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ELAINE CRISTINA PIOVEZAN FIUZA

RGM 219.889

O DIREITO DOS ANIMAIS À PROTEÇÃO JURÍDICA

BACHARELADO EM DIREITO

UNIVERSIDADE BRAZ CUBAS


MOGI DAS CRUZES
2012
ELAINE CRISTINA PIOVEZAN FIUZA
RGM 219.889

O DIREITO DOS ANIMAIS À PROTEÇÃO JURÍDICA

Monografia apresentada à banca


examinadora da Faculdade de Direito
da Universidade Braz Cubas, como
exigência parcial para obtenção do
grau de Bacharel em Direito, sob a
orientação da professora Bruna
Angotti.

UNIVERSIDADE BRAZ CUBAS


MOGI DAS CRUZES - SP
2012
ELAINE CRISTINA PIOVEZAN FIUZA
RGM 219.889

O DIREITO DOS ANIMAIS À PROTEÇÃO JURÍDICA

Monografia apresentada à banca examinadora da Faculdade de


Direito da Universidade Braz Cubas, como exigência parcial para
obtenção do grau de Bacharel em Direito, sob a orientação da
professora Bruna Angotti.

Aprovada em _____ de ________________ de 2012.

Banca Examinadora:

ORIENTADOR: _________________________________________________________

MEMBRO: _____________________________________________________________

MEMBRO:______________________________________________________________

UNIVERSIDADE BRAZ CUBAS


MOGI DAS CRUZES - SP
2012
Dedico este trabalho

Aos meus pais, a meus dois amores, meu marido e minha linda filha

Loren,

a meus colegas de classe Adriana, Renata, Paulo,Tacidi e Tuany,

pelos quais tenho muito consideração e apreço e que se tornaram meus

verdadeiros amigos nesta jornada acadêmica.


Agradeço a meu marido, que sempre me amou, me

compreendeu e me apoiou. E a quem eu amarei por toda a minha vida.

A todos os professores do Curso de Direito da

Universidade Braz Cubas, que contribuíram para a minha

graduação e, em especial, à professora Bruna Angotti, que

me orientou neste trabalho, bem como aos membros da

banca examinadora.
“Enquanto tratarmos os animais como coisas ou
objetos para mero consumo, continuaremos sendo um
país subdesenvolvido. A grandeza de uma nação pode
ser julgada pelo modo que seus animais são tratados”.
Mahatma Gandhi
1

SUMÁRIO

DIREITO DOS ANIMAIS À PROTEÇÃO JURÍDICA

1. INTRODUÇÃO
a. MEIO AMBIENTE
i. CONCEITO
b. A FAUNA E A FLORA E SUA PROTEÇÃO JURÍDICA
i. Conceito de fauna dos crimes contra a fauna da Lei. 9.605/98
ii. O objeto jurídico nos crimes contra a fauna
iii. O objeto material nos crimes contra a fauna
c. OS ANIMAIS
i. CONCEITO
ii. ANIMAIS SILVESTRES
iii. ANIMAIS DOMESTICADOS
iv. ANIMAIS DOMÉSTICOS
d. CRUELDADE CONTRA ANIMAIS – VER VEJA EDIÇÃO 1281 P 24
e. DIREITOS DOS ANIMAIS DOMÉSTICOS
f. A PROTEÇÃO JURÍDICA AOS ANIMAIS DOMÉSTICOS
g. PROTEÇÃO CIVIL
h. PROTEÇÃO PENAL
2. LEGISLAÇÃO BRASILEIRA
a. ANTECEDENTES HISTÓRICOS
b. O DIREITO A PARTIR DO GOVERNO GETÚLIO VARGAS
c. A LCP
d. A MODIFICAÇÃO DE CONTRAVENÇÃO PENAL PARA CRIME
e. A LEI 9.605/98
i. COMPARATIVO DA LEI PARA OS ANIMAIS SILVESTRES E DOMÉSTICOS
ii. O ART. 32 CC § 2º DA LEI 9.605/98
iii. A LEGISLAÇÃO É BRANDA
iv. A NECESSIDADE DE EQUIPARAÇÃO DA PROTEÇÃO JURÍDICA AOS
ANIMAIS SILVESTRES E DOMÉSTICOS
3. LEGISLAÇÃO ESTRANGEIRA
a. A DECLARAÇÃO UNIVERSAL DOS DIREITOS DOS ANIMAIS (UNESCO,
1978)
b. DIREITOS DOS ANIMAIS NOUTROS PAÍSES
i. NA EUROPA – ver
http://www.egov.ufsc.br/portal/sites/default/files/anexos/33134-41848-
1-PB.pdf
ii. NOS ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA – VER VEJA ED. 1281 P 24
4. JURISPRUDÊNCIA – VER TJSP E STJ
2

DIREITO DOS ANIMAIS À PROTEÇÃO JURÍDICA

INTRODUÇÃO..................................................................................................... 1

1. LEGISLAÇÃO BRASILEIRA........................................................................ 5

1.1 Conceito de fauna dos crimes contra a fauna da Lei. 9.605/98................ 5

1.2 O objeto jurídico nos crimes contra a fauna.............................................. 7

1.3 O objeto material nos crimes contra a fauna.............................................13

1.4 Legislação Estrangeira..............................................................................14

1.4.............................................................................................................16

1.4.2 .........................................................................................................19

2. DEBATES SOBRE OS DIREITOS DOS ANIMAIS..........................................36

2.1 Conceito....................................................................................................36

2.2 Origem.......................................................................................................38

2.3 Pressupostos e Antecedentes da Lei nº. 8.072, de 25 de julho de 1990. 40

2.4 Classificação dos Crimes Hediondos.......................................................41

2.4.1 Homicídio Simples, quando praticado em Atividade Típica de

Grupo de Extermínio, e Homicídio Qualificado................................

42

qualificadas.....................................................................................46

2.5 Dos Crimes Equiparados ou Assemelhados.................................52

2.5.1 Da Prática de Tortura.......................................................................53


3

2.5.2 Do Tráfico Ilícito de Entorpecentes e Drogas Afins.........................55

3. POSICIONAMENTO JURISPRUDENCIAL OU ANÁLISE DE CASO............

63

3.1 ............................................................Da Proibição do Regime Progressivo e o Princípio

Individualização da Pena........................................................................... 63

3.2 Da Declaração da Inconstitucionalidade da antiga redação do parágrafo

1º do artigo 2º da Lei dos Crimes Hediondos..........................................65

3.3 O Advento da Lei nº. 11.464, de 28 de março de 2007............................72

3.3.1 A Questão da Retroatividade do Novo Dispositivo Legal...............75

3.3.2 Da Questão da Reincidência..........................................................79

3.3.3 A Imperiosidade do Regime Inicial Fechado..................................83

CONCLUSÃO.......................................................................................................92

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.....................................................................96

INTRODUÇÃO

Historicamente, os animais sempre foram como coisa, uma utilidade para a satisfação das
necessidades humanas.
4

É da Bíblia as mais conhecidas citações que colocam os animais como objeto destinado ao
deleite e apossamento pelo homem. No Livro do Gênesis, está descrito como, no sexto dia da
Semana da Criação, Deus criou o céu, a terra, os animais e o homem.

“Deus fez os animais selvagens segundo a sua espécie, os animais domésticos igualmente,
e da mesma forma todos os animais, que se arrastam sobre a terra. E Deus viu que isso era bom
(Gênesis 1,25).

Interessante notar que pela sequência das passagens bíblicas, o homem sobreveio aos
animais, criados no quinto dia visto que no sexto dia Deus disse: “Façamos o homem à nossa
imagem e semelhança. Que ele reine sobre os peixes do mar, sobre as aves dos céus, sobre os
animais domésticos e sobre toda a terra, e sobre todos os répteis que se arrastem sobre a terra"
(Gênesis, 1,26).

Desta forma, Deus criou e colocou o homem, feito à sua imagem e semelhança, no centro
das coisas existentes.

Desde esses tempos imemoráveis até os dias modernos prevalece a visão antropocêntrica
da criação, o homem como o centro das coisas, reinando sobre os mundos mineral, animal e
vegetal.

A cultura humana, oriental e ocidental, portanto, partiu dessa premissa indelével,


inexpugnável, e tem se sustentado no decorrer dos milênios, das civilizações.

Portanto, não há de se supor que esse modo de ver do homem em relação aos animais se
desfaça de um momento para o outro.

Entretanto, no decorrer do avanço das civilizações, esse conceito humano da supremacia


foi se vergando ao peso da realidade prática, demonstrando que preconceitos, ou dogmas, sejam
religiosos, filosóficos, políticos e sociais, invariavelmente acabam por sucumbirem ante as forças
naturais.

Deste modo, as crenças geocêntrica e antropocêntrica não mais se sustentam ante os


avanços da ciência e da obtenção do conhecimento, pelo homem, da necessidade de equilíbrio entre
as espécies, onde o mundo é visto a partir de um contexto maior da necessidade de coexistência
entre os homens e destes em relação aos animais, visando a preservação das espécies como um
todo.

O rompimento das barreiras pelo conhecimento e, modernamente, a supremacia dos


diversos ramos da ciência nas sociedades, passaram a inserir o ser humano num contexto maior, o
do meio ambiente, aproximando-o do mundo animal, assim entendido o conjunto de todos os seres
viventes como integrantes da natureza, tendo em conta o fato de que o esgotamento dos recursos
naturais atenta contra a sobrevivência das espécies e, por consequência, do próprio homem.

De propriedade por desígnio divino, os animais passaram à propriedade humana por direito
(res, bens, coisas).
5

Essa visão sistêmica do mundo dos seres vivos reclama que os animais passem a ser vistos
não como coisa, nem propriedade, estatal ou do povo, mas, sim, como seres por si só possuidores
de direitos à vida, à sadia integridade física e ao bem-estar, porquanto são tão importantes como o
homem na busca da preservação do próprio planeta Terra.

Por esse aspecto, ainda admitida a possibilidade de subjugação de uma espécie pela outra
em busca da sobrevivência (instinto natural da fome), mas sendo o homem portador de recursos
intelectuais e de criação mais avançados em relação aos animais, é de se exigir uma conduta
humana mais próxima da manifestada pelos animais na natureza, em que os mesmos caçam e
subjugam os demais para satisfação da fome e quando o outro põe em risco a sua própria
sobrevivência.

Assim, restaria a intervenção humana no mundo dos chamados animais irracionais somente para
satisfação da própria fome e para o deleite visual. Tais atividades seriam limitadas em função da
mencionada necessidade de preservação das espécies como um todo e da mínima intervenção
humana no mundo animal, exatamente quando o aumento do número de uma (a espécie humana)
ponha em risco a manutenção da outra.

A atual visão doutrinária e jurisprudencial sobre o tema da proteção jurídica

dos animais parece se situar aquém dos princípios constitucionais trazidos pela

Constituição de 1.988. A referida Carta contém importantes conceitos acerca do

meio ambiente “equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia

qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de

defendê-lo e preservá-lo”. Há no texto constitucional inúmeras alusões à

necessidade da proteção legal ao meio ambiente - são nada menos do que

dezenove citações a “meio ambiente”.

Além disso, o inciso VII do § 1º estabelece que, para assegurar a

efetividade do direito preconizado, incumbe ao Poder Público “proteger a fauna e

a flora”, ficando vedadas práticas que “provoquem a extinção de espécies ou

submetam os animais a crueldade”.


6

No direito estrangeiro há previsão de um denominado direito dos animais,

especialmente nos países europeus. No Brasil, doutrinadores (JOSÉ AFONSO

DA SILVA, MAS NÃO ACHEI NO LIVRO) já admitem o reconhecimento da

existência do “Direito dos Animais”.

Desta forma, surge o interesse no estudo do tema, especialmente diante

das já tão novas diretrizes traçadas pela Carta Constitucional de 1.988 sobre a

obrigação imposta ao Estado Brasileiro de proteger os animais contra toda forma

de crueldade.

1. LEGISLAÇÃO BRASILEIRA

No Brasil, foi criado o Decreto nº 24.265 em 1934, no governo de

Getúlio Vargas. Este decreto se equiparou a Lei por ter a mesma força e valor,

proibindo em seu artigo 3º a crueldade e os maus tratos contra os animais.

Continua vigendo em nosso ordenamento salvo pequenas derrogações.

Em 03.10.1941, ainda no governo de Getúlio Vargas, editou-se a Lei

das Contravenções Penais, tipificando em seu artigo 64, contravenção a prática

de crueldade contra animais.

Em 03.01.1967, foi criada a Lei da Proteção à Fauna nº 5197, e em

28.02.1967, o Decreto-Lei 221, também conhecido como Código de Pesca.

Em 1978, foi proclamada a Declaração Universal dos Direitos dos

Animais, pela Assembléia da Unesco, em Bruxelas. O Brasil foi um dos países

subscritores desse documento, porém, não o ratificou para vigir em nosso

ordenamento interno. Desde então demonstrou-se uma maior preocupação com


7

os animais, principalmente frente ao Direito Internacional, aumentando a pressão

sobre a questão dos animais.

Em 1981, foi editada a Lei nº 6.938 estabelecendo a Política

Nacional do Meio Ambiente.

Após o advento da Constituição Federal de 1988 estes passaram a

ser protegidos constitucionalmente em seu título VII, capítulo VI, artigo 225, e

independente de pertencerem a fauna brasileira ou não, possuem uma

sustentação da Carta Magna, pois qualquer situação jurídica deve aceitar os

preceitos constitucionais.

E por fim, em 1988, criou-se a Lei 9.605 estabelecendo sanções

administrativas, penais e, onde encontramos no capítulo V, seção I, Dos Crimes

contra a Fauna, nos artigos 29 à 37, condutas típicas de maus tratos a animais.

Nosso estudo se dirigirá à partir de 1988, com ênfase principalmente

na Lei Federal supra citada de 1998, com pequenas citações sobre Leis

anteriores para que possamos entender o que está acontecendo na atualidade.

1.1 CONCEITO DE FAUNA E DE ANIMAIS NOS CRIMES

CONTRA A FAUNA DA LEI 9.605/98


8

Os crimes contra a fauna são definidos na Lei 9.605, de 12.02.98,

que segundo os comentaristas, em geral, repetem afirmações que se tornaram

defasadas diante da Constituição Brasileira de 1988 e da evolução do

conhecimento científico.

1.2 O OBJETO JURÍDICO NOS CRIMES CONTRA A FAUNA

Nos crimes reunidos na Seção I do Capítulo V, o objetivo jurídico ou

bem jurídico tutelado não é propriamente a fauna, mas a função ecológica. De

acordo com o mandamento constitucional devem ser sancionadas, administrativa

e penalmente, “as práticas que coloquem em risco a sua função ecológica (da

fauna e da flora), provoquem a extinção de espécies ou submetem os animais a

crueldade” (art. 225,§ 1º, VII c.c § 3º). Este o bem jurídico principal. Tanto é que o

Capítulo é intitulado “dos crimes contra o meio ambiente”. Difere do bem jurídico

tutelado pela Lei 5.197, de 03.01.67, que anteriormente dispunha sobre crimes

contra a fauna. Portanto, corretamente observam SÉGUIN E CARRERA (1999, p.

129) que a nova lei introduziu no ordenamento jurídico brasileiro, em relação à

tutela penal da fauna, novas concepções, seguindo os ditames da Convenção da

diversidade biológica, acolhendo as relações entre as espécies e seus sistemas

naturais.

São identificáveis ainda outros bens jurídicos secundários, tais como

o respeito devido aos animais que, na hipótese do art. 32, é o bem jurídico
9

prevalente. Neste aspecto, necessário rever a doutrina predominante 1, segundo a

qual os animais não podem ser sujeitos passivos de crime, mas seus proprietários

ou a coletividade, tendo em vista a Declaração Universal dos Direitos dos

Animais, proclamada na Assembléia da UNESCO, em Bruxelas, em 27.01.78, e

subscrita pelo Brasil (LEVAI, 1998, p. 21).

Dos 14 arts., destaco o art. 2º: “a) Cada animal tem direito ao

respeito; b) O homem, enquanto espécie animal, não pode atribuir-se o direito de

exterminar os outros animais ou explorá-los, violando esse direito. Ele tem o

dever de colocar a sua consciência a serviço dos outros animais; c) Cada animal

tem o direito à consideração, à cura e a proteção do homem”.

1.3 O OBJETO MATERIAL NOS CRIMES CONTRA A FAUNA

Nos crimes contra a fauna há sempre um objeto material, que é a

fauna, com maior ou menor especificação. Assim, no art. 29, caput, são os

espécimes da fauna silvestre, nativos ou em rota migratória; no art. 29, § 1º, I, a

fauna; no art. 29, § 1º, II, o ninho, abrigo ou criadouro natural; no art. 29, § 1º, III,

os ovos, larvas ou espécimes da fauna silvestre, nativa ou em rota migratória,

bem como produtos e objetos dela oriundos; no art. 29, § 4º, I, a espécie rara ou

considerada ameaçada de extinção; no art. 30, peles e couros de anfíbios e

répteis; no art. 31, espécime animal exótico; no art. 32, animais silvestres,

domésticos ou domesticados, nativos ou exóticos; no art. 32, § 1º, animal vivo; no

1
MIRABETE, Júlio Fabbrini; FABBRINI, Renato N. Manual de Direito Penal, volume 1: parte
geral,
arts. 1º a 120 do CP. 24ª ed. rev. e atual. até 31 de dezembro de 2006. São Paulo: Atlas, 2008,
p. 244-245.
10

art. 33, espécimes da fauna aquática; no art. 33, parágrafo único, I, viveiros,

açudes ou estações aquicultura de domínio público; no art. 33, parágrafo único, II,

campos naturais de invertebrados aquáticos e algas; no art. 33, parágrafo único,

III, bancos de moluscos e corais; no art. 34, I, II, III, c.c. art. 36, espécimes dos

grupos de peixes, crustáceos, moluscos e vegetais hidróbios.

Artigo 32, caput, da Lei 9.605/98 de Crimes Ambientais prevê a

figura dos maus-tratos a animais silvestres, domésticos ou domesticados, nativos

ou exóticos. Este artigo revogou de forma tácita a contravenção de crueldade

contra animais insculpida no art. 64 da Lei de Contravenções Penais.

CONCEITO DE FAUNA DOMÉSTICA

Os animais domésticos podem ser igualmente objeto material de

crimes contra a fauna. Assim, no art. 31 (“Introduzir espécime animal no País,

sem parecer técnico oficial favorável e licença expedida por autoridade

competente”); no art. 32 (“Praticar ato de abuso, maus-tratos, ferir ou mutilar

animais”); no art. 32, § 1º (“realizar experiências dolorosa ou cruel em animal vivo,

ainda que para fins didáticos ou científicos, quando existirem recursos

alternativos”).

Chamam-se animais domésticos os que o homem domesticou, e dos

quais serve habitualmente. Sobrevivem não por suas próprias condições, mas

pelas condições oferecidas pelo homem. De acordo com a Portaria IBAMA 93/98,

são todos aqueles animais que, através de processos tradicionais e

sistematizados de manejo e/ou melhoramento zootécnico, tornaram-se

domésticos, apresentando características biológicas e comportamentais em


11

estreita dependência do homem, podendo apresentar fenótipo variável, diferente

da espécie silvestre que os originou (art. 2º, III).

O cão é um lobo amansado, primeiro animal doméstico entre

quantos passaram a sê-lo no decorrer dos séculos. A domesticação ocorreu há

aproximadamente doze mil anos, contemporaneamente em quase todas as partes

da Terra (POUGNETTI, 1980, p.8).

Analisaremos algumas condutas que poderiam configurar o delito

previsto no art 32 da Lei 9.605/98 e que são aceitas pela sociedade como

manifestação popular de cunho cultural ou com finalidade científica, bem como ,

como fim de mero entreterimento.

Vivissecção – Experiências dolorosas.

Segundo Edna Cardoso Dias, a vivissecção pode ser conceituada

como “a realização de experiências dolorosas em animal vivo, consistente no uso

de seres vivos, principalmente animais, para o estudo de processos da vida e de

doenças, e todo tipo de testes e experimentos”.


12

Por fim, podemos observar que a evolução da pena através dos

tempos sempre buscou a punição do indivíduo, possuindo caráter

predominantemente de castigo, apesar dos esforços para defesa dos direitos

humanos.
13

1.3 DAS PENAS PRIVATIVAS DE LIBERDADE

Embora esteja claro que o nosso sistema prisional está falido, as

penas privativas de liberdade continuam sendo as mais aplicadas na seara penal.

Portanto, esse tipo de pena é o que mais interessa ao nosso trabalho.

A pena privativa de liberdade consiste na limitação do condenado

em sua locomoção, pois ela restringe o direito de ir e vir do condenado,

atribuindo-lhe um determinado tipo de prisão.

São três os tipos de penas privativas de liberdade: reclusão,

detenção e prisão simples.

Dispõe o nosso Código Penal, em seu artigo 33 e parágrafos, que

a pena de reclusão deve ser cumprida em regime fechado, semiaberto ou aberto.

A de detenção, em regime semiaberto, ou aberto, salvo necessidade de

transferência a regime fechado.

Sobre a prisão simples, ela está prevista no artigo 5º, inciso I, do

Decreto-Lei nº 3.688, de 03 de outubro de 1941 (Lei das Contravenções Penais),

e deve ser cumprida, sem rigor penitenciário, em estabelecimento especial ou

seção especial de prisão comum, em regime semiaberto ou aberto.


14

Como bem anotado por MIRABETE2, não obstante a tendência

moderna de abolir a diversidade de espécies de penas privativas de liberdade, na

reforma penal de 1984 manteve-se no Código Penal a distinção entre reclusão e

detenção, que, porém, é puramente formal no que diz respeito à execução, com a

única exceção de não se possibilitar, na pena de detenção, o regime inicial

fechado, permitindo-se, porém, a regressão a tal regime nos termos do artigo 118

da Lei das Execuções Penais.

1.4 A EXECUÇÃO PENAL NO BRASIL

Conforme dispõe o artigo 1º, da Lei nº. 7.210/84, a execução penal

tem por objetivo efetivar as disposições de sentença ou decisão criminal e

proporcionar condições para a harmônica integração social do condenado e do

internado.

NUCCI3 define Execução Penal como a fase do processo penal onde

se realiza efetivamente a pretensão punitiva do Estado concretizada na sentença

condenatória com trânsito em julgado, impondo-se pena privativa de liberdade,

pena restritiva de direitos ou pecuniária. Possui natureza jurisdicional, mas

também, subsidiariamente, administrativa, tornando-se atividade estatal

complexa.

2
MIRABETE, Júlio Fabbrini; FABBRINI, Renato N. Código Penal Interpretado. 6ª Edição. São
Paulo: Atlas, 2007, p. 313.
3
NUCCI, Guilherme de Souza. Manual Processo Penal e Execução Penal. 6ª ed. rev., atual. e
amp. - São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2010, p. 1040.
15

RENATO MARCÃO4 pondera que “constitui pressuposto da

execução a existência de sentença criminal que tenha aplicado pena, privativa de

liberdade ou não, ou medida de segurança, consistente em tratamento

ambulatorial ou internação em hospital de custódia e tratamento psiquiátrico”.

Segundo o autor supramencionado, visa-se pela execução fazer

cumprir o comando emergente da sentença penal condenatória ou absolutória

imprópria, estando sujeitas à execução, também, as decisões que homologam

transação penal em sede de Juizado Especial Criminal.

Ele ainda nos ensina que a execução penal deve objetivar a

integração social do condenado ou do internado, já que adotada a teoria mista ou

eclética, segundo a qual a natureza retributiva da pena não busca apenas a

prevenção, mas também a humanização. Objetiva-se, por meio da execução,

punir e humanizar.

A execução penal tem natureza jurisdicional, não obstante a intensa

atividade administrativa que a envolve.

Na Lei de Execuções Penais há vários dispositivos que pendem para

a natureza administrativa da execução, embora a Exposição de Motivos nº. 10 da

referida lei estabeleça, expressamente, que a execução não possui tal natureza.

A execução penal se origina de título decorrente da atividade

jurisdicional no processo de conhecimento. Assim como qualquer outra execução

forçada, a advinda de sentença penal condenatória ou absolutória imprópria só

poderá ser feita pelo Poder Judiciário. Entretanto, seguindo esse entendimento,

4
MARCÃO, Renato. Curso de Execução Penal. 9ª ed. rev., amp. e atual. de acordo com as Leis
n. 12.258/2010 (monitoramento eletrônico) e 12.313/2010 (inclui a Defensoria Pública como
órgão da execução penal. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 31.
16

também na execução penal devem ser observados, dentre outros, os princípios

do contraditório, da ampla defesa, da legalidade, da imparcialidade do juiz, da

proporcionalidade, da razoabilidade e do devido processo legal.

De acordo com o ensinamento de JOSÉ CARLOS GOBBIS

PAGLIUCA5, o processo de execução penal além do caráter administrativo,

possui o caráter jurisdicional, estando afeto ao campo judiciário, revestindo-se,

em razão disso, dos princípios constitucionais do devido processo legal. Daí por

que o procedimento para a solução das lides em sede de execução ser de

natureza judicial, a ser resolvido pelo juízo da execução penal (LEP, art. 194).

Conforme nossa legislação, o processo de execução penal é

independente e autônomo, em relação ao processo de conhecimento. Haja vista

que após a sentença transitada em julgado, o juiz determina a expedição da guia

de recolhimento, conhecida também como “carta de guia”, que será remetida ao

Juízo da Vara das Execuções Penais para a execução da pena.

1.4.1 A EXECUÇÃO PENAL E O ADVENTO DA LEI DOS CRIMES


HEDIONDOS

A Constituição da República Federativa do Brasil, promulgada

em 05 de outubro de 1988, recepcionou a Lei de Execução Penal (Lei nº.

7.210/84).

5
PAGLIUCA, José Carlos Gobbis. Direito Penal: legislação especial e execução penal. 3ª ed.
São
Paulo: Ed. Rideel, 2009, p. 210.
17

O artigo 112, da Lei de Execução Penal, em sua redação

original, assim dizia: “A pena privativa de liberdade será executada em forma

progressiva, com a transferência para regime menos rigoroso, a ser determinada

pelo Juiz, quando o preso tiver cumprido ao menos 1/6 (um sexto) da pena no

regime anterior e seu mérito indicar a progressão”.

Porém, referido artigo sofreu alteração advinda da Lei nº.

10.792/2003, passando a ter a seguinte redação: “A pena privativa de liberdade

será executada em forma progressiva com a transferência para regime menos

rigoroso, a ser determinada pelo juiz, quando o preso tiver cumprido ao menos

um sexto da pena no regime anterior e ostentar bom comportamento carcerário,

comprovado pelo diretor do estabelecimento, respeitadas as normas que vedam a

progressão”.

Entretanto, com a edição da Lei dos Crimes Hediondos – Lei

nº. 8.072, de 25 de julho de 1990 – que veio regulamentar as disposições

constitucionais que preveem os crimes hediondos, alterou de forma substancial a

execução da pena aplicada nas infrações aos crimes considerados hediondos ou

a eles equiparados processualmente.

A lei mencionada no parágrafo anterior sofreu muitas críticas

de diversos autores, uma vez que em seu artigo 2º, parágrafo 1º, estabelecia que

a pena aplicada aos crimes hediondos, a prática de tortura, o tráfico ilícito de

entorpecentes e drogas afins e o terrorismo deveria ser cumprida integralmente

em regime fechado.

Dessa forma, após anos de controvérsias e alegações de

inconstitucionalidade em relação ao que foi mencionado no parágrafo anterior,


18

adveio a Lei nº 11.464, de 28 de março de 2007, que alterou dispositivos da Lei nº

8.072/90, passando a pena aplicada aos crimes previstos no seu artigo 2º, a ser

cumprida inicialmente em regime fechado.

Foi acrescentado também o parágrafo 2º ao referido artigo da

Lei nº. 8.072/90, onde os condenados às penas previstas nos crimes hediondos, a

prática de tortura, o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins e o terrorismo

passaram a ter direito à progressão de regime, após o cumprimento de 2/5 (dois

quintos) da pena, se o apenado for primário, e de 3/5 (três quintos), se

reincidente.

Mas, ainda assim, muito se discutiu em relação à aplicação da

progressão de regime aos referidos crimes. Pois muito se questionava qual

deveria ser a correta lei a condicionar a progressão de regime dos crimes

hediondos praticados antes da entrada em vigor da Lei nº 11.464/07, se o artigo

112, da Lei de Execução Penal ou o parágrafo 2º, do artigo 2º, da Lei dos Crimes

Hediondos.

Segundo ALBERTO SILVA FRANCO6, sobre a matéria acima

se formaram duas correntes:

A primeira corrente entendia ser a Lei 11.464/2007 mais

favorável ao sentenciado, já que anteriormente tinha vigência o regime prisional

integralmente fechado e a decisão do Supremo Tribunal Federal, no Habeas

Corpus 82.959-7, dizia respeito apenas ao caso julgado, não tendo, portanto,

efeito erga omnes.

6
FRANCO, Alberto Silva; LIRA, Rafael; FELIX, Yuri. Crimes Hediondos. 7ª ed. rev. atual. e
amp. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 2010, p. 374.
19

A segunda corrente, parte, por sua vez, de outra perspectiva,

levando-se em conta que o julgamento do Supremo Tribunal Federal, como acima

enfatizado, por força da aplicação, por votação unânime, do artigo 27 da Lei

9.868/99, teve, em verdade, efeito irradiante, aplicando-se a todos os processos

em que ainda fosse possível, em qualquer estágio de desenvolvimento

processual, a progressão de regime. Assim, a partir dessa manifestação da Corte

Suprema admissível, em princípio, a passagem do regime fechado para o

semiaberto, desde que cumprido um sexto (1/6) da pena no regime fechado, de

acordo com o artigo 112 da Lei de Execução Penal.

Nesse sentido é o entendimento do Supremo Tribunal

Federal, in verbis:

EMENTA: - DIREITO PENAL. PROGRESSÃO DE REGIME EM CRIME


HEDIONDO COMETIDO ANTES DA LEI Nº 11.464/07. REQUISITO
TEMPORAL – 1/6 DA PENA. EXISTÊNCIA DE REPERCUSSÃO
GERAL. (STF - RE 579167 RG/AC, Rel. Min. Menezes Direito, j. 03-04-
2008).

Concordo com a segunda corrente, uma vez que reconhecida

a progressão de regime para os crimes hediondos, antes da entrada em vigor da

Lei nº. 11.467/2007, embora a Lei de Crimes Hediondos vedasse a progressão,

os sentenciados passaram a ter direito à progressão, devendo, então, ser

aplicado a eles o previsto no artigo 112, da Lei de Execução Penal, ou seja, o

cumprimento de pelo menos 1/6 (um sexto) da pena para ter sua progressão de

regime para outro mais brando.

1.4.2 ÓRGÃOS DA EXECUÇÃO PENAL


20

São Órgãos da execução penal: O Conselho Nacional de

Política Criminal e Penitenciária, o Juízo da execução, o Ministério Público, o

Conselho Penitenciário, os Departamentos Penitenciários, o Patronato, o

Conselho da Comunidade e a Defensoria Pública.

As funções desses Órgãos estão enumeradas nos artigos 61

a 81-B, da Lei nº. 7.210/84.

A Defensoria Pública só foi incluída entre os Órgãos da

Execução Penal, a partir da Lei nº. 12.313, de 19 de agosto de 2010.

Segundo o que dispõe o artigo 81-A, da Lei nº 7.210/1984, a

Defensoria Pública velará pela regular execução da pena e da medida de

segurança, oficiando, no processo executivo e nos incidentes da execução, para

defesa dos necessitados em todos os graus e instâncias, de forma individual e

coletiva.

O artigo 81-B, da referida Lei, apresenta rol de atividades a

serem desenvolvidas pela Defensoria Pública no curso do processo de execução.

1.5 O SISTEMA PRISIONAL BRASILEIRO

O sistema prisional adotado no Brasil é o progressivo. Há muito

tempo esse sistema acha-se em crise, apesar da evolução que ele teve. Essa
21

evolução se deve à exigência de relatório de comissão formada por servidores do

estabelecimento prisional e da faculdade da realização de exame criminológico.

No Brasil, a pena privativa de liberdade passou a ser a principal

pena aplicada, sendo ela o centro do sistema penal. Daí a necessidade da

melhoria no sistema carcerário.

Os estabelecimentos penais destinam-se ao condenado, ao

submetido à medida de segurança, ao preso provisório e ao egresso. A lei

disciplina algumas exigências, dentre as quais: lotação compatível, fixada pelo

Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária.

Nesse sistema, as mulheres e os maiores de sessenta anos deverão

ser recolhidos separadamente dos homens, em local próprio adequado embora

possa ser integrante de conjunto arquitetônico com outra destinação, desde que

isolado e, no caso da mulher, com berçário para amamentação de filhos até, no

mínimo, seis meses de idade.

No sistema prisional brasileiro, os estabelecimentos penais

compreendem:

a. a penitenciária, destinada ao condenado à reclusão, a ser

cumprida em regime fechado;

b. a colônia agrícola, industrial ou similar, reservada para a

execução da pena de reclusão ou detenção em regime semiaberto;

c. a casa do albergado, prevista para colher os condenados à

pena privativa de liberdade em regime aberto e à pena de limitação de fim de

semana;
22

d. o centro de observação, onde serão realizados os exames

gerais e o criminológico, cujos resultados serão encaminhados à Comissão

Técnica de Classificação;

e. o hospital de custódia e tratamento psiquiátrico;

f. a cadeia pública, onde deverão ser remetidos os presos

provisórios (prisão em flagrante, prisão temporária, prisão preventiva ou em razão

de pronúncia), e os condenados, enquanto não transitar em julgado a sentença.

De uma análise do nosso sistema penitenciário, podemos destacar

que não se trata de locais propícios à ressocialização do indivíduo condenado, e

sim, uma “escola do crime”, onde aqueles criminosos de menor potencial acabam

convivendo em meio a criminosos de alta periculosidade.

Na realidade, sabemos que nesses estabelecimentos penais vigora

a lei do mais forte. A vantagem ao condenado é ser considerado perigoso, e

quanto maior e mais grave o crime cometido por ele, mais ele será respeitado no

convívio carcerário.

1.6 DOS REGIMES PRISIONAIS DE CUMPRIMENTO DE PENA

O regime inicial de cumprimento de pena deve ser fixado na

sentença pelo juiz que a proferir. Esse regime significa a sistemática, a marcha

com que se dará o cumprimento da sanção.

São três os regimes: o fechado, o semiaberto e o aberto.

Nossa legislação estabelece que a pena de reclusão deve ser

cumprida em regime fechado, semiaberto ou aberto. Já a pena de detenção, em


23

regime semiaberto ou aberto, salvo a necessidade de transferência a regime

fechado (artigo 33, caput, do Código Penal).

A Lei Penal brasileira considera o regime fechado a execução da

pena em estabelecimento de segurança máxima ou média; o regime semiaberto o

cumprimento da pena em colônia agrícola, industrial ou estabelecimento similar, e

o regime aberto aquele em que a pena deve ser cumprida em casa de albergado

ou estabelecimento adequado.

Dispõe, ainda, a lei que as penas privativas de liberdade deverão ser

executadas em forma progressiva, observando-se as características e

merecimento de cada condenado, bem como aos critérios legais, com ressalvas

as hipóteses de transferência a regime mais rigoroso.

Sobre as espécies de penas privativas de liberdade, classificadas

como reclusão e detenção, leciona MIRABETE 7 que há uma tendência moderna

em abolir-se a diversidade dessas espécies, e os novos projetos e legislações

têm-se orientado no sentido de unificação do sistema prisional.

Vale ressaltar que não existe a progressão de regime por salto, em

que o condenado que cumpre pena no regime fechado não pode progredir

diretamente para o aberto, antes ele precisa cumprir o lapso temporal de

cumprimento da pena no regime semiaberto. Não se admite em nosso direito a

progressão com a passagem de regime mais rigoroso para o mais brando, sem

estágio no regime intermediário.

7
MIRABETE, Júlio Fabbrini; FABBRINI, Renato N. Manual de Direito Penal, volume 1: parte
geral, arts. 1º a 120 do CP. 24ª ed. rev. e atual. até 31 de dezembro de 2006. São Paulo: Atlas,
2008, p. 252.
24

1.6.1 REGIME FECHADO

O regime fechado deverá ser aplicado ao agente condenado à

pena superior a 08 (oito) anos. Será cumprida em penitenciárias, com sujeição a

trabalho diurno e isolamento noturno. Ressaltando-se que nesse regime, o

condenado será obrigatoriamente submetido, no início do cumprimento da pena, a

exame criminológico de classificação para individualização da execução, que

deverá ser realizado pela Comissão Técnica de Classificação de cada presídio,

após o trânsito em julgado da sentença.

Ensina FLÁVIO AUGUSTO MONTEIRO DE BARROS 8 que, a

rigor, o regime fechado deve ser cumprido em penitenciária afastada do centro

urbano, alojando-se o condenado em cela individual, com área mínima de seis

metros quadrados, que conterá dormitório, aparelho sanitário e lavatório (arts. 88

e 90 da LEP), pois a cadeia pública destina-se ao recolhimento de presos

provisórios (art. 102 da LEP). Todavia, na prática, os presos não ficam em celas

individuais, e as cadeias públicas estão sendo destinadas também a presos

definitivos.

1.6.2 REGIME SEMIABERTO

8
BARROS, Flávio Augusto Monteiro de Barros. Direito Penal, Parte Geral: v. 1. 6ª ed. rev. e
atual. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 455.
25

Poderá iniciar neste regime o agente primário, condenado à

pena superior a 04 (quatro) anos, que não exceda a 08 (oito). Porém, conforme a

Súmula 269 do STJ, é cabível ao reincidente, condenado nesses parâmetros, se

favoráveis às circunstâncias judiciais. A pena será cumprida em colônia agrícola,

industrial ou estabelecimento congênere, alojando-se o condenado em

compartimento coletivo, atentando-se para o limite da capacidade máxima que

atenda aos objetivos de individualização da pena.

Nesse regime, o condenado fica sujeito a trabalho em comum

durante o período diurno, sendo admissível o trabalho externo, bem como a

frequência a cursos supletivos profissionalizantes, de instrução de segundo grau

ou superior.

RENATO MARCÃO9 leciona que, não obstante a literalidade

do texto legal, é notória a falência do regime semiaberto, que pode ser

identificada por diversos fatores. Dentre eles destaca-se a absoluta ausência de

estabelecimentos em número suficiente para o atendimento da demanda. São

inúmeros condenados à pena a ser cumprida no regime inicial semiaberto, porém,

em sede de execução, imperando a ausência de vagas em estabelecimento

adequado, a alternativa tem sido determinar que se aguarde vaga recolhido em

estabelecimento destinado ao regime fechado, em absoluta distorção ao que

dispõe a Lei de Execução Penal.

Tal procedimento evidencia e acarreta flagrante e odiosa

violação de direito assegurado ao executado, em razão da desídia do Estado, que

deveria lhe garantir seus direitos previstos em lei, mas que na verdade são

9
MARCÃO, Renato. Curso de Execução Penal. 9ª ed. rev., amp. e atual. de acordo com as
Leis n. 12.258/2010 (monitoramento eletrônico) e 12.313/2010 (inclui a Defensoria Pública
como órgão da execução penal. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 142.
26

vedados, uma vez que o Estado não disponibiliza vagas suficientes no regime

semiaberto.

O mesmo acontece com aqueles condenados que iniciam o

cumprimento da pena no regime fechado e progredido ao regime semiaberto,

permanecem no fechado, aguardando vaga para sua transferência.

Porém, nos casos acima descritos, assim já decidiu o

Supremo Tribunal Federal, in verbis:

EMENTA: - PENA - CUMPRIMENTO - REGIME SEMIABERTO. Incumbe


ao Estado aparelhar-se visando à observância irrestrita das decisões
judiciais. Se não houver sistema capaz de implicar o cumprimento da
pena em regime semiaberto, dá-se a transformação em aberto e,
inexistente a casa do albergado, a prisão domiciliar. (STF - HC
96169/SP, Rel. Min. Marco Aurélio, j. 25-08-2009).

  Razão assiste à posição sustentada por Renato Marcão, pois,

essa é a realidade do nosso sistema carcerário. Não existem, no Brasil,

estabelecimentos suficientes para o acolhimento dos reeducandos para que

possam cumprir o lapso temporal de sua pena no regime semiaberto. A falência

do sistema carcerário brasileiro é latente e o Poder Público permanece inerte em

relação a isso.

1.6.3 REGIME ABERTO

O condenado terá o início do cumprimento da pena no regime

aberto, quando for primário e a pena a ele aplicada for igual ou inferior a quatro

(04) anos. Porém, caso o crime seja cometido sem violência ou grave ameaça à

pessoa, a pena aplicada poderá ser substituída por restritiva de direito, ou ainda,
27

qualquer quantidade de pena em crime culposo poderá haver substituição por

pena restritiva de direito.

No regime aberto o condenado poderá exercer atividade

externa durante o dia, e recolher-se ao estabelecimento penal durante o período

noturno e dias de folga.

O artigo 93 da Lei de Execução Penal dispõe que a casa do

albergado destina-se ao cumprimento de pena privativa de liberdade, em regime

aberto, e da pena de limitação de fim de semana.

Prosseguindo-se com o artigo 94, da referida lei, temos que o

prédio destinado a casa do albergado deverá situar-se em centro urbano,

separado dos demais estabelecimentos, e caracterizar-se pela ausência de

obstáculos físicos contra a fuga.

Nesse eito, RENATO MARCÃO10, em sua obra “Curso de

Execução Penal”, aponta o lado negativo em relação a esse regime, uma vez que

na realidade não existem estabelecimentos para o cumprimento de pena no

regime aberto, sendo a alternativa encontrada para essa falha do Estado,

consistente na concessão do regime aberto na modalidade domiciliar, o que

contraria a literalidade do dispositivo legal previsto no artigo 117 da Lei de

Execução Penal.

Ressaltando, ainda, que o ideal utópico da lei encontra seu

ápice dentro do tema, no artigo 95, que com regra impositiva determina que “em

10
MARCÃO, Renato. Curso de Execução Penal. 9ª ed. rev., amp. e atual. de acordo com as
Leis n. 12.258/2010 (monitoramento eletrônico) e 12.313/2010 (inclui a Defensoria Pública
como órgão da execução penal. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 144.
28

cada região haverá, pelo menos, uma Casa do Albergado, a qual deverá conter,

além dos aposentos para acomodar os presos, local adequado para cursos e

palestras”, sendo certo, ainda, que o mesmo estabelecimento deverá ter

instalações para os serviços de fiscalização e orientação dos condenados.

Destacamos que estamos de acordo com as lições trazidas

acima por Renato Marcão, visto que há uma falha imensa por parte do Estado em

relação aos estabelecimentos penais, havendo necessidades de melhorias e

novos estabelecimentos para atender a demanda, que deverão ser adequados

aos cumprimentos de cada regime de pena.

No regime aberto, existe a modalidade de prisão-albergue

domiciliar, que não deve ser confundida com a prisão albergue, visto que aquela

se trata de um regime aberto em residência particular, e não em Casa de

Albergado, onde dever ser cumprida a prisão albergue.

Para a modalidade de prisão albergue domiciliar, o artigo 117,

da Lei de Execução Penal, enumera as pessoas condenadas a quem será

admitida tal modalidade.

1.7 REQUISITOS PARA A PROGRESSÃO DE REGIMES

O artigo 112, da Lei de Execução Penal, estabelece que a pena

privativa de liberdade será executada em forma progressiva com a transferência

para regime menos rigoroso, a ser determinada pelo juiz, quando o preso tiver

cumprido ao menos 1/6 (um sexto) da pena no regime anterior e ostentar bom
29

comportamento carcerário, comprovado pelo diretor do estabelecimento,

respeitadas as normas que vedam a progressão. A decisão que conceder a

progressão deverá ser sempre motivada e precedida de manifestação do

Ministério Público e do defensor.

Doutrina e Jurisprudência divergem no tocante ao requisito objetivo

para a progressão de regime. De um lado, o Supremo Tribunal Federal, in verbis:

EMENTA: - "Habeas corpus". Progressão de regime de cumprimento de


pena. Interpretação da parte final ao artigo 112 da Lei de Execução
Penal (Lei 7210, de 11 de julho de 1984). - O calculo de 1/6 da pena a
que, para fins de progressão de regime de seu cumprimento, se refere a
parte final do artigo 112 da Lei de Execução Penal tem como base a
pena imposta na sentença que se esta executando, e não o tempo que
resta da pena. Inadmissibilidade, no caso, de aplicação analógica do
artigo 113 do Código Penal. "Habeas corpus" indeferido. (STF - HC
69.975/RJ, Rel. Min. Moreira Alves, j. 15-12-1992).

Do outro, RENATO MARCÃO11, em sua obra Curso de Execução

Penal, discorda da decisão acima, pois considera pena cumprida como pena

extinta, o que decorre, inclusive, de interpretação que se extrai do artigo 113 do

Código Penal. Entendendo ele que tendo o condenado cumprido um sexto de sua

pena no regime anterior e obtido a progressão de regime, para a nova progressão

deverá cumprir apenas 1/6 (um sexto) da pena restante, e não da pena total

aplicada.

1.8 LIVRAMENTO CONDICIONAL

11
MARCÃO, Renato. Curso de Execução Penal. 9ª ed. rev., amp. e atual. de acordo com as
Leis n. 12.258/2010 (monitoramento eletrônico) e 12.313/2010 (inclui a Defensoria Pública
como órgão da execução penal. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 165.
30

O instituto do livramento condicional tem previsão legal nos artigos

83 a 90 do Código Penal, nos artigos 710 a 733 do Código de Processo Penal e

nos artigos 131 e 146 da Lei de Execução Penal 7.210/84.

Conforme conceitua FLÁVIO AUGUSTO MONTEIRO DE

BARROS12, Livramento Condicional “é a liberdade antecipada, mediante certas

condições, conferida ao condenado que cumpriu uma parte da pena que lhe foi

imposta”.

O conceito de livramento condicional, segundo Mirabete 13,

considerando-se que um dos fins da sanção penal é a readaptação do criminoso,

o sistema ideal deveria fundar-se na imposição de penas indeterminadas,

desnecessária que é e reprimenda quando já se operou a recuperação do

sentenciado. Ressalta ele, que o livramento condicional é um dos institutos que se

orienta para essa indeterminação, por meio da individualização executiva da

pena.

O livramento condicional é a última etapa do sistema penitenciário

progressivo. Entretanto, no Brasil, o condenado, para obtê-lo, não precisa

frequentar os regimes menos rigorosos (semiaberto e aberto).

A concessão do livramento condicional reclama a satisfação de

pressupostos objetivos e subjetivos. Ele poderá ser concedido pelo juiz da

execução, se presentes os requisitos elencados no artigo 83, e respectivos

incisos e parágrafo único do Código Penal, bem como nos artigos 131 a 146 da

Lei de Execução Penal, ouvidos o Ministério Público e o Conselho Penitenciário.


12
BARROS, Flávio Augusto Monteiro de Barros. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2008, p.
577.
13
MIRABETE, Júlio Fabbrini; FABBRINI, Renato N. Manual de Direito Penal, volume 1: parte
geral, arts. 1º a 120 do CP. 24ª ed. rev. e atual. até 31 de dezembro de 2006. São Paulo: Atlas,
2008, p. 346.
31

Entretanto, com o advento da Lei nº. 10.792, de 1º de dezembro de

2003, que deu nova redação a dispositivos da Lei de Execução Penal, foi retirado

do Conselho Penitenciário a atribuição para emitir parecer em pedido de

livramento condicional. Acrescentando, ainda, o § 2º, ao artigo 112, da LEP, onde

cuidou de excluir a necessidade de apuração do mérito do preso por exame

criminológico antecedente à apreciação do pedido de livramento condicional.

O primeiro pressuposto objetivo da concessão do livramento

condicional está relacionado à quantidade da pena imposta, uma vez que a lei

estabelece que a pena privativa de liberdade aplicada ao condenado deve ser

igual ou superior a 02 (dois) anos, para que ele faça jus ao benefício. As penas

que correspondam a infrações diversas deverão ser somadas para efeito do

livramento.

O segundo pressuposto que se deve observar diz respeito ao

cumprimento de parte da pena imposta, ou seja, cumprimento de mais de 1/3 (um

terço) da pena se o condenado não for reincidente em crime doloso e tiver bons

antecedentes, e cumprimento de mais da metade da pena se o condenado for

reincidente em crime doloso.

E o último pressuposto consiste na reparação do dano causado pela

infração, salvo efetiva impossibilidade de fazê-lo. Tal pressuposto, de acordo com

FLÁVIO AUGUSTO MONTEIRO DE BARROS14, “só é óbice para a concessão do

livramento condicional quando o réu solvente tiver sido notificado judicialmente

para o pagamento de um título líquido, certo e exigível. Antes disso, não há mora.

14
BARROS, Flávio Augusto Monteiro de Barros. Direito Penal, Parte Geral: v. 1. 6ª ed. rev. e
atual. São Paulo: Saraiva, 2008, p.579.
32

Se a própria vítima não o notifica, através da via judicial, para ressarcir-se do

dano sofrido, não é justo sonegar-lhe o benefício do livramento”.

Sobre a revogação do livramento condicional, MAÍRA SYLTRO DE

SOUZA15 explica que ele poderá ser revogado, sendo facultado ao juiz fazê-lo se

o liberado deixar de cumprir qualquer das obrigações constantes da sentença, ou

for irrecorrivelmente condenado, por crime ou contravenção, a pena que não seja

privativa de liberdade. Caso o juiz não decrete a revogação, deverá advertir o

liberado ou agravar as condições.

Entretanto, caso o beneficiado com o livramento condicional venha a

ser condenado à pena privativa de liberdade, em sentença irrecorrível, por crime

cometido durante a vigência do benefício ou por crime anterior, caso em que a

soma das penas não autorize a concessão do livramento, o magistrado fica

obrigado a revogá-lo.

Entretanto, quando a revogação resulta de condenação por outro

crime anterior àquele benefício, não se desconta na pena o tempo em que esteve

solto o condenado.

E, uma vez revogado o livramento, este não poderá ser novamente

concedido.

15
SOUZA, Maíra Syltro de. Livramento Condicional. Disponível em:
<http://www.webartigos.com/articles/26820/1/LIVRAMENTO-CONDICIONAL>. Acesso em 07-
08-2011.
33

1.9 DA REMIÇÃO

O instituto da “remição” garante ao condenado o desconto, ou seja,

a redução de seu tempo de pena, mediante a realização de trabalho efetivamente

reconhecido durante a execução da pena em regime fechado ou semiaberto.

Na lição de MIRABETE16, “pode-se definir a remição, nos termos da

lei brasileira, como um direito do condenado em reduzir pelo trabalho prisional o

tempo de duração da pena privativa de liberdade cumprida em regime fechado ou

semiaberto. Trata-se de um meio de abreviar ou extinguir parte da pena. Oferece-

se ao preso um estímulo para corrigir-se, abreviando o tempo de cumprimento da

sanção para que possa passar ao regime de liberdade condicional ou à liberdade

definitiva".

A contagem da remição por trabalho se dá à proporção de um dia de

pena por três de trabalho.

Com o advento da Lei nº. 12.433, de 29 de junho de 2011, que

alterou dispositivos da Lei de Execução Penal, além da remição por trabalho,

poderá também o condenado obter a remição de sua pena em razão de estudo,

cuja contagem se dará da seguinte forma: 1 (um) dia de pena a cada 12 (doze)

horas de frequência escolar - atividade de ensino fundamental, médio, inclusive

profissionalizante, ou superior, ou ainda de requalificação profissional - divididas,

16
MIRABETE, Júlio Fabbrini; FABBRINI, Renato N. Execução Penal. 11ª ed. São Paulo: Atlas,
2006, p. 425-426.
34

no mínimo, em 3 (três) dias. As atividades de estudo a que se refere o § 1 o deste

artigo poderão ser desenvolvidas de forma presencial ou por metodologia de

ensino a distância e deverão ser certificadas pelas autoridades educacionais

competentes dos cursos frequentados. 

Além disso, poderão ser cumuladas as remições por trabalho e por

estudo, respeitada a determinação legal, ou seja, para fins de cumulação dos

casos de remição, as horas diárias de trabalho e de estudo serão definidas de

forma a se compatibilizarem.

1.10 EXAME CRIMINOLÓGICO

Com as mudanças trazidas pela Lei nº 10.792, de 1º de dezembro

de 2003, não há mais se falar em exame criminológico obrigatório ou facultativo

para efeito de progressão de regimes, tendo em vista que a lei não mais o exige

para a avaliação do requisito subjetivo (mérito do executado).

Antes do advento dessa lei, falava-se em exame criminológico

obrigatório e em exame criminológico facultativo. Sendo o primeiro exigido no

caso de progressão do regime fechado para o semiaberto. No caso da progressão

do regime semiaberto para o aberto, tal exame era facultativo.

Porém, em caso de classificação do condenado, a distinção persiste.

De acordo com GUILHERME DE SOUZA NUCCI 17, cabe ao juiz da

execução determinar a realização do exame criminológico no caso de autores de

crimes violentos contra a pessoa, bem como a concretização do parecer da

17
NUCCI, Guilherme de Souza. Manual Processo Penal e Execução Penal. 6ª ed. rev., atual. e
amp. - São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2010, p. 1000.
35

Comissão Técnica de Classificação. Para este autor, a edição da Lei nº.

10.792/2003 pretendeu obrigar o magistrado a conceder ou negar benefícios ao

sentenciado somente com a apresentação do frágil atestado de conduta

carcerária, o que é um equívoco, tendo em vista o Poder Judiciário não poder se

submeter jamais aos órgãos administrativos do Executivo. Ressaltando ainda que,

um diretor de presídio não pode ter força suficiente para determinar os rumos da

execução penal no Brasil.


36

2. CRIMES HEDIONDOS

2.1 CONCEITO

Ensina-nos VICENTE CARLOS LÚCIO18 que:

Crime hediondo é aquele que pode ter vários sinônimos, como:


depravado, vicioso, repugnante, sórdido, imundo, repelente, asqueroso,
repulsivo, horroroso, horrendo, horrível, sinistro, pavoroso, medonho,
abjeto, etc. No entanto, da forma que ficou estabelecido na Constituição
Federal de 1988, não nos trouxe uma definição correta, fazendo
simplesmente uma simples menção de que os crimes definidos como
hediondos por lei ordinária serão insuscetíveis de fiança, graça e anistia.

A autora MARISYA SOUZA E SILVA19 leciona que, em razão de o

legislador não ter oferecido uma noção sequer do que se entendeu ser a

hediondez do crime, quando da elaboração da lei, fez com que o conceito se

tornasse elástico, com o propósito de possibilitar, quando necessário e os

interesses dominantes desejarem, a ampliação taxativa do rol.

Na lição de ANTÔNIO LOPES MONTEIRO20, ele diz que:

(...) teríamos um crime hediondo toda vez que uma conduta delituosa
estivesse revestida de excepcional gravidade, seja a execução, quando
o agente revela total desprezo pela vítima, insensível ao sofrimento físico
ou moral a que a submete, seja quanto à natureza do bem jurídico
ofendido, seja ainda pela especial condição das vítimas.

18
LÚCIO, Vicente Carlos. Crimes Hediondos: Lei nº 8.072, de 25/07/90. Comentários, Doutrina,
Prática e Jurisprudência. Com as inovações da Lei nº 8.930, de 06/09/94; 9.677, de 02/07/98 e
9.695, de 20/08/98. -- Bauru,SP: EDIPRO, 1998, p. 28.
19
SILVA, Marisya Souza. Crimes Hediondos e Progressão de Regime Prisional. 2ª ed. rev. e
atual. Curitiba: Ed. Juruá, 2009, p. 129.
20
MONTEIRO, Antônio Lopes. Crimes Hediondos, textos, comentários e aspectos polêmicos. 9ª
ed. São Paulo: Ed. Saraiva, 2010, p. 37.
37

Conforme destaca o autor JOÃO JOSÉ LEAL 21, na conceituação de

tais crimes “deve-se levar em consideração o próprio sentido semântico do termo

hediondo, que tem o significado de um ato profundamente repugnante, imundo,

horrendo, sórdido, ou seja, um ato indiscutivelmente nojento, segundo os padrões

da moral vigente”. Com base nisso, ele ensina que hediondo é o crime que causa

profunda e consensual repugnância por ofender, de forma acentuadamente grave,

valores morais de indiscutível legitimidade, como o sentimento comum de

piedade, de fraternidade, de solidariedade, e de respeito à dignidade da pessoa

humana.

JOEL TOVIL22 sustenta que:

Crime hediondo pode ser definido como uma conduta típica revestida de
especial gravidade, que provoca instintiva revolta no ser humano, como
por exemplo, ocorre com os delitos de homicídio qualificado, genocídio,
latrocínio e estupro. Sendo os crimes hediondos também conhecidos na
doutrina como delitos de máxima potencialidade lesiva.

É preciso ressaltar que a Lei de Crimes Hediondos não conceituou,

do ponto de vista material, o que é um crime hediondo. Ela não criou novos tipos

penais, apenas definiu os crimes já existentes na legislação penal como

hediondos. Houve apenas a classificação dos crimes a serem considerados como

tais. Não havendo, portanto, uma definição para eles.

21
LEAL, João José. Crimes Hediondos: A Lei 8.072/90 como Expressão do Direito Penal da
Severidade. 2ª ed. Curitiba: Ed. Juruá, 2009, p. 37.
22
TOVIL, Joel. A (nova) Lei dos Crimes Hediondos comentada: aspectos penais, processuais e
jurisprudenciais (na forma das Leis 8.930/94, 9.677/98, 9.695/98 e 11.464/2007). 1ª ed. Rio de
Janeiro: Ed. Lumen Juris, 2008, p. 1.
38

2.2 ORIGEM

Durante os trabalhos da Assembleia Nacional Constituinte, foi

defendida a ideia de ser inserido na Constituição Federal, que estava para ser

promulgada em 1988, dispositivo expresso que assegurasse a punição daqueles

que viessem a cometer ações armadas contra a ordem político-jurídica vigente ou

a praticar atos de tortura por motivos político-ideológicos, dentre outros

acontecimentos, como por exemplo, o crescimento do tráfico ilícito de

entorpecente, principalmente nas favelas da cidade do Rio de Janeiro.

O Brasil tinha acabado de sair de uma ditadura, governada por

militares, desde o Golpe de 1964, e a situação do país estava caótica.

Promulgada a Constituição Federal de 1988, tornou-se o Brasil um Estado

Democrático de Direito.

Com isso, foi inserido no texto do artigo 5º, inciso XLIII, que a “lei

considerará inafiançáveis e insuscetíveis de graça ou anistia a prática de tortura,

o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, o terrorismo e os definidos como

crimes hediondos, por eles respondendo os mandantes, os executores e os que,

podendo evitá-los, se omitirem”.

Na lição de JOÃO JOSÉ LEAL 23, o Constituinte de 88 tomou a

iniciativa de considerar a tortura, o tráfico de drogas e o terrorismo como uma

23
LEAL, João José. Crimes Hediondos: A Lei 8.072/90 como Expressão do Direito Penal da
Severidade. 2ª ed. Curitiba: Ed. Juruá, 2009, p. 31.
39

espécie maior, imperativa e categórica de crime profundamente repugnante e,

portanto, merecedora de uma reação punitiva especificamente mais severa.

Podendo essas infrações ser chamadas de “crimes hediondos constitucionais”, ao

lado dos crimes hediondos ordinários, assim rotulados na norma

infraconstitucional.

Nos ensinamentos de ALBERTO SILVA FRANCO 24, diante do

fenômeno social da criminalidade violenta, o legislador constituinte decidiu fazer

as vezes do legislador penal, sem descer, contudo, às minúcias de composição

tipológica: preferiu emitir comandos de criminalização. Entre eles, inclui-se, como

expressão dos crimes considerados extremamente graves, o denominado crime

hediondo, expressão não definida constitucionalmente e que visava a resolver o

problema social da violência, na linha de compreensão de que violência e

criminalidade são expressões superpostas, isto é, dentro da visão da corrente

político-criminal da lei e da ordem.

No Direito Penal brasileiro, o termo “hediondo” nunca havia sido

empregado. Teria surgido a partir da Constituição Federal de 1988, onde em seu

artigo 5º, inciso XLIII, utilizou a expressão “crimes hediondos”, atribuindo à

legislação ordinária o encargo de definir os crimes hediondos.

A partir daí, para regulamentar esse dispositivo constitucional, foi

promulgada a Lei nº. 8.072, de 25 de julho de 1990, mais conhecida como Lei de

Crimes Hediondos.

24
FRANCO, Alberto Silva; LIRA, Rafael; FELIX, Yuri. Crimes Hediondos. 7ª ed. rev. atual. e
amp. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 2010, p. 158.
40

2.3 PRESSUPOSTOS E ANTECEDENTES DA LEI Nº 8.072, DE 25


DE JULHO DE 1990.

Como mencionado no subitem anterior, a Lei nº. 8.072/1990,

conhecida como Lei de Crimes Hediondos, foi editada a fim de regulamentar o

inciso XLIII, do artigo 5º, da Constituição Federal de 1988.

Nesse caso, em menos de um ano após a promulgação da nossa

Carta Magna de 1988, o Ministro da Justiça encaminhava ao Presidente da

República projeto de lei elaborado pelo Conselho Nacional de Política Criminal e

Penitenciária, dispondo sobre os chamados crimes hediondos.

Tal providência foi tomada em razão do clamor público, pois naquela

época houve enorme repercussão provocada pelos meios de comunicação social,

formadores de opinião pública, acerca da prática do crime de extorsão mediante

sequestro, que atingia a mais alta camada social, e que, até aquele momento, tais

fatos não faziam parte das estatísticas criminais. O tema, então, havia se inserido

na pauta social.

Conforme o autor JOEL TOVIL25, de acordo com a mais abalizada

doutrina, a Lei nº. 8.072/90, que não prima pela técnica, foi editada “sob o

impacto dos meios de comunicação de massa, mobilizados em face de extorsões

mediante sequestro, vitimando figuras importantes da elite econômica e social do

país (caso Martinez, caso Salles, caso Diniz, caso Medina)”.


25
TOVIL, Joel. A (nova) Lei dos Crimes Hediondos comentada: aspectos penais, processuais e
jurisprudenciais (na forma das Leis 8.930/94, 9.677/98, 9.695/98 e 11.464/2007). 1ª ed. Rio de
Janeiro: Ed. Lumen Juris, 2008, p. 3.
41

Naquela onda de sequestros de pessoas importantes, ocorridos

entre o final dos anos 80 e início dos 90, destacou-se a extorsão praticada contra

o famoso empresário Roberto Medina, no Rio de Janeiro, que teve a duração de

17 (dezessete) dias, sendo somente solucionado após o pagamento do resgate

aos sequestradores.

Considera-se este fato como o estopim para que o Congresso

Nacional acelerasse a tramitação de iniciativas legislativas, que resultaram na

aprovação da Lei nº 8.072, de 25 de julho de 1990, numa tentativa de dar

resposta aos anseios da sociedade brasileira.

2.4 CLASSIFICAÇÃO DOS CRIMES HEDIONDOS

Os crimes hediondos estão previstos no artigo 1º da Lei nº 8.072/90,

em oito incisos, sendo eles:

1. Homicídio simples, quando praticado em atividade típica de grupo

de extermínio, ainda que cometido por um só agente, e homicídio qualificado.

2. Latrocínio.

3. Extorsão comum qualificada pela morte.

4. Extorsão mediante sequestro nas formas simples e qualificada.

5. Estupro nas formas simples e qualificadas.

6. Estupro de vulnerável nas formas simples e qualificadas.

7. Epidemia com resultado morte.

8. Falsificação, corrupção, adulteração ou alteração de produto


42

destinado a fins terapêuticos ou medicinais.

9. Genocídio.

Vale lembrar, que todos os crimes hediondos preveem a forma

tentada e a consumada.

2.4.1 HOMICÍDIO SIMPLES, QUANDO PRATICADO EM


ATIVIDADE TÍPICA DE GRUPO DE EXTERMÍNIO, E
HOMICÍDIO QUALIFICADO

O inciso I, do artigo 1º da Lei nº 8.072/90, dispõe que será

considerado hediondo o crime de homicídio (CP, art. 121), quando praticado em

atividade típica de grupo de extermínio, ainda que cometido por um só agente, e

homicídio qualificado (CP, art. 121, § 2º, incisos I, II, III, IV e V).

O crime de homicídio não constava do rol original da Lei dos

Crimes Hediondos. Houve uma omissão por parte do legislador de 1990, que

deixou de inclui-lo, principalmente o homicídio qualificado, no referido rol. Tal fato

é considerado por JOÃO JOSÉ LEAL 26 como o grande ou talvez o pior equívoco

da lei em estudo, pois o mais grave dos crimes não havia recebido o rótulo legal

da hediondez. Perguntava-se então como o crime maior não havia recebido a

marca legal de tal estigma, como se poderia defender a legitimidade ético-jurídica

dessa lei, a qual havia selecionado alguns tipos penais, de gravidade discutível,

para dar-lhes o adjetivo jurídico-penal de hediondo?

26
LEAL, João José. Crimes Hediondos: A Lei 8.072/90 como Expressão do Direito Penal da
Severidade. 2ª ed. Curitiba: Ed. Juruá, 2009, p. 97.
43

O crime de homicídio passou a ser incluído nesse rol com o

advento da Lei nº 8.930, de 06 de setembro de 1994, que foi a primeira lei

modificadora do rol dos crimes hediondos, podendo-se dizer que referida lei teve

sua origem imediata no fato notório e de grande repercussão nacional, mas de

interesse particular, que foi o assassinato da atriz Daniela Peres. A mãe dessa

atriz, Glória Peres, conhecida autora de novelas, com o apoio dos meios de

comunicação social, conseguiu mobilizar um forte movimento em prol da inclusão

do crime de homicídio no rol dos crimes hediondos. A partir daí, o Congresso

Nacional, fortemente pressionado pela opinião pública, e motivado ainda por uma

moção popular com milhares de assinaturas, acabou por aprovar a Lei nº

8930/94.

No tocante ao crime de homicídio simples, por grupo de

extermínio, nos ensina ALBERTO SILVA FRANCO 27, que o texto do inciso I, do

artigo 1º da Lei dos Crimes Hediondos, inserido pela Lei nº 8.930/94, revelou uma

inequívoca falta de técnica legislativa ao referir-se ao artigo 121 do Código Penal.

Diz ele que não será toda e qualquer hipótese de homicídio simples que terá a

qualificação jurídica de “hediondo”. Só e exclusivamente “quando praticado em

atividade típica de grupo de extermínio, ainda que cometido por um só agente”.

Leciona ainda ele, que ao referir-se à “atividade típica de grupo de extermínio”, o

inciso formulou, em termos penais, um verdadeiro “buraco negro”. A expressão

“atividade típica” tem, sem sombra de dúvida, um sentido técnico, preciso:

significa, em matéria penal, a existência de uma conduta narrada num tipo

específico, determinado. Ele afirma que não há no Código Penal, nem em

nenhuma lei penal extravagante, tipo algum com a descrição especial e a

27
FRANCO, Alberto Silva; LIRA, Rafael; FELIX, Yuri. Crimes Hediondos. 7ª ed. rev. atual. e
amp. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 2010, p. 549.
44

denominação expressa de grupo de extermínio. E, inexistindo tal delito, falar em

“atividade típica de grupo de extermínio” é cair num vazio total.

Em relação ao crime de homicídio qualificado, este também

recebeu a marca da hediondez e o legislador teve o cuidado de esclarecer que

aludia a todas as hipóteses de qualificação desse delito.

De acordo com ALBERTO SILVA FRANCO 28, em sua obra

“Crimes Hediondos”, o legislador errou novamente. Referido autor nos ensina que

ninguém desconhece que as hipóteses de homicídio qualificado são

denunciadoras de uma reprovabilidade qualitativamente intensa e merecedora do

rótulo de crime hediondo. No entanto, a pena para o homicídio qualificado

continuou a mesma já existente, de doze (12) anos. A marca de “hediondo”

aderida ao homicídio qualificado não serviu para corrigir a distorção punitiva, mas

somente para impedir algumas causas excludentes de punibilidade, que no caso

são a anistia, a graça e o indulto, e direitos processuais, que no caso se aplica

somente à fiança, diante do advento da Lei nº. 11.464/2007.

2.4.2 LATROCÍNIO OU ROUBO QUALIFICADO PELA MORTE

Trata-se de mais uma hipótese de crime qualificado pelo

resultado. A Lei dos Crimes Hediondos não altera conceitualmente o parágrafo 3º

do artigo 157, do Código Penal, apenas lhe dá um tratamento penal mais

rigoroso, sintonizando-o com o da extorsão qualificada. A pena privativa de


28
FRANCO, Alberto Silva; LIRA, Rafael; FELIX, Yuri. Crimes Hediondos. 7ª ed. rev. atual. e
amp. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 2010, p. 557.
45

liberdade tem sua baliza mínima aumentada de quinze para vinte anos de

reclusão.

O crime tipificado no artigo 157, § 3º, do Código Penal, não

recebe o nome de latrocínio e sim roubo qualificado pela morte. Destarte,

podemos observar que a Lei dos Crimes Hediondos que inovou, atribuindo àquele

dispositivo a rubrica “latrocínio”.

A palavra latrocínio origina do latim latrociniu, que significa

roubo ou extorsão de forma violenta, de mão armada, para roubar ou assegurar a

impunidade do crime ou a detenção da coisa, provocando dolosamente a morte

de alguém.

ALBERTO SILVA FRANCO29 afirma que o latrocínio é crime

qualificado pelo resultado. Inicia-se com dolo e finda culposamente, no caso a

morte da vítima, que não foi o objetivo primeiro do agente. Pondera ele, que o

resultado morte no denominado latrocínio é culposo, uma vez que não é objetivo

e nem a vontade do agente, nem ele assumiu o risco de produzi-lo.

O fato de a Lei nº. 8.072/90 ter dado a denominação de

“latrocínio” ao fato criminoso tipificado no artigo 157, § 3º do Código Penal, não

basta para transformar sua descrição típica. Outrossim, referida lei deu ao

latrocínio apenas um tratamento mais rigoroso, elevando o mínimo da pena de

quinze para vinte anos de reclusão. Ensina-nos ALBERTO SILVA FRANCO 30, que

o nomen iuris não tem o condão de modificar o tipo penal.

29
FRANCO, Alberto Silva; LIRA, Rafael; FELIX, Yuri. Crimes Hediondos. 7ª ed. rev. atual. e
amp. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 2010, p. 562.
30
Ibdem, p. 563.
46

2.4.3 EXTORSÃO COMUM QUALIFICADA PELA MORTE

O inciso III, do parágrafo 1º, da Lei nº. 8.072/90, considera a

“extorsão qualificada pela morte” prevista no artigo 158, “caput”, e § 2º, do Código

Penal como crime hediondo.

O projeto de lei incialmente não previa a inclusão do crime de

extorsão entre os crimes hediondos, mesmo a qualificada pela morte. Tal crime foi

incluído no rol dos crimes hediondos, ante o clamor público da sociedade civil na

época de sua aprovação, razão porque contemplou apenas a “extorsão

qualificada pela morte”, nesse rol.

Em virtude dessa inclusão, a extorsão qualificada pela morte

sofreu uma exacerbação punitiva. Estabeleceu-se no artigo 2º do artigo 158 do

Código Penal que se aplica à extorsão, praticada mediante violência, de que

tenha resultado a morte, o mesmo preceito punitivo do latrocínio disposto no

artigo 3º do artigo 157 do Código Penal.

2.4.4 EXTORSÃO MEDIANTE SEQUESTRO, NAS FORMAS


SIMPLES E QUALIFICADAS

No tocante à “Extorsão mediante sequestro nas formas

simples e qualificadas”, o legislador definiu tal crime naqueles enumerados na Lei

dos Crimes Hediondos, editada sob o impacto emocional da onda dos sequestros

no país.
47

Ao contrário da extorsão referida no artigo 158, do Código

Penal, considerada crime hediondo apenas na forma qualificada pela morte, a

extorsão mediante sequestro tipificada no artigo 159, do Código Penal foi

considerada pela Lei dos Crimes Hediondos em todas as suas formas, desde a

simples àquela em que ocorre a morte da vítima.

O autor ALBERTO SILVA FRANCO31, em sua obra, faz uma

crítica ao legislador que elaborou referida lei:

Ora, o legislador de 90, esquecido de que o País já se encontra num


Estado Democrático de Direito, extravasou os limites, máxime no que se
refere ao princípio da proporcionalidade, que lhe eram reservados para
exercício do poder punitivo. Sob pressão dos meios de comunicação
social e de determinados segmentos da sociedade, alterou, sem obedecer
a regras mínimas de coerência e de bom senso, sanções punitivas
referentes a determinadas figuras criminosas. Com isso, rompeu o
razoável equilíbrio existente na tessitura penal, entre a gravidade, em nível
social, do fato incriminado e a quantidade de pena cominada. Essa
manifesta desproporção fez-se sentir, em especial, no tratamento
sancionatório dado ao tipo da extorsão mediante sequestro.

2.4.5 ESTUPRO E ESTUPRO DE VULNERÁVEL, NAS FORMAS


SIMPLES E QUALIFICADAS

Conforme leciona GUILHERME DE SOUZA NUCCI32, com o

advento da Lei nº. 12.015, de 7 de agosto de 2009, que altera o Título IV do

Código Penal, onde se tratava dos crimes contra os costumes, passando a ter

nova nomenclatura “Dos crimes contra a dignidade sexual”, corrigiu-se a redação

do artigo 1º da Lei 8.072/90, eliminando-se a controvérsia existente a respeito de

31
FRANCO, Alberto Silva; LIRA, Rafael; FELIX, Yuri. Crimes Hediondos. 7ª ed. rev. atual. e
amp. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 2010, p. 520.
32
NUCCI, Guilherme de Souza. Crimes contra a Dignidade Sexual: Comentários à Lei 12.015,
de 7 de agosto de 2009. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2009, p. 101-102.
48

serem ou não hediondos as formas simples do estupro e do atentado violento ao

pudor.

Segundo o autor supramencionado, fica clara a hediondez do

estupro e também do estupro de vulnerável nas formas simples e qualificadas.

Sendo que, agora, tanto o delito de estupro quanto o estupro de vulnerável

abrangem o atentado violento ao pudor.

Referido autor sustenta que a novatio legis não produz efeito

retroativo para prejudicar o réu, mas não se impede que os tribunais continuem

aplicando a jurisprudência dominante no sentido de que eram hediondas as

formas simples do estupro e do atentado violento ao pudor. Somente os que

entendiam de modo diverso devem passar a respeitar o novo critério legal a partir

da vigência da Lei nº. 12.015/2009.

2.4.6 EPIDEMIA COM RESULTADO MORTE

A inserção do crime de epidemia com resultado morte,

previsto no artigo 267, caput, c .c. o seu § 1º, ambos do Código Penal, no rol dos

crimes hediondos dispostos no artigo 1º, da Lei nº 8.072/90, mostra uma diferença

entre os crimes hediondos até aqui estudados. É que naqueles há a proteção de

bens jurídicos individuais. Neste, a lei protege a saúde pública, dentro de um

contexto mais amplo, que é a coletividade. Preservando-se não mais a vida de um

indivíduo, isolado, mas a vida de todo um grupo indeterminado de pessoas.


49

O dispositivo diz que é crime “causar epidemias”. O que

implica numa ação de produzir, provocar, motivar, disseminar, difundir, espalhar.

Essa propagação pode ser efetivada de qualquer modo: inoculação,

contaminação, disseminação etc.

De acordo com a lição de ANTÔNIO LOPES MONTEIRO 33,

em sua obra “Crimes Hediondos: texto, comentários e aspectos polêmicos”, o

conceito de epidemia para efeitos do artigo penal não difere do conceito comum

do termo.

Para tipificar o crime, é necessário que a disseminação seja

de germes patogênicos. Estes são chamados micro-organismos (vírus, bactérias,

bacilos), agentes nocivos capazes de produzir moléstias infecciosas.

2.4.7 FALSIFICAÇÃO, CORRUPÇÃO, ADULTERAÇÃO OU


ALTERAÇÃO DE PRODUTO DESTINADO A FINS
TERAPÊUTICOS OU MEDICINAIS

A tipificação penal em comento não estava inserida no rol dos

crimes hediondos, quando da edição da Lei nº 8.072/90.

A partir da Lei nº 9.677, de 2 de julho de 1998, foi inserido o

crime de falsificação, corrupção, adulteração ou alteração de substância ou

produto destinado a fins terapêuticos ou medicinais, previsto no artigo 273, do

Código Penal, no rol das infrações hediondas.


33
MONTEIRO, Antônio Lopes. Crimes Hediondos, textos, comentários e aspectos polêmicos. 9ª
ed. São Paulo: Ed. Saraiva, 2010, p. 95.
50

JOÃO JOSÉ LEAL34 atribui ao fenômeno criminal e

jornalístico, ocorrido naquele momento da história do nosso país, o fato da

aprovação da Lei nº 9.677/98, considerada por ele uma lei repressiva, aprovada

de forma apressada e confusa, sem o necessário processo de discussão e

maturação da proposta repressiva ali formalizada. Referindo-se ele ao primeiro

semestre de 1998, que foi marcado por diversas denúncias sobre falsificação de

medicamentos, veiculadas pela mídia, com um certo sensacionalismo, causando

um forte sentimento de repulsa popular, o que acabou, mais uma vez,

influenciando a ação parlamentar a votar medidas penais mais severas, visando

combater aquele surto de criminalidade contra a saúde pública.

No mesmo sentido é o entendimento de ANTÔNIO LOPES

MONTEIRO35, sustentando, ainda, que “a opinião pública continua ainda com a

falsa impressão de que a quantidade da pena e a prisão funcionam como

sinônimos de rigor, eficiência, segurança e tranquilidade”.

Após, em menos de dois meses, adveio a Lei nº. 9.695, de 20

de agosto de 1998, que tratou de corrigir o erro redacional da Lei nº. 9.677/98,

que pela mesma ementa considerava os delitos nela elencados como hediondos.

Ressalta-se que a objetividade jurídica no estudo em tela é a

saúde pública.

2.4.8 GENOCÍDIO

34
LEAL, João José. Crimes Hediondos: A Lei 8.072/90 como Expressão do Direito Penal da
Severidade. 2ª ed. Curitiba: Ed. Juruá, 2009, p. 166.
35
MONTEIRO, Antônio Lopes. Crimes Hediondos, textos, comentários e aspectos polêmicos. 9ª
ed. São Paulo: Ed. Saraiva, 2010, p. 99.
51

Trata-se do último dos crimes hediondos enumerados no

artigo 1º, da Lei nº. 8.072/90.

O termo “genocídio” foi criado por Rafael Lemkim, em 1944. É

um vocábulo híbrido. Para alguns, deriva da palavra grega genos (raça, nação,

tribo) e do sufixo latino cidio (matar). Outros, preferem buscar a etimologia latina

nos dois componentes: genus (raça, povo, nação) e excidium (destruição, ruína).

Existem, ainda, outras posições sobre o significado e origem da palavra. O que

nos leva a concluir que até mesmo o nomen iuris é passível de discussão.

Para muitos autores, seria difícil focalizar o aparecimento do

crime de genocídio no transcorrer dos tempos. Ele seria constante na história. A

destruição de Catargo pelos romanos é considerada um dos antecedentes

históricos de maior claridade de conduta genocida.

Não há dúvida de que a consciência ética contemporânea

considera o genocídio como uma das condutas mais perversas e sórdidas. Tal

conduta é classificada como uma espécie de crime contra a humanidade. Neste

crime, o agente atua por motivo de ordem político-ideológica contra grupos

humanos, sem o fim específico de destruir determinado grupo étnico, político ou

religioso. Por essa razão, ela é considerada delito internacional pela Convenção

contra o Genocídio, aprovado pela ONU, através da Resolução 260 (III), de 09 de

dezembro de 1948.

O Brasil, em 04.09.1951, ratificou essa Convenção, acolhendo

o entendimento de que se trata de um crime contra o Direito Internacional,

contrário ao espírito e aos fins das Nações Unidas e que o mundo civilizado

condena.
52

O compromisso de assegurar a aplicação das disposições da

Convenção, somente foi cumprido pelo Brasil, por meio da Lei nº. 2.889, de 1º de

outubro de 1956, que pune o crime de genocídio.

O tipo penal mediante os quais o crime poderá ser praticado

são os seguintes: a) matar membros de grupo; b) causar lesão à integridade física

ou mental de membros do grupo; c) submeter intencionalmente o grupo a

condições de existência capazes de ocasionar-lhe a destruição total ou parcial; d)

adotar medidas destinadas a impedir os nascimentos no seio do grupo; e) efetuar

a transferência forçada de crianças do grupo para outro grupo.

O que esta norma tutela não é num primeiro momento a vida

do indivíduo considerado em si mesmo, mas sim a vida de grupos de pessoas em

sua totalidade. Por outro giro, ela protege a vida em comum dos grupos de

homens, na comunidade dos povos.

2.5 DOS CRIMES EQUIPARADOS OU ASSEMELHADOS

Devido ao fato de o disposto no artigo 5º, inciso XLIII, da

Constituição Federal de 1988, estatuir que “lei considerará inafiançáveis e

insuscetíveis de graça ou anistia a prática de tortura, o tráfico de ilícito de

entorpecentes e drogas afins, o terrorismo e os definidos como crimes hediondos,

por eles respondendo os mandantes, os executores e os que, podendo evita-los,

se omitirem”, conforme mencionado no subitem 2.2., JOÃO JOSÉ LEAL 36,


36
LEAL, João José. Crimes Hediondos: A Lei 8.072/90 como Expressão do Direito Penal da
Severidade. 2ª ed. Curitiba: Ed. Juruá, 2009, p. 31.
53

sustenta que a tortura, o tráfico de drogas e o terrorismo podem ser chamados de

crimes hediondos constitucionais, uma vez que estão expressos na

Constituição.

2.5.1 DA PRÁTICA DE TORTURA

Conforme já estudado, o crime de tortura está expressamente

inserido em dispositivo constitucional, como sendo um fato criminoso equiparável

aos crimes hediondos, onde estabelece que a lei considerará inafiançável e

insuscetível de graça ou anistia a prática de tortura, além de outros crimes.

Porém, nenhuma providência séria foi adotada pelo Brasil até

março de 1997, para atender ao texto constitucional e aos compromissos

internacionais em que é signatário.

Mais uma vez, o legislador, pressionado pela opinião pública,

editou uma lei às pressas, visando dar uma resposta à sociedade, devido ao fato

ocorrido na Favela Naval, em Diadema, Estado de São Paulo, onde policiais

militares praticaram arbitrariedades que tiveram enorme repercussão em nível

nacional e internacional. Foi então aprovada a Lei nº. 9.455, de 07 de abril de

1997, que “define os crimes de tortura e dá outras providências”.

Com o advento da lei em tela, passamos a ter o conceito da

prática do crime de tortura, encontrado nos dois incisos do seu artigo 1º, in verbis:

Constitui crime de tortura:


54

I – constranger alguém com emprego de violência ou grave ameaça,


causando-lhe sofrimento físico ou mental;
II – submeter alguém, sob sua guarda, poder ou autoridade, com
emprego de violência ou grave ameaça, a intenso sofrimento físico ou
mental, como forma de aplicar castigo pessoal ou medida de caráter
preventivo.

Apesar de ser aplicados à prática de tortura muitos

dispositivos da Lei dos Crimes Hediondos, por se tratar de crime equiparado, a

Lei nº. 9.455/97, em certos aspectos, foi até mais benéfica que aquela, uma vez

que naquela época, era vedada a progressão de regimes aos crimes hediondos e

estabelecia que o cumprimento da pena seria no regime integralmente fechado.

No entanto, o § 7º, do artigo 1º, da Lei nº. 9.455/97, determinou que o regime

inicial referente à pena reclusiva aplicada ao autor das diversas modalidades de

tortura deverá ser o fechado; exceção feita à hipótese do § 2º, do mesmo artigo,

que prevê a pena de detenção, caso em que o cumprimento, no entanto,

conforme estudado no capítulo que trata das penas, terá seu início no regime

semiaberto ou até mesmo no aberto.

O bem jurídico tutelado é a integridade física e psíquica da

pessoa humana, a saúde física e mental, em suma, a vida humana. Protege

também a liberdade psíquica e física da pessoa em sua autodeterminação.

2.5.2 DO TRÁFICO ILÍCITO DE ENTORPECENTES E DROGAS


AFINS
55

O delito de tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins não

está inserido no rol dos crimes hediondos, mas constitucionalmente está

relacionado dentre aqueles a eles assemelhados.

DAMÁSIO DE JESUS37 sustenta que o crime de tráfico de

drogas não é hediondo, é equiparado a ele. De acordo com ele, os delitos

hediondos estão definidos somente no artigo 1º da Lei nº. 8.072/90. O Artigo 2º,

caput, dessa Lei faz nítida diferenciação entre os crimes hediondos e os por ela

equiparados.

Conforme a lição de ALBERTO SILVA FRANCO 38, por força

do artigo 2º, da Lei nº. 8.072/90, os autores dos crimes de tráfico ilícito de

entorpecentes e de drogas afins deviam suportar as mesmas restrições no campo

penal e processual penal, afeta aos autores de crimes hediondos.

Ressalte-se que a equiparação desse tipo penal aos

hediondos não acarretou, inicialmente, o aumento da pena cominada para as

várias condutas enquadráveis nos artigos que constavam da Lei nº 6.368/76, que

regulava a matéria. Posteriormente, com o advento da Lei nº. 10.409, de 11 de

janeiro de 2002, nada alterou na ordem punitiva, e, diante do veto presidencial

relativa à tipologia penal, permaneceu vigente a Lei nº. 6.368/76, até o advento da

Lei nº. 11.343, de 23 de agosto de 2006, revogando explicitamente àquelas

anteriores.

37
JESUS, Damásio. Lei Antidrogas Anotada: Comentários à Lei nº. 11.343/2006. 9ª ed. São
Paulo: Ed. Saraiva, 2009, p. 76.
38
FRANCO, Alberto Silva; LIRA, Rafael; FELIX, Yuri. Crimes Hediondos. 7ª ed. rev. atual. e
amp. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 2010, p. 236.
56

ALBERTO SILVA FRANCO39 considera a atual lei que trata da

matéria como um instrumento legal altamente repressivo e tecnicamente

deficiente. Segundo ele, é repressivo porque aumentou a pena mínima prevista

para o tipo-chave – o chamado tráfico ilícito de drogas; criminalizou novas

condutas (artigos 33, inciso II, artigos 36, 37 e 39); alargou desmesuradamente as

causas de aumento de pena (artigo 40); dentre outras causas de agravantes. E,

deficiente porque não criou um tipo que corresponda ao nomen iuris de tráfico

ilícito de entorpecente e drogas afins, explicitamente nominado no artigo 5º, da

Constituição Federal, e no artigo 2º, caput, da Lei nº. 8.072/90; tipificou diversas

condutas no artigo 33 e nos incisos I, II e III, do § 1º, desse mesmo artigo, que

não se acomodam ao conceito de tráfico, adjetivado pelo vocábulo ilícito, uma vez

que o significado da palavra tráfico está vinculado às ideias de comércio,

mercancia, trato mercantil, negócio, e ainda, de negócio fraudulento, indecoroso;

distinguiu o uso indevido de droga ou oferecimento de droga, sem objetivo de

lucro, a pessoa de seu relacionamento, da ideia-chave de tráfico ilícito e, ausente

a equiparação, não há cuidar, em relação a diferentes modalidade de uso (induzir,

instigar ou auxiliar alguém ao uso de entorpecente) ou de oferta (nas condições

do § 3º do artigo 33), dentre outros aspectos que o levaram a considerar a lei em

estudo como deficiente.

Vigente referida lei, desde 08 de outubro de 2006, ainda se

perguntam a quais tipos penais se referem o tráfico ilícito de entorpecentes e

drogas afins previsto nos dispositivos da Lei nº. 8.072/90.

39
FRANCO, Alberto Silva; LIRA, Rafael; FELIX, Yuri. Crimes Hediondos. 7ª ed. rev. atual. e amp.
São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 2010, p. 236.
57

Sobre essa questão, ANTÔNIO LOPES MONTEIRO 40 afirma

que em relação à abrangência da aplicação da Lei dos Crimes Hediondos, após

alguns anos, sedimentou-se na jurisprudência o entendimento de que apenas se

aplicava aos tipos penais dos artigos 12 e 13 da Lei nº. 6.368/76, embora

houvesse quem defendesse a aplicação também ao tipo penal do artigo 14. Daí,

obviamente, os tipos correlatos previstos na Lei nº. 11.343/2006 sofrerão a

incidência dos dispositivos pertinentes e ainda em vigor da Lei nº. 8.072/90.

Sendo eles o artigo 33, caput, e § 1º e todos seus incisos, o artigo 34 e o artigo

36. Salienta o autor em comento, que dúvidas haverá quanto aos artigos 35, 36 e

37.

2.5.3 DO TERRORISMO

A Lei dos Crimes Hediondos ainda dispõe sobre o terrorismo,

mas nossa legislação ainda não tipificou o delito de terrorismo nem as figuras

típicas que lhe são afins, mostrando-se inexistentes e sem valor as regras da Lei

nº. 8.072/90 para o terrorismo.

Embora não haja na nossa legislação um tipo autônomo

definido como crime de terrorismo, a Lei de Segurança Nacional – Lei nº. 7.170,

de 14 de dezembro de 1983 – prevê condutas como a de praticar atos de

terrorismo contra a segurança nacional, mas não define o tipo penal terrorismo de

forma clara e definitiva.

40
MONTEIRO, Antônio Lopes. Crimes Hediondos, textos, comentários e aspectos polêmicos. 9ª
ed. São Paulo: Ed. Saraiva, 2010¸ p. 139.
58

Nesse sentido, MARISYA SOUZA E SILVA41 esclarece que “a

Constituição Federal de 1988 garante o princípio da reserva legal e, como

inexiste o tipo penal incriminador, não há como aplicar as regras da Lei dos

Crimes Hediondos ao terrorismo, por ausência de previsão legal”.

Com razão a autora, pois embora a Constituição Federal de

1988 tenha estabelecido que o crime de terrorismo, assim como outros já

estudados, é insuscetível de graça ou anistia, e, ainda que a Lei dos Crimes

Hediondos tenha o mencionado em seu artigo 2º, dentre os crimes a que serão

aplicadas as regras lá contidas, deixou a legislação brasileira de tipificá-lo em lei

específica, conforme determina a Constituição Federal. Sendo assim, não há se

falar em aplicação das regras emanadas da Lei dos Crimes Hediondos ao

terrorismo, pois não há lei que o defina.

2.6 DA ANISTIA, GRAÇA, INDULTO E DA INAFIANÇABILIDADE

De acordo com a norma constitucional, prevista no inciso XLIII do

artigo 5º da Constituição Federal do Brasil de 1988, que inclusive impulsionou a

edição da Lei nº 8.072/90, a prática de tortura, o tráfico ilícito de entorpecentes e

drogas afins, o terrorismo e os definidos como delitos hediondos, serão

considerados crimes inafiançáveis e insuscetíveis de graça ou anistia.

O artigo 2º, incisos I e II, da Lei nº. 8.072/90, além de dispor acerca

da vedação da anistia, graça e fiança aos crimes hediondos e assemelhados, fez

41
SILVA, Marisya Souza. Crimes Hediondos e Progressão de Regime Prisional. 2ª ed. rev. e
atual. Curitiba: Ed. Juruá, 2009, p. 144.
59

incluir também o indulto no rol das vedações, embora o constituinte não o tenha o

inserido no dispositivo constitucional respectivo.

ANTÔNIO LOPES MONTEIRO42 destaca que outra observação a ser

anotada é que o inciso constitucional já passou a vigorar com a sua promulgação,

e portanto com aplicação imediata para a prática da tortura, o tráfico ilícito de

entorpecentes e drogas afins e o terrorismo, ficando em aberto somente em

relação aos crimes hediondos, que aguardavam suas definições em lei.

Anistia, graça e indulto são causas de extinção da punibilidade

(artigo 107, inciso II, do Código Penal), além do mais, são institutos de direito

substantivo. Porém essas três formas de perdão possuem peculiaridades

próprias, diferenciando-se umas das outras.

A anistia, no próprio termo já traz a ideia de perdão. No nosso país,

sua concessão é prerrogativa da União, conforme previsto na Constituição

Federal de 1988. A competência para conceder anistia é do Congresso Nacional,

com a respectiva sanção do Presidente da República. Só será concedida

mediante lei. Todavia, caberá ao Poder Judiciário analisar seu alcance e aplicá-la

e interpretá-la em cada caso concreto.

Este instituto se refere a fatos e não a pessoas, embora, por vez,

possa exigir alguns requisitos subjetivos para sua aplicação.

A graça e o indulto também são formas de perdão do Estado. E, ao

contrário da anistia, estes se aplicam sempre a pessoas e não a fatos. A

concessão desses dois institutos é de competência privativa do Presidente da

42
MONTEIRO, Antônio Lopes. Crimes Hediondos, textos, comentários e aspectos polêmicos. 9ª
ed. São Paulo: Ed. Saraiva, 2010, P. 170.
60

República (CF, art. 84, XII). Entretanto, essa atribuição pode ser delegada aos

Ministros de Estado, ao Procurador-Geral da República ou ao Advogado-Geral da

União (CF, art. 84, parágrafo único).

Do ponto de vista técnico, graça é geralmente individual, enquanto

indulto é coletivo. Poder ser total, quando extinguem totalmente as penas; e

parciais, quando apenas diminuem as penas ou promovem a sua substituição.

Podem ser concedidos a condenados em gozo de sursis ou em livramento

condicional.

No que atine à inafiançabilidade, o dispositivo legal, tanto da

Constituição Federal de 1988, como da Lei nº. 8.072/90, vedam expressamente a

prestação da fiança nos crimes hediondos e equiparados.

Nesse sentido, é a jurisprudência:

EMENTA: HABEAS CORPUS. PRISÃO EM FLAGRANTE POR


TRÁFICO DE DROGAS. LIBERDADE PROVISÓRIA:
INADMISSIBILIDADE. DECISÃO QUE MANTEVE A PRISÃO.
PERICULOSIDADE DA PACIENTE. QUANTIDADE DE DROGA
APREENDIDA. CIRCUNSTÂNCIAS SUFICIENTES PARA A
MANUTENÇÃO DA CUSTÓDIA CAUTELAR. ORDEM DENEGADA. 1. A
proibição de liberdade provisória, nos casos de crimes hediondos e
equiparados, decorre da própria inafiançabilidade imposta pela
Constituição da República à legislação ordinária (Constituição da
República, art. 5º, inc. XLIII): Precedentes. O art. 2º, inc. II, da Lei n.
8.072/90 atendeu o comando constitucional, ao considerar inafiançáveis
os crimes de tortura, tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, o
terrorismo e os definidos como crimes hediondos. Inconstitucional seria a
legislação ordinária que dispusesse diversamente, tendo como
afiançáveis delitos que a Constituição da República determina sejam
inafiançáveis. Desnecessidade de se reconhecer a inconstitucionalidade
da Lei n. 11.464/07, que, ao retirar a expressão 'e liberdade provisória'
do art. 2º, inc. II, da Lei n. 8.072/90, limitou-se a uma alteração textual: a
proibição da liberdade provisória decorre da vedação da fiança, não da
expressão suprimida, a qual, segundo a jurisprudência deste Supremo
Tribunal, constituía redundância. Mera alteração textual, sem
modificação da norma proibitiva de concessão da liberdade provisória
aos crimes hediondos e equiparados, que continua vedada aos presos
em flagrante por quaisquer daqueles delitos. 2. A Lei n. 11.464/07 não
poderia alcançar o delito de tráfico de drogas, cuja disciplina já constava
de lei especial (Lei n. 11.343/06, art. 44, caput), aplicável ao caso
vertente. 3. Irrelevância da existência, ou não, de fundamentação
cautelar para a prisão em flagrante por crimes hediondos ou
61

equiparados: Precedentes. 4. Ao contrário do que se afirma na petição


inicial, a custódia cautelar do Paciente foi mantida com fundamento em
outros elementos concretos, que apontam a periculosidade do Paciente
e a quantidade de droga apreendida como circunstâncias suficientes
para a manutenção da prisão processual. Precedentes. 5. Ordem
denegada. (STF – HC 99.447/MG, 1ª T., Rel. Cármen Lúcia, j. 09-02-
2010, DJe 19-03-2010).

E mais:

EMENTA: HABEAS CORPUS. PROCESSUAL PENAL. TRÁFICO DE


DROGAS. PRISÃO EM FLAGRANTE. RELAXAMENTO. CRIME
HEDIONDO. LIBERDADE PROVISÓRIA. INADMISSIBILIDADE.
VEDAÇÃO CONSTITUCIONAL. DELITOS INAFIANÇÁVEIS. ART. 5º,
XLIII, DA CF. ORDEM DENEGADA. I - Os crimes de tráfico de drogas e
associação para o tráfico são de natureza permanente. O agente
encontra-se em flagrante delito enquanto não cessar a permanência. II -
A vedação à liberdade provisória para o delito de tráfico de drogas
advém da própria Constituição, a qual prevê a sua inafiançabilidade (art.
5º, XLIII). III - Ordem denegada. (STF – HC 98.340-0/MG – 1ª T., Rel.
Ricardo Lewandowski – j. 06.10.2009, DJe 23-10-2009).

Ementa: HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE DROGAS. PRISÃO EM


FLAGRANTE. CRIME HEDIONDO. LIBERDADE PROVISÓRIA.
INADMISSIBILIDADE. VEDAÇÃO LEGAL. DELITOS INAFIANÇÁVEIS.
ART. 5º, XLIII, DA CONSTITUIÇÃO. NECESSIDADE DA CUSTÓDIA
PARA GARANTIA DA ORDEM PÚBLICA. CONSTRANGIMENTO
ILEGAL. INEXISTÊNCIA. ORDEM DENEGADA. I – O indeferimento do
pedido de liberdade provisória, além de fundar-se na vedação legal
prevista no art. 44 da Lei 11.343/2006 também destacou a necessidade
de se preservar a ordem pública, em razão da reiteração criminosa. II –
Além disso, convém destacar que, apesar de o tema ainda não ter sido
decidido definitivamente pelo Plenário desta Suprema Corte, a atual
jurisprudência desta Primeira Turma permanece inalterada no sentido de
que é legítima a proibição de liberdade provisória nos crimes de tráfico
ilícito de entorpecentes, uma vez que ela decorre da inafiançabilidade
prevista no art. 5º, XLIII, da Carta Magna e da vedação estabelecida no
art. 44 da Lei 11.343/2006. Precedentes. III – Ordem denegada. (STF –
HC 108.652/PE – 1ª T., j. 09-08-2011, DJe 08-09-2011).

MARCO ANTONIO GARCIA BAZ43, Promotor de Justiça, Membro do

Ministério Público do Estado de São Paulo, nos ensina que apesar da edição da

Lei nº. 11.464/2007, continua sendo incabível espécie de liberdade provisória


43
BAZ, Marco Antônio Garcia. Cabe, em tese, a liberdade provisória sem fiança (CPP – art.
310, parágrafo único) ao flagrado por crime de tráfico ilícito de drogas ou outros crimes
tratados na Lei 8.072/90, após o advento da Lei 11.464/07?. Disponível em:
<http://www.mp.sp.gov.br/>. Acesso em 02-10-2011.
62

menos gravosa que a fiança para os crimes hediondos e equiparados, tal qual a

prevista no artigo 310, parágrafo único, do Código de Processo Penal, sob pena

de inconstitucionalidade.

Ainda, segundo a sua lição, ele aduz que:

(...) a inafiançabilidade traduz a impossibilidade do acusado livrar-se da


prisão durante o curso da instrução criminal mediante os vínculos com o
processo definidos nessa espécie de liberdade provisória. A
inafiançabilidade que decorre diretamente da Constituição não obsta a
concessão de liberdade provisória, desde que os vínculos do acusado
com o processo, determinados nessa hipótese, sejam mais gravosos do
que o pagamento da fiança. Se a Magna Carta considerou insuscetíveis
de fiança determinados crimes, a lei ordinária não poderá permitir
hipóteses de liberdade provisória em que os vínculos do acusado sejam
menos gravosos do que a própria fiança, pena de contrariar a proibição
constitucional, por torná-la inócua.

Enfim, diante da expressa vedação legal da prestação da fiança

pelos acusados pela prática de crimes hediondos e equiparados, inclusive pelos

nossos Tribunais Superiores, que aplicam ao caso concreto o dispositivo legal,

não há que se falar, por ora, no cabimento do instituto da fiança para esses

delitos.

3. A PROGRESSÃO DE REGIMES PRISIONAIS NOS CRIMES


HEDIONDOS E EQUIPARADOS NO BRASIL

3.1 DA PROIBIÇÃO DO REGIME PROGRESSIVO E O PRINCÍPIO


CONSTITUCIONAL DA INDIVIDUALIZAÇÃO DA PENA
63

Publicada a Lei dos Crimes Hediondos, entendeu o legislador

ordinário, naquela época, em vedar o benefício de progressão de regimes no

tocante aos crimes hediondos e assemelhados, uma vez que o artigo 1º do artigo

2º estabeleceu que a pena privativa de liberdade aplicada a esses crimes seria

executada em fase única, ou, seja, deveria ser ela cumprida integralmente no

regime fechado.

Tal vedação feria, expressamente, o princípio constitucional da

individualização da pena, assentado no artigo 5º, inciso XLVI, da Constituição

Federal, que estabelece que a lei regulará a individualização da pena.

MARISYA SOUZA E SILVA44 sustenta que:

A individualização da pena dá-se pelo estabelecimento de pena para


cada agente condenado, observando suas particularidades,
características próprias, subjetivas e objetivas, bem como, o fato
praticado e o contexto no qual foi perpetrado. O princípio da
individualização da pena, fundando no sistema garantista, refere-se à
individualização da pena no momento da cominação, aplicação e
execução, com a adequação da pena à realidade do condenado, às suas
condições pessoais, à necessidade da medida e aos fins de sua
aplicação.

A essência da individualização da pena reside na consideração do

fato ocorrido, do crime efetivamente cometido, da pessoa que concretamente o

praticou. Ademais, o princípio da individualização da pena assegura que a pena

não ultrapassará o condenado e que, de acordo com duas características

individuais, será cumprida com respeito à dignidade humana, razão pela qual são

vedadas as penas cruéis, assegurando integridade física e moral ao reeducando.

44
SILVA, Marisya Souza. Crimes Hediondos e Progressão de Regime Prisional. 2ª ed. rev. e
atual. Curitiba: Ed. Juruá, 2009, p. 84-85.
64

Assim sendo, o legislador foi infeliz quando fez inserir na Lei dos

Crimes Hediondos a vedação ao regime progressivo de penas, estabelecendo

uma obrigatoriedade genérica do regime fechado para o cumprimento da pena

privativa de liberdade, impondo a todo e qualquer condenado pela prática de um

determinado tipo abstrato de crime, independentemente da medida da pena

concretizada, impedindo, dessa forma, que o juiz considere a situação concreta,

que acaba por ser substituída por uma abstração.

Nesse sentido, o legislador ordinário, claramente, afetou a essência

do princípio da individualização da pena, violando, consequentemente, a norma

constitucional, conforme veremos no próximo tópico.

RENATO MARCÃO45 destaca que surgiu uma grande polêmica com

a vedação à progressão de regime prisional, ao se estabelecer que a pena

imposta como decorrência de condenação pela prática de crimes hediondos, a

prática da tortura, o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins e o terrorismo

deveria ser cumprida integralmente em regime fechado, conforme previa o artigo

2º, § 1º, da Lei nº. 8.072/90.

Apesar da proibição da progressão de regimes, a Lei nº. 8072/90

não vedou a concessão do livramento condicional aos condenados pelos crimes

hediondos e assemelhados. Porém, na intenção de puni-los com mais rigor, o

legislador ordinário fixou-lhes como castigo o cumprimento da pena no regime

integralmente fechado, enquanto não puder, ou se não puder se beneficiar do

livramento condicional.
45
MARCÃO, Renato. Curso de Execução Penal. 9ª ed. rev., amp. e atual. de acordo com as
Leis n. 12.258/2010 (monitoramento eletrônico) e 12.313/2010 (inclui a Defensoria Pública
como órgão da execução penal. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 179.
65

É clarividente que tal dispositivo de lei que antes vedava a

progressão de regimes de crimes hediondos e assemelhados afrontava

veementemente o princípio constitucional da individualização da pena, bem como

a outros princípios constitucionais, com destaque para o princípio da

humanização da pena e o princípio da dignidade da pessoa humana.

3.2 DA DECLARAÇÃO DA INCONSTITUCIONALIDADE DA


ANTIGA REDAÇÃO DO PARÁGRAFO 1º, DO ARTIGO 2º, DA
LEI DOS CRIMES HEDIONDOS

Conforme mencionado no subitem anterior, o parágrafo 1º do artigo

2º da Lei nº. 8.072/90 foi inserido de forma descabida pelo legislador ordinário,

confrontando diretamente o princípio da individualização da pena.

Mas não é somente essa a motivação que fundamentava as

alegações de inconstitucionalidade de referido dispositivo.

Para ALBERTO SILVA FRANCO46, a exclusão do sistema

progressivo conflita também com o princípio constitucional da humanidade da

pena, estabelecida no artigo 5º, incisos III, XLVII e LXIX, da Constituição Federal

de 1988. Ele afirma que pena executada com um único e uniforme regime

prisional, significa pena desumana, porque inviabiliza um tratamento penitenciário

racional e progressivo; deixa o condenado sem esperança alguma de obter a

liberdade antes do termo final do tempo de sua condenação e, portanto, não

46
FRANCO, Alberto Silva; LIRA, Rafael; FELIX, Yuri. Crimes Hediondos. 7ª ed. rev. atual. e
amp. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 2010, p. 362-363.
66

exerce nenhuma influência psicológica positiva no sentido de sua reinserção

social.

Aduz ainda o autor supramencionado que draconiana medida

desampara o preso à própria sociedade na medida em que o devolve à vida em

sociedade após submetê-lo a um processo de reinserção às avessas, ou seja, a

uma dessocialização.

Para SERGIO FRANCISCO CARLOS GRAZIANO SOBRINHO47, a

vedação da progressão de regime prevista por vários anos no artigo 2º, § 1º, da

Lei nº 8.072/90, afrontava o princípio da individualização da pena, aplicada pelo

sistema penal, e o consequente aumento da estigmatização do indivíduo

condenado. Ressaltando ainda que a progressão de regime é consequência do

princípio da individualização da pena, o qual está inserido em norma

constitucional, bem como ao princípio da humanidade, que significa a

necessidade da existência de uma equivalência entre o delito praticado e sua

respectiva consequência jurídica, também previsto constitucionalmente e na

Convenção Americana sobre Direito Humanos – Pacto de San José da Costa

Rica – 1969, em seu artigo 5º, § 2º.

MARISYA SOUZA E SILVA48 destaca que houve um conflito entre

uma lei ordinária e a Constituição Federal, mas que tal conflito teria sido

facilmente solucionável, pois é inquestionável que ele se resolve em favor dos

princípios constitucionais.

47
SOBRINHO, Sérgio Francisco Carlos Graziano. A Progressão de Regime no Sistema
Prisional do Brasil: a interpretação restritiva e a vedação legal nos crimes hediondos como
elementos de estigmatização do condenado. 1ª ed. Rio de Janeiro: Ed. Lumen Juris, 2007, p.
119.
48
SILVA, Marisya Souza. Crimes Hediondos e Progressão de Regime Prisional. 2ª ed. rev. e
atual. Curitiba: Ed. Juruá, 2009, p. 91.
67

Pelos ensinamentos de ALBERTO SILVA FRANCO 49, apesar da

gritante ofensa aos princípios constitucionais em tela, o Supremo Tribunal

Federal, durante quase dezesseis anos, pela maioria de seus membros,

sustentava que competia à lei ordinária fixar os parâmetros dentro dos quais o

julgador poderá “efetivar ou a concreção ou a individualização da pena”, e que, se

o legislador ordinário, no uso da prerrogativa constitucional prevista no artigo 5º,

inciso XLVI, estabeleceu que nos crimes hediondos (definidos por ele também), o

cumprimento da pena será no regime fechado, significou que ele não quis deixar

qualquer discricionariedade ao juiz na fixação do regime prisional.

Como podemos observar, a nossa Corte Suprema se abstinha de

adentrar no mérito da causa em estudo, argumentando ser constitucional o § 1º,

do artigo 2º da Lei de Crimes Hediondos, o que se mostrava inaceitável.

Embora a Constituição Federal tenha deixado ao legislador

infraconstitucional a prerrogativa de formular critérios para o processo da

individualização da pena, isso não significa obstar a própria individualização, pois

o legislador ordinário está vinculado aos direitos, liberdades e garantias

estabelecidos na nossa Carta Magna. Tal vinculação está atrelada a uma

dimensão proibitiva, pois veda às entidades legislativas infraconstitucionais a

possibilidade de criarem atos legislativos contrários às normas de princípios

constitucionais, proibindo, assim, a elaboração de leis inconstitucionais lesivas de

direitos, liberdades e garantias.

49
FRANCO, Alberto Silva; LIRA, Rafael; FELIX, Yuri. Crimes Hediondos. 7ª ed. rev. atual. e
amp. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 2010, p. 365.
68

ALBERTO SILVA FRANCO50 aduz que o § 1º do artigo 2º da Lei dos

Crimes Hediondos poderia, sem dúvida, criar critérios de mensuração diversos

para a progressividade do regime prisional, ou seja, estabelecer prazos mais

rigorosos dos que já constam na legislação ordinária, garantindo ao condenado

pelos crimes considerados hediondos ou assemelhados o direito de ter

progressão de regimes de suas penas, não podendo nunca suprimir tal direito,

nem torná-lo praticamente inócuo, nem eliminar o enfoque ressocializador ínsito

na pena privativa de liberdade. Pois, da maneira que foi feita, o legislador atacou

o centro vital, a essência, o núcleo dos princípios constitucionais da legalidade, da

individualização e da humanidade da pena, o que lhe era proibido de fazer.

Pela lição de ANTONIO LOPES MONTEIRO51, ele nos ensina que:

(...) até à edição da Lei nº 9.455/97 – Lei de Tortura -, a questão da


constitucionalidade ou inconstitucionalidade do artigo 2º, § 1º, da Lei nº.
8.072/90 (cumprimento da pena integralmente em regime fechado para
os crimes hediondos e equiparados), embora não pacificada na doutrina,
o que seria até impossível, o Supremo Tribunal Federal já havia firmado
posição a favor da constitucionalidade. A Lei de Tortura, porém, no que
diz respeito ao cumprimento de pena, dispôs de forma diversa ao prever
no § 7º, do artigo 1º, com exceção à modalidade do § 2º (crime
omissivo), que o condenado iniciará o cumprimento da pena em regime
fechado. Assim, se apenas o início será em regime fechado, a conclusão
a “contrario sensu” é que a lei não proíbe a progressão de regime.

A partir daí, houve quem interpretasse que esse novel dispositivo

revogaria o §1º do artigo 2º, da Lei dos Crimes Hediondos.

ANTONIO LOPES MONTEIRO52 se posiciona contra tal

interpretação, justificando-se em razão de que a Lei de Tortura não se refere de

forma expressa à Lei dos Crimes Hediondos, bem como por se tratar de lei
50
FRANCO, Alberto Silva; LIRA, Rafael; FELIX, Yuri. Crimes Hediondos. 7ª ed. rev. atual. e
amp. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 2010, p. 367.
51
MONTEIRO, Antônio Lopes. Crimes Hediondos, textos, comentários e aspectos polêmicos. 9ª
ed. São Paulo: Ed. Saraiva, 2010, p. 193.
52
MONTEIRO, Antônio Lopes. Crimes Hediondos, textos, comentários e aspectos polêmicos. 9ª
ed. São Paulo: Ed. Saraiva, 2010, p. 193-194.
69

específica para o crime de Tortura, não tendo o condão de ser aplicada a outros

tipos penais, pois estes são regidos por uma lei também específica. Acrescenta

ele, que não é pelo fato de se tratarem de leis decorrentes do mesmo inciso LXIII

do artigo 5º da Constituição Federal, que a Lei de Tortura, por ser posterior e mais

benigna, revogaria a Lei dos Crimes Hediondos. Aduz ainda que a previsão

constitucional não se refere ao regime de cumprimento de pena, deixando para o

legislador infraconstitucional a tarefa de fazê-lo, que por sua vez editou duas leis

distintas, não havendo incompatibilidade jurídica alguma.

Assim, questão que se faz fundamental para entendermos o

problema da Lei nº. 8.072/90 em face da Lei nº. 9.455/97 é a de saber como fica o

cumprimento da pena para os denominados crimes hediondos.

A polêmica questão da derrogação ou não do § 1º, do artigo 2º da

Lei nº. 8.072/90 pela Lei nº. 9.455/97 sempre esteve presente em nossos

Tribunais. Os debates sempre foram muito ricos sob o aspecto das posições

defendidas por nossos julgadores.

Diante das diversas discussões sobre o tema, o Supremo Tribunal

Federal havia editado a Súmula nº 698, que assim dispõe: "Não se estende aos

demais crimes hediondos a admissibilidade de progressão no regime de

execução da pena aplicada ao crime de tortura".

Passados os anos, diante de toda a problemática existente em

relação à progressão de regimes dos crimes hediondos, houve uma reformulação

na composição do Supremo Tribunal Federal. Novos membros passaram a

integrá-lo, quando da saída daqueles que se aposentaram. E como era de se


70

esperar, algumas posições que estavam sedimentadas, apesar de não unânimes,

voltaram a ser discutidas. E dentre elas, destaca-se o nosso estudo em tela.

Nesse rumo, o Plenário do Supremo Tribunal Federal, em 23 de

fevereiro de 2006, julgando o Habeas Corpus nº 82.959-7, por maioria de votos,

declarou a inconstitucionalidade do § 1º do artigo 2º da Lei nº. 8.072/90,

reconhecendo que tal dispositivo “conflita com a garantia da individualização da

pena – art. 5º, inciso XLVI, da Constituição Federal – a imposição, mediante

norma, do cumprimento da pena em regime integralmente fechado”.

De acordo com ALBERTO SILVA FRANCO53, a decisão acima

citada é histórica e abordou alguns temas de capital importância no exercício da

jurisdição constitucional. A uma, diz respeito às balizas que devem ser adotadas

no relacionamento entre o legislador constituinte e o legislador ordinário, pois o

poder outorgado ao legislador infraconstitucional não vai a ponto de dotá-lo de

uma “delegação em branco”, “que tudo poderá fazer”. Os princípios

constitucionais devem estar acima de qualquer outro entendimento. A duas, versa

sobre os efeitos da declaração de inconstitucionalidade, pois o Supremo Tribunal

Federal, a partir de tal decisão, acolheu o entendimento de que, em se tratando

de controle incidental ou difuso, é pertinente àquela Corte Suprema estender os

efeitos da decisão a outras situações processuais suscetíveis de serem

alcançadas pelo reconhecimento in concreto de inconstitucionalidade. Dessa

forma, ao dar efeito ex nunc à decisão, estendeu-se a todos os condenados por

crimes hediondos e assemelhados que se encontravam em cumprimento de

penas.

53
FRANCO, Alberto Silva; LIRA, Rafael; FELIX, Yuri. Crimes Hediondos. 7ª ed. rev. atual. e
amp. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 2010, p. 368-369.
71

Porém, seguindo a lição de Alberto Silva Franco, o reconhecimento

da inconstitucionalidade com eficácia ex nunc não representou de forma alguma

uma automática aplicação do regime progressivo em crime hediondo e

assemelhado, mas apenas a possibilidade de que possa ser examinada, caso a

caso, a situação do réu ou do condenado à luz do regramento legal estabelecido

para a progressão do regime prisional54.

Sobre o assunto abordado neste subitem, assim passou a ser o

entendimento do Supremo Tribunal Federal, in verbis:

EMENTA: 1. Crime hediondo: regime de cumprimento de pena:


incidência da Súmula 698 ("Não se estende aos demais crimes
hediondos a admissibilidade de progressão no regime de execução da
pena aplicada ao crime de tortura"). 2. Recurso extraordinário:
descabimento: falta de prequestionamento da alegada
inconstitucionalidade do § 1º, do art. 2º, da L. 8.072/90: incidência das
Súmulas 282 e 356. 3. Recurso extraordinário, requisitos específicos e
habeas corpus de ofício. Em recurso extraordinário criminal, perde relevo
a inadmissibilidade do RE da defesa, por falta de prequestionamento e
outros vícios formais, se, não obstante - evidenciando-se a lesão ou a
ameaça à liberdade de locomoção - seja possível a concessão de
habeas-corpus de ofício (v.g. RE 273.363, 1ª T., Sepúlveda Pertence, DJ
20.10.2000). 4. Crime hediondo: regime de cumprimento de pena:
progressão. Ao julgar o HC 82.959, Pl., 23.2.06, Marco Aurélio, Inf. 418,
o plenário do Supremo Tribunal declarou, incidentemente, a
inconstitucionalidade do § 1º do art. 2º da L. 8.072/90 - que determina o
regime integralmente fechado para o cumprimento de pena imposta ao
condenado pela prática de crime hediondo - por violação da garantia
constitucional da individualização da pena (CF., art. 5º, LXVI). 5.
Deferimento de habeas corpus de ofício, para afastar o óbice do regime
fechado imposto pela norma cuja inconstitucionalidade se declarou,
cabendo ao Juízo das Execuções, como entender de direito, analisar a
eventual presença dos demais requisitos da progressão. (STF - AgRg
504022-9 RS, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, j. 26-04-2006).

3.3 O ADVENTO DA LEI Nº. 11.464, DE 28 DE MARÇO DE 2007

54
FRANCO, Alberto Silva; LIRA, Rafael; FELIX, Yuri. Crimes Hediondos. 7ª ed. rev. atual. e
amp. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 2010, p. 368-369.
72

A declaração de inconstitucionalidade do § 1º do artigo 2º da Lei dos

Crimes Hediondos, por parte do Supremo Tribunal Federal, estudada no tópico

anterior, provocou imediatas reações. A imprensa passou a atribuir críticas à

Corte Suprema, alegando que ela estava adotando postura frouxa em relação aos

crimes considerados hediondos e assemelhados. Pois, a partir daquela decisão,

não haveria mais distinção, no que se refere à progressão do cumprimento da

pena, entre condenados por crimes comuns e por crimes hediondos. De forma

que, após o cumprimento de um sexto da pena aplicada (artigo 112 da LEP), o

condenado, por crime hediondo ou não, poderia ter sua progressão, passando do

regime fechado para o semiaberto, e na falta de vagas nesse regime, poderia, a

critério do juiz, ser ele colocado em prisão domiciliar.

Pelo que explica ALBERTO SILVA FRANCO55, a decisão do

Supremo Tribunal Federal não comportava todo aquele alarde produzido pelos

meios de comunicação, uma vez que a Corte Suprema atribuiu ao juiz da

execução penal a discricionariedade para a análise de cada caso concreto, de

forma que a progressão poderia dar-se não necessariamente com um sexto da

pena cumprida, mas com quantidades maiores de cumprimento de pena privativa

de liberdade.

Apesar disso, alguns Tribunais inferiores, bem como inúmeros juízes

da execução penal, não aplicaram o entendimento da Corte Suprema, sob a

alegação de que a declaração de inconstitucionalidade não teria efeito erga

omnes (contra todos), mas resultara de mero controle difuso de

constitucionalidade, e, nesse caso, a declaração de inconstitucionalidade somente

55
FRANCO, Alberto Silva; LIRA, Rafael; FELIX, Yuri. Crimes Hediondos. 7ª ed. rev. atual. e
amp. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 2010, p. 371-372.
73

teria validade entre as partes submetidas a julgamento. Além do mais, alegava-se

também a necessidade da suspensão do dispositivo legal do qual foi declarada a

inconstitucionalidade pelo Senado Federal, conforme preceitua o artigo 52, inciso

X, da Constituição Federal.

Dessa forma, a fim de dar uma resposta à sociedade, diante da forte

pressão dos meios de comunicação social e por parlamentares, o Governo

Federal enviou ao Congresso Nacional projeto de lei que previa uma distinção

entre condenados por crimes comuns daqueles condenados por crimes

considerados hediondos ou assemelhados, em que para a progressão de regimes

em relação aos condenados por crimes previstos na Lei nº. 8072/90. De acordo

com referido projeto, a progressão do regime fechado para o semiaberto se daria,

em se tratando de sentenciado primário, com o cumprimento de um terço da

pena, e para aquele reincidente, deveria cumprir pelo menos metade de sua

pena, para ter direito à progressão.

Durante a tramitação desse projeto, mais uma vez ocorreu, no Rio

de Janeiro, ação criminosa de extrema gravidade, causando clamor público, que

foi a morte em condições trágicas do infante João Hélio, em que assaltantes do

veículo onde ele estava com seus pais, o arrastaram pelas ruas, pois ele se

encontrava atado ao cinto de segurança. A reação da imprensa, escrita e falada,

diante desse crime brutal, foi de fazer campanha que impactou a opinião pública e

as forças políticas, exigindo-se uma legislação penal mais repressiva para esse

tipo de crime.
74

Tais manifestações dos meios de comunicação social recebem

críticas do autor ALBERTO SILVA FRANCO 56, que alega que a retirada de

circulação de criminosos destituídos de qualquer sentimento humano, conforme

requer a imprensa, não basta para devolver a tranquilidade de todos.

A partir desse episódio, várias propostas então que tramitavam pelo

Congresso Nacional passaram a ser discutidas e o projeto anteriormente remetido

pelo Governo Federal foi deixado de lado, sendo então formulada a Lei nº.

11.464, de 28 de março de 2007.

Tal legislação alterou os §§ 1º e 2º, do artigo 2º da Lei nº. 8.072/90.

No § 1º, substituiu-se o vocábulo integralmente pela palavra inicialmente. Essa

mudança consistiu no claro reconhecimento de que, em relação aos crimes

hediondos e assemelhados, admite-se expressamente o sistema progressivo a

partir de sua etapa inicial, ou seja, do regime fechado. Isso evidencia o caráter

retroatriva da nova norma legal. Já no § 2º, o legislador estatuiu que a progressão

de regimes dar-se-á após o cumprimento de 2/5 (dois quintos) da pena, quando

se tratar de condenado primário, e de 3/5 (três quintos), se reincidente.

Todavia, segundo ALBERTO FRANCO SILVA 57, esta Lei trouxe à

tona três questões de relevância: a questão de retroatividade ou não do § 2º, do

artigo 2º da Lei de Crimes Hediondos, com a redação dada pelo novo diploma

legal; o conceito de reincidência e a imperiosidade do regime inicial fechado.

56
FRANCO, Alberto Silva; LIRA, Rafael; FELIX, Yuri. Crimes Hediondos. 7ª ed. rev. atual. e
amp. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 2010, p. 372.
57
FRANCO, Alberto Silva; LIRA, Rafael; FELIX, Yuri. Crimes Hediondos. 7ª ed. rev. atual. e amp.
São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 2010, p. 374.
75

Para ANTÔNIO LOPES MONTEIRO58, ele sustenta que finalmente,

o legislador, pressionado pela sociedade civil, aprova e o Presidente sanciona a

Lei nº. 11.464/2007, que entrou em vigor no dia 29 de março de 2007, que regula,

de uma vez por todas, o problema do cumprimento da pena para os crimes

hediondos e equiparados, ao mesmo tempo que exclui a liberdade provisória do

inciso II, do § 1º do artigo 2º da Lei dos Crimes Hediondos.

3.3.1 A QUESTÃO DA RETROATIVIDADE DO NOVO DISPOSITIVO


LEGAL

Com o advento da Lei nº. 11.343/2007, que alterou

dispositivos da Lei dos Crimes Hediondos, formaram-se duas correntes sobre a

matéria relativa à retroatividade da aplicação dos critérios para progressão de

regimes prisionais.

A primeira corrente tinha o entendimento de que a Lei nº

11.464/2007 era mais benéfica ao condenado pela prática de crimes definidos

como hediondos ou assemelhados, uma vez que antes de sua vigência, o regime

prisional deveria ser o integralmente fechado, e a declaração de

inconstitucionalidade decidida pelo Supremo Tribunal Federal, julgando Habeas

Corpus nº 82.959-7, não tinha efeito erga omnes, dizendo respeito tão somente

ao caso julgado. Evidenciando-se assim, nessa situação, o caráter mais favorável

do novo dispositivo legal.

58
MONTEIRO, Antônio Lopes. Crimes Hediondos, textos, comentários e aspectos polêmicos. 9ª
ed. São Paulo: Ed. Saraiva, 2010, p. 210.
76

No entanto, para essa corrente, a declaração de

inconstitucionalidade pronunciada pelo Supremo Tribunal Federal, conforme

acima exposto, não teve o condão de revogar a Lei dos Crimes Hediondos,

mesmo que a progressão por esse entendimento estivesse sendo aplicada a

casos concretos. Dessa forma, vigorava ainda o § 1º do artigo 2º da Lei nº.

8.072/90, pois não havia sido revogada por nenhuma outra lei, nem teve

suspensa sua execução pelo Senado Federal. Por esses motivos, considerava

essa corrente que a nova lei (11.464/2007) é mais benéfica – novatio legis in

mellius – e, portanto, retroage a todos os casos pregressos. Nesse caso, a

progressão era possível, porém, deveria ser aplicado o percentual de 2/5 (dois)

quintos) se condenado primário, e de 3/5 (três quintos), quando reincidente. Em

resumo, para essa corrente mais conservadora, se antes da vigência da Lei nº.

11.464/2007 não se admitia a progressão e agora sim, esta lei é mais benéfica.

A segunda corrente já tem entendimento diferente. Considera

que o julgamento do Supremo Tribunal Federal, mencionado no parágrafo

anterior, teve efeito abrangente a todos os casos, aplicando-se a todos os

processos em que ainda fosse possível, em qualquer estágio de desenvolvimento

processual, a progressão de regime. Entendendo essa corrente que a partir da

decisão da Corte Suprema seria admissível, em princípio, a passagem do regime

fechado para o semiaberto, desde que tenha sido cumprido um sexto da pena no

regime fechado, aplicando-se os requisitos do artigo 112 da Lei de Execução

Penal. Segundo essa posição, até a entrada em vigor da Lei nº. 11.464/2007,

publicada em 28/03/2007, o tempo de cumprimento de pena exigível era bem

inferior ao que foi determinado na atual disposição legal. Destarte, por se tratar de

norma penal mais gravosa para o condenado, não há se falar em retroatividade.


77

Essa corrente, mais liberal, entendeu a Lei nº 11.464/2007

como mais gravosa ao condenado pela prática de crimes hediondos e

assemelhados, sendo, no entanto, novatio legis in pejus, não devendo portanto

retroagir, pois prejudicaria o condenado.

ALBERTO SILVA FRANCO59 leciona que essa segunda

corrente é a que merece o mais irrestrito apoio. Para ele, os percentuais de 2/5

(dois quintos) e 3/5 (três quintos) são inquestionavelmente bem mais rigorosos

que o de 1/6 (um sexto) estabelecido pelo artigo 112 da Lei de Execução Penal.

Que a aplicação do § 2º do artigo 2º da Lei dos Crimes Hediondos, com a redação

dada pela Lei nº. 11.464/2007, só poderá ocorrer, em relação a crimes hediondos

e assemelhados, a partir de 29 de março de 2007. Fatos praticados antes dessa

data continuam regidos pelo percentual determinado no artigo 112 da Lei de

Execução Penal.

Na lição de ANTONIO LOPES MONTEIRO 60, podemos

observar que ele destaca a possibilidade de uma terceira corrente, com posição

intermediária, tendo como termo de análise o dia 23 de fevereiro de 2006, data de

julgamento do Habeas Corpus nº. 82.959 pelo Supremo Tribunal Federal.

Segundo o autor, os adeptos dessa corrente entendem que a progressão, com o

cumprimento de 1/6 (um sexto) da pena no regime anterior (regra geral do art.

112 da LEP), era possível apenas para os crimes praticados após essa data.

Desse modo, a exigência do cumprimento de 2/5 (dois quintos) ou 3/5 (três

quintos) só retroage para os crimes praticados até 22 de fevereiro de 2006. E

para os crimes praticados no período compreendido entre as datas de 23 de


59
FRANCO, Alberto Silva; LIRA, Rafael; FELIX, Yuri. Crimes Hediondos. 7ª ed. rev. atual. e amp.
São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 2010, p. 374.
60
MONTEIRO, Antônio Lopes. Crimes Hediondos, textos, comentários e aspectos polêmicos. 9ª
ed. São Paulo: Ed. Saraiva, 2010, p. 212.
78

fevereiro de 2006 (data do julgamento do Habeas Corpus nº. 82.959, pelo STF) e

28 de março de 2007 (data da nova lei), a regra não se aplica, porque, no caso,

seria mais gravosa. Portanto, para esses crimes, o requisito objetivo continua

sendo o cumprimento de 1/6 (um sexto) da pena no regime anterior.

De acordo, ainda, com o mesmo autor mencionado no

parágrafo anterior, para os crimes de tortura não se aplicam essas considerações

em tela, pois para esses crimes já era permitida a progressão de regime pela

previsão legal disposta no § 7º do artigo 1º, da Lei nº. 9.455/97 97 (Lei de

Tortura). Para os condenados por esses crimes, o requisito objetivo era o da regra

geral do artigo 112 da Lei de Execução Penal (1/6). Portanto, em relação a eles a

nova regra é mais severa, e não retroage. Aplica-se somente aos casos ocorridos

após a vigência da Lei nº. 11.464/2007.

No entanto, para solucionar essa problemática, o Supremo

Tribunal Federal, em sessão plenária realizada no dia 16 de dezembro de 2008,

aprovou a Súmula Vinculante 26, com o seguinte teor:

Para efeito de progressão de regime de cumprimento de pena, por crime


hediondo ou equiparado, praticado antes de 29 de março de 2007, o juiz
da execução, ante a inconstitucionalidade do art. 2º, § 1º, da Lei n.
8.072/90, aplicará o art. 112 da Lei de Execuções Penais, na redação
original, sem prejuízo de avaliar se o condenado preenche ou não os
requisitos objetivos e subjetivos do benefício podendo determinar para
tal fim, de modo fundamentado, a realização de exame criminológico.
Dessa forma, por se tratar de súmula vinculante, não há como

defender outra posição, senão a da segunda corrente.

Como visto neste tópico, a Lei nº. 11.464/2007 pôs fim à

discussão de constitucionalidade ou inconstitucionalidade do cumprimento da

pena em regime integralmente fechado. Porém, haverá ainda muitas discussões


79

por um bom período no que se refere ao efetivo alcance de sua aplicação,

conforme veremos nos tópicos seguintes.

3.3.2 DA QUESTÃO DA REINCIDÊNCIA

Apesar da edição da Lei nº. 11.464/2007, que permite a

progressão de regime prisional ao condenado por crime hediondo, após dois

quintos (se primário) ou três quintos (se reincidente) de cumprimento da pena

privativa de liberdade (art. 2º, § 2º), a questão da reincidência se tornou mais um

objeto de análise para a progressão, considerando-se a interpretação literal do

artigo 63 do Código Penal, que diz:

Verifica-se a reincidência quando o agente comete novo crime, depois de


transitar em julgado a sentença, que, no País ou no estrangeiro, o tenha
condenado por crime anterior.

MIRABETE61 destaca que havendo maior índice de

censurabilidade na conduta do agente que reitera na prática do crime, prevê a lei

a reincidência como circunstância agravante do delito.

Para ele, por se tratar de circunstância pessoal referente ao

delito praticado, não incide na categoria do bis in idem, como por vezes já se

tenham alegado. Sendo reincidente, no entanto, quem pratica o crime após o

trânsito em julgado da sentença em que o réu foi condenado anteriormente, tanto

61
MIRABETE, Júlio Fabbrini; FABBRINI, Renato N. Código Penal Interpretado. 6ª Edição. São
Paulo: Atlas, 2007, p. 515.
80

por sentença proferida no país como no estrangeiro. Não se configurando a

agravante antes do trânsito em julgado, quando ainda não esgotadas todas as

vias recursais. Sendo irrelevante que o réu tenha cumprido ou não a pena ou que

ela tenha sido julgada extinta.

Sob o aspecto da reincidência e o princípio constitucional da

vedação da dupla punição pelo mesmo fato (bis in idem), a jurisprudência

majoritária já decide sob a ótica de que se alguém pode sofrer penalidade mais

grave simplesmente por apresentar personalidade perversa, é mais que natural

deva o criminoso reincidente ter também uma sanção mais elevada. Ademais, ele

não está sofrendo uma nova punição pelo crime anterior, e sim um aumento na

sua pena pela prática de um novo delito, uma vez que ao voltar a delinquir, o

agente demonstra persistência e rebeldia, inaceitáveis para quem deseja viver em

sociedade, desafiando a ordem pública e as leis vigentes.

Todavia, nosso ordenamento jurídico penal estabelece o

sistema da temporariedade em relação à caracterização da reincidência. Dessa

forma, a condenação anterior só será considerada para o reconhecimento da

agravante se não houver decorrido mais de cinco anos entre a data do

cumprimento da pena referente ao delito anterior e a da prática do crime posterior.

No Direito Penal brasileiro são duas as espécies de

reincidência.

GUILHERME NUCCI62 assim as define:

62
NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Direito Penal: Parte Geral: Parte Especial. 4ª ed.
rev., atual. e amp. 3ª tir. - São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2008, p. 453.
81

REINCIDÊNCIA REAL: quando o agente comete novo delito

depois de já ter efetivamente cumprido pena por crime anterior.

REINCIDÊNCIA FICTA: quando o autor comete novo crime

depois de ter sido condenado, com trânsito em julgado, mas ainda sem cumprir a

pena.

No tocante aos delitos hediondos, JOÃO JOSÉ LEAL 63

destacou que o conceito de reincidência nos termos do § 2º do artigo 2º da Lei

dos Crimes Hediondos, com a redação dada pela Lei nº. 11.464/2007, não deve

coincidir com aquele previsto no artigo 63 do Código Penal aplicável aos demais

delitos não considerados hediondos. No caso dos crimes hediondos, entende ele

que somente poderá ser considerado reincidente e obrigado a cumprir três

quintos da pena, antes do direito à progressão, o agente que cometer um novo

crime hediondo, após ter sido condenado por crime desta mesma espécie,

incluídos aí aqueles assemelhados.

ALBERTO SILVA FRANCO64 concorda com ele. Em sua obra

“Crimes Hediondos”, ele nos dá uma hipótese para o assunto em estudo, em que

o agente seja condenado por crime hediondo ou assemelhado, mas antes de ter a

decisão condenatória transitada em julgado, venha a praticar outro crime

hediondo ou assemelhado, sendo novamente condenado. Comparando esta

hipótese àquela em que o agente tenha sido condenado por lesões corporais

dolosas, ou por furto simples ou qualificado, e que a decisão condenatória tenha

transitado antes da prática do crime hediondo ou assemelhado pelo qual veio a


63
LEAL, João José. Progressão de regime prisional e crime hediondo: análise da Lei 11.464/2007 à luz da
política criminal. Disponível em: <http://www.direitonet.com.br/artigos>. acessado em 26-09-2011.
64
FRANCO, Alberto Silva; LIRA, Rafael; FELIX, Yuri. Crimes Hediondos. 7ª ed. rev. atual. e
amp. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 2010, p. 376.
82

ser condenado. No primeiro caso, será havido como primário, e a passagem do

regime fechado para o semiaberto se dará após cumprido 2/5 (dois quintos) da

pena. Na segunda hipótese, o condenado será havido como reincidente e, então,

a passagem do regime fechado para o semiaberto só poderá ocorrer após o

cumprimento de 3/5 (três quintos) da pena. As hipóteses exemplificativas

apresentadas mostram a medida da injustiça decorrente de uma aplicação literal

do conceito de reincidência a partir do artigo 63 do Código Penal.

Entendo corretas as lições acima, uma vez que o conceito de

reincidência para os crimes hediondos deve ser analisado de forma diferente em

relação à reincidência dos crimes comuns, de forma a ser feita justiça.

Do quanto abordado neste item, concluímos que a

questão da reincidência é mais um fator a ser analisado, pois a lei deixou a

interpretação subjetiva de cada julgador ao aplicá-la.

3.3.3 A IMPERIOSIDADE DO REGIME INICIAL FECHADO

Diante do disposto no § 1º do artigo 2º da Lei dos Crimes

Hediondos, com a redação que lhe foi dada pela Lei nº. 11.464/2007,

estabelecendo que a pena por crimes hediondos e equiparados será cumprida

inicialmente no regime fechado, a uma primeira interpretação literal deste

dispositivo legal tem-se uma conclusão de que o regime prisional inicial de todo e

qualquer crime hediondo ou assemelhado deverá obrigatoriamente ser no regime

fechado.
83

É mais um novo questionamento que se faz, com o mesmo

fundamento anteriormente apontado: impor de maneira fechada que determinada

categoria de crime, independente da pena imposta, deve ter cumprimento de

pena inicialmente em regime fechado é constitucional ou fere o princípio da

individualização da pena?

Para o renomado jurista LUIZ FLÁVIO GOMES 65, devemos

aguardar a decisão do Tribunal Pleno do Supremo Tribunal Federal, uma vez que

a Primeira Turma do STF, no recente julgamento do Habeas Corpus nº

101.284/MG, relatado pelo Ministro Dias Toffoli, remeteu àquele a deliberação

sobre a constitucionalidade do § 1º do art. 2º da Lei 8.072/90, no que se refere à

determinação do cumprimento da pena em regime inicialmente fechado.

Embora a regra anterior fosse mais severa, pois antes do

advento da Lei 11.464/07, a redação deste artigo dispunha que a pena por crimes

hediondos deveria ser cumprida integralmente em regime fechado, o mesmo

Supremo Tribunal Federal, que agora remete o julgamento ao Plenário, entendeu,

à época, em vários julgados que impor que determinado crime devesse ser

cumprido em regime integralmente fechado era descumprir a individualização da

pena.

Ainda sob o ponto de vista de LUIZ FLÁVIO GOMES 66, a

regra do § 1º do art. 2º só pode ser concebida como “indicativa”, não como regra

absoluta. Cabe ao juiz avaliar o que é mais adequado em cada caso concreto. A

individualização da pena, em linhas gerais, é tarefa do juiz. As regras gerais foram

65
GOMES, Luiz Flávio; SOUZA, Áurea Maria Ferraz de. Crimes Hediondos: regime inicialmente
fechado. Sempre?. Disponível em: <http://www.lfg.com.br>. Acesso em: 07-08-2011.
66
GOMES, Luiz Flávio; SOUZA, Áurea Maria Ferraz de. Crimes Hediondos: regime inicialmente
fechado. Sempre?. Disponível em: <http://www.lfg.com.br>. Acesso em: 07-08-2011.
84

dadas pelo Código Penal. Razoabilidade e proporcionalidade: com base nesse

princípio o juiz pode flexibilizar os textos legais “especiais”, como os previstos

para os crimes hediondos. Cada caso é um caso.

Na lição de ALBERTO SILVA FRANCO67, ele ressalta que a

obrigatoriedade de iniciar o cumprimento em regime fechado para todo e qualquer

condenado por crime hediondo e assemelhado lesiona o princípio constitucional

da individualização da pena. Sendo um dos enfoques centrais desse princípio se

encontrar no momento judicial, ou seja, naquele em que o juiz, dentro das balizas

penais, escolhe a espécie, a quantidade de pena e o regime prisional inicial que

devem ser aplicados ao réu comprovadamente culpado.

Ainda, segundo ele, o legislador ordinário não poderá obstar

ou esvaziar o processo individualizador do juiz porque, em tal situação provoca

um sério agravo ao sistema progressivo de cumprimento de pena privativa de

liberdade, de indiscutível enfoque constitucional.

Fica claro que, para os crimes comuns, o Código Penal

brasileiro estabelece no seu artigo 33, § 2º, alíneas “a”, “b” e “c”, e § 3º, a forma

de progressão de regimes prisionais, apontando a quantidade de pena aplicada

para cada caso de fixação de regime. Portanto, o legislador ordinário, ao

determinar que o regime inicial de cumprimento de pena dos crimes hediondos e

assemelhados seja obrigatoriamente o fechado, independentemente da

quantidade da pena aplicada, ele foi além do que lhe era permitido, e se pôs no

lugar do julgador, retirando do órgão judicial o seu poder discricionário, sobretudo

a aplicação do princípio da individualização da pena.


67
FRANCO, Alberto Silva; LIRA, Rafael; FELIX, Yuri. Crimes Hediondos. 7ª ed. rev. atual. e
amp. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 2010, p. 378.
85

No caso do parágrafo anterior, o legislador ordinário, ao fazer

inserir no dispositivo legal o início do cumprimento da pena no regime prisional

fechado, de forma obrigatória, ele impediu que o juiz pudesse, em caso de pena

igual ou inferior a quatro anos ou maior que quatro, mas inferior a oito anos,

conceder regime aberto ou semiaberto, assim como, no caso de condenação

igual ou inferior a quatro anos, de converter a pena privativa de liberdade em

restritiva de direitos.

Muitos doutrinadores consideram que essa atitude do

legislador ordinário entra em colisão aberta com a nossa Lei Maior. Alegam

alguns autores que apesar de já estar enterrado o regime integralmente fechado,

no que se refere aos crimes hediondos e equiparados, ainda perambula pelo

nosso ordenamento jurídico o seu primo-irmão, que é o regime inicialmente

fechado, determinado pela Lei nº. 11.464/2007.

Nesse mesmo sentido, é a opinião de Celso Delmanto 68, que

sustenta o seguinte:

(...) se a antiga imposição de regime fechado integral era


inconstitucional, também é afrontoso ao princípio da individualização da
pena, garantido constitucionalmente, o disposto na nova redação do § 1º
do art. 2º da Lei 8.072/90, com a redação dada pela Lei 11.464/2007,
agride a Constituição Federal e se mostra, além disso, de total
inocuidade em face do art. 33 do Código Penal. Com efeito, o regime
fechado inicial será sempre aplicado ao condenado (primário ou
reincidente) no caso, de pena superior a oito anos, independentemente
de qualquer determinismo tipológico.

Ainda sobre o assunto em comento, no tocante à

irretroatividade da lei penal mais gravosa, que no caso em tela se trata da fixação

68
DELMANTO, Celso; DELMANTO, Roberto; JUNIOR, Roberto Delmanto et al. Código Penal
Comentado. 8ª edição. São Paulo: Saraiva, 2010. , p. 218.
86

do regime inicial fechado para o cumprimento de pena dos crimes hediondos ou

equiparados, previsto no § 1º, do artigo 2º, da Lei nº 8.072/90, em face do

reconhecimento da inconstitucionalidade do regime integralmente fechado pelo

Supremo Tribunal Federal em 2006 e o advento da Lei nº. 11.464/2007, que

alterou referido dispositivo, passando a autorizar a progressão, mas impondo o

regime inicial fechado para o cumprimento da pena, a jurisprudência tem se

posicionado seguindo duas vertentes. Uma delas entende a obrigatoriedade do

regime inicial fechado para os crimes hediondos e equiparados, ante a previsão

legal. A outra, parte da não obrigatoriedade.

Senão vejamos:

- OBRIGATORIEDADE:

A pretensão do paciente esbarra na literalidade da norma legal – seja na


redação original, seja na redação atual -, já que as penas privativas de
liberdade aplicadas para os agentes que cometem crimes hediondos ou
equiparados terão obrigatoriamente que ser cumpridas em regime
inicialmente fechado. Não há que se falar em violação aos princípios de
dignidade da pessoa humana, individualização da pena e
proporcionalidade, como pretende o impetrante. (STF – HC 103.011 –
Rel. Ellen Gracie – j. 24-08-2010 – DJe 10.09.2010).

- NÃO OBRIGATORIEDADE:

Tendo em vista a inexistência de circunstâncias judiciais desfavoráveis,


que a pena definitivamente arbitrada não alcança a 4 (quatro) anos de
reclusão; e também o fato de o crime ter sido cometido antes da vigência
da Lei 11.464/07 (o delito foi praticado no dia 24.10.2006), deve ser
estabelecido o regime aberto para o cumprimento da privativa de
liberdade. (STJ – HC 147.924-SP – Rel. OG Fernandes – j. 11-12-2009 –
DJe 04.10.2010).

Todavia, a não obrigatoriedade acima, aplica-se somente aos

delitos praticados antes da vigência da Lei nº. 11.464/2007.


87

3.3 REQUISITOS NECESSÁRIOS PARA CONCESSÃO DA


PROGRESSÃO DE REGIME PRISIONAL DOS CRIMES
HEDIONDOS E EQUIPARADOS NO ATUAL ORDENAMENTO
JURÍDICO

O texto do parágrafo 2º do artigo 2º da Lei dos Crimes Hediondos

com a redação que lhe foi dada pela Lei nº. 11.464/07, dispõe sobre a progressão

de regime prisional e diz , in verbis:

A progressão de regime, no caso de condenados aos crimes previstos


neste artigo, dar-se-à após o cumprimento de 2/5 (dois quintos) da pena,
se o apenado for primário, e de 3/5 (três quintos), se reincidente.

No entanto, é preciso saber se, além dos requisitos de ordem

temporal, deve ser exigido outro de natureza mais subjetiva, como o bom

comportamento carcerário, exigível para os demais apenados por crimes comuns

(não-hediondos), requisito este previsto no art. 112, da Lei de Execução Penal.

Para JOÃO JOSÉ LEAL69, é preciso interpretar e aplicar o novo

comando normativo contido no § 2º do artigo 2º da Lei dos Crimes Hediondos, em

consonância com o disposto no art. 33, § 2º, do Código Penal, que condiciona a

progressão de regime ao mérito do condenado. Portanto, a lei penal é expressa

na exigência do merecimento, ou seja, do bom comportamento carcerário, para

que o condenado tenha direito ao avanço no regime prisional.

Ainda segundo ele, é preciso entender que o artigo 112, da Lei de

Execução Penal, foi objeto de derrogação apenas em sua parte relativa ao tempo
69
LEAL, João José. Progressão de regime prisional e crime hediondo: análise da Lei 11.464/2007 à luz da
política criminal. Disponível em: <http://www.direitonet.com.br/artigos>. acessado em 26-09-2011.
88

de cumprimento da pena como requisito para a progressão de regime dos

apenados por crime hediondo. No entanto, no que pertine ao mérito prisional, este

dispositivo da Lei nº. 7.210/84 continua com sua vigência e eficácia preservadas.

Sendo taxativo ao estabelecer que a progressão fica sujeita ao “bom

comportamento carcerário, comprovado pelo diretor do estabelecimento”.

Dessa forma, a comprovação do bom comportamento prisional,

portanto, continua sendo requisito indispensável para a progressão de regime

prisional.

3.4 A CONCESSÃO DO LIVRAMENTO CONDICIONAL NA


EXECUÇÃO DA PENA DE CRIMES HEDIONDOS E
EQUIPARADOS

A concessão do Livramento Condicional está prevista nos artigos

131 a 146 da Lei de Execução Penal, assim como nos artigos 83 a 90 do Código

Penal e artigos 710 a 733 do Código de Processo Penal.

Porém, há diferença para referida concessão no tocante aos crimes

hediondos e assemelhados em relação crimes comuns. O inciso V, do artigo 83

do Código Penal, acrescido pela Lei nº. 8.072/90, dispõe que nos casos de

condenação por crime hediondo, prática da tortura, tráfico ilícito de entorpecentes

e drogas afins e o terrorismo, o condenado terá direito ao benefício, desde que


89

cumprido mais de dois terço (2/3) da pena, e que também não seja reincidente

específico em crimes dessa natureza.

Já para os crimes comuns, isto é, não inseridos no rol daqueles

considerados como hediondos, o tempo de cumprimento de pena exigido para os

não reincidentes em crimes dolosos e de bons antecedentes é de mais de um

terço (1/3); no caso de reincidente em crime doloso o tempo de cumprimento é de

mais da metade; além dos outros requisitos subjetivos necessários.

Podemos observar, pela simples análise literal dos dispositivos

legais que tratam do assunto em estudo, que o legislador, na época da edição da

Lei dos Crimes Hediondos, mesmo tendo vedada a progressão dos regimes

prisionais, estabelecendo o cumprimento das penas advindas daqueles crimes no

regime integralmente fechado, permitiu a concessão do livramento condicional,

sem a necessidade de que o condenado tenha que passar pelo estágio dos

regimes semiaberto e aberto. Apenas vedou a concessão desse instituto no caso

de ser o condenado reincidente específico em crimes da mesma natureza

(hediondos e assemelhados).

Dessa forma, o legislador ordinário somente vedou a progressão dos

regimes prisionais aos condenados por crimes hediondos e assemelhados, não

significando que eles não pudessem obter o benefício do livramento condicional,

mas apenas que não teriam a progressão dos regimes prisionais até o

cumprimento dos requisitos exigidos para a obtenção do livramento condicional.

Ao estabelecer que não se pode conceder o livramento condicional

ao reincidente específico em crimes hediondos e assemelhados, segundo


90

ANTÔNIO LOPES MONTEIRO70, tal dispositivo trouxe perplexidade aos meios

jurídicos, pois restabeleceu a figura da “reincidência específica”, que se

encontrava abolida de nossa legislação penal desde a Reforma de 1977. Porém,

tal reincidência específica referida na Lei dos Crimes Hediondos não se tratava

daquela que constava anteriormente na redação primeira do antigo artigo 46, § 1º,

inciso II, do Código Penal. Nesta, a reincidência específica era considerada

quando os crimes eram da “mesma natureza”, enquanto naquela, o dispositivo da

Lei nº 8.072/90 exige apenas que os delitos sejam “dessa natureza”, ou seja,

sejam hediondos, ou prática de tortura, tráfico ilícito de entorpecentes e drogas

afins, e terrorismo. Assim sendo, o reincidente específico aquele que, condenado

com sentença transitada em julgada por um dos crimes ali referidos, venha a

praticar outro crime também previsto na Lei dos Crimes Hediondos,

independentemente da natureza do primeiro ou do segundo.

Para o livramento condicional não houve alteração na Lei dos

Crimes Hediondos, permanecendo em vigor o dispositivo original. Todavia,

podemos destacar na lição de MIRABETE 71, que a Lei de Tóxicos (11.343, de 23-

8-2006), ao tratar da concessão do livramento condicional para os condenados

por crimes relacionados com o tráfico de drogas, descritos nos artigos 33, caput, e

§ 1º, e 34 a 37, exige, igualmente, o cumprimento de dois terços (2/3) da pena,

mas veda o benefício somente ao reincidente específico nos crimes mencionados

no dispositivo, conforme consta do artigo 44, parágrafo único, da Lei nº.

11.343/06.

70
MONTEIRO, Antônio Lopes. Crimes Hediondos, textos, comentários e aspectos polêmicos. 9ª
ed. São Paulo: Ed. Saraiva, 2010, p. 184.
71
MIRABETE, Júlio Fabbrini; FABBRINI, Renato N. Manual de Direito Penal, volume 1: parte
geral, arts. 1º a 120 do CP. 24ª ed. rev. e atual. até 31 de dezembro de 2006. São Paulo: Atlas,
2008, p. 347.
91

Por se tratar de matéria penal, o disposto no inciso V do artigo 83 do

Código Penal, com a redação dada pela Lei nº. 8.072/90, só pode ser aplicado

aos condenados por crimes praticados após a vigência dessa Lei, pois, por se

tratar de lei penal mais severa, veda-se sua irretroatividade, em face do princípio

constitucional previsto no artigo 5º, inciso XL, da nossa Carta Magna.

Para os efeitos da concessão do benefício, considera-se a detração

penal, levando-se em conta o tempo em que o agente esteve recolhido em

decorrência de prisão provisória ou administrativa. Além disso, também pode ser

considerada a remição da pena, a fim de se atingir o limite mínimo necessário

para a concessão do benefício.

Ainda como pressuposto objetivo para concessão do livramento

condicional, exige-se a reparação do dano causado pela infração, salvo efetiva

impossibilidade de fazê-la, devendo o agente fazer prova dessa impossibilidade.

CONCLUSÃO

De todo o exposto, o problema central desse trabalho de monografia está

pautado na questão do cumprimento de pena pelos condenados por crimes

hediondos e equiparados, de acordo com o nosso ordenamento jurídico, no que

tange aos seus direitos garantidos constitucionalmente.

Conforme o desenvolvimento deste trabalho, a questão em comento pôde

ser respondida com base em pesquisas doutrinárias, assim como pelas decisões

judiciais de nossos Tribunais Superiores.


92

Do que foi pesquisado e trazido para este trabalho, notamos que a pena

privativa de liberdade é o instituto penal mais aplicado no nosso sistema prisional,

desde os tempos mais remotos. Isso porque ela é considerada como o meio de

correção do indivíduo que comete crimes. Ledo engano. Uma vez que a pena

privativa de liberdade, conforme a lição de vários autores, opinião pela qual eu

compartilho, não pode ser tomada como o único meio de se ressocializar o

criminoso e torná-lo ao convívio social devidamente recuperado. Ao revés, nosso

sistema carcerário está notadamente falido e o Estado não possui (ou pelo menos

não investe) condições de recuperar o criminoso, pois nossas prisões tem o

condão de dessocializar o indivíduo. Certamente, o indivíduo se torna ainda mais

pronto para voltar a delinquir.

Destarte, concluímos que o sistema prisional de progressão, adotado no

Brasil, não funciona adequadamente, segundo os ditames da lei.

Em relação aos crimes hediondos, muitas leis relacionadas a eles foram

sendo criadas. Muitas delas impulsionadas pela forte pressão dos meios de

comunicação social, que incitava a opinião pública, resultando na criação de leis

infraconstitucionais sem fundamento e parâmetro constitucional, ou seja, o

Congresso Nacional criava leis para dar uma resposta rápida à sociedade, sem se

preocupar com os efeitos práticos dessas leis.

Exemplo disso, foi a inclusão do crime de homicídio qualificado no rol dos

crimes hediondos. Não parando por aí, pois a Lei de Tortura também foi editada

em razão da opinião pública, que ficou chocada com as imagens gravadas na

Favela Naval, em Diadema.


93

Outro exemplo, e que faz parte do núcleo central de nosso estudo, foi o

advento da Lei nº. 11.464/2007, impulsionado pela tragédia ocorrida na cidade do

Rio de Janeiro, onde assaltantes, após o roubo de um veículo automotor,

arrastaram uma criança pelas ruas da cidade, presa ao cinto de segurança.

Cabe ainda lembrar que a própria Lei dos Crimes Hediondos, inclusive, só

veio à tona, em face da onda de sequestros de pessoas da alta sociedade,

ocorridos nas cidades de São Paulo e Rio de Janeiro, entre os anos de

1989/1990, com relevância ao sequestro do empresário Roberto Medina.

Todavia, essas leis vêm sempre pautadas de dúvidas e interpretações

ambíguas, que acabam, na maioria das vezes, necessitando de uma análise de

doutrinadores renomados e de decisões dos nossos tribunais, para que sejam

aplicadas de forma correta, de modo a garantir os direitos e garantias

constitucionais daqueles que delas se tornam reféns.

Nesse eito, analisar a Lei dos Crimes Hediondos, principalmente sob o

ângulo da progressão dos regimes prisionais, é de suma importância para os

acadêmicos do curso de Direito, haja vista que se trata de uma lei que já teve um

início confuso, levando-se em conta o dispositivo que determinava o regime de

cumprimento de pena integralmente fechado. Após, decorridos dezesseis anos,

tal dispositivo foi reconhecido pelo Supremo Tribunal Federal como

inconstitucional. Isso gerou enorme polêmica na área jurídica, pois passaram a

haver diversas dúvidas sobre a aplicação ou não da decisão proferida pela nossa

Corte Suprema, haja vista que muitos julgadores a considerava aplicável somente

ao caso concreto, sem abrangência geral.


94

A partir daí, o Estado passou a entender a necessidade de se regulamentar

tal entendimento, o que resultou na edição da Lei nº. 11.464/2007, cujo tópico

central se baseava na alteração do dispositivo da Lei dos Crimes Hediondos,

passando a ter em seu texto a expressão inicialmente no lugar do vocábulo

integralmente.

Embora tenha ocorrido essa alteração, ainda assim, continuou a discussão

no âmbito jurídico penal brasileiro no tocante à questão da irretroatividade dessa

lei, considerada por uma corrente como mais benéfica, tendo em vista que antes

não se podia haver a progressão, pois era vedada por lei. A outra corrente, por

sua vez, entendia que essa lei era mais gravosa, diante da posição do Supremo

Tribunal Federal, que decidiu pelo reconhecimento da inconstitucionalidade do

dispositivo da vedação da progressão de regimes prisionais aos condenados por

crimes hediondos e equiparados, passando a aplicar o dispositivo da Lei de

Execução Penal, aplicável aos demais crimes (não hediondos), o que a tornaria

irretroativa.

Diante dessa controvérsia, mais uma vez nossa Corte Suprema, por meio

da edição da Súmula Vinculante nº 26, uniformizou e tornou pacífico o

entendimento de que referida lei, por se tratar de diploma legal mais severo, não

poderia retroagir para alcançar crimes praticados em data anterior à vigência da

Lei nº. 11.464/2007. Portanto, nesse caso, deve-se aplicar a regra geral do artigo

112 da Lei de Execução Penal.

Porém, não para por aí. Ainda hoje, há questionamento sobre a

imperiosidade do regime inicial fechado, pois para muitos autores, cabe ao

julgador fixar o regime prisional inicial, devendo ele avaliar o que é mais
95

adequado em cada caso concreto, e não ao legislador, em face do princípio da

individualização da pena. Outro ponto relevante é a questão da reincidência, se

específica ou genérica, para os casos de concessão de progressão dos regimes

prisionais nos crimes hediondos e equiparados.

Por fim, concluímos que para a progressão dos regimes prisionais nos

crimes hediondos e equiparados, sempre existiram questionamentos e dúvidas a

esse respeito. Pudemos observar através deste estudo que a tentativa de se criar

uma forma de punição mais rigorosa àqueles que cometem crimes hediondos, o

que é realmente necessário, o legislador, porém, acaba aprovando leis que se

desvirtuam do contexto constitucional, resultando sempre em confusas

interpretações, cabendo sempre ao Poder Judiciário pacificar essas questões.

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