais and Unbom Generations", in Blacks
tone, W.T. (org.), Philosophy & Environmental Crisis, cit . , 43-68.
340 Uma Síntese das Teses em Confronto
95 1 Burgat, Florence, Animal Mon Prochain (1997), cit. in Cyrulnik, B . (org.), Si les
Lions ..., cit., 915.
95 2 Rorty, R., Contingency . . ., cit., 198.
342 Exortação: O Desafio de uma Bioética «Descentrada»
espécies e dos indivíduos - sendo tão razoável esperar de uma zebra que
partilhe dos processos mentais humanos como o seria esperar que 0
homem tivesse a pele listrada953.
Se pensarmos melhor, conviremos que o que há de mais admirável no
comportamento dos não-humanos deriva habitualmente de aptidões que
nada têm a ver com o uso deliberado da razão ou com o âmbito da cons
ciência tal como os humanos a percebem - e diminui-se quando se con
fina à imitação da conduta humana. Mesmo o facto de muitas das posições
teriofílicas se centrarem na apologia da inteligência animal, sem prestarem
atenção à estupidez que o comportamento reactivo e adaptativo dos não
humanos possa ocasionalmente demonstrar, denota a vontade antropocên
trica de valorizar nos animais aquilo que mais pode assemelhá-los aos
humanos - e aquilo que, por ironia, mais irremediavelmente os inferio
riza954. Isso parece especialmente nítido na prefiguração de «estados de
consciência», de «intencionalidade», como causas eficientes da conduta
animal, quando muita dessa conduta pode ser explicada por processos psi
cológicos e fisiológicos que dispensam prefigurações de subjectividade
para serem eficientes - como os próprios seres humanos aprenderam a
dispensá-las na descrição de iterações algorítmicas em que é decomponí
vel muita da «inteligência» reactiva e adaptativa tanto dos seres humanos
como dos não-humanos e das próprias máquinas955 .
Com efeito, a forma de processamento mecânico de dados que hoje
predomina no universo informático não deriva directamente do protótipo
do silogismo aristotélico nem está dependente, como este, de uma lingua
gem articulada e expressiva, antes emerge de sequências de manipulação
simbólica que não está dependente do alcance semântico de cada passo
intermédio - e por isso é capaz de chegar à mesma eficiência racional que
era alcançável através do silogismo em linguagem natural, ou até de ultra
passá-la, liberto que está das ambiguidades que são susceptíveis de inter
ferir no raciocínio silogístico95 6. Ora a dispensa dessa conotação semân-
953 O argumento surge em Budiansky, S., lf a Lion Could Talk. .., cit., xiii.
954 Thomdike, Edward L., Animal lntelligence, New York, Macmillan, 1911, 22-25.
955 Como vimos, tem-se designado por vezes como «cânone de Morgan» esse prin-
cípio de parcimónia analítica que dispensa atribuições psicológicas sofisticadas para expli
car comportamentos simples - cfr. Morgan, C. Lloyd, An lntroduction to Comparative
Psychology, London, W. Scott, 1894, 242-259.
956 Cfr. Gardner, Howard, The Mind's New Science. A History of the Cognitive Revo
lution, New York, Basic Books, 1987, 16ss..
A Hora dos Direitos dos Animais 343
957 É a pergunta que se faz MacPhail, Euan, "Cognitive Function in Mammals: The
Evolutionary Perspective", Cognitive Brain Research, 3 ( 1996), 280.
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96 1 Os nomes das coisas são também um veículo «libertador», na medida em que nos
permitem libertar-nos do infantil «fascínio com as coisas», substituindo-o pela manipula
ção simbólica e pela reconstrução referencial puramente alusiva - como se sublinha em
Thom, René, Esquisse d'une Sémiophysique, Paris, InterÊditions, 1988, 274.
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