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Criação, Evolução e Cristãos Leigos –

Tim Keller – Parte 1

Esta série de seis partes é tirada de um artigo que o Dr. Timothy Keller
apresentou no primeiro Workshop BioLogos Theology of Celebration, em
outubro de 2009. O texto considera três principais grupos de questões que
leigos trazem a seus pastores quando introduzidos ao ensino de que evolução
biológica e ortodoxia bíblica podem ser compatíveis. Como um pastor e
evangelista, Keller leva essas preocupações a sério e oferece sugestões para
resolvê-las sem a necessidade de adotar um ponto de vista particular ou
aceitar uma resposta definitiva. Nesta primeira parte, Keller dá uma visão geral
da tensão entre os relatos bíblicos e científicos sobre as origens, antes de
abordar as questões e respostas específicas nas partes posteriores.

Qual é o Problema?
Diversas vozes no meio secular e evangélico concordam em um
‘truísmo’ – se você é um cristão ortodoxo com uma visão elevada da autoridade
da Bíblia, você não pode acreditar na teoria da evolução sob nenhum aspecto.
Autores do chamado Novo Ateísmo, como Richard Dawkins, e escritores
criacionistas, como Ken Ham, parecem ter chegado a um consenso sobre isto
e, portanto, cada vez mais pessoas tratam isso como uma dada verdade. Se
você acredita em Deus, você não pode acreditar na evolução. Se você acredita
na evolução, você não pode acreditar em Deus.
Tal visão cria um problema tanto para céticos como crentes. Muitos
cristãos na cultura ocidental observam e são gratos pelos avanços médicos e
tecnológicos alcançados através da ciência, tendo uma visão muito positiva
acerca da ciência. Como, então, eles podem conciliar o que a ciência parece
dizer-lhes sobre a evolução com as suas crenças teológicas tradicionais?
Aqueles que ainda estão conhecendo, buscando ou questionando o
cristianismo podem ficar ainda mais perplexos. Eles são atraídos por muitos
aspectos da fé cristã, mas dizem: “Não vejo como posso acreditar na Bíblia se
isso significa que eu tenho que rejeitar a ciência.“
No entanto, existem várias pessoas que questionam a premissa de que
ciência e fé são irreconciliáveis. Muitos acreditam que uma visão elevada da
Bíblia não exige crença em apenas um relato específico da origem do universo,
e argumentam que não temos de escolher entre uma religião anti-ciência ou
uma ciência anti-religiosa¹. Eles pensam que há uma diversidade de formas em
que Deus poderia ter provocado a criação de formas de vida e da vida humana
utilizando processos evolutivos, e que a imagem de incompatibilidade entre a fé
ortodoxa e a biologia evolutiva é demasiadamente exagerada².
Por exemplo, uma série de esforços tem sido realizada para argumentar
que pode haver razões evolutivas para a crença religiosa. Ou seja, pode ser
que a capacidade para a crença religiosa é “adaptativa” ou está ligada a outras
características adaptativas, proveniente de nossos ancestrais, pois auxiliaram a
sobrevivência e reprodução. Não há consenso sobre esta visão entre os
biólogos evolucionistas. Não obstante, a própria proposta parece ser
completamente antitética a qualquer crença de que Deus é objetivamente real.
No entanto, o filósofo cristão Peter van Inwagen pergunta:
Suponha que Deus existe e deseja que a crença no sobrenatural seja
universal, e vê (ele veria isto se fosse verdade) que certas características
seriam úteis aos seres humanos, de um ponto de vista evolutivo: propícias para
a sobrevivência e reprodução. Isto naturalmente resultaria na crença
sobrenatural sendo uma característica humana universal. Por que ele não
deveria permitir que estas características sejam a causa do seu desejo? Da
mesma forma que o projetista de um veículo pode utilizar o calor residual
gerado pelo motor para manter os passageiros aquecidos ³.
O argumento de Van Inwagen é sólido. Mesmo que a ciência pudesse
provar que a crença religiosa tem um componente genético que herdamos de
nossos ancestrais, esta conclusão não é incompatível com a crença na
realidade de Deus ou mesmo na verdade da fé cristã. Não há nenhuma razão
lógica para excluir a possibilidade de que Deus poderia ter usado a evolução
para predispor as pessoas a acreditarem em Deus no geral, de modo que tais
pessoas se tornem capazes de considerar a verdadeira crença quando ouvem
a pregação do evangelho. Este é apenas um dos muitos pontos onde a suposta
incompatibilidade da fé ortodoxa com a evolução começa a desvanecer sob
uma reflexão continuada.
No entanto, muitos leigos cristãos continuam confusos, pois as vozes
argumentando que ortodoxia bíblica e evolução são mutuamente exclusivas
soam mais altas e mais proeminentes do que quaisquer outras. O que será
necessário para ajudar os leigos cristãos a observarem uma maior coerência
entre o que a ciência nos diz sobre a criação e o que a Bíblia nos ensina sobre
isso?

Pastores e Pessoas
Em minha opinião, o que a ciência atual nos diz sobre evolução traz
consigo quatro principais dificuldades para os protestantes ortodoxos. A
primeira é na área da autoridade bíblica. Para considerar a evolução, devemos
ver pelo menos Gênesis 1 como não-literal. As perguntas surgem nas
seguintes linhas: o que isto significa para a ideia de que a Bíblia tem autoridade
final? Se nos recusamos a assumir uma parte da Bíblia literalmente, por que
tomar quaisquer partes da mesma literalmente? Não estaríamos de fato
permitindo que a ciência passe a julgar nosso entendimento da Bíblia, ao invés
do contrário?
A segunda dificuldade é a confusão entre biologia e filosofia. Muitos dos
defensores mais ferrenhos para a evolução como um processo biológico (como
Dawkins) também a veem como uma “Grande Teoria de Tudo”. Eles enxergam
a seleção natural como explicação não só de todo o comportamento humano,
mas mesmo para dar as únicas respostas às grandes questões filosóficas,
como: Por que existimos? O que é a vida? Porque a natureza humana é o que
é? A crença na ideia de que a vida é o produto da evolução, não implicaria a
adoção de toda esta visão de mundo?
A terceira dificuldade é a historicidade de Adão e Eva. Uma forma de
conciliar o que a ciência atual diz sobre a evolução é propor que o relato de
Adão e Eva é simbólico, e não literal. Mas, como isso afeta os ensinos do Novo
Testamento em Romanos 5 e 1 Coríntios 15, de que a nossa pecaminosidade
é proveniente da nossa relação com Adão? Se não acreditamos em uma queda
histórica, como é que nos tornamos o que a Bíblia diz que somos, pecadores e
condenados?
A quarta dificuldade é o problema da violência e do mal. Uma das
maiores barreiras para a crença em Deus é o problema do sofrimento e do mal
no mundo. As pessoas perguntam, por que Deus criou um mundo onde a
violência, a dor e a morte são endêmicas? A resposta da teologia tradicional é:
Ele não o fez. Ele criou um mundo bom, mas também deu aos seres humanos
o livre-arbítrio, e através de sua desobediência e “queda”, a morte e o
sofrimento vieram ao mundo. O processo de evolução, no entanto, entende a
violência, a predação, e a morte, como o próprio motor de como a vida se
desenvolve. Se Deus provoca a vida através da evolução, como podemos
conciliar isso com a ideia de um Deus bom? O problema do mal parece se
tornar pior para o crente na evolução teísta.
Tenho sido pastor por quase 35 anos, e durante esse tempo eu tenho
falado com muitos leigos que lutam com a relação entre a ciência moderna e a
crença ortodoxa. Nas mentes da maioria dos leigos, são as três primeiras
dificuldades que parecem maiores. A quarta dificuldade, o problema do
sofrimento e da morte, não tem sido colocada tão frequentemente para mim ao
conversar com fiéis. No entanto, em alguns aspectos, o problema do sofrimento
se junta à terceira pergunta sobre a historicidade da queda. Sem a visão
tradicional da historicidade da queda, a questão do mal parece tornar-se mais
aguda.
Portanto, em seguida coloco três problemas básicos que os leigos
cristãos têm com o relato científico da evolução biológica. Nada do que
apresento aqui deve ser visto como satisfazendo a necessidade de argumentos
acadêmicos e rigorosos em resposta a estas perguntas. Apresento respostas e
orientações pastorais, de nível popular. Como pastor, eu tive que me basear
fortemente no trabalho de especialistas. A primeira pergunta, sobre a
autoridade bíblica, exige que eu recorra aos melhores trabalhos dos exegetas e
estudiosos bíblicos. Para responder à segunda questão, sobre a evolução
como uma “Grande Teoria de Tudo”, preciso recorrer ao trabalho de filósofos.
Quando chegarmos à terceira pergunta sobre Adão e Eva, eu preciso olhar
para os teólogos.
Em resumo, se eu, como pastor, quero ajudar a crentes e àqueles que
investigam como relacionar coerentemente a ciência e a fé, devo ler as obras
de cientistas, exegetas, filósofos e teólogos e depois interpretá-las para o meu
povo. Alguém pode rebater argumentando que este é um fardo muito grande
para ser colocado em pastores. Em vez disto eles deveriam simplesmente
referenciar as obras de estudiosos para os leigos que estão sob seu pastoreio.
Mas se não são os pastores que se “dão ao trabalho” de compreender e
destrinchar os escritos de estudiosos em várias disciplinas, como é que os
nossos leigos o farão? Esta é uma das coisas que os paroquianos querem de
seus pastores. Devemos ser uma ponte entre o mundo da ciência e o mundo
da rua e do banco. Estou ciente do fardo que isso representa. Eu não sei se já
tivemos uma cultura na qual o trabalho do pastor tem sido mais desafiador do
que atualmente. No entanto, eu acredito que este é o nosso chamado.

Na próxima parte, Keller começa a apresentar as questões individuais,


começando com a forma como podemos entender a evolução em relação a
uma leitura literal da Bíblia.

1 Um bom livro de linguagem acessível escrito por um cientista foi


escrito por Denis Alexander, apropriadamente intitulado “Creation or Evolution
– do we have to choose?” (Oxford: Monarch Books, 2008)
2 Ver Christian Smith, ed. The Secular Revolution: Power, Interests, and
Conflict in the Secularization of American Public Life (University of California
Press, 2003) e Rodney Stark, For the Glory of God: how monotheism led to
reformations, science, witch-hunts, and the end of slavery (Princeton: 2003)
3 Peter van Inwagen, “Explaining Belief in the Supernatural”, em
J.Schloss e M.Murray, ed. The Believing Primate: Scientific, Philosophical, and
Theological Reflections on the Origin of Religion. (Oxford, 2009) p.136.

Tradução do original disponível


em http://biologos.org/blogs/archive/creation-evolution-and-christian-laypeople-
part-1
por Leopoldo Teixeira
Criação, Evolução e Cristãos Leigos –
Tim Keller – Parte 2

Este é o segundo post de uma série de seis partes, considerando


questões trazidas por cristãos leigos em ciência aos seus pastores, quando
deparados com o ensinamento de que a evolução biológica e ortodoxia bíblica
podem ser compatíveis. Na Parte 1, Dr. Keller deu uma visão geral da tensão
entre os relatos bíblicos e científicos sobre as origens, de um ponto de vista
pastoral. Neste post, ele começa a explorar os três tipos de perguntas que ele
vê como mais importantes para os cristãos leigos, começando com: “Como
evolução e uma leitura literal da Bíblia podem coexistir?”

Três perguntas dos cristãos leigos


Pergunta 1: Se Deus usou a evolução para criar, então não podemos
tomar Gênesis 1 literalmente e se nós não podemos fazer isso, por qual razão
tomar qualquer outra parte da Bíblia literalmente?
Resposta: A maneira pela qual respeitamos a autoridade dos escritores
bíblicos é entendê-los como eles queriam ser entendidos. Às vezes, eles
querem ser lidos literalmente, às vezes não. Devemos ouvi-los, ao invés de
impor o nosso pensamento e agenda sobre eles.

Gênero e intenção autoral.


O caminho para levar os autores bíblicos a sério é perguntar: “como este
autor quer ser compreendido?”. Isto é boa educação, bem como boa leitura. De
fato, é uma maneira de praticarmos a Regra de Ouro. Todos nós queremos que
as pessoas gastem tempo considerando se queremos ser tomados literalmente
ou não. Se você escrever uma carta para alguém dizendo: “Eu queria mesmo
era estrangulá-lo!”, você irá esperar que sua leitora compreenda que você está
falando metaforicamente. Se ela chama a polícia para prendê-lo, você pode,
com razão, se queixar de que ela deveria ter feito algum esforço para verificar
se você quis ser tomado literalmente ou não.
A maneira de discernir como um autor quer ser lido é distinguir o gênero
que o escritor está usando. Em Juízes 5:20, somos informados de que as
estrelas no céu desceram e lutaram contra os sírios em nome dos israelitas,
mas em Juízes 4, que relata a batalha, nenhuma ocorrência sobrenatural é
mencionada. Há uma contradição? Não, pois Juízes 5 tem todos os sinais
associados com o gênero da poesia hebraica, enquanto Juízes 4 é prosa
narrativa histórica. Juízes 4 é um relato do que aconteceu, enquanto Juízes 5 é
a canção de Débora sobre o significado teológico do que aconteceu. Ao
observarmos Lucas 1:1 e seguintes, lemos o autor insistindo de que tudo no
texto é um relato histórico verificado com relação ao testemunho de
testemunhas oculares. Isto mais uma vez é um sinal inequívoco de que o autor
quer ser levado ‘literalmente’ ao descrever eventos reais.
Isto não significa que tanto a intenção do autor bíblico como o gênero
são sempre claramente expressos. Gênesis 1 e o livro de Eclesiastes são dois
exemplos de textos na Bíblia onde sempre haverá debate, pois os sinais não
são tão claros. Mas o princípio é este: afirmar que uma parte da Escritura não
deve ser tomada literalmente, não implica que todo o restante também não
deva ser tomado literalmente.

Gênero e Gênesis 1.
Então, qual é o gênero de Gênesis 1? Prosa ou poesia? Neste caso,
esta é uma falsa escolha. Edward J. Young, o especialista hebraico
conservador, que lê os seis dias de Gênesis 1 como históricos, admite que
Gênesis 1 é escrito em “linguagem exaltada, semi-poética” 4. Por um lado, é
uma narrativa que descreve uma sucessão de eventos, utilizando a
expressão wayyigtol, característica da prosa, e não têm a marca fundamental
da poesia hebraica, que é o paralelismo. Por exemplo, na canção de Miriam em
Êxodo 15, vemos claramente os sinais de recapitulação poética ou
correção que é o paralelismo poético:

Ele lançou ao mar os carros de guerra e o exército do faraó.


Os seus melhores oficiais afogaram-se no mar Vermelho.
Águas profundas os encobriram;
como pedra desceram ao fundo.
Êxodo 15:4,5 (NVI)

Por outro lado, como muitos notaram, a prosa de Gênesis 1 é


extremamente incomum. Tem refrões, declarações repetidas que
continuamente retornam como é feito em hinos ou canções. Há muitos
exemplos disto, incluindo o refrão repetido sete vezes, “e Deus viu que isso era
bom“, bem como dez repetições de “Deus disse“, dez “Haja“, sete “e assim foi“,
bem como outros. Obviamente, esta não é a forma como alguém escreve em
resposta a um pedido simples para dizer o que aconteceu 5. Além disso, os
termos utilizados para o sol (“luminar maior“) e a lua (“luminar menor“) são
altamente incomuns e poéticos, não sendo mais utilizados em qualquer outro
lugar na Bíblia; e “animais do campo” é um termo para animais que é
normalmente confinado ao discurso poético 6. Tudo isso leva Collins concluir
que o gênero é:
“…o que podemos chamar de prosa narrativa exaltada. Este nome para
o gênero nos servirá de várias maneiras. Primeiro, ele reconhece que estamos
a lidar com a prosa narrativa… que inclui a definição de reivindicações de
verdade sobre o mundo em que vivemos. Em segundo lugar, ao chamá-la de
exaltada, estamos reconhecendo que… não devemos impor uma hermenêutica
‘literalista’ sobre o texto.“7
Talvez o argumento mais forte para a visão de que o autor de Gênesis 1
não queria ser tomado literalmente é uma comparação entre a ordem dos atos
criativos em Gênesis 1 e 2. Gênesis 1 nos mostra uma ordem de criação que
não segue uma ‘ordem natural’ de fato. Por exemplo, há luz (Dia 1) antes que
haja quaisquer fontes de luz – o sol, a lua e as estrelas (Dia 4). Há vegetação
(Dia 3) antes de existir qualquer atmosfera (Dia 4, quando o sol foi feito) e,
portanto, havia vegetação antes da chuva ser possível. Claramente, por si só,
isso não é um problema para um Deus onipotente. Mas Gênesis 2.5 diz:
“Quando o Senhor Deus fez a terra e os céus, ainda não tinha brotado nenhum
arbusto no campo, e nenhuma planta havia germinado, porque o Senhor Deus
ainda não tinha feito chover sobre a terra, e também não havia homem para
cultivar o solo.“. Embora Deus não tivesse de seguir o que chamaríamos de
“ordem natural” na criação, Gênesis 2.5 ensina que Ele assim o fez. É afirmado
categoricamente: Deus não colocou vegetação na terra antes que houvesse
atmosfera e chuva. No entanto, em Gênesis 1 nós temos vegetação antes que
haja qualquer chuva possível ou qualquer homem para lavrar a terra. Em
Gênesis 1, a ordem natural não significa nada. Existem três “tardes” e
“manhãs” antes que haja um sol para se por! Porém, em Gênesis 2 a ordem
natural é a norma 8.
A conclusão é: podemos ler a ordem dos eventos como literal em
Gênesis 2, mas não em Gênesis 1, ou então (porém muito mais improvável),
podemos lê-la como literal em Gênesis 1, mas não em Gênesis 2. De toda
forma, não podemos ler ambos como relatos diretos de acontecimentos
históricos. Na verdade, se ambos forem lidos de forma literalista, por que o
autor teria combinado os relatos, uma vez que são incompatíveis (em primeira
leitura)? A melhor resposta é que não deveríamos entendê-los dessa forma.
Em Êxodo 14-15 (a travessia do Mar Vermelho) e Juízes 4-5 (Israel derrota a
Síria comandada por Sísera) há um relato histórico associado a uma forma de
‘canção’, mais poética, que proclama o significado do evento. Pode ser que o
autor de Gênesis tenha algo como isto em mente.
Então o que isso significa? Significa que Gênesis 1 não ensina que Deus
fez o mundo em seis dias de 24 horas. Claro, também não ensina nada sobre
evolução, uma vez que não aborda os processos de fato pelos quais Deus
criou a vida humana. No entanto, isso não exclui a possibilidade da terra ser
extremamente velha 9. Chegamos a esta conclusão não por desejarmos
acomodar um ponto de vista científico particular, mas por estarmos tentando
ser fiéis ao texto, percebendo seu significado tão cuidadosamente quanto
possível.
Na próxima parte, o Dr. Keller continua a explorar estas questões mais
importantes, abordando a preocupação de que um relato evolutivo das origens
diminui a dignidade humana.
Tradução do original disponível em http://biologos.org/blogs/archive/creation-
evolution-and-christian-laypeople-part-2
Por Leopoldo Teixeira

4 Edward J. Young, Studies in Genesis One (Presbyterian and Reformed, 1964) p.82
5 Henri Blocher, In the Beginning: The Opening Chapters of Genesis (IVP, 1984) p.33.
6 Blocher, p.32.
7 C.John Collins Genesis 1-4: A Linguistic, Literary, and Theological
Commentary (Presbyterian and Reformed, 2006.) p.44.
8 Meredith G. Kline, “Because it had not rained”, Westminster Theological Journal 20
(1957-58), pp. 146-157.
9 Vários argumentos convincentes foram apresentados por estudiosos bíblicos
evangélicos para demonstrar que as genealogias da Bíblia, levando de volta para Adão, estão
incompletas. O termo “era o pai de” pode significar “foi o ancestral de”. Para um relato disso,
veja K.A.Kitchen, On the Reliability of the Old Testament, pp.439-443.
Criação, Evolução e Cristãos Leigos –
Tim Keller – Parte 3

Esta é a terceira de uma série de seis partes considerando perguntas


que cristãos leigos trazem aos seus pastores quando apresentados ao
ensinamento de que a evolução biológica e a ortodoxia bíblica podem ser
compatíveis. Nos dois primeiros posts, Dr. Keller deu uma visão geral da
tensão entre os relatos bíblicos e científicos sobre a origem, do ponto de vista
pastoral, e dirigiu-se ao conflito entre evolução e uma leitura literal de Gênesis.
Neste post, ele argumenta que um relato evolucionário das origens não
necessariamente diminui a dignidade humana.

Três perguntas dos cristãos leigos


Pergunta 2: Se a evolução biológica é verdade, isso significa que somos
apenas animais conduzidos por nossos genes e tudo sobre nós pode ser
explicado pela seleção natural?
Resposta: Não. A crença na evolução como um processo biológico não
significa o mesmo que a crença na evolução como uma visão de mundo.

Hoje em dia muito esforço tem sido feito para insistir que a crença no
processo de evolução biológica leva necessariamente à crença no “naturalismo
perene” (para usar o termo de Alvin Plantinga) 10, a visão de que tudo sobre a
natureza humana – nossa capacidade de amar, agir, pensar, formar crenças,
usar linguagem, ter convicções morais, crer em Deus, e fazer arte e filosofia,
podem ser entendidas como originárias de mutação genética aleatória ou
alguma outra fonte de variabilidade, e portanto prevalecem hoje em dia na raça
humana só por causa dos mecanismos de seleção natural. Podemos sentir que
alguns comportamentos são universalmente corretos e devem ser realizados,
enquanto outros são universalmente errados e não devem ser feitos,
independente destes comportamentos promoverem a sobrevivência. Mas o
naturalismo perene insiste que esses sentimentos estão lá não por serem
verdades universais, mas única e exclusivamente por terem ajudado nossos
antepassados a sobreviver.
Um dos princípios fundamentais dos “novos ateus” é que o naturalismo
perene flui automaticamente a partir da crença na evolução biológica das
espécies. Um grande exemplo foi dado por Sam Harris, ao rechaçar a
nomeação de Francis Collins como chefe do National Institutes of Health (NIH –
Agência do Departamento de Saúde do governo estadunidense). Harris se
mostrou profundamente preocupado de que Collins, como um crente cristão,
entende que a natureza humana tem aspectos que a ciência não pode explicar
(como a intuição da lei moral de Deus). Collins nega, portanto, que a ciência
poderia fornecer “respostas para as questões mais prementes da existência
humana”. Isto incomodava Harris. Ele escreveu:
“Como alguém que acredita que nossa compreensão da natureza
humana pode ser derivada da neurociência, psicologia, ciência cognitiva,
economia comportamental, entre outros, estou preocupado com a linha de
pensamento do Dr. Collins… Devemos realmente confiar o futuro da
investigação biomédica nos Estados Unidos para um homem que acredita
sinceramente que uma compreensão científica da natureza humana é
impossível?” 11
O argumento aqui é claro. Se você acredita que a vida humana foi
formada através de processos biológicos de evolução (daqui em diante,
referido como PBE), você deve acreditar na Grande Teoria da Evolução (daqui
em diante, referido como GTE) como a explicação para todos os aspectos da
natureza humana. Assim diz Harris: Collins deveria ver que os seres humanos
não têm “alma imortal, livre arbítrio, conhecimento da lei moral, fome espiritual,
verdadeiro altruísmo”, baseado em nossa relação com Deus 12. A evolução,
afirma Harris, tem mostrado que estas coisas são ilusões. Todos os aspectos
da vida humana tem uma causa natural, cientificamente explicável. Se você
acredita em PBE, você deve acreditar em GTE.
A GTE está rapidamente se tornando o que Peter Berger chama de
“estrutura de plausibilidade”. É um conjunto de crenças consideradas tão
básicas e com tanto apoio de figuras e instituições oficiais que se torna
impossível que indivíduos as questionem publicamente. Uma estrutura de
plausibilidade é uma “verdade dada” apoiada por uma enorme pressão social.
Os escritos dos novos ateus são importantes de serem observados aqui, pois
suas atitudes são mais poderosas do que seus argumentos. O desprezo e
recusa ao mostrar qualquer respeito aos adversários não é realmente um
esforço para refutá-los logicamente, mas para bani-los socialmente, de forma a
transformar seus próprios pontos de vista em uma estrutura de plausibilidade.
Eles já estão bem encaminhados.
Isso cria um problema para o cristão leigo, ao ouvir seus professores ou
pregadores dizendo que Deus poderia ter usado PBE para criar formas de vida.
Evolução como uma ‘Grande Teoria’ está sendo usada agora, no nível popular,
para explicar quase tudo sobre o comportamento humano.
Muitos cristãos leigos resistem a tudo isso e buscam se ater a algum
senso de dignidade humana, subscrevendo ao “Criacionismo Fiat”. Este não é
um movimento teológico e filosófico sofisticado. É intuitivo. Na mente destes,
‘evolução’ é uma grande bola de cera. Parece-lhes que, se você acredita na
evolução, os seres humanos são apenas animais sob o poder de seus desejos
internos, geneticamente produzidos. Tenho visto cristãos participantes de um
estudo bíblico em Gênesis 1-2 lerem a seguinte citação e ficarem confusos:
“Se ‘evolução’ é… elevada ao status de uma cosmovisão que explica a
forma como as coisas são, então há conflito direto com a fé bíblica. Mas se
‘evolução’ permanece no nível da hipótese biológica científica, parece que há
pouca razão para conflito entre as implicações da fé cristã no Criador e as
explorações científicas sobre a maneira pela qual – ao nível da biologia – Deus
tem realizado seus processos de criação” 13
Atkinson está dizendo que você pode acreditar em PBE e não em GTE.
Eu vi cristãos inteligentes e educados com real dificuldade em relação à
distinção que Atkinson fez. No entanto, esta é exatamente a distinção que
devem fazer, ou nunca vão conceder a importância da PBE.
Como podemos ajudá-los? Eu acredito que pastores, teólogos e
cientistas cristãos que querem defender um relato da origem por meio de PBE
devem ao mesmo tempo colocar grande ênfase em argumentar contra GTE.
Filósofos cristãos abriram o caminho aqui e há muitas boas críticas ao
naturalismo filosófico. Muitos sabem sobre “O Argumento Evolucionário contra
o Naturalismo” de Alvin Plantinga, no qual, assim como C. S. Lewis em seu
livro Milagres, ele argumenta que “A evolução está interessada (assim por
dizer) apenas no comportamento adaptativo, não em uma crença verdadeira. A
seleção natural não se importa com o que você acredita; está interessada
apenas em como você se comporta.” 14 O argumento é o seguinte: será que a
seleção natural (por si só) nos dá faculdades cognitivas (percepção sensorial, a
intuição racional sobre essas percepções e nossa memória delas) que
produzem crenças verdadeiras sobre o mundo real? Na medida em que a
crença verdadeira produz comportamento que leva à sobrevivência, sim. Mas
quem pode dizer o quão longe podemos chegar com isso? Se uma teoria torna
impossível confiarmos em nossas mentes, em seguida, ela também torna
impossível ter a certeza sobre qualquer coisa que nossas mentes nos dizem –
incluindo a própria macro-evolução e tudo mais 15. Qualquer teoria que torna
impossível confiarmos em nossas mentes é auto-destrutiva.
Outra área muito importante onde devemos resistir à GTE é em relação
aos seus esforços para explicar intuições morais. Uma excelente publicação
recente em que, mais uma vez, os filósofos cristãos lideram a discussão é de
Jeffrey Schloss, ed. The Believing Primate: Scientific, Philosophical, and
Theological Reflections on the Origin of Religion (Oxford, 2009.) Veja em
especial o capítulo de Christian Smith “O Naturalismo Garante uma Crença
Moral na Benevolência Universal e Direitos Humanos?” (Por sinal, a conclusão
é ‘não’.) Então o que isso significa? Muitos cristãos ortodoxos que acreditam
em PBE encontram-se frequentemente atacados por aqueles cristãos que não
acreditam da mesma forma. Podemos reduzir as tensões sobre a evolução
entre os cristãos se eles se unirem contra uma causa comum: GTE. Mais
importante ainda, é a única maneira de ajudar os cristãos leigos a fazer em
suas mentes a distinção entre a evolução como mecanismo biológico e a
evolução como uma Teoria da Vida.
Na próxima parte, o Dr. Keller continua a explorar as questões mais
frequentemente levantadas sobre evolução e fé por cristãos leigos, voltando-se
para questões sobre as origens do pecado e sofrimento à luz da confiabilidade
das Escrituras.

10 Plantinga vê duas grandes alternativas às visões religiosas


ortodoxas: a) naturalismo perene; b) anti-realismo criativo—a visão
frequentemente chamada de ‘pós modernismo’ ou ‘pós estruturalismo’. Ver
“Christian Philosophy at the End of the Twentieth Century” em The Analytic
Theist: An Alvin Plantinga Reader (Eerdmans, 1998.)
11 Sam Harris, “Science is in the Details”, New York Times, July 26,
2009.
12 Ibid.
13 David Atkinson, The Message of Genesis 1-11 (The Bible Speaks
Today Series), p.31.
14 A.Plantinga, “Naturalism Defeated” 1994, disponível
em http://www.calvin.edu/academic/philosophy/virtual_library/articles/plantinga_
alvin/naturalism_defeated.pdf
15 Este argumento é trabalhado em detalhe em A. Plantinga, Warrant
and Proper Function (Oxford, 1993) cap 12. Veja também William C. Davis,
“Theistic Arguments“, Michael J. Murray, ed. Reason for the Hope
Within(Eerdmans, 1999) p. 39.

Traduzido do original em http://biologos.org/blogs/archive/creation-


evolution-and-christian-laypeople-part-3
Por Leopoldo Teixeira
Criação, Evolução e Cristãos Leigos –
Tim Keller – Parte 4

Esta é a quarta de uma série de seis partes considerando perguntas que


cristãos leigos trazem aos seus pastores quando apresentados ao ensinamento
de que a evolução biológica e a ortodoxia bíblica podem ser compatíveis. Nos
três primeiros posts, Dr. Keller deu uma visão geral da tensão entre os relatos
bíblicos e científicos sobre a origem, do ponto de vista pastoral, dirigiu-se ao
conflito entre evolução e uma leitura literal de Gênesis, e argumentou que um
relato evolucionário das origens não necessariamente diminui a dignidade
humana. Neste post, Keller se volta para questões sobre a origem do pecado e
do sofrimento à luz da confiabilidade das Escrituras.

Três perguntas dos cristãos leigos


Pergunta 3: Se a evolução biológica é verdade e não houveram Adão e
Eva históricos, como podemos saber de onde o pecado e sofrimento veio?
Resposta: A crença na evolução pode ser compatível com a crença em
uma queda histórica e com Adão e Eva literais. Existem muitas perguntas não
respondidas em torno desta questão e por isso os cristãos que acreditam que
Deus usou a evolução devem estar abertos a diversos pontos de vista.
Minhas respostas para as duas primeiras questões são basicamente
negativas. Eu resisto à direção do pensamento do investigador. Eu não
acredito que você tem que tomar Gênesis 1 como um relato literal, e eu não
acho que para acreditar que a vida humana surgiu através de PBE, você
necessariamente deve apoiar a evolução como GTE.
No entanto, penso que as preocupações desta questão estão muito
mais bem fundamentadas. Na verdade, devo revelar, eu as compartilho. Muitos
cristãos ortodoxos que acreditam que Deus usou PBE para trazer a vida
humana não apenas tomam Gênesis 1 como não literal, mas também negam
que Gênesis 2 é um relato de acontecimentos reais. Adão e Eva, na opinião
deles, não eram figuras históricas, mas uma alegoria, ou símbolo da raça
humana. Gênesis 2, então, é uma história simbólica, ou mito, que transmite a
verdade de que todos os seres humanos são pecadores, tem se afastado e
continuam a se afastar de Deus.
Antes que eu compartilhe minhas preocupações com essa visão, deixe-
me fazer um esclarecimento. Um dos meus escritores cristãos favoritos (para
colocar de forma amena), C. S. Lewis, não acreditava em Adão e Eva literal, e
eu não questiono a realidade ou solidez de sua fé pessoal. Mas a minha
preocupação é com a igreja institucionalmente e para com o seu crescimento e
vitalidade ao longo do tempo. Será que a perda de uma crença na queda
histórica enfraquece alguns dos nossos compromissos históricos, doutrinais em
certos pontos cruciais? A seguir listo dois pontos onde isso poderia acontecer.
A confiabilidade das Escrituras
A primeira preocupação fundamental tem a ver com a leitura da Bíblia
como um documento confiável. Tradicionalmente, os protestantes têm
entendido que os escritores da Bíblia foram inspirados por Deus e que,
portanto, discernir o significado pretendido pelo autor humano é a maneira pela
qual nós discernirmos o que Deus está nos dizendo em um texto em
particular 16.
O que, então, os autores de Gênesis 2-3 e Romanos 5, que tanto falam
de Adão, pretendiam transmitir? Gênesis 2-3 não mostra quaisquer dos sinais
de “prosa narrativa exaltada” ou poesia. Lê-se como o relato de
acontecimentos reais. O texto parece histórico. Isso não significa que o
Gênesis (ou qualquer texto da Bíblia) é história no sentido moderno, positivista.
Os escritores antigos, ao relatar eventos históricos, se sentiam livres para
flexibilizar intervalos de tempo – omitindo uma enorme quantidade de
informações que os historiadores modernos considerariam essenciais para dar
‘o quadro completo’. No entanto, os escritores antigos de história ainda
acreditavam que os eventos que estavam descrevendo realmente
aconteceram.
Os escritores antigos também usavam muita linguagem figurada e
simbólica. Por exemplo, Bruce Waltke aponta que quando o salmista diz “me
teceste no ventre de minha mãe” (Salmos 139.13), ele não estava dizendo que
não havia sido desenvolvido de acordo com processos biológicos perfeitamente
normais. É uma maneira figurativa de dizer que Deus instituiu e guiou o
processo biológico da formação humana no ventre de sua mãe. Então, quando
é dito que Deus “formou Adão do pó da terra” (Gênesis 2.7), o autor poderia
estar da mesma forma falando em sentido figurado. Ou seja, que Deus trouxe o
homem à existência através de processos biológicos normais 17. A narrativa
hebraica é incrivelmente econômica – só está interessada em contar-nos o que
precisamos saber para aprender os ensinamentos que o autor quer transmitir.
Apesar da compressão, omissões e linguagem figurada, há sinais no
texto de que isso é um mito e não um relato histórico? Alguns dizem que
devemos ler Gênesis 2 a 11 à luz de outros mitos antigos de criação do mundo
no Oriente Próximo. Esta visão afirma que, dado que outras culturas estavam
escrevendo mitos sobre eventos como a criação do mundo e o grande dilúvio,
devemos reconhecer que o autor de Gênesis 2-3 estava provavelmente
fazendo a mesma coisa. Nesta perspectiva, o autor de Gênesis 2-3
simplesmente conta uma versão hebraica do mito da criação e do dilúvio. Ele
pode até ter acreditado que os eventos aconteceram, mas nisto ele estava
apenas sendo um homem de seu tempo.
Kenneth Kitchen, no entanto, protesta que não é assim que as coisas
funcionavam. O proeminente egiptólogo e cristão evangélico, ao responder à
acusação de que a narrativa do dilúvio (Gênesis 9) deve ser lida como “mito”
ou “proto-história” como outras narrativas de dilúvio de outras culturas,
respondeu:
O antigo Oriente Próximo não historicizou o mito (ou seja, o leu como
‘história’ imaginária). Na verdade, exatamente o inverso é verdadeiro, houve,
sim, uma tendência a ‘mitificar’ a história para celebrar eventos históricos reais
e pessoas em termos mitológicos… 18
Em outras palavras, a evidência é que ‘mitos’ do Oriente Próximo não
evoluíram para relatos históricos ao longo do tempo, mas sim que eventos
históricos tendem a evoluir para histórias mitológicas ao longo do tempo. O
argumento de Kitchen é que, se você ler Gênesis 2-11 à luz de como
funcionava a antiga literatura do Oriente Próximo, você no mínio concluiria que
Gênesis 2-11 foram relatos ‘elevados’, com muita compressão e linguagem
figurada, de eventos que realmente aconteceram. Em resumo, parece que uma
forma responsável de ler o texto é interpretar Gênesis 2-3 como o relato de um
evento histórico que realmente aconteceu.
O outro texto relevante aqui é Romanos 5.12, onde Paulo fala de Adão
e a queda. É ainda mais claro que Paulo acreditava que Adão era uma figura
real. N. T. Wright, em seu comentário sobre Romanos diz:
Paulo claramente acreditava que tinha havido um único primeiro casal,
cujo homem, Adão, tinha recebido um mandamento e quebrado. Podemos ter
certeza de que Paulo era ciente do que poderíamos chamar de dimensões
míticas ou metafóricas desta história, mas ele não teria considerado que estas
dimensões colocavam em dúvida a existência, e o pecado primordial, do
primeiro casal histórico 19.
Então chegamos a este ponto. Se você subscreve à visão de que Adão
e Eva não foram literais, e percebe que o autor do Gênesis provavelmente
estava tentando nos ensinar que Adão e Eva eram pessoas reais que pecaram,
e que Paulo certamente também estava tentando fazer o mesmo, em seguida,
você tem que enfrentar as implicações de como ler a Escritura. Você pode
dizer: “Bem, os autores bíblicos foram homens de seu tempo e estavam
errados sobre algo que eles estavam tentando ensinar os leitores.” A pergunta
óbvia que se segue é: “como saberemos quais partes da Bíblia devemos
confiar e quais não devemos?”
Eu não estou argumentando algo tão bruto como “se você não acreditar
em Adão e Eva literais, então você não acredita na autoridade da Bíblia!” Eu
sustentei anteriormente que não podemos levar todos os textos na Bíblia
literalmente. Mas a chave para a interpretação é a própria Bíblia. Eu não
acredito que Gênesis 1 pode ser tomado literalmente porque eu não acho que
o autor esperava que nós assim fizéssemos. Mas Paulo é diferente. Ele
definitivamente queria nos ensinar que Adão e Eva eram figuras históricas
reais. Quando você se recusa a tomar um autor bíblico literalmente, quando ele
claramente quer que você faça isso, você se afasta do entendimento tradicional
da autoridade bíblica. Como eu disse acima, isso não significa que você não
pode ter uma fé forte e vital, mas eu acredito que tal movimento pode ser ruim
para a igreja como um todo, e que certamente pode levar a certa confusão por
parte dos cristãos leigos.
Na próxima parte, o Dr. Keller continua a explorar os problemas do
pecado e sofrimento, com foco na visão de Paulo da obra da salvação de
Cristo.
16 É verdade que frequentemente os escritores do Novo Testamento
veem significados messiânicos nas profecias do Antigo Testamento que eram
sem dúvida invisíveis aos próprios profetas do AT. Entretanto, embora os
escritos de um autor bíblico possam ter mais significados verdadeiros do que
este pretendia ao escrever, não pode ter menos. Isto é, o que o autor humano
quis nos ensinar não pode ser visto como incorreto ou obsoleto sem abrir mão
do entendimento tradicional da autoridade e confiabilidade bíblica.
17 Ver Bruce Waltke, Genesis: A Commentary (Zondervan, 2001) p.75.
É claro, Waltke nota que Salmos 139 é poesia e Gênesis 2 é narrativa, mas isto
não significa que prosa não possa usar figuras de linguagem e a poesia
discurso literal. Apenas significa que poesia é mais figurada do que prosa.
Outro exemplo de uma narrativa que fala do poder divino por trás de um
processo natural é Atos 12:23. Neste versículo é dito que Herodes Agripa
estava discursando publicamente a uma audiência quando “um anjo do Senhor
o feriu; e ele morreu comido por vermes“. Josefo relata que Agripa de fato
adoeceu nesta época, mas devido a uma “severa obstrução intestinal”. Ver
John Stott, The Message of Acts (IVP, 1990) p.213. Aqui novamente vemos a
Bíblia falando da ação de Deus por trás de um processo biológico natural.
18 K. A. Kitchen, On the Reliability of the Old Testament (Eerdmans,
2003) p. 425. Citado em Collins, p. 252.
19 N. T. Wright, “Romans” in The New Interpreter’s Bible vol. X, p. 526.
Traduzido do original em http://biologos.org/blogs/archive/creation-
evolution-and-christian-laypeople-part-4
Por Leopoldo Teixeira
Criação, Evolução e Cristãos Leigos –
Tim Keller – Parte 5
Esta é a quinta de uma série de seis partes considerando perguntas que
cristãos leigos trazem aos seus pastores quando apresentados ao ensinamento
de que a evolução biológica e a ortodoxia bíblica podem ser compatíveis. Nos
três primeiros posts, Dr. Keller deu uma visão geral da tensão entre os relatos
bíblicos e científicos sobre a origem, do ponto de vista pastoral, dirigiu-se ao
conflito entre evolução e uma leitura literal de Gênesis, e argumentou que um
relato evolucionário das origens não necessariamente diminui a dignidade
humana. No quarto post, Keller voltou-se para questões sobre a origem do
pecado e do sofrimento à luz da confiabilidade das Escrituras, e ele continua
esse tema neste post ao abordar a visão Paulina da obra da salvação de
Cristo.

Pecado e Salvação
Alguns podem responder, “Mesmo que não achemos que houve um
Adão literal, podemos aceitar o ensinamento de Gênesis 2 e Romanos 5, ou
seja, que todos os seres humanos pecaram e que através de Cristo podemos
ser salvos. Assim, o ensino bíblico básico está intacto, mesmo se nós não
aceitamos a historicidade do relato de Adão e Eva.” Eu acho que tal afirmação
é demasiadamente simplista.
O evangelho cristão não é um bom conselho, mas uma boa notícia. Não
são instruções sobre o que devemos fazer para nos salvarmos, mas sim um
anúncio do que foi feito para nos salvar. O evangelho é o anúncio de que Jesus
fez algo na história de modo que, quando estamos unidos a Ele pela fé, temos
os benefícios de Sua realização, e assim somos salvos. Como pastor, eu
frequentemente sou questionado sobre como podemos receber o crédito por
algo que Cristo fez. A resposta não faz muito sentido para as pessoas
modernas, mas faz todo o sentido para os povos antigos. É a ideia de estar em
‘federação’ com alguém, em uma solidariedade jurídica e histórica com um pai,
um ancestral, outro membro da família, ou um membro de sua tribo. Você está
responsabilizado (ou obtem crédito) pelo que a outra pessoa faz. Outra
maneira de colocar é que você está em uma relação de aliança com a pessoa.
Um exemplo é Acã, cuja família toda é punida quando ele peca (Josué 7). O
entendimento antigo e bíblico é de que uma pessoa não é “o que é”
simplesmente através de suas escolhas pessoais. Ela torna-se “o que é”
através de seu ambiente comunitário e familiar. Então, se ele faz um terrível
crime, ou faz um grande e nobre feito, outros que estão em federação (ou em
solidariedade, ou em aliança com ele) são tratados como se tivessem feito o
que ele fez.
Isto é como a salvação do evangelho de Cristo funciona, de acordo com
Paulo. Quando cremos em Jesus, estamos “em Cristo” (uma das expressões
favoritas de Paulo, e uma expressão profundamente bíblica). Estamos em
aliança com ele, não por estaremos relacionados biologicamente, mas por meio
da fé. Então, o que ele fez na história vem a nós.
O que tudo isso tem a ver com Adão? Muito. Em 1 Coríntios 15, Paulo
faz o mesmo ponto sobre Adão e Cristo que ele faz em Romanos 5:
Visto que a morte veio por meio de um só homem, também a
ressurreição dos mortos veio por meio de um só homem. Pois da mesma forma
como em Adão todos morrem, em Cristo todos serão vivificados. 1 Coríntios
15:21,22
Quando Paulo diz que somos salvos “em Cristo”, ele quer dizer que os
cristãos têm um relacionamento de aliança, federado, com Cristo. O que ele fez
na história está posto em nossa conta. Mas na mesma frase, Paulo diz que
todos os seres humanos estão igualmente (ele acrescenta a palavra “como”
para dar ênfase) “em Adão”. Em outras palavras, Adão era um representante
da aliança para toda a raça humana. Estamos em uma relação de aliança com
ele, então o que ele fez na história também está posto para a nossa conta.
Quando Paulo fala de estar “em” alguém, ele quer dizer ser
pactualmente ligado a esta pessoa, de forma que as ações históricas dela são
creditadas a você. É impossível estar “em” alguém que não existiu
historicamente. Se Adão não existiu, todo o argumento de Paulo de que tanto
pecado como graça trabalham de maneira pactual se desfaz. Você não pode
dizer que “Paulo era um homem de seu tempo”, mas podemos aceitar o seu
ensino básico sobre Adão. Se você não acredita no que ele acredita sobre
Adão, você está negando o núcleo do ensinamento de Paulo.
Se você não acredita na queda da humanidade como um evento
histórico singular, qual é a sua alternativa? Você pode postular que alguns
seres humanos começaram a lentamente se afastar de Deus, todos exercendo
seu livre arbítrio. Mas então, como o pecado se espalhou? Foi apenas por mau
exemplo? Este nunca foi o ensinamento clássico da doutrina cristã do pecado
original. Nós não aprendemos o pecado dos outros; nós herdamos uma
natureza pecaminosa. O ótimo livro de Alan Jacobs sobre o pecado original diz
que qualquer um que sustente a visão agostiniana clássica do pecado original
tem que acreditar que somos “programados” para o pecado; nós não apenas
aprendemos o pecado de maus exemplos. A doutrina também ensina que o
pecado não estava originalmente na nossa natureza, mas que caímos da
inocência primaz 20. Um outro problema surge ao negarmos a historicidade da
queda. Se alguns seres humanos começaram a se afastar de Deus, por que
alguns seres humanos não poderiam resistir, de modo que certos grupos
seriam menos pecaminosos do que outros? Alan Jacobs, em seu livro sobre o
pecado original insiste que a igual pecaminosidade de toda a raça humana é
fundamental para a visão tradicional.
Na próxima parte, o Dr. Keller propõe um dos vários “modelos” que
podem concordar com o relato evolucionário das origens e o relato bíblico que
se concentra em nossos relacionamentos quebrados com Deus e uns aos
outros.

20 Alan Jacobs, Original Sin: A Cultural History (Harper Collins, 2008), p.


280.
Traduzido do original disponível
em http://biologos.org/blogs/archive/creation-evolution-and-christian-laypeople-
part-5
Por Leopoldo Teixeira
Criação, Evolução e Cristãos Leigos –
Tim Keller – Parte 6

Esta é a última de uma série de seis partes considerando perguntas que


cristãos leigos trazem aos seus pastores quando apresentados ao ensinamento
de que a evolução biológica e a ortodoxia bíblica podem ser compatíveis. Até
então, o Dr. Keller abordou o conflito entre evolução e uma leitura literal de
Gênesis, argumentou que um relato evolucionário das origens não
necessariamente diminui a dignidade humana e discutiu os problemas que
cercam nosso entendimento de pecado, sofrimento e salvação, caso não
aceitemos um Adão histórico. Neste post, o Dr. Keller conclui a série
delineando um dentre vários ‘modelos’ possíveis para harmozinar uma queda
histórica e uma origem biológica evolutiva dos seres humanos.

Um Modelo
Se Adão e Eva eram figuras históricas, poderiam eles terem sido
produtos de PBE? Em um comentário evangélico mais antigo sobre Gênesis,
Derek Kidner oferece um modelo de como isso poderia ter acontecido. Em
primeiro lugar, ele observa que em Jó 10:8-9 é dito que Deus moldou Jó com
suas “mãos”, como um oleiro dá forma à argila a partir do pó da terra, embora
Deus obviamente fez isso através do processo natural de formação no útero.
Kidner pergunta porque a mesma terminologia de oleiro em Gênesis 2:7 não
poderia denotar um processo natural como a evolução 21. Kidner diz então
que:

“O homem na Escritura é muito mais do que homo faber, o fabricante de


ferramentas: ele é constituído homem pela imagem e sopro de Deus, nada
menos que isso… Os seres inteligentes de um passado remoto, cujas formas
corporais e relíquias culturais conferem o status claro de “homem moderno”
para o antropólogo, podem ter sido decisivamente abaixo do plano de vida que
foi estabelecido na criação de Adão… Nada exige que a criatura na qual Deus
soprou a vida humana não deveria ter sido de uma espécie preparada em
todos os sentidos para a humanidade…” 22

Assim, neste modelo, havia um lugar na evolução dos seres humanos


em que Deus levou um membro da população de fabricantes de ferramentas e
dotou-o da “imagem de Deus”. Isso teria elevado este homem para um novo
“plano de vida”. Deste ponto de vista, então o que aconteceu?
“Se esta… alternativa implica qualquer dúvida sobre a unidade da
humanidade seria, naturalmente, bastante insustentável. Deus… fez todas as
nações “de um só” (Atos 17:26)… Ainda assim, é pelo menos concebível que
após a criação especial de Eva, que estabeleceu o primeiro casal humano
como vice-regentes de Deus (Gênesis 1:27,28) e resolveu o fato de que não
existe uma ponte natural do animal ao homem, Deus pode então ter conferido
Sua imagem nos parentes colaterais de Adão, para trazê-los para a mesma
esfera do ser. A direção “federal” da humanidade de Adão estendeu-se, se este
for o caso, para fora, para seus contemporâneos, bem como seguiu para a sua
descendência, e sua desobediência deserdou a ambos.” 23
Aqui Kidner fica criativo. Ele propõe que o ser que se tornou Adão sob a
mão de Deus evoluiu primeiro, mas Eva não. Em seguida, eles foram
colocados no jardim do Éden como representantes de toda a raça humana. A
sua criação à imagem de Deus e sua queda afetou não só a sua prole, mas
todos os outros contemporâneos. Neste relato, Kidner representa tanto a
continuidade entre animais e seres humanos que os cientistas veem, como a
descontinuidade que a Bíblia descreve. Somente os seres humanos tem a
imagem de Deus, caíram em pecado e serão salvos pela graça.
Esta abordagem poderia explicar questões perenemente difíceis da
Bíblia, tais como: quem eram as pessoas que Caim temia que poderiam matá-
lo para vingar o assassinato de Abel (Gênesis 4:14)? Quem foi a esposa de
Caim e como Caim poderia construir uma cidade cheia de habitantes (Gênesis
4:17)? Podemos até perguntar por que Gênesis 2:20 sugere que Adão se
lançou em uma busca para “encontrar” um cônjuge se houvessem apenas
animais ao redor? Na abordagem de Kidner, Adão e Eva não estavam sozinhos
no mundo e isto responde a todas estas perguntas.
Mas há uma questão que paira sobre as outras. Neste modelo, como
poderia ter havido sofrimento e morte antes da queda? Uma resposta pode
estar no segundo verso da Bíblia, onde nos é dito que “a terra era sem forma” e
estava cheia de escuridão e caos. A maioria dos intérpretes tradicionais
acreditam que Deus inicialmente fez o mundo neste estado “sem forma” e, em
seguida, passou a dominar a desordem através do processo criativo da
separação, elaboração e desenvolvimento descrito em Gênesis 1 24. No
entanto, mesmo esta interpretação tradicional significa que não havia ordem e
paz perfeita na criação desde o primeiro momento. Além disso, Satanás parece
estar presente no mundo antes da queda. O que nos faz pensar que Satanás e
seus demônios não estavam no mundo antes do momento que a serpente
aparece? Uma das maiores questões teológicas sem resposta (e
irrespondíveis) é o que Satanás estava fazendo lá? Por definição, se Satanás
estava em algum lugar no mundo, nem tudo era perfeito.
A teologia tradicional nunca acreditou que a humanidade e o mundo em
Gênesis 2-3 estavam em um estado glorificado, perfeito. Agostinho ensinou
que Adão e Eva eram posse non peccare (capazes de não pecar), mas caíram
no estado de non posse non peccare (incapazes de não pecar). Nosso estado
final de salvação completa, no entanto, será peccare non posse (incapazes de
pecar). O Éden não era o mundo consumado do futuro. Alguns têm apontado
que no Jardim do Éden teria de haver algum tipo de morte e decadência ou as
frutas não seriam comestíveis.
Pode ser que Adão e Eva tenham recebido imortalidade condicional e,
no jardim, uma antecipação de como a vida no mundo seria com seres
humanos à imagem de Deus, vivendo em perfeita harmonia com Deus e sua
criação. A eles foi oferecido trabalhar com Deus para “subjugar” a terra
(Gênesis 1:28). De qualquer modo, a ideia de “ter domínio” e “subjugar” a terra
significava que a criação era, pelo menos, altamente subdesenvolvida. Mesmo
antes da queda, o mundo ainda não estava na forma que Deus queria que
fosse. Os seres humanos trabalhariam com Deus para cultivar e desenvolver o
mundo.
O resultado da queda, no entanto, foi “morte espiritual”, algo que
nenhum ser no mundo conhecia, pois ninguém tinha sido criado à imagem de
Deus. Os seres humanos tornaram-se, ao mesmo tempo, capazes de realizar
coisas muito maiores e muito piores do que quaisquer outras criaturas. Agora
morremos eternamente quando morremos fisicamente. E já que agora estamos
alienados de Deus, o mundo está sob o poder das forças das trevas de uma
forma que não teria ocorrido sem a queda. O mundo físico ‘geme’ sob
desintegração porque os seres humanos falharam em ser mordomos da
criação de Deus. O ‘mal natural’ é combinado como mal moral e humano, para
criar um mundo de fato caótico e escuro. O mundo vai finalmente ser renovado,
e tornar-se tudo o que foi projetado para ser (Romanos 8: 19-23), somente
quando finalmente se tornar tudo o que deve ser feito através do trabalho do
Segundo Adão (1 Cor. 15: 42-45)

Outros Modelos
Seria este o único modelo possível para aqueles que acreditam em uma
queda histórica, mas também acreditam que Deus usou a evolução para formar
a vida na Terra? Não. Alguns acreditam em evolucionismo teísta, que tanto
Adão e Eva foram os produtos da evolução e receberam a imagem e sopro de
Deus 25. Outros pensam que faz mais sentido, teologicamente e
filosoficamente, acreditar na ‘criação progressiva’, em que enquanto Deus usou
a evolução em geral para formar a vida, ele criou Adão e Eva com um ato
especial, e que a tese da ancestralidade comum com outros animais é
completamente falsa 26. O modelo de Kidner é uma espécie de híbrido entre o
evolucionismo teísta e o criacionismo progressivo, de terra antiga. Qualquer
que seja o seu “modelo” para trabalhar a relação da Bíblia com a ciência, no
entanto, Kidner insiste:

“O que é bastante claro a partir destes capítulos, à luz das outras


escrituras, é sua doutrina de que a humanidade é uma unidade, criada à
imagem de Deus e decaída em Adão por um ato de desobediência. E estas
coisas são tão fortemente afirmadas neste entendimento da Palavra de Deus,
como em qualquer outro.” 27

Pensamentos Finais
Como podemos correlacionar os dados da ciência com o ensino das
Escrituras? A resposta mais simples para os cientistas provavelmente seria
dizer “quem se preocupa com as Escrituras e a teologia?”, mas isto não
consegue fazer justiça com a autoridade da Bíblia, algo que o próprio Jesus
tomou com muita seriedade. A resposta mais simples para os teólogos,
provavelmente seria dizer “quem se preocupa com a ciência?” mas isso não
confere à natureza a sua devida importância como criação de Deus. Salmos 19
e Romanos 1 ensinam que a glória de Deus é revelada à medida que
estudamos sua criação, mas, no final, ambas as passagens dizem que é
apenas a Escritura que é a revelação “perfeita” da mente de Deus (Salmos
19:7). Devemos interpretar o livro da natureza com o livro de Deus. “Não se
pode dizer fortemente que a Escritura é o veículo perfeito para a revelação de
Deus… sua ousada seletividade, como a de uma grande pintura, é o seu
poder. Lê-la com um olho em qualquer outro relato é borrar sua imagem e
perder sua sabedoria.” 28
A minha conclusão é que os cristãos que estão buscando correlacionar
Escritura e ciência devem ser uma ‘tenda maior’ do que tanto os religiosos anti-
científicos ou os cientistas anti-religiosos. Mesmo que neste artigo eu tenha
argumentado para a importância da crença em um Adão e Eva literal, eu
demonstrei aqui que existem várias maneiras de realizar isso e ainda acreditar
em Deus usando PBE. 29
Quando Derek Kidner concluiu seu relato sobre as origens do homem,
ele disse que sua opinião era uma “sugestão exploratória… apenas
experimental, e é um ponto de vista pessoal. Ele convida correção e uma
melhor síntese.” 30 Essa é a atitude certa para todos nós trabalhando nesta
área.

21 Derek Kidner, Genesis: An Introduction and Commentary (IVP, 1967)


p.28 n.
22 Kidner, p.28.
23 Kidner continua a escrever: “Com uma possível exceção [Gen 3: 20],
a unidade da humanidade “em Adão” e o nosso estado comum de pecadores
através de sua ofensa são expressos nas Escrituras não em termos de
hereditariedade, mas simplesmente de solidariedade” (p.30). Kidner comenta
nesta possível exceção – Gênesis 3:20, que denomina Eva “a mãe de toda a
humanidade”. Ele considera que ao invés disto, a tradução poderia ser algo
como “a mãe de toda a salvação”, uma vez que a salvação virá ao mundo
através de sua “semente”, e este é o contexto do nome.
24 Outro ponto de vista popular destes versos é a teoria das “Lacunas”,
isto é, Deus criou os céus e a terra para serem um lugar de ordem e luz, e, em
seguida, o versículo 2 nos diz que o mundo tornou-se caótico e escuro através
de alguma luta ou desastre e que Gênesis 1 é a história de como Deus recriou
o mundo. Gramaticalmente, esta teoria não é provável, mas houveram pelo
menos quatro maneiras diferentes de ler a relação das cláusulas de Gênesis
1:1 e 2. Ver o resumo deste debate feito em Gordon J. Wenham, Genesis 1-
15 (Word Biblical Commentary, 1987), pgs.11-17.
25 Veja Denis Alexander, Creation or Evolution: Do We Have to
Choose?
26 Veja a edição de Setembro de 1991 da Christian Scholar’s Review para artigos por Alvin
Plantinga, Howard Van Till, e Ernan McMullin. Para um resumo desses argumentos, veja W. Christopher
Stewart, “Religion and Science” em Reason for the Hope Within, ed. Michael J. Murray (Eerdmans, 1999),
p.331.
27 p.30.
28 Kidner p.31.
29 Denis Alexander, em Creation or Evolution: Do We Have to Choose? (Monarch Books, Oxford,
UK, 2008) fala de vários “modelos” pelos quais podemos relacionar o ensino de Gênesis 2-3 com a
biologia evolutiva O “Modelo A” vê Gênesis 2-3 como uma parábola sobre cada ser humano
individualmente (isto é, todos nós pecamos). O “Modelo B” vê Gênesis 2-3 como um relato figurado de
algo que realmente aconteceu com um grupo de seres humanos primitivos. O “Modelo C” vê Adão e Eva
como figuras históricas reais, mas aceita completamente o fato de que a vida humana veio de PBE. O
“Modelo D” é o criacionismo de terra antiga, enquanto o “Modelo E” é o criacionismo de terra jovem (Veja
os capítulos 10 e 12). Embora Alexander liste estes cinco modelo, eu não tenho certeza que estes
esgotam as possibilidades. A proposta de Derek Kidner não se encaixa em nenhum dos modelos de
Alexander.
30 Kidner, p.30
Traduzido do original disponível em http://biologos.org/blogs/archive/creation-evolution-and-
christian-laypeople-part-6
Por Leopoldo Teixeira

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