Você está na página 1de 77

TEÍSMO,

DEÍSMO,
PANTEÍSMO,
ATEÍSMO e
AGNOSTICISMO
A Lógica, a Congruência
e a Moralidade das Crenças
Humanas

por Alessandro Loiola

Copyright © 2019 ManhoodBrasil


www.manhoodbrasil.com.br
Sobre a obra:

Em termos metafísicos, por que acreditamos no que


acreditamos? Segundo o autor Alessandro Loiola, ―explorar os
sistemas de crenças religiosas humanas com um olhar crítico
não é uma tarefa para estômagos frágeis, mas esta foi a missão
assumida neste livro. Não espero que seja fácil digeri-lo, mas
certamente espero que suscite reflexões vigorosas sobre aquilo
que consideramos mais sagrado e intocável: nossa fé
individual‖.

―São reflexões espinhosas, sem dúvida alguma, do mesmo modo


como são necessárias para qualquer pessoa em busca de
autoconhecimento e autopertencimento‖, conclui ele.

“TEÍSMO, DEÍSMO, PANTEÍSMO, ATEÍSMO E


AGNOSTICISMO – A Lógica, a Congruência e a
Moralidade das Crenças Humanas”, lançamento exclusivo
de ManhoodBrasil Edições, é uma leitura obrigatória para
professores, religiosos, formadores de opinião, influenciadores
digitais, amantes de Filosofia e livres pensadores com interesse e
coragem suficiente para aprofundar-se em um tema tão
poderoso.

Caso tenha interesse em conhecer outros conteúdos produzidos


por ManhoodBrasil, teremos grande prazer em receber sua visita:
Site: www.manhoodbrasil.com.br
Facebook: https://web.facebook.com/manhoodbrasil/
Instagram: https://www.instagram.com/manhoodbrasil/

Para contato com o autor:


Email: alessandroloiola@gmail.com
Facebook: https://web.facebook.com/alessandro.loiola.9
Índice

1. Introdução

2. O Teísmo de Todos os Tempos

3. Deísmo e Panteísmo

4. O Ateísmo Inabalável

5. Agnosticismo: Isentismo ou Sensatez?

6. Do Relojoeiro Divino ao Design Inteligente

7. O Grande Problema do Mal

8. A Falácia do Mundo Justo

9. A Religião como o Baluarte da Moralidade

10. A Religião, as Mulheres e sua Mãe

11. Cristianismo: um Delírio?

12. O Sincretismo Sem Limites

13. Analisando o Poder das Preces

14. Conclusão
1. INTRODUÇÃO

Após mais de 10 mil anos da Revolução Neolítica,


continuamos fascinados pela crença em deuses, santos, profetas,
almas, assombrações, fantasmas, ressurreição, reencarnação,
desígnios e milagres. De onde essas convicções vêm? Por que
insistimos em manter algumas delas quando as evidências
mostram que não passam de fantasias ou quando a reafirmação
de uma determinada fé religiosa pode representar um perigo para
nossa sobrevivência?
As Religiões em geral se posicionam como porta-vozes de
forças capazes de curar o corpo e a mente, promover a paz,
aproximar as pessoas, aprofundar nossos relacionamentos
interpessoais e fomentar a felicidade. Não obstante, na maioria
das vezes, as Religiões não foram elaboradas para alavancar o
florescimento do intelecto humano, mas para possibilitar sua
dominação30.
Entendemos por deus, deusa, deuses e deusas qualquer
entidade sobrenatural, em qualquer nível de hierarquia (suprema
ou parcial; eterna ou não; imortal ou não), passível de adoração e
capaz de interferir no mundo natural ou em alguma esfera das
atividades e dos entendimentos humanos. Com base nesta
acepção, nossos sistemas de crenças podem ser agrupados em
cinco categorias diferentes: Teísmo, Deísmo, Panteísmo, Ateísmo
e Agnosticismo. Cada uma dessas esferas possui suas
peculiaridades e, a princípio, examinaremos filosoficamente uma
a uma. Na sequência, investigaremos a Lógica e a Congruência
envolvidas no costume humano de acreditar no extraordinário.

2. O TEÍSMO DE TODOS OS TEMPOS

O Teísmo consiste em confiar na existência de um ser


superior com uma certeza tão inabalável que sua presença sequer
precisa ser justificada, sendo a própria fé uma legitimação mais
que suficiente desta convicção. O Teísmo é tão prevalente que
embasou a essência jurídica da pessoa como ―um ser humano
sendo composto de corpo e alma‖45. Mas será que os argumentos
que levam à conclusão de que deus existe são mais válidos que as
negativas?
Para Tomás de Aquino (1225-1274), se classificamos as coisas
segundo qualidades como bom, verdadeiro e nobre, é porque
reconhecemos diferentes níveis Morais de bondade, verdade e
nobreza41. Quando utilizamos graduações assim, assumimos que
existe um padrão absoluto contra o qual tudo pode ser
comparado – e este padrão seria deus, a causa e a explicação de
todas as qualidades. O ponto de vista de Aquino funda-se nas
ideias de Platão e Aristóteles, tendo sido defendido também por
Kant, cujos argumentos se tornaram populares ao longo do
século XIX.
Defender deus como a fonte de toda Moralidade é uma tarefa
complexa: primeiro, é preciso resguardar a objetividade da
Moralidade das críticas Subjetivistas e Niilistas, e então defender
que esta Verdade substantiva só pode ser explicada através da
existência de deus. Porém, os sistemas éticos baseiam-se em
conceitos humanos de bom e mau: batizamos de bom tudo que
pode prolongar nossa sobrevivência, e de mau tudo que pode
ameaçá-la. Não precisamos de uma deidade para compreender
que assassinar, estuprar, torturar, mentir e roubar são ações
condenáveis: como muitos outros animais, possuímos uma
capacidade inata para determinar o que é ser gentil e razoável.
Os Teístas advogam que o intelecto humano é confiável, pois
foi criado por deus. Não obstante, cometemos erros em nossas
escolhas e julgamentos, e, com uma frequência incômoda, nos
flagramos equivocados em nossas ―certezas‖. Para livrar-se dessa
saia justa, René Descartes – considerado Pai da Filosofia
Moderna – apelou para o livre arbítrio, dizendo que os erros que
cometemos não são causados diretamente por deus, mas
decorrem da nossa liberdade de pensar e agir42.
Descartes (1596-1650) afirmava que não existem Verdades
substantivas independentes da existência de deus, e que as
verdades humanas não passavam de cópias imperfeitas daquelas
que habitam a consciência do supremo. Nossas verdades
limitadas, portanto, seriam um print screen desfocado das
―verdadeiras verdades‖ que existem exatas apenas na mente
divina. Esta mesma dedução estava implícita quando Platão
assegurou que nossas ideias da Verdade Substantiva nada mais
são que reminiscências das verdades eternas que nossa alma
contemplou quando acompanhou o espírito divino em suas
evoluções31.
O argumento teísta de Descartes tem o mesmo feitio circular
de muitos outros: apenas porque existe um deus, somos capazes
de perceber sua existência – se ele não existisse, a
impossibilidade desta percepção denunciaria sua não existência.
Em resumo: porque ele há, eu creio; e porque creio, ele há. E este
é o circuito completo do Teísmo Cartesiano.
Menos moralizador que Aquino e menos mecanicista que
Descartes, o polêmico Blaise Pascal (1623-1662) ofereceu uma
justificativa um tanto marota para o Teísmo. Aplicando uma
peculiar dinâmica probabilística, Pascal descreveu sua aposta da
seguinte maneira: "não se pode provar a existência de deus.
Mas, se deus existe, aquele que acredita ganha tudo (inclusive o
paraíso), e aquele que não acredita perde tudo (exceto pelo
inferno). Se deus não existe, aquele que acredita perde nada, e
aquele que não acredita não ganha coisa alguma. Portando,
acreditar em deus é uma aposta que permite ganhar tudo e
perder nada‖1.
A promessa de felicidade sem moderação e a ameaça de
sofrimento eterno são recursos bastante eficazes para converter
qualquer argumento em uma profissão de fé. Derradeiramente, o
quanto de evidência é necessário para justificar seu teísmo
dependerá do tamanho do risco que você julga envolvido: se
acredita que o Ateísmo poderá lhe custar uma eternidade no
inferno, é provável que sua aposta seja favorável à aceitação da
existência de deus. Se você não acredita no inferno ou em
punições, ou em reencarnação, ou no Apocalipse, então suas
apostas tomarão um caminho inverso.
A Aposta de Pascal demonstra bem a intimidação e a
negociata subliminar no pretexto da crença divina: não se trata
de comprovar ou não a existência de deus, mas de adotar um
subterfúgio confortável capaz de amenizar nossos pavores.
Todavia, não é exatamente correto dizer que aquele que
acredita ganha tudo e perde nada: ele perde ao diminuir suas
possibilidades de vivência em nome de uma salvação presumível.
O Teísmo custa tempo, energia e dinheiro, drenando recursos
valiosos que poderiam ser utilizados para melhorar o mundo real.
Além disso, a conformidade religiosa é a ferramenta predileta dos
tiranos e uma ameaça à liberdade em toda parte.
Tampouco é verdadeiro afirmar que aquele que não acredita
perde tudo e ganha nada: rejeitar o Absolutismo Teísta pode ser
uma experiência libertadora, ampliando o autopertencimento, a
noção de auto-responsabilidade e a independência mental para
questionar sem culpas esmagadoras.
Em contraste ao Teísmo oportunista de Pascal, temos o
Teísmo mais fidedigno de seu contemporâneo John Locke (1632-
1704). Locke era o tipo de sujeito que medita por longos anos
antes de completar a redação definitiva de suas ideias: seus
primeiros escritos só começaram a aparecer quanto ele contava
com 57 anos de idade. Locke era profundamente Teísta e
considerava que a fé não pode ser contrária à Razão. Apesar de
ter escrito uma Carta sobre a Tolerância, Locke defendia que os
que negam a existência de uma divindade não deveriam ser
tolerados de maneira alguma, pois ―a palavra, o contrato e o
juramento de um ateu não constituem algo de estável e
sagrado‖26.
Para Locke, a ideia de deus não é inata, mas torna-se
evidente à luz da Razão: as marcas da sabedoria divina estariam
tão visíveis em todo o Cosmos que bastaria um rápido exercício
de Lógica para que qualquer criatura pensante chegasse à
conclusão de que deus existe. Antecipando o Argumento do
Relojoeiro (abordaremos isto mais adiante), Locke afirmou que a
realidade não pode vir do nada: para explicar a existência de
tudo teríamos de remontar sucessivamente até algo que existisse
desde toda a eternidade, e o único Ser que poderia ocupar este
papel seria deus24.
Para o filósofo iluminista David Hume (1711-1776), a
tendência universal para acreditar em um ser supremo é algo que
acompanha a natureza humana, podendo considerada uma
espécie de sinal ou marca que o artífice divino colocou em sua
obra. Esta ―marca‖ é conhecida como o Princípio da
Concordância Universal, um argumento que defende que deus
existe, pois a crença em uma divindade é quase universal em
nossa espécie.
Ainda que aplique o Princípio da Concordância, Hume parece
desdizer-se ao afirmar que, quando observamos a maioria das
nações e épocas e examinamos seus princípios religiosos,
―dificilmente nos persuadimos de que eles são mais que
devaneios do homem: não existe um absurdo teológico tão
evidente que não tenha sido adotado, um dia ou outro, por
homens do mais vasto e refinado entendimento‖17.
Embora Hume faça ataques contra a crença religiosa, ele
sempre evitou ser muito direto na abordagem, mantendo
argumentos que destrói a seguir. Em História Natural da
Religião (1757), Hume alega várias vezes que a existência de deus
pode ser provada racionalmente, mas em outras partes sugere
não acreditar nisso. Esse tipo de incongruência oculta uma
prudência compreensível: no século XVII, o poder da Igreja era
imenso e apregoar a irrealidade de deus consistia uma heresia
arriscada. Hume podia ser cético, mas era um ensaísta cauteloso.
Finalmente, temos o Teísmo frio, duro e com nervos de aço
do prussiano Immanuel Kant (1724-1804). Para Kant, a
pressuposição de uma inteligência suprema como a causa de tudo
no Universo beneficia a Razão. ―Se desejamos obter um
conhecimento sistemático do mundo, temos que considerá-lo
como uma criação de uma Razão suprema‖2, constatou ele,
completando: ―Eu, enquanto ser racional e agente Moral, tenho
que acreditar que deus existe‖3. Assim como ocorreu com Hume,
é compreensível que Kant defendesse este ponto de vista:
assumir qualquer coisa diferente disso significaria expor a nudez
dos dogmas religiosos – algo que não seria recebido com grande
festa no século XIX.
Os humanos possuem fraquezas em seu caráter que parecem
difíceis – quiçá impossíveis – de serem superadas por seus
próprios meios. Ademais, temos necessidades subjetivas que
desejamos satisfazer para alcançar a felicidade, mas poucos
motivos para confiar que estas necessidades serão atendidas,
mesmo que nos tornemos virtuosos. Se uma pessoa acredita que
o mundo natural não passa de uma máquina destituída de
desígnios, então esta pessoa – em teoria – não teria motivos para
presumir que suas ações Morais conduziriam a qualquer forma
de sucesso, e isto desmantelaria sua obrigação de perseguir o que
é Bom e Correto. Devido esta ameaça, Kant defendia que
devemos postular a existência de deus como um pressuposto para
uma vida Moral: a ética com selo divino exige que você sacrifique
sua própria felicidade pessoal se isso for necessário para fazer o
que é Bom e Correto ante os olhos do supremo.
Alguns argumentos Teístas se aproximam de possuir a força
de evidências, mas, na somatória, estas evidências terminam
exigindo uma boa dose de credulidade. Para resolver este dilema,
o filósofo analítico americano Alvin Carl Plantinga explicou que o
teísmo não necessita de evidências, pois representa uma
adequação à consciência que deus colocou em nós (o sensus
divinitatis do teólogo John Calvin)4. O argumento de Plantinga
pretende remover do Teísmo o ônus da prova, mas apresenta, de
novo, a justificativa circular do Princípio da Concordância
Universal: pensamos porque deus existe e, uma vez que
pensamos dessa forma, isto confirma a existência de deus. Ou,
como escreveu Mario Quintana: ―A alma é essa coisa que nos
pergunta se a alma existe‖36.
Para os Teístas, a explicação para o Princípio da
Concordância Universal está na ―alta probabilidade‖ de nossas
convicções sobre a existência de deus derivarem da percepção
instintiva de uma Autoridade Moral Eterna. Mas eles parecem
relevar que, através da Psicologia Evolucionária, é perfeitamente
possível explicar o Princípio da Concordância sem apelar para a
intervenção divina: na sombra de nossos desejos por poderes
incorpóreos que estabeleçam um sentido para o mundo e uma
narrativa sublime em torno de nós mesmos, e dada nossa
adoração por padrões e a constante busca por eles – enxergamos
animais nas nuvens, rastros na floresta, estações no ano, rostos
em biscoitos e repetições na loteria –, a criatividade humana
descobriu a utilidade de fiar-se em um ser supremo ou seres
supremos. Por meio de seus poderes, expiamos os exageros de
nossa autoridade, nossa presumida capacidade de controle, nossa
força, nossa consciência, nossa sabedoria e nossa pretensa
piedade. Satisfeitos com o invento, depositamos toda confiança
nesta coleção de super-humanos impalpáveis que vamos
espalhando conforme avançamos na aflição de nosso caos – que é
a base de tudo que conhecemos.
É justo reconhecer que o Teísmo tem, de fato, um poder
explanatório comovente: primeiro, se o universo começou com o
Big Bang, que se seguiu de um arranjo de partículas
microscópicas progressivamente mais complexas, então como os
valores Morais surgiram? Segundo: a Moralidade em geral se
apresenta de modo imperativo, algo que determina como
devemos agir. O sentimento de culpa que nos invade quando
violamos este código poderia ser explicado pela existência de uma
fonte primária que emana o que é Bom e correto5. Finalmente,
por que a obediência à Moral parece conduzir os seres humanos
ao florescimento de suas capacidades?
O Teísmo tem uma resposta rápida e unificada para estas três
questões, afirmando que a obediência Moral faz parte das
intenções de deus. Do outro lado do auditório, Ateístas,
Agnósticos, Deístas e Panteístas poderiam responder a estas
questões apoiando-se em deduções evolutivas, elencando as
consequências das pressões da Seleção Natural ou citando o peso
da Razão. Todavia, ainda que a Seleção Natural das espécies seja
um fato, a ―seleção natural‖ das Moralidades segundo um padrão
de verdades absolutas não passa de uma abstração.
Quanto ao peso da Razão – sempre tão salientada por
Aquino, Pascal, Locke, Kant e Plantinga –, ela merece um
parêntese. Desde o Iluminismo, tendemos a ver a Razão cada vez
mais como a base maior dos valores humanos, e partir dela
determinamos o direito à dignidade que nossa espécie possui. O
problema é que estipular a Razão como fiadora para a dignidade
resulta na exclusão de crianças pequenas e pessoas com lesões
cerebrais graves ou outras formas de demência desta lista. Teístas
e Panteístas solucionam este dilema dizendo que a vida humana é
um dom divino, um bem criado e pertencente a deus que jamais
pode ser violado. Ateístas, Deístas e Agnósticos tomam outro
caminho e afirmam que os humanos possuem direitos especiais
por serem humanos, um pleonasmo que eliminaria a necessidade
de explicações adicionais. No frigir dos ovos, todos apelam para
uma Moral especiesista que resulta na expulsão dos demais seres
vivos de nosso exclusivíssimo Clube da Dignidade e da Igualdade
Humana. Infelizmente, isto não representa um emprego honesto
da Razão ou da Lógica.
O Teísmo exige a crença em dimensões para além da
realidade e a ratificação de depoimentos como verdadeiros a
despeito das comprovações serem insuficientes ou contraditórias.
Ainda que os Papas insistam em negar o fideísmo – o desejo de
acreditar mesmo contra a Razão –, é inegável que o mistério da fé
consiste em acolher dogmas que a Razão e a Lógica classificariam
como um completo absurdo, pois a verdadeira fé tem de se opor à
Lógica e à Razão – é o credo quia absurdum (creio porque é
absurdo)22. Um detalhe: apesar de este aforismo ser creditado ao
apologista Tertuliano (155-240 d.C.), ele não o escreveu
exatamente assim. Por honestidade, a frase completa, que se
encontra em "De carne christi", diz: "Creio porque é impossível.
Morreu o filho de Deus, isto é perfeitamente crível, porque é
absurdo. E, sepultado, ressuscitou; isto é certo porque é
impossível"38.
O resultado automático do fideísmo consiste em remover o
debate dos dogmas Teístas do reino da Razão e da Lógica, pois
suas crenças são a periferia onde você termina e o mundo real
começa, e o Reino da Razão e da Lógica é delimitado pelos fatos
do mundo real e não pelas apreensões e aspirações humanas.
―Aquilo em que se crê não se alcança mediante o processo
dedutivo da Razão‖, escreveu o teólogo Ed René Kivitz,
completando: ―...mas o que se crê não é necessariamente
desprovido de sentido e inteligência”37. Lamento discordar, mas
quando você se dispõe a ignorar os fatos e o ônus da prova que os
acompanham, tudo que lhe restam são sentidos sem
fundamentos e uma concepção bastante frágil de inteligência. Por
exemplo: apesar dos cenários mencionados na Bíblia serem
históricos, boa parte do enredo não é, e incontáveis eventos
relatados conflitam com princípios científicos bem estabelecidos.
As histórias na Bíblia são basicamente isso: histórias, não
revelações. Thomas Paine (1737-1809) explicou como as
escrituras não podem ser revelações divinas: uma revelação
divina – se tal coisa existe... – é uma mensagem de deus
comunicada diretamente a uma pessoa. Assim que esta pessoa a
relata, a informação se torna um ―ouvi dizer‖. Ninguém é
obrigado a acreditar em algo assim, especialmente quando o
―ouvi dizer‖ é recheado de acontecimentos prodigiosos que
desafiam qualquer nexo e conferem ao portador da mensagem
um poder quase absoluto sobre o destino dos ouvintes6.
Acolher uma ―revelação‖ como uma sentença de obediência
ilimitada assassina o Livre Arbítrio e torna-nos incapazes de
encontrar, por nossos próprios meios, a Verdade substantiva.
Uma vez prisioneiros dessas revelações, tornamo-nos também
vassalos da crença, da Igreja e do Estado. Não é uma decisão
judiciosa ou libertadora. O mais provável é que os relatos bíblicos
sejam decorrentes de erros, mentiras ou interpretações
zelosamente teológicas de eventos naturais.
O astrônomo Carl Sagan (1934-1996) tornou famosa a frase
―alegações extraordinárias exigem provas extraordinárias‖,
mas, séculos antes dele, Hume já havia proposto que ―o sábio
fundamenta suas crenças a partir das evidências‖ e que nenhum
testemunho é suficiente para determinar um milagre, a menos
que a falsificação deste testemunho seja mais miraculosa que o
fato que ele procura estabelecer39. O matemático francês Pierre-
Simon, o Marquês de Laplace (1749-1827), também afirmou algo
semelhante em seu Ensaio Filosófico Sobre as Probabilidades
(1814): ―o peso da evidência para uma alegação extraordinária
deve ser proporcional à sua estranheza‖, escreveu o Marquês40.
Como é de conhecimento geral, as escrituras ―sagradas‖ nunca
fornecem estas evidências, mas apenas entoam encantamentos,
profecias, símbolos e fábulas, reivindicando que acreditemos
devotamente em todos eles.
Numa aplicada diligência para escorar a autenticidade de
suas alegações, muitos Teístas se dizem capazes de alcançar deus
através da meditação e das preces, mas estas experiências não
podem ser substanciadas por eventos fora de sua mente. Por
outro lado, o misticismo pode ser explicado psicologicamente,
sem necessidade de complicar o entendimento do Cosmos
criando vertebrados gasosos oniscientes, onipresentes e
onipotentes. Sabemos muito bem da capacidade dos humanos em
inventar mitos, ouvir vozes, delirar, alucinar e conversar com
amigos imaginários. O fato de existirem bilhões de Teístas no
mundo aponta para uma característica da humanidade, não para
uma prova cabal da existência de uma entidade superior. A
Verdade substantiva não é algo que se obtém por meio de votos
da maioria.
Considerando que a crença em uma divindade é um
subproduto de nossa arquitetura mental e do desejo por
manifestações de exageros fantásticos no mundo, muitos Teístas
desistiram de tentar reconciliar suas crenças com os argumentos
filosóficos ou com as evidências científicas mais atuais. Eles
apenas submetem-se à crença em deus e, eventualmente,
apoiam-se na afirmação de que existem leis na natureza e que
estas leis devem ter sido feitas por alguém.
Ao extrapolar a racionalidade com tamanho despojamento, o
Teísmo confunde Aceitação com Evidência. Apesar de ser fácil
encontrar cientistas Teístas, por exemplo, nenhum trabalho
científico sério leva em consideração a existência e a vontade de
deus sobre os fenômenos naturais28. Do mesmo modo, nenhum
deles é capaz de atestar cientificamente a existência do ser
supremo, indicando o quanto o Teísmo pertence à esfera cultural
ou pessoal, e que ninguém – nem mesmo os cientistas – está livre
da sedução antilógica da crença irrestrita em uma divindade. Por
costume e temor, sempre enxergamos e acreditamos primeiro
naquilo que é mais conveniente para diminuir nossa inquietação
frente ao desconhecido.
Apesar de tudo, os Teístas não estão nem aí para as
contestações da Razão ou da Lógica, tampouco para as críticas
expostas em longos ensaios filosóficos. Não que eles subestimem
os apologistas ou desdenhem de modo ostensivo do método
científico: a maioria dos Teístas acredita em deus porque seus
pais e seus professores lhe disseram que deus existia. E talvez
estes pais e professores acreditem em deus pelo mesmo motivo,
algo que os especialistas comportamentais chamam de
Dependência Epistêmica Mútua: somos constituídos de tal
maneira que fomos dotados de uma necessidade prática para
acreditarmos nos testemunhos acerca daquilo que ainda não
sabemos sobre o mundo, e nos permitimos influenciar por
aqueles entre nós que dizem saber43. A praxe de acreditar age
antes que tenhamos tempo de refletir, transferindo a experiência
do costume para toda ocorrência até então desconhecida. Assim,
a causa derradeira da fé é o ouvido que, por vício, aceita a
veracidade da opinião de outra pessoa.
Se existe uma maldição assombrando o Homo sapiens, ela
atende pelo nome de credulidade. Como sugeriu Hume, e foi
diagnosticado pelos neurocientistas Andrew Newberg e Mark
Waldman, possuímos essa “notável propensão a crer em tudo
que nos é relatado, por mais contrário que aquilo seja à
experiência ou à observação‖30. No final, a potência de
persuasão do testemunho narrado torna-se maior que qualquer
objeção resultante da Razão, da Lógica, do Raciocínio ou das
evidências, e terminamos aceitando as declarações que atestam a
existência de deus como provas em si mesmas.
O Teísmo tem sido parte da história humana há milhares de
anos e segue como um valor importante em todas as sociedades
conhecidas. A crença em absurdos é um fenômeno durável
demais em nossa espécie para nutrir alguma expectativa de que
este hábito possa ser encerrado um dia ou esperar que, se você
tiver a infelicidade de duvidar da existência de deus –
independente da lógica que o tenha levado a essa dúvida –, não
seja rotulado como uma exceção, uma anomalia ou um monstro
cético.
Sem embargo, assim como a longevidade de uma teoria que
resistiu à impugnação por incontáveis testes não constitui um
testemunho de sua retidão, este mesmo fato também não
legitima a veracidade de sua asserção: quem quer que acredite
em deus, faz isso sem provas irrefutáveis. Quem quer que
descarte terminantemente sua existência, também.

3. DEÍSMO E PANTEÍSMO

O Deísmo pode ser posicionado no meio do caminho entre o


Teísmo e o Agnosticismo. Ele consiste na anuência de que existe
uma entidade sobrenatural que elaborou tudo que há, mas não
pretendeu especificamente que a vida inteligente se
desenvolvesse e, portanto, não nutre qualquer interesse quanto
ao desenrolar de sua criação.
Para um Deísta, agradecer a deus por sua existência faz tanto
sentido quanto rezar ao prédio da maternidade onde você nasceu
ou prestar sacrifícios ao bebedouro da escola onde você foi
alfabetizado. Uma deidade assim – que criou tudo e então
abandonou-nos à própria sorte – não solicita ou recompensa
adoração. Por isso, apesar de acreditarem na existência de um
deus, os Deístas recusam que ele tenha se revelado à
humanidade, rejeitando todas as escrituras ditas ―sagradas‖ e os
dogmas baseados nestas crenças. Em termos práticos, um Deísta
se assemelha muito a um Ateu indiferente.
Infelizmente, o deus dos Deístas não oferece grande
aconchego: somos seres sentimentais e ansiamos por um sentido
na veneração. A adoração religiosa é uma expressão desta
necessidade de dependência emocional com um criador com
quem achamos ter alguma preferência ou relacionamento
pessoal. Por isso, a crença divina é tão popular. No fundo, as
pessoas acreditam e oram não por amor, gratidão ou devoção,
mas por intercessão: rezar é protocolar uma petição de favores
para um ser supremo que irá cuidar daqueles interesses humanos
que você tem. No Deísmo, este recurso está indisponível.
Mais crédulo e meigo que o Deísmo, e flutuando equidistante
do Teísmo e do Ateísmo, temos o Panteísmo. Para os Panteístas,
não haveria um deus pessoal, antropomórfico ou criador, mas um
deus filosófico mais ou menos gêmeo daquele do Deísmo: existe
um ser supremo que criou tudo e é tudo que há; porém este ser é
a mesma coisa que o Cosmos. Nada existe para além dele e somos
tanto parte dele quanto ele parte de nós. Por ser tudo, o supremo
irradia os fundamentos do que devemos considerar Bom e
Correto.
O Panteísmo é a grande sacada para resolver o Dilema dos
Eleitos e o Impasse da Ocultação Divina que assombra o Teísmo:
para a maioria dos Teístas, os espíritos podem ser divididos em
―os Eleitos‖ e ―os Não-Eleitos‖. Os Eleitos nasceram em contextos
socioculturais onde terão contato com as crenças necessárias
para sua salvação antes da morte do corpo. Por um golpe do azar,
as almas Não-Eleitas não tiveram esta fortuna e estão destinadas
a jamais entrar em contato com as crenças ―corretas‖. Os Não-
Eleitos, portanto, nasceram condenados à perdição e nunca
conhecerão as portas do paraíso.
Quanto ao Impasse da Ocultação Divina, ele pode ser
expresso da seguinte maneira: vamos supor que deus nos
diferenciou dos demais animais ao nos dotar de inteligência,
raciocínio e livre arbítrio. Ele deseja que acreditemos nele, mas,
numa travessura celestial, cuidou de acobertar as provas diretas
incontestáveis de sua existência. Acreditar em deus sem provas
seria então uma elevação da inteligência, do raciocínio e do livre
arbítrio, ou a degeneração de todos estes em loucura? Se deus
existe, porque ele se esconde em tantos silêncios?
O Panteísmo resolve o Dilema dos Eleitos e o Impasse da
Ocultação Divina de um modo deliciosamente romântico: se
estamos todos dentro de deus, e deus é tudo que há, não é
possível desertar de sua benevolência – nem mesmo por
ignorância. Esta espiritualidade inclusiva recebeu um
combustível novo a partir da década de 1990, quando o conceito
de Monismo Panteísta foi reeditado7. O monismo é uma
concepção que remonta ao eleatismo grego, segundo a qual a
realidade é constituída por um princípio único, um fundamento
elementar, sendo os múltiplos seres redutíveis em última
instância a essa unidade.
Isoladamente, o termo Panteísmo é um pouco menos
moderno: a primeira citação que se tem notícia foi feita pelo
filósofo irlandês John Toland, em 17058. Apesar disso, a noção de
Panteísmo é quase tão antiga quanto o Monismo: muitas
vertentes religiosas como o Hinduísmo, o Judaísmo, a
espiritualidade Celta e o misticismo Sufi possuem cores
panteísticas. Autores como Espinoza, Goethe, Emerson, Thoreau,
Tolstói e D.H. Lawrence, e pensadores como Sêneca, Giordano
Bruno, Hegel, Jung e Einstein, podem ser considerados
Panteístas – assim como os enredos de Guerra nas Estrelas,
Avatar e Rei Leão.
A origem do Panteísmo parece estar no senso de reverência
de identidade que carregamos a respeito do Cosmos. Sua grande
diferença com o Teísmo tradicional está na noção de que deus
não está presente em tudo, mas é tudo – a matéria, o espaço e o
tempo –, e sua onisciência é indistinguível da própria realidade.
Apesar de elegante, esta ideologia não se encontra isenta de
críticas: Schopenhauer se referia ao Panteísmo como um
eufemismo para Ateísmo9. Mais recentemente, Richard Dawkins
rotulou o Panteísmo como um Ateísmo apimentado ou um
materialismo sentimental10.
Mesmo que o deus Panteísta não seja tão pessoal quanto o
deus dos Teístas, os seguidores do Panteísmo acreditam que não
existem motivos para não demonstrar gratidão ou deixar de fazer
pedidos a ele. Então Panteístas apreciam conversar com plantas,
nuvens e pedras; debater sobre ativismo quântico; pregar boas
vibrações; defender a ―lei da atração‖; ―explorar‖ e universos
paralelos; fazer Reiki, mindfulness, homeopatia e terapia de
cristais; elaborar mapas astrais, e captar a energia do planeta,
além de serem Relativistas afáveis com infinitas outras formas de
pseudociência.

4. O ATEÍSMO INABALÁVEL

O termo ―Ateísmo‖ ou ―Ateu‖ deve ser entendido como uma


oposição formal ao Teísmo e, por extensão, ao Deísmo e ao
Panteísmo. Ateísmo é a certeza – ou mais precisamente o estado
psicológico de certeza – de que deus ou deuses não existem. Os
argumentos Lógicos empregados pelos ateus podem ser
resumidos em cinco pontos sequenciais:
(1) Se deus concebeu tudo e age para um fim, então ele age
para obter algo de que lhe faltava. Como poderia ele ser o ―alfa e
o ômega‖ estando privado de algo que não existia?
(2) Se deus é perfeitíssimo, de onde vêm tantas imperfeições
presentes da Natureza? 118
(3) Ainda que aceitássemos a existência de uma onipotência,
seria esta força capaz de criar um tronco de madeira tão pesado
que nem mesmo ela seria capaz de erguer? Qualquer resposta a
isto consiste em uma aniquilação da mesma onipotência.
(4) Insistindo na tese de onipotência, se deus tem o poder de
tudo destruir e aniquilar, ele seria capaz de descriar-se? Se
positivo, ele não é eterno. Se negativo, não é onipotente.
(5) Se deus é onisciente, o livre arbítrio não existe: uma vez
que na eternidade não há quando, nem antes ou depois, toda e
qualquer escolha que você fizer estará contida no antecedente da
vontade de deus. Se sua vontade corresponde a algo inédito que
estava além do juízo de deus, então ele não é onisciente. Ou deus
existe, ou o livre arbítrio existe.
Para um Ateu, a totalidade, a perfeição, a onipotência, a
eternidade e a onisciência de deus são incompatíveis com o
próprio conceito que expressam.
Dentro da teologia, se aceita designar Budismo, Hinduísmo e
Jainismo como formas de Ateísmo, pois não compartilham a
crença clássica em um deus todo poderoso, onisciente,
benevolente e onipresente. Porém, se considerarmos que ser
Ateísta significa ―alguém que não crê em deus‖, deveríamos
contabilizar que existem muitas outras coisas que os Ateístas
também não acreditam, e deveríamos chamá-los, além de
Ateístas, de ademonioístas, abruxaístas, acinderelistas,
apapainoelistas, aunicornioístas, abatmanistas e mais um monte
de ―a-coisistas‖.
Ainda que não sejam exatamente pessoas simpáticas ou
afáveis com a credulidade alheia, os ateístas vêm crescendo em
número. Não obstante, estimar sua população mundial é uma
tarefa complicada: as pesquisas avaliando o padrão de
religiosidade das pessoas raramente são realizadas de modo
randomizado, e os contextos sócio-políticos adversos podem
resultar em respostas não condizentes com a realidade
individual11. Em países totalitários, por exemplo, onde o
Ateísmo é fixado pelo Estado, pessoas Teístas sentem-se
pressionadas para afirmar que não acreditam em deus. Em
contrapartida, nas nações onde o Teísmo é mandatório pelo
Estado, dizer-se Ateu pode equivaler a um crime capital. Mesmo
em sociedades democráticas e tolerantes, quando questionadas
quanto ao seu padrão de crença individual, as pessoas sentem-se
compelidas a responder de uma maneira social ou culturalmente
apropriada devido ao estigma que insiste em acompanhar o
rótulo ―Ateu‖.
Ainda assim, estima-se que existam 500 milhões de Ateus
espalhados pelo mundo – ou cerca de 7% da população global. Se
expandirmos o conceito para incluir adultos que não se
identificam com qualquer Religião, o percentual chega a 16,5% –
o equivalente a 1,1 bilhão de pessoas –, fazendo deste grupo
(pessoas Sem-Religião) o terceiro maior do planeta, perdendo
apenas para o Cristianismo (1º lugar) e para o Islamismo (2º)11.
Existem mais homens e mulheres seculares que Hindus,
Budistas, Mórmons, Sikhs, Jainistas ou Judeus.
O desenvolvimento tecnológico nos últimos três séculos
permitiu que o Ceticismo e o Relativismo avançassem também no
universo da crença divina: segundo levantamentos do Instituto
Gallup, apenas 1% da população dos EUA declarava-se
abertamente Ateísta em 1944. Em 2015, este percentual atingiu
3,1%, e um crescimento semelhante vem sendo observado em
outros países: 55% da população da República Tcheca declara-se
Ateísta ou Agnóstica ou Sem-Religião. No mesmo barco,
encontramos 41% dos franceses; 39% dos suecos; 36% dos
alemães; 35% dos holandeses e belgas; 32% dos dinamarqueses e
noruegueses; 30% dos britânicos; 28% dos neozelandeses,
finlandeses e japoneses; 26% dos australianos; 21% dos
espanhóis; 17% dos chineses e russos; 14% dos uruguaios; 13%
dos italianos; 11% dos israelenses; e 10% dos irlandeses. No
Brasil, apenas 2% da população declara-se Ateísta ou Agnóstica –
mais ou menos o mesmo percentual dos indianos47,48.
Não obstante o aumento da população Sem-Religião, seus
integrantes ainda estão distantes de representar alguma
relevância política. Desde tempos ancestrais, o soberano civil
sempre esteve sujeito ao poder espiritual12. Por isso, Ateus e
Agnósticos, que não reconhecem a autoridade absoluta de
qualquer ser supremo, sempre foram preteridos para exercer
soberanias civis: em todo o mundo, os eleitores tendem a
considerar que a crença em um deus é essencial para a
Moralidade.
Na visão de vastas manadas de pessoas, Ateísmo e
Agnosticismo significam uma negação aos princípios de honra, ao
amor pela nação e à lealdade ao Estado. Para os que creem, o
governo e a própria sociedade desmoronariam na ausência de
algum Teísmo, e por isso os Sem-Religião são vistos com grande
reserva, como pessoas capazes de qualquer coisa – desde
trapacear, chutar animais na rua, jogar bebês pela janela ou
praticar canibalismo –, pois não estão sujeitos às restrições éticas
associadas à crença divina49. ―Sem deus‖, apontou Dostoievski,
―todas as coisas tornam-se legítimas‖13. André Comnte-Sponville
respondeu a isso afirmando que, se deus não existe, torna-se
urgente interrogarmos a Razão sobre o que nos permitiremos
fazer ou não23. Simples assim.
Apesar de cerca de 20% dos norte-americanos se declararem
Sem-Religião, não existe na história daquele país um presidente
ou congressista que tenha sido eleito após revelar-se
―abertamente Ateísta‖. Não apenas isso: a constituição de sete
estados dos EUA (Arkansas, Maryland, Mississipi, Carolina do
Norte, Carolina do Sul, Tennessee e Texas) proíbe Ateus de
assumirem cargos públicos, apesar de esta norma violar o Artigo
VI da constituição estadunidense que afirma que ―nenhum
requisito religioso poderá ser exigido como condição para
nomeação para cargo público‖11.
No Brasil, a situação não é muito diferente: apenas 13% dos
eleitores brasileiros votariam em um candidato Ateu para
Presidente da República. Para efeito de comparação, 84%
votariam em um negro, 57% em uma mulher e 32% em um
homossexual50. Em 2008, outro levantamento mostrou que 42%
dos brasileiros admitem sentir aversão aos Sem-Religião. Desses,
17% declararam sentir ódio ou repulsa e 25%, antipatia51.
Aproximadamente 73% da população brasileira (nada menos que
173 milhões pessoas!) declara possuir alguma crença divina,
colocando-nos na quarta posição entre os países mais crentes do
mundo (1º lugar: Itália, com 90%; 2º lugar: Filipinas, 80%; 3º
lugar: México, 76%)47.
No século XVII, o gênio autodidata e professor de filosofia
francês Pierre Bayle defendeu a tese de que o Ateísmo não
levava à corrupção dos costumes e não impediria alguém de
ser honesto. Segundo Bayle, não haveria nada melhor para fazer
do mundo um sangrento teatro de confusão e massacre do que
estabelecer como princípio que todos aqueles que estão
persuadidos da verdade de sua Religião têm o direito de
exterminar os outros25. Sem embargo, a desconfiança com Ateus
e Agnósticos nunca diminuiu e pode ser considerada uma das
mais impressionantes contradições Morais de nossos tempos:
quando as pessoas de fé questionam a ética das pessoas sem fé,
como será que elas encaixam as atrocidades da Inquisição e do
Estado Islâmico em seus raciocínios? Não existem registros de
fogueiras humanas ou ataques terroristas cometidos por seitas de
Ateus ou Agnósticos...
O estereótipo de que o Ateísmo é uma forma de Religião, ou
quase-Religião, ou de alguma forma ideológico, é igualmente
falso: além do fato de afirmarem que deus não existe, os Ateus
não amparam qualquer outro dogma. Contudo, é correto dizer
que, segundo sua posição com relação aos Teístas, os Ateus
podem ser divididos em três categorias: amigáveis, não-
amigáveis e indiferentes.
O Ateu Amigável é aquele que concorda que mesmo pessoas
intelectualmente sofisticadas podem acreditar que deus ou
deuses existem e, em geral, exibe um comportamento não
doutrinário com relação a isso. O Ateu Não-Amigável considera
toda e qualquer forma de Teísmo injustificável, ao ponto de
considerar qualquer forma de crença teológica uma ofensa
pessoal. O Ateu Indiferente é apenas isto mesmo: indiferente e,
por consequência, exime-se de qualquer diligência catequizadora.
É comum ouvir Teístas dizerem que ―os Ateus deveriam se
abster de criticar a experiência a crença em uma divindade
absoluta: quando insistem nisso, é como observar um cego
negando a existência de cores‖. Este é o típico ataque ad
hominem cuja desconstrução é mais simples que um quebra-
cabeças de duas peças:
Em primeiro lugar, pessoas cegas não negam o senso da visão
ou a existência de cores. Ademais, o caminho dos impulsos
luminosos entre a retina e a região occipital do cérebro pode ser
identificado e demonstrado fisiologicamente, assim como os
espectros da luz visível podem ser validados por equipamentos
que independem da visão humana ou de suas crenças. A
existência das cores, portanto, não precisa ser tomada como um
ato de fé.
Em segundo lugar, isso tornaria a fé uma espécie de ―sexto
sentido‖ que só os Teístas Eleitos teriam. Todavia, eles não
oferecem recursos extras para testar seus insights espirituais:
temos que acreditar na sua palavra de que estas deduções são
verdadeiras e de que suas revelações são provas suficientes da
existência de um ser superior.
Os Ateus não negam a realidade subjetiva das experiências
religiosas, mas reconhecem essas experiências apenas como
ocorrências psicológicas que não necessitam um reino
transcendental para existir. Para explicar o fenômeno da
―experiência religiosa pessoal‖, o princípio da Navalha de Occam
é simples, eficaz, imparcial e contundente. Não obstante, o
calcanhar de Aquiles do Ateísmo está naquilo que eles mesmos
exigem: provas.
Por exemplo: para os Ateístas, a Evolução prova que a
Criação não é perfeita, mas está em aprimoramento. Para Teístas
e Panteístas, a Evolução faz parte dos planos divinos, pois deus
não é uma entidade no mundo natural: ele é o criador de tudo
que há e de todos os seus processos causais. Deus é a razão de
tudo existir – até mesmo a razão de haver algum acaso ou Seleção
Natural. Por isso, uma explicação Ateísta jamais será capaz de
eliminar completamente uma contrapartida Teísta para o mesmo
argumento.
O fato é que uma coisa é aceitarmos que não existem provas
suficientes da existência de deus (ou deuses); outra, que existem
provas suficientes para produzir certeza absoluta de sua(s)
ausência(s). Se um Ateísta defende a não-existência de deus, cabe
a ele fornecer as evidências disso, uma vez que seu juízo invalida
o Teísmo justamente por não oferecer indícios sólidos o
suficiente comprovando deus. Assim, quando um Teísta afirma
que deus existe, o ônus da prova lhe pertence. Porém, quando um
Ateísta afirma que deus não existe, o mesmo princípio se aplica:
cabe ao Ateísta oferecer confirmações acima de qualquer dúvida
acerca da inexistência de deus ou deuses.
O Ateísmo tem razão quando afirma que a ausência de
evidências inescusáveis ou a presença de evidências ambíguas
sobre a existência de deus são uma prova dos julgamentos
equivocados sobre o assunto. O empecilho para os Ateístas está
em que, se invertida, a Lógica deste raciocínio também se aplica a
eles como uma luva.
O Ateísmo já foi um sinal de independência e livre
pensamento, e continua sendo uma incrível demonstração de
coragem em países com regimes Teístas autoritários. Todavia,
com a Pós-Modernidade, o Ateísmo sofreu uma banalização,
tornando-se mais próximo de um ―discurso de atitude contra o
sistema‖ que o produto ipso facto de uma longa e profunda
reflexão teológica, e muitas pessoas que se dizem Ateístas
professam, na verdade, convicções Agnósticas, Deístas ou
Panteístas – e sequer se dão conta disto.

5. AGNOSTICISMO: ISENTISMO OU SENSATEZ?

O termo ―Agnóstico‖ foi cunhado pelo biólogo inglês Thomas


Henry Huxley (1825-1895), conhecido como O Buldogue de
Darwin devido à sua intensa campanha em defesa da Teoria da
Evolução de Charles Darwin. Thomas, avô do famoso escritor
Aldous Huxley, inventou a palavra Agnóstico para se referir a
pessoas que, como ele, se percebiam incapazes de afirmar com
absoluta certeza se deus ou deuses existem ou não52.
Os Agnósticos compreendem que defender a existência de
deus dizendo que ―o mundo certamente foi organizado por uma
inteligência superior, pois ele atende bem a todas as necessidades
humanas‖ é uma alegação pleonástica: se este mundo não fosse
propício para a existência de nossa espécie, não existiríamos nele
– basta observar os demais corpos celestes do Sistema Solar.
Além disso, acreditar que o mundo foi ―feito sob medida para as
necessidades humanas‖ é apenas outra tentativa de colocar o
Homo sapiens em um patamar de grande importância segundo
sua própria opinião. Se perguntássemos para os golfinhos, eles
diriam que o mundo foi feito sob medida para os cetáceos e não
para os humanos, uma vez que os oceanos cobrem dois terços da
superfície da Terra.
Seguindo o critério do Ônus da Prova, se uma pessoa afirma
ter inventado um dispositivo antigravidade, não cabe aos outros a
incumbência de provar que tal coisa não existe: a defesa da tese
cabe ao artífice. É dele a tarefa de apresentar provas irrefutáveis
de seu invento, e qualquer pessoa deve sentir-se livre para
recusar a crença no referido dispositivo até que ele tenha sido
demonstrado real e eficaz.
Igualmente, embora a Ciência não tenha como desprovar
deus, isso não significa que deus exista: alguém pode alegar que
em sua casa habita um elefante cor de rosa com asas, mas o fato
de ser impossível provar que o tal elefante não existe não
significa que ele esteja lá, tomando chá na poltrona da sala. Como
disse Hobbes, afinado na mesma toada do Ônus da Prova de
Sagan, Laplace e Hume: ―aquele que pretende provar alguma
coisa torna juiz de sua prova aquele a quem dirige seu
discurso‖12. Dada a ausência de evidências sólidas o suficiente, o
Agnóstico abstém-se de emitir um arbítrio definitivo sobre a
existência de qualquer deus ou deuses.
Segundo Baruch Espinoza (1632-1677), não temos como dar
alguma razão que impeça a existência de deus ou a ratifique
absolutamente118. Apesar disso, a necessidade de acreditar sem
cognição, ou sobre parâmetros enigmáticos, ou mesmo em um
estado de absoluta cegueira, deveria nos tornar mais cuidadosos
antes de obrigar os outros a aceitar nossas crenças. Quem pode
afirmar que possui provas incontestáveis de tudo aquilo deus
defende ou condena quando a vontade divina jamais prescreveu
de modo claro e direto o que pretendia?
Apesar de Platão ter defendido que a Razão é o instrumento
máximo da consciência humana, o grego foi um tanto mais
leniente com relação à existência dos deuses. Para Platão, se os
deuses não existem – ou não se preocupam com as coisas dos
homens –, de que adianta nos importarmos com eles? Se, por
outro lado, os deuses existem, sua preocupação conosco não foi
expressa muito explicitamente, e não ouvimos falar deles além do
que disseram os profetas que tratavam de sua genealogia – e até
mesmo esses profetas disseram que os deuses se deixam dobrar
por meio de sacrifícios, preces e oferendas27.
Nenhum argumento é capaz de provar a existência de deus
acima de qualquer suspeição, e cada tentativa neste sentido se
baseia em enunciados fáceis demais de serem desconstruídos.
Porém, o inverso também é verdadeiro: qualquer certeza
inabalável sobre a inexistência de deus carece de provas
suficientes e pode ser refutada sem grandes embaraços.
Muito mais que um ―isentão‖, um Agnóstico é alguém que
aceita a permanência da dúvida como um autêntico exercício de
Lógica, ainda que seja tão fácil criticar um raciocínio Lógico,
ainda que bom, como difícil fazê-lo embora ruim. Não obstante, a
Dúvida assumida significa a certeza de desconhecer a Verdade
substantiva. Ao tornar-se consciente, ela anula-se a si mesma,
transformando-se em uma forma singular de entendimento. O
estado de Dúvida, portanto, é um paradoxo de honestidade
intelectual per se. Para mim, isto bastaria para classificar o
Agnosticismo como a crença ―não-crente‖ mais ponderada dentre
todas.

6. DO RELOJOEIRO DIVINO AO DESIGN


INTELIGENTE

Para os Teístas, a matéria primária é inativa e desprovida de


qualquer poder pelo qual pudesse produzir, continuar ou
comunicar movimento. Uma vez que esses efeitos são evidentes
para nossos sentidos, e como o berço de sua causa tem de estar
em algum lugar, este primórdio deve residir em deus. Como
Espinoza afirmou: ―para cada coisa existente, há
necessariamente uma causa em virtude da qual ela existe, e
deus, na medida em que é constituído por uma infinidade de
atributos, é a causa das coisas como elas são em si mesmas, e
todos os modos de pensar têm deus por causa‖118. Deus,
portanto, não apenas criou a matéria como lhe proporcionou o
impulso original.
Partindo deste axioma, Teístas e Panteístas procuram
defender a crença divina segundo seus próprios termos, criando
suas clássicas triangulações entre Aceitação e Evidências. Eles
afirmam coisas como: “De onde você acha que tudo surgiu? Como
explicar a complexidade do universo? Acha mesmo que toda
beleza e ordem da natureza são frutos do acaso? Tudo tem uma
causa, e toda causa é efeito de uma ação prévia: todo relógio
precisa de um relojoeiro!”.
A Analogia do Relojoeiro tornou-se famosa pelas mãos do
teólogo e clérigo inglês William Paley (1743-1805), que alegava
que ―o propósito do mecanismo, seu design e seu desenhista, são
evidentes a despeito da irregularidade do movimento ou se
podemos ou não percebê-los. Não é necessário que a máquina
seja perfeita para evidenciar com que modelo e propósito foi
feita – e, ainda menos necessário, perguntar-se se ela foi feita
com algum modelo ou propósito em si‖14.
O primeiro problema com o argumento da Analogia é que ele
prognostica de imediato a existência de um ―relojoeiro‖: ao
reclamar a aceitação de uma entidade superior a tudo como uma
explicação para o universo, a Analogia afirma que tudo tem uma
causa, mas deus não tem. Entretanto, se deus existe e é ao mesmo
tempo uma parte e tudo que há, e mantendo a congruência com o
argumento de Paley, seria justificável procurar uma explicação
para quem criou deus, e o deus seguinte, e o deus seguinte, e o
deus seguinte em uma regressão infinita de relógios e relojoeiros.
Quando admitimos a necessidade de um criador para a
matéria, por que convenientemente interrompemos o processo
de regressão neste criador? Não poderia a matéria em si ser
eterna em seu fluxo? Se aceitarmos que é impossível que alguma
coisa possa começar a existir sem uma causa, teremos sempre
que recorrer a outra causa para a antecedente. E se acaso afigura-
se legítimo cogitar que deus prescinde de uma origem, então por
que não admitir que o Cosmos prescinda de um agente, sendo ele
mesmo seu próprio princípio – e a criação de deuses imaginários
apenas uma consequência disso?
Consoante com esta possibilidade, o poeta romano Tito
Lucrécio Caro (99-55 a.C.) argumentou que é impossível para a
matéria ter sido criada e que ela deve, portanto, ser eterna.
Especificamente, Lucrécio escreveu que ―nenhuma exterioridade
racional atua na Natureza. Isto significa dizer que a Natureza
não obedece a nenhum projeto e não abriga nenhuma
finalidade. Apenas o que é tangível (ou seja: a matéria) pode
agir e padecer‖15.
Dotados de cérebros apaixonados por padrões, acreditamos
que para fundamentar um raciocínio é preciso haver sempre uma
mistura de causas entre as chances, pois ―tudo brota de um
princípio‖29,31. Uma vez que admitir o acaso paralisa o processo
de raciocínio típico dos humanos, as forças da Seleção Natural
conduziram nossas mentes a um formato que possui este
costume de passar de um originador para um originado. A fé em
um ser supremo foi uma artimanha habilidosa, agradável e
prática da mente para conceber o Cosmos como um sistema
ajustado a este molde, e a crença nesta certeza pode não passar
da conversão de uma divagação em um convencimento por força
da imaginação. Além disso, a perspectiva do nada é um suplício
intolerável para boa parte das pessoas, e as mitologias Teístas
oferecem um meio rápido para escapar deste destino. Ou, como
William James (1842-1910), Pai da Psicologia Americana,
propôs: a Religião produz satisfação e contentamento, oferecendo
um bálsamo otimista para o mundo e o futuro46.
No final do século XVII e no começo do século XVIII, a teoria
ateísta de Lucrécio foi combatida pelos Teístas com o aforismo Ex
nihilo nihil fit – uma expressão latina atribuída ao filósofo grego
Parmênides que significa ―nada surge do nada‖. Do argumento de
Parmênides emanou o Princípio da Razão Suficiente, de Gottfried
Wilhelm Leibniz (1646-1716), segundo o qual para qualquer
estado das coisas deve haver uma razão suficiente capaz de
explicar porque as coisas são de uma determinada maneira e não
de outra16. Parmênides também provavelmente inspirou a irônica
frase de Voltaire: ―Se deus não existisse, seria necessário
inventá-lo‖97, assim como Leibniz forneceu combustível para o
relojoeiro de Paley.
A Analogia do Relojoeiro está no cerne da tentativa dos
Teístas modernos em integrar o Darwinismo ao seu sistema de
crenças. Entretanto, cerca de 100 anos antes de Paley, Hobbes
afirmava que não é possível concebermos uma ideia de um deus
com atributos infinitos: qualquer coisa que imaginemos é finita,
pois nenhum humano possui a faculdade de conceber um tempo
infinito, um tempo infinito, uma força infinita e daí em diante.
Por isso, ainda que empreguemos o nome ―deus‖ e o adoremos,
sua grandeza – se ele há – é inconcebível.
Para Hobbes, nossa ideia de deus é como a ideia que um
homem cego possui sobre o fogo: este homem sabe apenas que o
fogo o aquece, mas é inepto para alcançar que tipo de coisa
exatamente o fogo é. Qualquer tentativa para descrever deus
além dessas limitações não passa de antropomorfismo: se deus
existe, ele está aquém do escopo de nossa compreensão. Neste
sentido, parece sensato referir Hobbes como um Agnóstico
stricto sensu ou, em um arroubo de inferência, um Deísta
discreto.
Seguindo a linha de Hobbes e Lucrécio, Hume criticava as
doutrinas e os dogmas do Teísmo tradicional. Ele também teceu
uma alusão a Ex nihilo nihil fit ao escrever que as coisas do
universo são uniformes, pois todas elas estão ajustadas às demais
de maneira que um único desígnio parece predominar em tudo –
―e essa uniformidade leva a mente a reconhecer um só autor‖17.
Mas, para minha felicidade, o escocês admitiu que ―estamos
colocados neste mundo como em um grande teatro, onde as
verdadeiras origens e causa de cada acontecimento nos estão
inteiramente ocultas”17.
Hume considerava problemática a ideia de um deus com
moldes Teístas: deus não poderia ser objeto de qualquer paixão
ou afeição, e aceitá-lo adicionaria muito pouco à nossa
compreensão da natureza e da existência. Segundo Hume, os
entusiastas distorcem a ideia de deus para uma semelhança com
aquilo que lhes parece mais nobre e sensato – o que seria uma
degradação dos atributos de deus. Se há um deus, sua natureza é
tão diferente que não somos habilitados o suficiente para defini-
lo, especialmente com relação às nossas substâncias e aos nossos
predicados humanos.
Em contraponto ao Ateísmo explícito de Lucrécio e ao
Deísmo de Hume, Voltaire, Paine, Adam Smith, George
Washington, Benjamin Franklin e Thomas Jefferson, o filósofo
inglês newtoniano Samuel Clarke (1675-1729) procurou socorrer
o Ex nihilo nihil fit de Parmênides e o Princípio da Razão
Suficiente de Leibniz, antecipando-se a o Relojoeiro de Paley,
argumentando que é impossível para a matéria ser a origem e o
final de tudo, pois não podemos explicar a origem do movimento
e da inteligência em um universo onde a matéria inerte foi a
primeira coisa a existir. Segundo Clarke, em um sistema de causa
e efeitos, a causa deve sempre ser mais excelente que o efeito. Por
conseguinte, a origem e a modelagem de tudo devem pertencer a
um ser eterno, inteligente, perfeito e imaterial18.
Em resposta a Clarke, vale dizer que nenhum biólogo sério
jamais disse que os microrganismos surgiram ―do nada‖, em uma
mutação acidental, única e isolada. A Evolução é o acúmulo
gradual de várias pequenas alterações ao longo de bilhões de
anos em um ambiente propício. Os humanos são apenas uma das
infinitas possibilidades que poderiam ter sobrevivido à impiedosa
Seleção Natural. Se há algo de milagroso em nossa existência, é
tão razoável creditar este milagre às probabilidades quanto a um
―relojoeiro‖.
Além disso, parece aceitável admitir um design ―no‖
universo, mas argumentar acerca de um design ―do‖ universo é
adotar uma semântica com viés intrinsecamente Teísta. O design
que percebemos na Natureza não é necessariamente inteligente –
este foi um rótulo criado pelos humanos – e o Cosmos não
necessita explicações ou aplicações extras para existir e continuar
funcionando. O universo não é ―governado‖ por leis naturais: as
leis que lhe atribuímos são meras concepções humanas sobre a
maneira como as coisas normalmente reagem. São descrições
para este universo, não prescrições para todos os universos
possíveis.
A alegação de um design divino voluntário não se baseia em
fatos, mas em suposições fundamentadas na nossa ignorância.
Por milênios, criamos respostas místicas para ―mistérios‖ como o
trovão, as tempestades, a fertilidade, a febre, as crises
convulsivas, as enchentes, os maremotos, o terremotos, os
meteoros e uma infinidade de eventos naturais. Mas, quanto mais
avançamos em conhecimento científico, menos deuses
precisamos para elucidar estes fenômenos. A momentânea
incapacidade de resolver uma dúvida não significa que inexista
uma resposta Lógica para ela.
Acreditar em um deus como explicação derradeira para tudo
aquilo que ainda não entendemos é responder um mistério com
outro mistério – e, se acaso nos satisfizéssemos com essa teologia
dos hiatos, nenhuma lacuna de nosso conhecimento teria
avançado muito além daquela dos primeiros símios que surgiram
nesse planeta. Ademais, quando aceitamos o design inteligente
elaborado por um deus perfeito, esbarramos no Grande
Problema do Mal: se há um deus todo poderoso, onisciente e
benevolente, por que ele não poupou sua criação do sofrimento?

7. O GRANDE PROBLEMA DO MAL

A maioria das defesas da crença divina, de Paulo de Tarso a


Samuel Clarke, passando por Abelardo, Tomás de Aquino, Inácio
de Loyola, Martim Lutero, Gregor Mendel, René Descartes e
William Paley, e chegando a Olavo de Carvalho e Donald Battle –
para citar apenas alguns Teístas conhecidos –, esbarra no dilema
ancestral de Epicuro: o Grande Problema do Mal.
A escola fundada por Epicuro em Atenas em 306 a.C.
disputou com o Estoicismo a hegemonia do período posterior à
filosofia clássica. Ele é conhecido pela obra Da Natureza, em que
retoma as teorias atomistas de Demócrito e Leucipo, defendendo
que o universo consiste de um espaço vazio infinito e um número
infindo de partículas físicas minúsculas eternamente existentes.
Neste ponto, não parece ter sido muito original, pois apenas
reproduziu o conceito de Ápeiron creditado a Anaximandro.
Ainda assim, o dilema que leva seu nome garantiu-lhe a
imortalidade: “Considerando que deus existe, é todo poderoso,
moralmente perfeito e benevolente, e, todavia, o Mal ocorre,
será que ele tem disposição (vontade) para evitar o mal, mas é
incapaz de fazê-lo? Então ele não é onipotente. Se deus tem
capacidade (poder) para evitar o mal, mas opta por não fazê-lo,
ele não é todo benevolente. Finalmente, se deus possui
disposição e capacidade de evitar o mal, então por que o mal
existe no mundo?”98,99. Ou, como Espinoza perguntaria quase
dois mil anos depois: se deus ama a si mesmo com um amor
intelectual infinito e, na medida em que se ama, ama os
humanos, por que permitiu o Mal?118
Para os Ateus, a presença do sofrimento é uma prova de que
se o deus todo poderoso, benevolente e omnisciente existe, ele ou
é incapaz de agir nestas situações ou é indiferente ao sofrimento,
contradizendo sua própria natureza e, por conseguinte, sua
existência: um deus todo poderoso, benevolente e omnisciente
que permite e aceita a tortura de crianças e cria coisas defeituosas
– que mais tarde precisa destruir para consertar repetidamente –
seria tão improvável quanto um quadrado triangular.
Espinoza tentou resolver o dilema de Epicuro afirmando que
tudo que fazemos, ou como quer que a situação se desenrole, é
uma pura manifestação de deus, então tanto o bem quanto o mal
são divinos e devem ser respeitados. Mais que isso, postulou que
o mal é uma distorção causada pela visão fragmentada de
criaturas finitas: o mal seria um fenômeno real para nós, mas
desapareceria em insignificância diante da magnificência da
integralidade que é deus. Para Espinoza, se pudéssemos ver o
mundo como deus o vê, reconheceríamos que as falhas aparentes
na verdade contribuem para a inescrutável benevolência do
todo118. Infelizmente, ao assumir uma posição tão abrangente, o
Panteísmo de Espinoza se envolve com o velho determinismo
Teísta, aborta o livre arbítrio e, de brinde, relativiza qualquer
fantasia ou prescrição de Moralidade.
Em 1955, o filósofo australiano John Leslie Mackie (1917-
1981) definiu bem o contexto do Grande Problema do Mal ao
resumir que as crenças religiosas não são destituídas de suporte
racional, mas são positivamente irracionais19. A despeito da
blasfêmia de Mackie, Teístas e Panteístas tentam se livrar da saia
justa revelada por Epicuro mencionando uma das quatro saídas
―lógicas‖ preferidas de Espinoza:
(1) Declarar que o mal não é uma Verdade substantiva,
relativizando-o à percepção limitada que os humanos possuem da
Criação; ou
(2) Afirmar que o mal é uma peculiaridade circunstancial do
mundo natural, como doenças infecciosas, Alzheimer,
terremotos, furacões, tornados, maremotos e outras fatalidades;
ou
(3) Pregar que os propósitos ―misteriosos‖ de deus estão
acima e aquém das motivações e da cognição da Moralidade
humana (Leibniz, por exemplo, julgava ingênuo considerar que a
felicidade humana é o padrão pelo qual a benevolência dos
mundos deve ser aferida); ou, finalmente,
(4) Argumentar que a eliminação do mal necessário
produziria um mal maior ou diminuiria a quantidade total de
benevolência no mundo: inexistindo o mal, as pessoas não
desenvolveriam paciência, conhecimento, resiliência, altruísmo,
justiça, coragem, bondade ou a buscariam alguma decência no
livre arbítrio de seus julgamentos Morais.
As salvaguardas para conciliar a disputa entre o mal, deus e o
livre arbítrio haviam sido antecipadas por Platão (―deus, uma vez
que é todo benevolência, não poderia ser a causa de tudo, mas a
causa apenas de algumas poucas coisas que acontecem aos
homens, e sem culpa do maior número delas‖27) e reeditadas
pelo monge Pelágio da Bretanha. Pelágio (350-423) afirmava que
o homem é totalmente responsável por sua própria salvação, e
minimizava o papel da graça divina. Devido à sua defesa do
autopertencimento e outros ―insultos‖, o monge foi condenado
por heresia pelo Concílio de Éfeso em 431 d.C.17.
No século XX, Plantinga faria uma nova tentativa para
harmonizar o livre arbítrio com a existência de deus e do mal.
Bastante perspicaz, considerou que deus, apesar de onipotente,
não poderia criar seres com livre arbítrio proibidos de escolher
pelo mal20. Contudo, o argumento de Plantinga contrasta
bastante com o tipo de mundo que um deus todo poderoso se
dispôs a criar, pois ele poderia muito bem ter povoado a Criação
com seres dotados de livre arbítrio e sem a possibilidade do mal e
do sofrimento: apesar de Pelágio estar certo e uma parcela
considerável do sofrimento deste mundo resultar das escolhas
que fazemos, alguns suplícios não obedecem a este critério.
Muitas doenças e catástrofes não ocorrem por efeito de escolhas
voluntárias, mas são eventos viabilizados pelo mero
funcionamento da ―criação‖ divina.
Enfim, quando nada disso resolve, a saída derradeira que
todos os Teístas empregam para o dilema de Epicuro tem um
denominar comum, descrito de forma brilhante pelo rabino
Harold Kushner: negar terminantemente a validade da questão21.
Infelizmente, esta estratégia asséptica parece desdenhar do peso
que o sofrimento pode infligir aos humanos e a outros animais.
Aceitar a crença divina herdada da doutrina judaico-cristã
equivale a acreditar que não existe qualquer imperfeição em um
deus que condenou bilhões de descendentes ao sofrimento e à
morte devido ao erro de dois humanos originais, feitos por ele à
sua imagem e semelhança. Também exige aceitar que este mesmo
deus, benevolente e justo, foi capaz de perdoar a humanidade
apenas após encarnar na forma de seu filho, conduzindo-o então
a uma extremamente dura morte sacrificial – e somente os
Eleitos que tiverem tomado ciência e aceitado a veracidade deste
fato serão perdoados e receberão como gratificação a vida eterna
no paraíso, enquanto todos os demais embolsarão como prêmio
uma eternidade de aflições no fogo do inferno (vide Mateus 19, 1;
Coríntios 5, 2; Pedro 1; Marcos 9; Mateus 13 e Apocalipse 14,
entre outros). Acreditar no deus judaico-cristão suscita aquiescer
que nada disso, absolutamente nada disso é Moralmente
problemático.
Se um general inimigo consegue ser vitorioso, dificilmente
reconhecemos seus méritos: logo dizemos que ele tem alguma
parte com o demônio, que é sanguinário e que tem prazer em
matar e destruir. Mas, se a vitória é nossa, nosso comandante
recebe todas as glorias: ele é um modelo de virtude e coragem. À
sua traição, chamamos ―estratégia‖; e à sua crueldade, ―um mal
necessário‖29. Este é o pensamento por trás da solução Teísta
para o Grande Problema do Mal: queremos para nós a afiliação
com este segundo general, e em nome da vitória imaginária lhe
perdoamos qualquer atrocidade.
Para os Ateístas, a existência do mal seria uma comprovação
prima facie da inexistência de um general onipotente e
benevolente ou de um relojeiro capacitado para designs
inteligentes. Entretanto, do ponto de vista dos Deístas e de vários
Panteístas, o descaso quanto à existência do sofrimento não
elimina a possibilidade de existir um deus ou deuses. Se
imaginarmos uma deidade interessada em uma boa história, é
concebível pensar que ela não iria começar a Criação por ―… e
viveram felizes para sempre‖. Dentro de sua eternidade, o ser
supremo poderia muito bem interessar-se em elaborar uma
narrativa dramática contendo ordem, beleza, prazer, felicidade,
amor, inteligência e, ao mesmo tempo, dor, morte, ódio, tristeza,
vícios, erros e injustiça, garantindo sua existência independente
do mal nos aflige.

8. A FALÁCIA DO MUNDO JUSTO

Segundo Platão, o filósofo jônico Anaxágoras afirmava que


tudo se achava confundido no início e foi a inteligência divina –
o nous – que pôs ordem ao caos31. Aristóteles aprendeu a lição de
seu mestre e registrou que o Cosmos é um organismo ativo que se
esforça para realizar seus fins32. Hume também parecia estar
convencido de que a Natureza guardava uma espécie de
compensação em todas as coisas: para ele, as contradições da
natureza eram provas de um plano coerente e estabelecem um
projeto ou uma intenção única, ainda que inexplicável e
incompreensível. ―O bem e o mal se misturam e se confundem
universalmente‖, escreveu Hume, completando: ―Nada é puro
nem inteiramente uniforme: todas as vantagens são
acompanhadas de desvantagens, e uma compensação universal
se impõe em todas as condições do ser e da existência‖17. E nisto
consiste a Falácia do Mundo Justo.
Dois mil anos depois de Aristóteles e alguns séculos após
Hume, continuamos pensando que os fins são sempre justos de
algum modo; que existe uma ordem onde os malvados perdem e
os bonzinhos ganham; e uma compensação pelo sofrimento
sempre há de vir. Este é o modo como gostaríamos que o mundo
funcionasse, mas esta crença é uma fantasia através de onde
observamos a miséria, os infortúnios e os destinos terríveis de
nossos semelhantes e nos consolamos pensando que ―se eles
estão passando por isso, fizeram alguma coisa por merecer!‖. A
palavra-chave é merecer: ao contemplar o mundo por esta lente,
a mente humana estabelece uma observação causal imaginária:
―As pessoas recebem o que merecem‖. E conforta-se com isso.
Em 1966, o psicólogo americano Melvin J. Lerner realizou
uma pesquisa onde 72 mulheres observavam outra mulher
enquanto esta resolvia problemas, recebendo choques quando
errava34. Na verdade, a vítima estava fingindo levar os choques,
mas as observadoras participantes não sabiam disso. Lerner
conduziu o estudo após observar que ele próprio, além dos
demais médicos e enfermeiros e assistentes, algumas vezes
insultavam os pacientes, ou tiravam conclusões sobre que tipo de
pessoas eles eram, ou faziam piadas sobre suas moléstias. Lerner
pensou que este comportamento poderia ser uma tentativa de
proteger a psique dos profissionais enquanto lidavam com
situações crônicas de tristeza e desespero. Todavia, conforme
constatado, quando solicitadas a descrever a mulher sofrendo os
choques, uma parcela considerável das observadoras a
desqualificava com comentários depreciativos sobre suas roupas
e aparência. Diziam que ―ela merecia‖ o que estava passando.
Não satisfeito com este resultado, e intrigado com o fato de
que muitos alunos encaravam pessoas pobres como seres
humanos preguiçosos que mendigavam ―um empurrãozinho‖,
Lerner elaborou outro estudo, onde dois homens montavam um
quebra-cabeça e, ao final da tarefa, um deles recebia uma grande
quantia em dinheiro. Os observadores eram informados que o
prêmio era oferecido de maneira aleatória, mas, ainda assim,
quando solicitados a manifestar suas opiniões, eles tendiam a
dizer que o homem premiado era mais talentoso, mais hábil e
mais produtivo que o outro.
Diversas outras pesquisas realizadas desde os trabalhos
iniciais de Lerner apenas forneceram mais evidências de nossa
tendência em querer que o mundo seja justo. Quando ficamos em
dúvida, fingimos que ele é.
Ao avaliarem as características de pessoas com fortes crenças
em um mundo justo, os psicólogos Zick Rubin e Letitia Anne
Peplau descobriram que essas pessoas tendem a ser mais
religiosas, autoritárias, conservadoras e admiradoras de líderes
políticos, e apresentam uma maior propensão para atitudes
negativas com relação aos grupos menos privilegiados35. Em
outros termos: os crentes na Falácia do Mundo Justo sentem
uma necessidade menor de se envolver em atividades para
mudança de valores ou para aliviar o sofrimento de vítimas
sociais.
A Falácia do Mundo Justo está presente quando ouvimos
dizer que ―o mundo dá voltas e voltas‖, ou ―tudo que você faz,
receberá em dobro‖, ―aqui se planta, aqui se colhe‖; ou quando
vemos alguém passando por uma sequência de problemas e outra
pessoa menciona: ―Ah, o Carma não falha!‖. Todas essas falas são
manifestações do mesmo engodo crédulo da Falácia.
É horrível constatar que o mundo não é justo: existe um
conforto sentimental em acreditar em Carmas e na recompensa
da justiça divina, em crer em um Universo onde os virtuosos
estão de um lado e os maus, do outro. Essa dicotomia é agradável
para o cérebro – a Teoria da Díade Moral e a Teoria da Impressão
do Personagem de Wegner e Gray explicam isso. Você deseja
acreditar que aqueles que trabalham duro e se sacrificam serão
recompensados por seus méritos, e aqueles que são preguiçosos e
trapaceiam não chegarão a lugar algum. Sem embargo, o sucesso
é influenciado por sua genética, pelo período e pela época em que
você nasceu, por onde cresceu, pelo nível socioeconômico da sua
família e pelo acaso. Todo trabalho do mundo não será capaz de
mudar estes fatores – o que não significa que você deva abrir mão
dos seus esforços.
A Falácia do Mundo Justo também pode levar a um falso
senso de segurança. Você quer sentir-se no controle; então supõe
que, desde que se mantenha longe de maus comportamentos, não
sofrerá mal algum. Se algo dá muito errado, você pensa: ―deve ser
um castigo por algum erro ou pecado que cometi, mesmo sem
perceber‖ ou que ―isso aconteceu por um motivo que ainda não
entendi, mas vai ser bom para mim‖28. Lá no fundo, a criança em
você anseia por acreditar que a virtude conduzirá sempre ao
sucesso; e a lassidão, o mal e a manipulação levarão sempre à
ruína. A partir desta confiança singela, você edita a realidade
para que ela combine com suas expectativas. Por que agimos
assim? Talvez pelo alívio na esperança de ser capaz de prever o
futuro ou para confirmar a retidão de nossas decisões passadas,
vai saber.
A triste verdade é que o mal prospera e nem sempre paga o
preço. Com deus, sem deus ou apesar de deus, as tragédias, as
injustiças e os sofrimentos existem. Todavia, na circunstância de
um Mal, se eliminarmos a possibilidade da existência de deus, o
Mal continuará sendo viável, tornando a condicionalidade de
deus uma ambiguidade sem importância – pelo menos para
quem está afundando em infortúnios33.
Se a injustiça e as sucessões de suplícios estavam nos planos
dos deuses, não se pode condenar alguém por qualificar estes
mesmos planos como um projeto abaixo da média aceitável ou
simplesmente falho. Fazer o quê? O mundo não é justo.

9. A RELIGIÃO COMO O BALUARTE DA MORALIDADE

O fato de que os humanos têm consciência do que é Bom e


Correto é por si só surpreendente e nos leva a cobiçar uma
resposta para o fenômeno. Uma das explicações mais queridas
consiste em pensar que foi a Religião quem criou e desenvolveu a
Moralidade (ou represente uma pré-condição para tanto), mas
isto é um equívoco: lobos, coiotes, elefantes, chimpanzés,
macacos Rhesus, ratos, baleias e formigas possuem um admirável
senso ético – e, até onde se sabe, nenhum deles segue ou
reverencia qualquer culto religioso53,66. Apesar disso, é tão
compreensível que as pessoas concebam que a Religião surgiu da
Moral quanto o inverso: no começo, Moral e Religião se
combinaram em um aglomerado do qual parece ser inviável
separar cada um dos elementos44.
A peculiaridade das Religiões não está na concepção de
Verdades substantivas, mas de divindades que atuarão como
modelos a serem imitados e temidos pelos humanos – e
exatamente por isso os conceitos de Moralidade enunciados por
escritores Teístas ou mencionados em livros religiosos tendem a
ser parecidos, explicando mais uma vez o Princípio da
Concordância Universal. Tão logo elaboramos nossas posturas
deontológicas, a Religião amealhou o papel de depositária, polícia
e editora da Moralidade vigente.
Em seu estado mais natural, o indivíduo humano é um
animal insuficiente e oprimido por um sem número de
necessidades, expectativas, terrores e paixões. Quanto maior a
chance do acaso, tão maior será a possibilidade de acatarmos
superstições para diminuirmos as angústias do desconhecido.
―Não é surpreendente, então‖, concluiu Hume, ―que o homem,
absolutamente ignorante das causas e ao mesmo tempo tomado
por ansiedade quanto ao seu destino, deduza que depende de
poderes incorpóreos dotados de sentimentos e inteligência‖17.
Reunindo Teístas que compartilhavam certezas sobre a vida e
o Cosmos – e profundos medos sobre o futuro e o desconhecido –
, a Religião assumiu o cargo de porta-voz dos ―poderes
incorpóreos‖, e suas tradições e as questões da doutrina do reino
dos deuses passaram a influenciar praticamente todas as esferas
da civilização e dos reinos humanos. A despeito deste viés
onírico, a Religião deve ser entendida como uma teoria filosófica
expressa em um estilo de vida, um hábito, uma sociedade
sobrenatural e voluntária que corresponde à inclinação para a
vida social tão natural ao Homo sapiens54. Em sua defesa, é digno
observar alguns pontos:
É fácil explicar a origem e a evolução das Religiões se
considerarmos que elas representam conjuntos de códigos
Morais gradualmente modificados para maximizar sua eficácia ao
longo do tempo. Ademais, como observado anteriormente, a
predisposição para a crença religiosa é uma parte inextricável do
comportamento humano: até aqui, a humanidade já produziu
dezenas de milhares de cultos e é uma ilusão pensar que o
Cientificismo, o Objetivismo ou o Naturalismo irão um dia nos
livrar desse costume58.
A Religião oferece uma vantagem biológica do ponto de vista
Darwinista, pois reduz a realidade a imagens e definições de fácil
compreensão; oferece o aconchego de um comprometimento
tribal alicerçado na fé; e disponibiliza mitos que explicam porque
seu grupo pode considerar-se ―O Eleito‖, incorporando o bálsamo
emocional de possuir narrativas com forças sobrenaturais
lutando entre si, em seu nome e a seu favor. Apesar dos ganhos,
este tipo de racionalização não parece muito ético – e menos
ainda inteligente.
Em 2013, o psicólogo americano Miron Zuckerman conduziu
uma extensa metanálise envolvendo 63 estudos científicos e
descobriu uma associação negativa entre Inteligência e
Religiosidade110. Para Zuckerman, as possíveis explicações
oferecidas para o fato de pessoas menos inteligentes tenderem
ser mais religiosas envolvem três pontos. Primeiro: pessoas mais
inteligentes possuem uma tendência menor para o conformismo
e, portanto, são menos propensas a aceitar dogmas religiosos.
Segundo, pessoas inteligentes tendem a adotar um estilo de
raciocínio mais analítico que intuitivo – um procedimento
reconhecidamente tóxico para as crenças religiosas. Finalmente,
a inteligência oferece controles compensatórios, autorregulação e
segurança emocional per se, diminuindo a necessidade de
crenças e práticas religiosas para desenvolver essas qualidades.
Todavia, se Zuckerman está correto, então deveríamos
repensar o que de fato significa ―Inteligência‖. O Absolutismo
Moral ―menos-inteligente‖ da Religião resulta em benefícios para
a saúde relacionados à abstenção de comportamentos de risco, ao
maior suporte social oferecido pelos relacionamentos que surgem
do convívio na igreja, e a um melhor funcionamento do sistema
imunológico111. Adolescentes religiosos tendem a apresentar um
desempenho escolar melhor que adolescentes Sem-Religião117.
Experiências religiosas induzidas por meio de alucinógenos
produzem uma sensação de paz e bem-estar que duram meses116.
A prece e a meditação também colaboram para uma maior
percepção de Felicidade, ainda que a atividade religiosa não
aumente a Felicidade no matrimônio ou diminua a incidência de
conflitos dentro dele112.
Reunidas estas vantagens, pessoas religiosas tendem a
apresentar uma incidência menor de Alzheimer, sintomas
somáticos, hipertensão arterial grave, doenças cardiovasculares e
câncer em comparação às pessoas não-religiosas. Quando sofrem
de câncer, seu prognóstico é melhor que o de pessoas não-
religiosas. Apesar de associação não significar causa, na soma
destes fatores, não surpreende que mais de 70% dos estudos
realizados até aqui tenham constatado que religiosidade e
espiritualidade estão associadas a uma visão mais positiva da
vida e a uma maior longevidade – que poderiam ser traduzidos
como resultados escolhas mais inteligentes dos Religiosos em
relação aos Sem-Religião111.
Pessoas religiosas de fato dizem se sentir mais felizes e
satisfeitas com suas vidas que pessoas Sem-Religião55. E mesmo
quando apelamos para estatísticas, os resultados são taxativos: os
20 Países Mais Religiosos (a saber: Etiópia, Malawi, Nigéria,
Sri Lanka, Iêmen, Burundi, Djibuti, Mauritânia, Somália,
Afeganistão, Comores, Egito, Guiné Bissau, Laos, Mainmar,
Camboja, Jordânia, Senegal, Chade e Bangladesh)47 possuem um
Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) médio de 0,522 e
uma média de percepção de Felicidade Interna Bruta (FIB) de
4284.
Em contrapartida, os 20 Países Menos Religiosos (a
saber: China, Japão, Estônia, Suécia, Noruega, República Checa,
Hong Kong, Holanda, Israel, Reino Unido, Finlândia, Nova
Zelândia, Austrália, Azerbajão, Bielorrússia, Cuba, Alemanha,
Vietnã, Espanha e Suíça)47 possuem um IDH médio de 0,870 e
uma FIB média de 6540113,114.
A primeira vista, os mais religiosos são mais pobres e
menos felizes que os menos religiosos, certo?
Não exatamente.
Apesar do IDH 40% menor e de uma FIB 35% menor, o
conjunto dos 20 Países Mais Religiosos apresenta taxas de
suicídio bem inferiores ao conjunto dos 20 Países Menos
Religiosos (9,38 versus 14,07 casos anuais para cada 100.000
habitantes)115. Para efeito de comparação, vale mencionar que a
Religião é importante para 87% dos brasileiros, sendo que nosso
país possui um IDH de 0,754 (79ª posição entre 168 nações),
uma FIB de 6419 (28ª posição entre 156), porém um índice de
suicídio de 6,3 – três vezes menor que o índice do Japão, um
país altamente desenvolvido e nada religioso.
Se a maior religiosidade de uma nação está associada a
um IDH menor e a uma menor percepção global de Felicidade,
por que eles suicidam menos?
Considerando que os países menos religiosos são mais
ricos, desenvolvidos e – teoricamente – mais felizes, por que as
pessoas por lá suicidam mais?
Uma resposta pode estar na constatação de que, se a
esperança é quem governa os ânimos hesitantes dos humanos,
então podemos considerar a Religião uma de suas garantidoras
mais dedicadas: mais religião equivale a mais esperança, e mais
esperança resulta em menos suicídios60.
Todavia, será que a satisfação das pessoas Religiosas
corresponde a um bem-estar real ou não passa de uma
racionalização da esperança? Talvez a Religião apenas as impeça
de desenvolver os mecanismos necessários para incremento
social e intelectual, retardando o amadurecimento emocional.
Como consequência, ao autorizarmos a transferência de nossas
responsabilidades e esperanças para a fé, perdemos a autoridade
Moral para julgar, por nós mesmos, o que de fato é um bem-
estar...
Os acusadores Morais costumam culpar a Religião por
inúmeros conflitos ferozes em nossa história: desde as primeiras
civilizações na Mesopotâmia, as pessoas têm guerreado umas
com as outras em disputas religiosas – em geral, acreditando que
a hostilidade fazia parte da ―vontade de deus‖. Não obstante, os
pesquisadores Charles Phillips e Alan Axelrod analisaram 1763
guerras e encontraram apenas 123 que apresentavam ―pretextos
religiosos‖ como causa óbvia56. Isso corresponde a menos de 7%
dos enfrentamentos e menos de 2% de todas as pessoas mortas
em conflitos do gênero.
Cerca de 1 a 3 milhões de pessoas foram mortas nas
Cruzadas, e talvez umas 3.000 tenham sido trucidadas pela
Inquisição, mas 35 milhões foram exterminadas apenas na
Primeira Guerra Mundial – e outras 21 milhões pela gripe
espanhola que lhe seguiu57. Comparados a estes engenhos, os
pretextos religiosos não passam de genocidas amadores, e não
podemos culpar a fé religiosa como causa primária da maioria
das mortandades em massa que ocorreram no curso de nossa
espécie. Isto seria uma manobra desonesta e uma prova de
ignorância histórica.
Na última década, a população Evangélica (principalmente
Protestantes e Pentecostais) proliferou de modo significativo no
Brasil, indo de 15% em 2000 para 22% da população em 2010. Os
Espíritas correspondem a pouco mais de 1% e aqueles sem
Religião declarada (Ateus, Agnósticos e indecisos), 8%. Mas
todos perdem de goleada para o Catolicismo: desde a época da
Colonização, o Catolicismo cresceu para tornar-se a Religião
predominante no Brasil, com 125,5 milhões de fieis – ou
aproximadamente 73% da população61. Muito bem: em pleno
século XXI, cerca de 10% dos católicos brasileiros são analfabetos
e 1 de cada 6 Pentecostais sobrevive na faixa de até 1 salário
mínimo de rendimento mensal domiciliar per capta. Não
deveríamos considerar imorais dogmas que aprisionassem seres
humanos em gerações e gerações condenadas à miséria material
e intelectual? Ou não deveríamos pelo menos desconfiar das
intenções de credos tão fortemente associados a estas mazelas?
Apesar da péssima associação com a ignorância e a pobreza59,
8 em cada 10 brasileiros considera a Moralidade religiosa
importante em sua vida diária. Para efeito de comparação,
considere o quanto os dogmas religiosos são importantes para as
decisões pessoais em países como Moçambique (86% de
importância e IDH de 0,41), Malta (85%; 0,85), República
Dominicana (87%; 0,72), Líbano (87%; 0,76), Zimbábue (88%;
0,51) e Costa do Marfim (88; 0,47)47,48.
Não obstante a importância que conferimos à Moralidade
religiosa, não há lei alguma na Natureza que nos obrigue ou
impeça de preservar a vida, ou perpetuar a raça, ou trabalhar, ou
fazer comércio. Uma prova disso é a existência persistente de
suicídios, celibato, mendicância, greves, falências e monopólios
na trajetória de todas as sociedades. Até hoje, nenhuma
religião foi capaz de prevenir estes eventos. Porém, quando esses
males nos assolam, um mar de pessoas procura proteção sob
convicções de cunho religioso, e dificilmente algum outro refúgio
parece ser capaz de oferecer uma força positiva mais poderosa
que esta nos momentos de angústia.
As críticas do Secularismo à Religião promoveram grandes
reformas úteis, sem dúvida alguma. Contudo, essa guerra agora
assume nuances contraproducentes na medida em que obscurece
o maior desafio da sociedade atual: a crise do sofrimento Moral.
Quem sabe, seja chegada a hora do Secularismo abordar este
problema e tratar a Religião como uma aliada ao invés de um
inimigo. Isso não significa que a Religião não deva ser criticada
quando necessário, mas a atenção poderia ser direcionada para o
problema verdadeiro: para evitar o colapso de todos os nossos
valores, talvez o mundo secular devesse pensar seriamente na
possibilidade de unir-se ao mundo religioso ou, pelo menos,
negociar uma trégua construtiva.

10. A RELIGIÃO, AS MULHERES E SUA MÃE


Em História Natural da Religião, Hume pergunta: ―que
idade ou período da vida é o mais inclinado à superstição?‖. No
mesmo parágrafo, responde: ―O mais fraco e o mais tímido. E
que sexo? O feminino‖17.
As feministas podem torcer o nariz para o falecido David,
mas, se observarmos os mais de 45 milhões de seguidores das
Religiões Protestantes mais prevalentes no Brasil (a saber:
Batista, Adventista, Luterana, Presbiteriana, Metodista e
Congregacional), veremos que as mulheres representam 56% do
total. Nas Religiões Pentecostais (a saber: Assembleia de Deus,
Congregação Cristã do Brasil, Igreja Universal do Reino de Deus
e Evangelho Quadrangular), o percentual é idêntico.
No mesmo período, dados do IBGE revelaram que cerca de
46 milhões de brasileiros – ou 24% da população – declararam
possuir pelo menos uma das deficiências investigadas (mental,
motora, visual e auditiva) e, em todos os grupos de cor ou raça,
havia mais mulheres que homens com deficiências assumidas61.
Pelo menos no que tange à fragilidade relacionada ao gênero,
Hume tinha alguma razão, afinal.
Independente dos levantamentos do IBGE e do que pensava
David Hume, as mulheres – conscientemente ou não –
desempenharam um dos papeis mais estratégicos de todos na
promoção do respeito que temos para com as interdições e
repressões religiosas.
Na fisiologia de nossa espécie, atravessamos uma etapa de
vulnerabilidade colossal chamada infância: quando éramos
bebês, o mundo inteiro representava um risco para nossa
existência, incluindo escadas, tomadas elétricas, piscinas, panelas
de água quente, ruas movimentadas, ofertas de pessoas
estranhas, objetos estranhos levados à boca, uma queda de mau
jeito, um resfriado mal curado, etc. Para nos salvar de todas essas
potenciais catástrofes, a maioria de nós contou com a presença
sempre atenta de um guarda-costas chamado ―Mãe‖. Era dela a
tarefa hercúlea de proteger a cria frágil do planeta que ameaçava
devorá-la – ou pelo menos era assim que a Mãe enxergava o
ambiente ao redor.
É óbvio que existem boas mães e outras nem tanto, mas, em
regra, toda Mãe é assustada, apavorada e protetora: a gestação de
uma elefanta dura inacreditáveis 22 meses e seus cuidados com a
prole são lendários – não há leões, crocodilos ou perigos que a
impeçam de defender seu pequeno bebê, que ela amamenta até
os 4 anos de idade.
Após pouco mais de 8 meses de gestação, uma mamãe
orangotango passa os 8 anos seguintes aplicada na criação de seu
peludo. Durante todo este tempo, ela não engravida, dedicando-
se à tarefa de educar o filhote, e os laços afetivos que ambos
criam são extraordinariamente fortes.
O tempo de gestação de uma gorila é semelhante ao dos
humanos, e alguns especialistas consideram esta grande primata
a mãe mais dedicada dentre todas do mundo animal65.
O zelo destas e de muitas outras mães pouco deve ao das
mães humanas, pois o medo está na raiz da sobrevivência e,
quanto mais frágil o espécime, maior a apreensão de quem o ama
e sente possuir a responsabilidade de tutelá-lo durante seu
crescimento.
Mães com bebês novos são a dupla no topo da pirâmide
humana de ―perigos por acontecer‖. E de que maneira uma mãe
Homo sapiens protege seu bebê? Simples: dizendo ―Não!‖. E são
muitos ―Nãos!‖. Ao longo de toda a infância vamos ouvindo: não
encoste aí, não ponha isso na boca, não toque, não corra, não
suba na estante, não vá na parte funda da piscina, não mexa
nisso, não chore, não ande descalço, não fique acordado até
tarde, não atravesse a rua sem olhar para os lados, não converse
com estranhos, não me desobedeça, não me responda, não me
ignore, não solte minha mão, não suma, não faça pirraça, não
seja mal educado, não entre aqui com os pés sujos desse jeito,
não largue as coisas pela casa, não deixe seu quarto tão
desarrumado, não saia sem colocar o casaco, não quero mais ver
você andando com tal pessoa, não vê que eu só quero o seu bem?
A quantidade de negativas de uma mãe tende ao infinito, mas
elas não estão de todo equivocadas: asfixia, acidente de trânsito,
aspiração de corpo estranho, afogamento, queimadura e
homicídio figuram entre as principais causas de morte entre
crianças. Dizer ―Não!‖ pode salvar uma vida. E as mães sabem
disso. Então elas dizem ―Não!‖. Bastante.
Crescemos e ficamos com esta tradição em nossas mentes:
Mães dizem ―Não!‖. E Mães nos amam incondicionalmente – ou
pelo menos este era o plano que a Natureza tinha para a
maternidade. Na maioria dos casos o plano funciona e o amor de
uma mãe é inabalável. Passamos a associar quem diz ―Não!‖ a
alguém que nos estima profundamente, que nos quer bem da
maneira mais irrestrita possível, e nossa mente grava a ferro e
fogo esta convicção: dizer ―Não!‖ é uma manifestação de cuidado
e afeto. Apesar de a adolescência representar um período de crise
temporária nesta certeza, a tatuagem mental do ―só alguém que
lhe ama muito lhe diz Não!‖ sobrevive bem a esta fase. Tornamo-
nos jovens adultos e adultos maduros, e a tatuagem do ―Não!‖
materno nos acompanha.
Por isso, as Religiões tolhem, condenam, reprimem, opõem-
se. Elas se utilizam deste imprinting estigmatizado em nosso
inconsciente: quanto mais impedimentos forem exigidos, tão
mais aquela doutrina puxará de sua memória a lembrança de
alguém que lhe ama acima de todas as coisas.
Como afirmou Hume, os humanos têm prazer em sentir
medo, e os pregadores mais populares são os que despertam as
paixões mais lúgubres e sombrias29. Um dogma religioso
proibitório é nada além da recuperação dos ecos maternais para
obter subserviência voluntária até mesmo às proposições mais
absurdas.

11. CRISTIANISMO: UM DELÍRIO?

Não obstante os eventuais efeitos benéficos da Religião e a


insistente acusação de que a crise Moral que enfrentamos seja
decorrente do avanço do Secularismo, toda e qualquer doutrina
que ofereça a Salvação como prêmio deve ser considerada mais
Imoral que Moral68. Dentre elas, em consideração à proximidade
e à prevalência, permito deter-me na análise do Cristianismo e do
Catolicismo que se insere nele, mas reitero que todos os credos
salvacionistas sofrem das mesmas disfunções apresentadas a
seguir – variando apenas o contexto mitológico em que se
apresentam.
Espinoza afirmou que profetas e supersticiosos sabem
explorar os vícios mais do que ensinar as virtudes: eles não
conduzem os homens pela Razão, mas procuram contê-los pelo
temor para, no final, tornarem todos tão intelectualmente
miseráveis quanto eles próprios118. Mikhail Bakunin (1814-1876)
deu seguimento a este raciocínio afirmando que as Religiões, com
seus deuses, semideuses, profetas, messias e santos, foram
criadas pela fantasia de humanos que ainda não alcançaram o
pleno desenvolvimento e a plena posse de suas faculdades
intelectuais22.
No Ocidente, desde a filosofia greco-romana e passando pela
Idade Média, foram tecidas incontáveis considerações sobre deus
e deuses, Razão e fé, o sacro, o transcendente, a alma e o pós-
morte. Porém, a mesma globalização trazida pelo Pós-
Modernismo que testemunhou um inusitado crescimento do
Islamismo e dos Sem-Religião, manteve o domínio do
Cristianismo: 31% dos 7 bilhões de habitantes deste planeta
declaram seguir os preceitos de Cristo. Destes, 1,2 bilhão são
Católicos e têm a Bíblia como livro ―sagrado‖47.
Quem desenvolveu um senso de Moralidade por vias
Seculares frequentemente se espanta com um proselitismo que
exorta seus seguidores a aceitar códigos de ética elaborados por
sociedades patriarcais primitivas, escolhendo a dedo os
mandamentos que acham oportunos e esquecendo todas as
passagens hediondas de seus livros ―sagrados‖: o Cristianismo
ignora centenas de prescrições e relatos desvairados de suas
escrituras, coisas como mandar apedrejar um homem até a morte
porque ele recolhia lenha no sábado (Números 15:32-36); incitar
despedaçar os filhos contra as rochas (Salmo 137:9); autorizar
surrar um escravo até a morte, desde que ele não morra de
imediato (Êxodo 21:20-21); amaldiçoar crianças para que elas
sejam devoradas por ursos (II Reis 2:23); e aprovar um ―boa
noite cinderela‖ para prática de incesto grupal (Gênesis 19:34).
Também podemos encontrar incongruências no fato de que
Davi, o segundo patriarca do Reino Unificado de Israel, ser
considerado um ―homem de valor‖, a despeito de ter cobiçado
Bersabeia e utilizado sua autoridade para enviar Urias, esposo de
Bersabeia, para a guerra com ordens expressas para que ele fosse
morto no campo de batalha.
Se Velho Testamento contém passagens que relativizam o
amor, valorizam o etnocentrismo e afirmam que o deus perfeito
errou várias vezes, o Novo Testamento não passa impune: uma
hora Paulo diz que o retorno do Cristo seria inesperado e
repentino; noutra hora, afirma que este retorno seria precedido
de sinais (I e II Tessalonicenses). Uma hora João diz que temos
pecado, noutra afirma que quem é nascido em deus não peca (1
João 1:8 versus João 3:9 e 5:18). Apesar de o Cristianismo se
dizer pluralista e tolerante, Jesus parece ter sido bem específico
ao orientar para que seus seguidores não fossem pelo caminho
dos gentios, nem entrassem em cidade de samaritanos (Mateus
10:5).
Para Católicos e Cristãos, vale lembrar que as ―leis‖ do Velho
Testamento seguiram valendo mesmo depois de Jesus. Segundo
o que está registrado no ―livro sagrado‖ que seguem, o nazareno
reiterou: ―Não penseis que vim revogar a Lei ou os Profetas, não
vim para revogar, vim para cumprir. Porque em verdade vos
digo, até que o céu e a terra passem, nem um i ou um til jamais
passará da Lei, até que tudo se cumpra‖ (Mateus 5:17-18).
Os que defendem a ideia de que Jesus não pretendeu montar
uma Religião parecem esquecer convenientemente o que está
escrito em Mateus 16:18: ―Pois também eu te digo que tu és
Pedro, e sobre esta pedra edificarei a minha igreja, e as portas
do inferno não prevalecerão contra ela‖. Se o que está escrito é a
palavra de deus, e a palavra está ali para ser acatada, o que
acontece quando Cristãos não procedem como ordenado? Se a
autoridade de deus anotada em um ―livro sagrado‖ pode ser
negociável, quem irá decidir sobre o que pode ser negociado?
Afinal de contas, quem são os Relativistas? Os religiosos Cristãos
ou os Sem-Religião?
Parte da incongruência dos Cristãos pode ser explicada pelo
fato de não existir uma ―primeira edição‖ da Bíblia. Tudo que
temos é uma cópia da cópia da cópia de relatos69. Por exemplo: os
textos gnósticos da Biblioteca de Nag Hammadi foram escritos
em copta – uma língua que floresceu no Egito mais ou menos
200 anos após a morte de Jesus –, não em aramaico ou hebraico.
Portanto, é claro que os cristãos não sabem, mas apenas
acreditam que as escrituras são a palavra de deus, e é no mínimo
irônico ver pessoas nos tribunais prometendo dizer ―a verdade,
toda a verdade‖ jurando sobre um livro repleto de ficções, mitos,
equívocos, relatos orgulhosos de genocídios, infanticídios,
misoginia, racismo, machismo, homofobia, apologia à escravidão,
vinganças atrozes e outros comportamentos Moralmente
censuráveis28.
Mark Twain (1835-1910) considerava a Bíblia uma das
biografias mais abomináveis jamais vista, retratando a história de
uma entidade injusta, cruel e vingativa; capaz de punir crianças
com requintes de crueldade pelo erro de seus pais, e pessoas
inocentes pelos erros de seus governantes; descarregando sua ira
contra animais inofensivos e procedendo a toda sorte de
maquinações para satisfazer seus impulsos28,70. Apesar de todos
estes relatos e registros, a melhor defesa do Cristianismo é
chamar-se de uma Religião de ―amor‖. Se compararmos frases
com atitudes, é fácil perceber que o ―amor Cristão‖ apresenta
uma ironia de gosto pelo menos questionável. E algo similar
ocorre com o Islã.
O desafio de qualquer sistema Moral é descrever, o mais
explicitamente possível, a natureza do que é Bom e Correto, e
oferecer às pessoas bons motivos para escolher o que é benévolo
ao invés do que não é tão benigno assim. Filósofos como Paul
Kurtz (1925-2012) passaram longos anos de suas vidas tentando
discriminar item por item o que significa ser Moralmente
decente71. Mas Kurtz era um cético humanista e secular. Para um
Cristão, as palavras dele valem menos que aquelas que estão na
Bíblia. Não obstante, como confiar em uma Moralidade que está
escrita, porém tem a faculdade de poder ser barganhada
conforme as preferências do usuário?
É difícil acreditar que alguém seja capaz de pretender que
suas próprias interpretações de textos ―sagrados‖ sejam
inspirações divinas com o mesmo nível de jurisdição de
evidências científicas ou do direito de outros humanos à vida e à
dignidade. É difícil, mas acontece – e com uma frequência e uma
intensidade assustadoras. Como bem assinalou Hobbes, “aqueles
que, acreditando na autoridade dos livros, vão cegamente atrás
dos cegos, são como aquele que, acreditando nas falsas regras
de um mestre de esgrima, presunçosamente se aventura com um
adversário que o mata ou o desgraça‖ 12.
Pelágio afirmava que a versão de salvação Cristã conduzia a
uma lassidão Moral ao permitir que os crentes fossem salvos a
despeito de suas ações: tudo que era necessário era o
arrependimento sincero no momento da morte72. Se você se
arrependesse, suas ações anteriores – fossem simples mentiras
ou roubos, assassinatos ou estupros coletivos – não teriam
consequências maiores sobre sua salvação, pois o pecado é tanto
―original‖ quanto faz parte da ―natureza humana‖, e uma dose
sincera de penitência bastaria para zerar o placar a seu favor. O
Cristianismo, portanto, configurou-se como uma Religião
fundada no perdão imaginário por uma extensa lista de pecados
enumerados a partir de ―deduções‖ do próprio Cristianismo.
Tudo que ele pede para lhe dar o bilhete de entrada para o
paraíso eterno é que você julgue esta matemática sensata.
A ética Cristã – e em especial a ética Católica – é um
oximoro, algo como ―um micróbio gigante‖, um ―inocente
culpado‖ ou um ―mentiroso honesto‖. Boa parte dela incorpora as
noções de Paulo, cujas epístolas no Novo Testamento foram
escritas entre 55 e 60 d.C.
Paulo acreditava em Adão e Eva, na hereditariedade do
pecado e na doutrina da expiação, além de pregar que o bom
Cristão é inteiramente obediente e submisso às autoridades do
Estado em todos os momentos. Vale lembrar que o Estado a que
Paulo se referia não era um Estado liberal, democrático e
tolerante, mas um Estado onde uma parcela significativa da
população era constituída por escravos e flagelações e execuções
públicas eram lícitas.
O mito de que os Religiosos são paradigmas de lisura,
enquanto os Sem-Religião não passam de materialistas imorais e
hedonistas, não se mantêm ante as evidências: 28% da população
carcerária dos Presídios Federais norte-americanos é constituída
por Protestantes (que representam 46% da população geral do
país); 14% por Católicos (20% da população geral); e 9% por
Muçulmanos (1% da população geral). Os Ateístas representam
0,1% da população carcerária, apesar de constituírem 3,1% da
população dos EUA73,74. Ainda que os muçulmanos apresentem
uma taxa de encarceramento maior devido ao alto índice de
conversão intra-prisional, e ainda que referir-se Ateu dentro de
uma prisão possa lhe causar problemas com a maioria religiosa,
ainda assim o time dos religiosos representa a maioria
demográfica nas prisões norte-americanas – e com uma margem
bem folgada.
Os Cristãos gostam de pensar que seguem uma Religião cujo
deus é todo benevolência, que seus líderes nunca erram e que o
Cristianismo é pura fraternidade, mas é complicado ignorar a
Santa Inquisição, as conversões sob tortura e o tratamento que
eles mesmos dispensaram e ainda dispensam às minorias
religiosas: em todo o mundo, crianças menos religiosas tendem a
ser mais altruístas e generosas que crianças Sem-Religião; e
pessoas mais religiosas tendem a ser mais racistas que aquelas
Sem-Religião. Quanto mais monoteísta o credo, menos tolerante
ele é30,67.
Se você duvida que as Religiões politeístas sejam mais
sociáveis que as monoteístas, observe a condescendência que
cultos afrodescendentes dedicam a seitas Protestantes e
Pentecostais e a intransigência com que estas lhes devolvem a
cortesia17,64. Apesar de o Cristianismo afirmar que cada humano,
não importando sua origem ou situação social, é valioso e digno
de respeito, ele sempre teve dificuldade em reconhecer
humanidade em alguns indivíduos: a Religião Cristã foi a grande
fiadora Moral de todo o sistema de estratificação social que
vigorou durante o feudalismo e o comércio de escravos
desencadeado pelas Grandes Navegações32.
Considere, ainda, a excomunhão católica. Ela não é um ato de
disciplina, mas uma destruição da caridade. A sentença de
excomunhão comporta um conselho para não andar em
companhia ou sequer fazer suas refeições com quem foi
excomungado. Para disfarçar a exigência de obediência absoluta,
a Igreja muitas vezes denomina sua autoridade como caridade,
arrependimento, amor e retidão; e talvez essas peculiaridades
psicológicas – batizadas de Desengajamento Moral pelo
psicólogo canadense Albert Bandura119 – expliquem porque os
crimes cometidos em nome de deus sejam um tema recorrente na
história humana.
Quando Constantino publicou o Édito de Milão em 313 d.C.,
instituindo a tolerância religiosa, o Cristianismo foi o principal
beneficiado. Em 391 d.C., Teodósio terminaria o serviço e
elevaria o Cristianismo à categoria de Religião oficial do Estado
Romano, perseguindo os dissidentes (onde foi parar a tolerância
de Constantino, mesmo?). A partir de Teodósio, os Cristãos
mudaram de linguagem e configuraram, sob o comando de um
chefe invisível, um dos mais violentos despotismos religiosos
deste mundo64. Atualmente, os Cristão se assustam quando
percebem este processo se desenrolar a partir do mundo
muçulmano, mas não atentam para suas próprias heranças
históricas...
Com o avanço do Cristianismo, a prontidão para o fanatismo
―piedoso‖ aumentou de intensidade; as ―forças do mal‖ ganharam
importância, e o inferno se tornou um argumento primordial
para o seguimento do terror e da tirania. A partir do século IX, a
Escolástica passou a ser aceita como uma interpretação
verdadeira do mundo, com deus e os anjos entronados nos céus
ditando aos seus embaixadores na Terra o que os ―homens
comuns‖ deveriam aceitar como Verdades substantivas. De
quebra, a Escolástica sepultou de uma vez por todas a
humanidade e a individualidade do filósofo e reformador Jesus
sob a lápide da Santíssima Trindade. Até o advento do
Iluminismo, os evangelhos eram considerados relatos históricos
precisos.
As agitações que pariram o século XX – as Guerras Mundiais,
a redefinição dos mapas geopolíticos, e a explosão demográfica e
industrial – jogaram o Cristianismo e o Teísmo de volta ao centro
do debate. O Iluminismo amarrou o progresso tecnológico e
econômico à educação, à iniciativa, à autorresponsabilidade, à
confiabilidade, à versatilidade, às habilidades especializadas e à
capacidade de responder aos estímulos do mercado75. Estas
mudanças atropelaram as instituições políticas e religiosas
estabelecidas, forçando a teologia a dar nós em pingos d´água
para adaptar-se ao aumento do Ceticismo, do Relativismo Moral
e do Subjetivismo. Para felicidade do Cristianismo, estes nós têm
funcionado a contento para suas legiões. Afinal, quem em seu
perfeito juízo iria renegar ―Cristo, o Salvador‖, o advogado
celestial que lhe ama a despeito de quem você é – seja você
merecedor do paraíso ou não?
Com uma jogada de marketing dessas, distribuindo panfletos
estampando o martírio e a morte de Jesus, e apoiando o discurso
vitimista com a promessa de uma redenção eterna, não admira
que líderes religiosos Cristãos vivam em luxos milionários: o
Instituto para Obras da Religião – conhecido como Banco do
Vaticano – possui mais de 64 bilhões de dólares em fundos76. A
Santa Sé afirma que este dinheiro é revertido em ações de
caridade ao redor do planeta, mas a falta de transparência da
instituição já lhe rendeu o apelido de ―O Banco Mais Secreto do
Mundo‖, além de várias ações legais sob a acusação de lavagem
de dinheiro77.
Fora do Catolicismo, a história não é muito diferente: um dos
pais da moderna Teologia da Prosperidade e fundador da Igreja
Universal do Reino de Deus, Edir Macedo Bezerra, possui uma
fortuna estimada em 950 milhões de dólares e um jato particular
Bombardier Global Express XRS avaliado em US$ 45 milhões. O
ex-aprendiz de Macedo e fundador da Igreja Mundial do Poder
de Deus, Valdemiro Santiago de Oliveira, tem uma fortuna
estimada em 220 milhões de dólares e um jato particular idêntico
ao de seu antigo mentor. O pentecostal Silas Lima Malafaia,
pastor-presidente da Assembleia de Deus Vitória em Cristo desde
2010, tem uma fortuna estimada em 150 milhões de dólares.
Finalmente, mais modesto, o televangelista Romildo Ribeiro
Soares, mais conhecido como R.R. Soares e fundador da Igreja
Internacional da Graça de Deus, tem uma fortuna estimada em
125 milhões de dólares e desloca-se em um turboélice King Air
350 de US$ 5 milhões78.
A Igreja – qualquer igreja, Cristã ou não-Cristã –, jamais
negligenciou a organização de grandes companhias para a
exploração econômica das massas, sob a proteção e a benção da
divindade de sua preferência, fundando sua prosperidade sobre o
idealismo constantemente faminto do povo: quando se promete a
vida eterna a todos aqueles que sofrem na Terra, alcança-se
multidões imensas, mas isto tem um custo22.
Maquiavel (1469-1527) observou que as doutrinas Cristãs
subjugam o espírito humano, submetendo-o ao servilismo, e isto
pode ser bem ilustrado em uma história relatada por Hume:
Brasidas foi um brilhante general espartano que se destacou
durante a Guerra do Peloponeso e faleceu após ser ferido na
batalha de Anfípolis, em 422 a.C. Certa vez, Brasidas pegou um
rato e, como este o mordeu, deixou-o fugir. ―Nada existe de mais
desprezível‖, disse ele, ―do que aquele que poderia assegurar sua
salvação se apenas tivesse a coragem de se defender‖.
Segundo outro mito descrito por Hume, o jesuíta italiano
Roberto Belarmino (1542-1621) permitia que pulgas e outros
insetos grudassem nele. ―Ganharemos o céu como recompensa
por nossos sofrimentos‖, dizia paciente e humildemente, ―mas
estas pobres criaturas não têm mais que os prazeres da vida
presente‖. E esta é a diferença que existe entre os atributos de um
herói grego e os de um santo Cristão Católico17.
Se a despersonalização de Jesus e sua transformação icônica
produziu algum milagre, podemos registrar os patrimônios
multimilionários de seus ―ministros terrenos‖ como um deles. E
se a altivez e o altruísmo do Cristianismo moderno possuem
alguma personificação, podemos creditá-la na conta de seus
líderes endinheirados: mesmo sabendo que ―dificilmente um rico
entrará no reino dos céus‖ (Mateus 19:23), eles seguem fazendo
o ―sacrifício‖ de endinheirar em progressões geométricas.

12. O SINCRETISMO SEM LIMITES

Quando se trata defender a existência ou não de deus, todas


as vertentes religiosas apreciam empregar a Filosofia e a Ciência
para amparar algo em que, por razões absolutamente não-
filosóficas e não-científicas, acreditavam desde o princípio. A
teoria de que as impressões antecedem a conclusão foi bem
escrutinada por Hume, que mostrou como os recursos
intelectuais tendem a ser empregados apenas para corroborar
uma convicção prévia29. O conhecimento, neste caso, não se
configura como uma busca pela Verdade substantiva, mas em
um concurso para reafirmação das crenças pelas quais temos
mais afeto.
Firmemente alicerçadas em suas resoluções emocionais,
muitas pessoas Teístas, Ateístas, Agnósticas, Deístas ou
Panteístas não seguem uma Religião específica: no mundo Pós-
Moderno, onde o Relativismo subjetivista se tornou praxe,
vivemos a fé pessoal mais como uma compilação dos axiomas que
nos agradam que uma obediência irrestrita às normas de uma
doutrina. Esta forma de sincretismo íntimo se tornou tão comum
que Teístas se sentem à vontade para violar algumas Moralidades
de suas seitas; Agnósticos aceitam de bom grado preceitos
Deístas, Cristãs ou Kardecistas; Deístas namoram com o
Hinduísmo, a Umbanda, o Candomblé e o ocultismo; Panteístas
cortejam o Budismo e a pseudociência; e Ateus flertam com o
Jainismo e a espiritualidade Panteísta, tudo dependendo do
contexto que melhor aprouver. Um protótipo desta salada
contemporânea pode ser observado na obra de Hobbes.
Hobbes é bastante conhecido por suas reflexões políticas,
mas também abordou a Religião, ainda que de modo oblíquo. Era
um defensor do materialismo com visões contrárias àquelas de
Descartes e Aristóteles, e foi uma grande influência para Leibniz
e seu Princípio da Razão Suficiente.
Aos 20 anos de idade, após concluir o Bacharelado em Artes
Liberais em Oxford, Hobbes assumiu o posto de tutor de William
Cavendish, o futuro Duque de Devonshire. Ele trabalharia para a
família Cavendish por toda sua vida, o que lhe permitiu liberdade
para pensar e escrever, além de acesso a grandes livros,
pensadores e cientistas de sua época, como Robert Boyle, William
Harvey, Francis Bacon e o próprio Descartes. Em 1640, com a
iminência da Primeira Guerra Civil Inglesa, o monarquista
Hobbes buscou exílio em Paris, onde concluiu sua obra-prima, O
Leviatã, publicado em 1651. O livro foi tão bem recebido na
França que as autoridades de lá o forçaram a voltar para a
Inglaterra.
Um ano antes do Leviatã, Hobbes publicou Elements of
Law, onde apresentava um argumento cosmológico para deus,
defendendo que a única coisa que podemos inferir sobre deus é
de que ele, a primeira causa de todas as causas, existe 80. Apesar
de soar como uma versão mais antiga do Relojoeiro de Paley,
Hobbes fez questão de frisar o quanto nosso conhecimento de
deus é limitado: quando descrevemos seus atributos, não o
estamos descrevendo por si, mas expressando nossa
incapacidade de compreendê-lo por inteiro e reverenciando
aquilo que somos capazes de conceber. Isto se aproximada
bastante do Deísmo e do Panteísmo, e não surpreende que,
durante sua vida e várias vezes após, Hobbes tenha sido acusado
de Ateísmo por Teístas mais fervorosos. Ele retomaria a crença
aristotélica em ―seres incorpóreos‖ em De Corpore, onde deixou
claro achar esta metafísica infundada81.
Ainda que Hobbes seja algum tipo de Teísta, ele apresenta
uma crença cheia de idas e vindas, alternando dogmas religiosos
com colagens filosóficas pessoais – um paradigma Moral com que
os sincretistas Pós-Modernos se identificariam quase que de
imediato.
Se Hobbes pode ser considerado um exemplo medieval de
sincretismos íntimos, vale lembrar que o sincretismo per se é
uma prática bem mais ancestral que ele. No século II a.C., os
deuses gregos foram absorvidos pela cultura romana e ganharam
novos nomes: Zeus foi chamado de Júpiter; Dionísio se converteu
em Baco; Poseidon virou Netuno; Afrodite virou Vênus; Ártemis
se tornou Diana, e assim por diante.
A ambição mundana dos primeiros pastores Cristãos levou-
os a procurar agradar os convertidos santificando nomes
aclamados pelo entusiasmo popular. O primeiro a ser canonizado
em Roma foi Rômulo, com base na narrativa do lendário Julius
Proculus, que jurou diante do senado ter falado com ele depois de
sua morte: Julius contou que Rômulo tinha lhe assegurado que
morava no céu, onde atendia pelo nome de Quirino. E isto bastou
para que Rômulo virasse um santo12,99.
Com a expansão do Cristianismo e a sofisticação dos critérios
da Sé Apostólica, a dinâmica de beatificação e canonização se
tornou mais complexa, mas não menos insólita: quando a Igreja
Católica distingue alguém com a beatificação, isso significa que
tal pessoa levou uma vida virtuosa e, em geral, faleceu com
martírio. Ter produzido um milagre também conta pontos para a
concessão do título. Uma vez atingida a beatitude, tem-se
autorização para iniciar o processo de canonização ou
santificação, que significa que o Papa afirma que tal pessoa se
encontra no Paraíso e "realmente" é capaz de interceder no
mundo físico por aqueles que lhe recorrem em oração no mundo
metafísico.
Outro vestígio precoce do sincretismo entre Cristianismo e
paganismo consiste em levar imagens em procissão: os greco-
romanos colocavam as imagens de seus ídolos em uma moldura e
a transportavam de lugar para lugar numa espécie de carroça
destinada especialmente para esse fim. Aquilo que
denominavam pompa é o mesmo que chamamos de procissão:
entre as honras prestadas a Júlio César pelo senado, uma delas
foi que na pompa ou procissão nos jogos circenses ele teria uma
carroça sagrada e um escrínio – isso era o mesmo que ser
transportado como um deus, tal como atualmente os papas são
transportados pelos suíços debaixo de um pálio. Nas procissões,
tochas acesas e as velas eram colocadas diante das imagens dos
deuses12.
Cem anos depois de Hobbes, Hume registraria como os
heróis do paganismo correspondem aos santos no catolicismo
romano e aos santos dervixes na Religião maometana: os
pedestais de Hércules, Teseu, Heitor e Rômulo agora estão
ocupados por São Domingos, São Francisco, Santo Antônio e São
Benedito17. Este tipo de sincretismo funcionou bem durante
muitos séculos, mas seus alicerces foram abalados pelas
descobertas do Iluminismo.
A aurora da ciência moderna fez com que líderes, profetas e
seguidores religiosos começassem a reconhecer que apelar de
modo recorrente para a ―vontade misteriosa de deus‖ seria o
mesmo que trancar-se em um asilo de ignorância, e a única
maneira de salvaguardar sua autoridade fora de tal asilo seria
condenar e destruir toda e qualquer forma de conhecimento118.
Rapidamente, esta se mostrou uma tarefa impossível no embate
com uma diversidade cultural crescente e um conhecimento
científico cada vez mais acessível. Assim, os ―pastores‖ decidiram
seguir o êxodo em direção à Razão passível de ser admitida em
suas legiões, adotando algumas doses de mosaicismo como
estratégia de sobrevivência – basta ver, por exemplo, as várias
ramificações judaico-cristãs que tentam desesperadamente
fagocitar as evidências do Darwinismo utilizando uma ameba
gigante chamada Design Inteligente.
O resultado destas racionalizações tem sido uma divertida
miscelânea de contradições, com textos ―sagrados‖ sendo
preparados como um cozido com nacos de paradoxos e muitos
quilos de contrassensos, ratificados pela crença em uma
autoridade inatacável como Quetzalcoatl, Xipetotec, Anshar,
Nintu, Shamash, Utu, Marduk, Baal, Ereshkigal, Allatu, Namtar,
Lamashtu, Zaojun, Ganesha, Shiva, Krishna, Rama, Hanuman,
Vishnu, Saraswati, Kukulcan, Thor, Odin, Yaveh ou qualquer
outra criatura fantástica da mesma linhagem mitológica típica da
quimera humana que deseja garantir para si um lugar especial no
Cosmos – ainda que isso custe o sacrifício de cada grama de seu
talento para o intelecto.
No Brasil, acompanhando o rastro dos exemplos do
sincretismo greco-romano, o Candomblé teceu um sem número
de paralelismos com o Catolicismo (Iansã virou Santa Bárbara;
Oxalá virou Jesus, e Oxossi virou São Sebastião), e a Umbanda
correspondeu-se com os deuses da mitologia grega (Zeus virou
Xangô; Afrodite virou Pomba gira, e Ares virou Ogum, entre
muitos outros). Os arautos das Religiões ―tradicionais‖, fazendo
jus ao seu segregacionismo típico, responderam a estas investidas
em vários manifestos. Por exemplo: ao dirigir-se aos bispos
católicos do Brasil em 1990, o Papa João Paulo II afirmou que
"nossa Religião instaura efetivamente uma relação autêntica e
viva com deus que as outras religiões não conseguem
estabelecer", e que por isso "é necessário purificar devidamente
todos os elementos que forem claramente incompatíveis"82. Em
2010, o Papa Bento XVI repetiu o recado de João Paulo II83.
Para o reverendo americano Mark R. Rushdoony, o
sincretismo nega o absolutismo da fé e, travestido de uma cultura
ecumenicista, representa uma das maiores pragas a ameaçar a
Igreja nos dias de hoje84 – um ponto de vista compartilhado com
outros missionários e escritores Cristãos como os americanos
Edward John Stetzer e Pat Robertson, e neopentecostais
brasileiros como Edir Macedo e R.R. Soares. Talvez todos eles
tenham esquecido o quanto os credos que defendem possuem de
sincretismo com convicções e práticas pagãs ancestrais.
O Cristianismo não emergiu de um vácuo: os hebreus foram
os primeiros Cristãos – antes disso, eles eram apenas Judeus. Do
século II a.C. ao século I d.C., muitos adeptos do Judaísmo
rejeitavam o Helenismo, enquanto outros aceitavam sua filosofia
em diferentes graus. O Velho Testamento foi escrito em hebreu e
aramaico (línguas judaicas), e o Novo Testamento foi transmitido
em grego (língua do Helenismo)85. Durante sua confecção, o
Cristianismo absorveu elementos do Zoroatrismo (antiga
Religião dualista do Irã), da Religião Egípcia, de práticas
religiosas da Mesopotâmia e de vários cultos greco-romanos.
Do Zoroatrismo, o Cristianismo importou a ênfase na luta
entre o bem e o mal: a figura de satã é uma fusão do conceito
hebraico de lúcifer, o anjo caído, e Arimã, oponente do
benevolente lorde sábio Ahura-Masda. Assim como ocorre no
livro Apocalipse, o Zoroatrismo narra um conflito final entre
ambas as entidades, quando um messias aparece e lidera as
forças do bem para a vitória. Entretanto, o relato do Zoroatrismo
antecede aquele do Apocalipse em mais de mil anos86,87.
Os precursores da ressurreição de Jesus podem ser
encontrados no deus egípcio Osíris e na deidade mesopotâmica
Dummuzi. A deusa egípcia Isis, irmã-esposa de Osíris e mãe de
Hórus, e o mito da deidade fenícia Astarte, influenciaram o culto
medieval à virgem Maria88. Em alguns momentos específicos nas
cerimônias a Isis, era tocado um pequeno chocalho (sistro) em
honra à deusa. Mais tarde, nas missas do catolicismo romano, o
sistro reapareceria na forma de um sino ou carrilhão89. Dos
cultos greco-romanos, o Cristianismo adotou a pomba – símbolo
da deusa Afrodite – como representação do Espírito Santo90.
O Islã absorveu muitos elementos do Cristianismo e do
Zoroatrismo, especialmente depois que os muçulmanos
conquistaram o Irã em 641 d.C. No Islã, o líder dos demônios é
Iblis – um equivalente para Arimã –, e sua mitologia também
apresenta uma batalha final entre as forças do bem e do mal91.
O Hinduísmo pode ser caracterizado como um grande
sincretismo entre o sistema Dravidiano do norte da Índia e
antigas crenças Aryans trazidas da Eurásia92.
Graças à expansão do império Macedônico levada a cabo por
Alexandre, o Grande, o Budismo adquiriu iconografias
influenciadas por ideais helenísticos63. Quando o Budismo
chegou à Coreia e ao Japão, por volta do final do século V, já
havia sincretizado também elementos do Confucionismo93.
A Santeria e o Vodu caribenhos derivam de crenças religiosas
do Oeste da África, transplantadas para as Américas por ocasião
do tráfico de escravos e fundidas com figuras do catolicismo
romano94.
Em resumo: todas as principais religiões do mundo –
Cristianismo, Islamismo, Judaísmo, Hinduísmo, Budismo e
Confucionismo – tiveram origem a partir de sincretismos
intensos95.
Em meio à guerra de ideologias religiosas autocentradas, um
ponto de vista bastante lúcido é expresso por William H.
Harrison em seu livro publicado em 2014, ―In Praise of Mixed
Religion: The Syncretism Solution in a Multifaith World‖. Ao
discutir o sincretismo, Harrison o aborda não como um drama
Moralmente repreensível, mas como um fenômeno bom e
necessário: o sincretismo permite que os horizontes teológicos e
de sabedoria prática se ampliem, promovendo um convívio mais
harmonioso entre os humanos.
A visão de Harrison é humanista e bem-vinda, mas piegas e
irreal: a globalização do proselitismo, a espiritualidade secular e
as fusões ecumênicas ainda disputam os horizontes tecnológicos
do século XXI, e novas religiões e cultos surgem a cada dia. Nos
últimos cem anos, mais de 250 Novos Movimentos Religiosos
(NRM) já foram contabilizados – ou 1 novo NRM sendo
―inaugurado‖ a cada 5 meses96. Apesar dos prodígios do
sincretismo, não parece que convergiremos para um credo único
tão cedo.

13. ANALISANDO O PODER DAS PRECES

Em 2006, Dr. Herbert Benson, cardiologista e diretor do


Instituto Médico Corpo e Mente, órgão ligado ao Departamento
de Medicina da Universidade de Harvard, conduziu um estudo
envolvendo diversos hospitais para avaliar o efeito da oração
intercessória sobre a recuperação de 1802 pacientes submetidos à
cirurgia de revascularização miocárdica100. Os resultados foram
axiomáticos: as orações não produziram qualquer melhora ou
vantagem.
Seria muito bom se o trabalho de Benson tivesse colocado um
ponto final na ideia de que a fé ou as orações podem produzir
efeitos tangíveis, mas nenhum esforço parece ser suficiente neste
sentido: ao longo das últimas décadas, foram conduzidos
centenas de trabalhos avaliando se a fé e as orações seriam
capazes de interferir nas leis naturais do mundo, e o efeito
encontrado foi – quando muito – o de um placebo consolador101-
105.

As Religiões estimulam a prática da oração: orar é um


expediente cordial para demonstrar empatia por uma pessoa
querida e pode representar um caminho sincero para o
autoconhecimento. Contudo, as Religiões frequentemente
apresentam as orações como recursos mágicos capazes clamar
pela misericórdia divina, produzindo milagres. E é nessa parte
que começam os impasses: o conforto oferecido pelas orações
pode promover bem-estar, mas nenhum profissional de saúde
sério deveria contar com a premissa de que o ―criador do
universo‖ poderá ser mecanicamente requisitado para intervir no
sofrimento, na segurança ou na saúde de alguém.
Orar não elimina um câncer, ou cura uma apendicite aguda,
ou evita a queda de um avião – é o que as evidências científicas
apontam. Se você acredita no contrário disso a despeito da
monumental coletânea de fatos, existe uma séria possibilidade de
estar sofrendo de algum distúrbio de negação da realidade ou um
surto psicótico breve associado a um transtorno bipolar,
transtorno dissociativo, transtorno esquizoafetivo ou
paranoia106,107.
De acordo com o psiquiatra Chittaranjan Andrade,
pesquisador do Departamento de Psicofarmacologia do National
Institute of Mental Health and Neurosciences em Bangalore,
Índia, para melhor compreender a intensidade do delírio de que
―orações podem curar‖ e de que milagres e santos são reais,
deveríamos considerar dez questões108:
Primeiro: existem aspectos quantitativos no volume de
oração capaz de influenciar a saúde de alguém? Em outras
palavras: existe uma quantidade, uma frequência e uma duração
correta para que as orações surtam efeito? Se positivo, quais são?
Ainda: será que deus, como um executivo de uma multinacional,
mantém uma planilha de valor para as preces, atendendo apenas
aquelas que atingem patamares quantitativos expressivos?
Segundo: existem aspectos qualitativos nas orações
capazes de influenciar a saúde de alguém? Em outras palavras:
existem categorias e contextos de orações mais eficazes que
outras? A qual Religião elas podem pertencer? As orações podem
ser expressas em pensamentos ou devem ser acompanhadas de
cânticos, rituais ou sacrifícios? Se o tipo da prece é importante,
será que deus acata com mais boa vontade as petições que são
apresentadas nos formatos corretos?
Terceiro: o conteúdo prático da oração importa? Em
outras palavras: dependendo da doença e do nível de
razoabilidade do pedido, as orações possuem uma chance maior
ou menor de serem atendidas? Se isto é verdade, quais critérios
deus utiliza para determinar o que é razoável e o que não é?
Quarto: o nível de efervescência da oração importa? Neste
caso, será que deus faz distinções entre ―por favor, se puder‖,
―por favor, eu preciso!‖ e ―por favor, é sério, de verdade!‖?
Quinto: a intensidade da fé importa? Em outras palavras:
uma pessoa de convicções mais profundas possui uma chance
maior de ser atendida que outra com crenças menos arraigadas?
E quem determina qual o nível mínimo suficiente de fé para ter
uma prece atendida? Se a intensidade é importante, será que
deus valoriza mais a crença do crente que o mérito da petição?
Sexto: o número de pessoas importa? A oração tem uma
chance maior de ser atendida quando é feita por uma única
pessoa ou quando é feita por número maior de pessoas? Se o
tamanho do grupo importa, a partir de que número as chances
começam a subir?
Sétimo: as características pessoais importam? O
atendimento ao pedido depende de idade, sexo, salário, cor da
pele, nacionalidade, gentileza, disposição em perdoar,
generosidade, altruísmo, tipo de Religião, posição na hierarquia
religiosa, experiência e habilidades com preces e afins? Se isto for
válido, será que algumas pessoas são mais ―iguais‖ perante deus
que outras?
Oitavo: a pessoa para quem se está pedindo importa? Em
outras palavras: uma criança tem mais chances de ser abençoada
por um milagre que um bandido? Quais características
individuais, sociais e Morais seriam determinantes para a
ocorrência do milagre?
Nono: a divindade importa? O atendimento da prece varia
de acordo com a deidade para quem se reza? Pessoas que rezam
para Alá têm mais preces atendidas que pessoas que rezam para
Jesus? Existe alguma figura sagrada cuja capacidade de
atendimento seja maior que outra? Será que alguns deuses são
mais abordáveis que outros? Se apenas um único deus é
responsável por acolher às preces, o que acontece com todos os
milhões de pessoas de outras religiões que não rezam para aquele
deus específico? Suas orações jamais serão ouvidas e atendidas?
Por fim: a magnitude da resposta importa? A partir de que
grau de relevância a resposta a uma oração passa a ser
considerada válida? E quem define esse patamar de ―validade‖?
Se a magnitude da resposta fosse 100%, então todas as preces
resultariam em benefícios milagrosos. Isto, claramente, não é o
que ocorre. Será então que deus trabalha por porcentagens? Se
você pedir um elefante, ele pode aprovar apenas parte do
orçamento e você termina recebendo um rato – isto estaria ok?
Todas estas questões podem parecer incômodas para pessoas
que rezam em nome de suas convicções teológicas, mas também
são incômodas para os cientistas que devem elaborar testes
clínicos para sancionar abordagens diagnóstico-terapêuticas
através do método científico: a fé debate por meio de crenças, ao
passo que a ciência debate por meio de provas. A falta de provas
contundentes implica que, se deus existe, ele é indiferente à
humanidade ou optou por manter sua presença bastante obscura.
Será que ele ou seus espíritos e santos estariam dispostos a
cooperar em estudos científicos elaborados para testar suas
existências?
Se deus existe, se as Religiões estão certas e se as orações têm
o poder de curar, parece-me que, por alguma razão misteriosa, os
testes controlados e randomizados não são capazes de comprovar
a eficácia deste recurso. Na verdade, quando bem desenhados e
conduzidos de forma íntegra, os estudos clínicos mostram o
oposto: que a fé, as preces e as orações não resultam em
qualquer produto explícito ou objetivamente mensurável.
Para o poeta alemão Bertold Brecht (1898-1956), o objetivo
da ciência não é abrir as portas da sabedoria infinita, mas
estabelecer um limite para os equívocos infinitos109. De onde
observo, seguimos enterrados até o pescoço nos segundos.

14. CONCLUSÃO

A despeito das associações emocionais e biológicas positivas


e negativas, é patente que um sinal comum em todas as Religiões
consiste no reconhecimento de que a condição humana é de
alguma forma ―insatisfatória‖, ou decaída, ou incompleta, e que
nossa paz ou felicidade ou salvação ou elevação dependem de
alcançar bênçãos para atingir algum tipo de nirvana.
As Religiões nasceram como mecanismos de defesa para
lidarmos com nossas fraquezas enquanto crescíamos em
condições de imensa ignorância acerca do mundo. Por isso o
sobrenatural é uma ferramenta tão poderosa e popular: ele
confere um sentido extra à vida e um senso de identidade para o
indivíduo, e quanto maior o sacrifício, maior a necessidade
humana de acreditar que existe um receptor divino para aquele
martírio. Poucas pessoas têm estômago para tolerar os suplícios
do mundo sem uma almofada imaginária dessas para alentar
suas dores.
Pessoas religiosas são ―necessitarianistas‖: elas não querem
argumentos racionais; elas querem algo que satisfaça sua
profunda necessidade de acreditar em um propósito
sobrenatural para suas existências naturais. Como enunciado por
Dr. House, personagem interpretado por Hugh Laurie na famosa
série homônima: ―Se religiosos pudessem ser convencidos por
argumentos racionais, não haveria religiosos‖79.
Quando o Neolítico avançou, brotaram discussões filosóficas
que, em tempos ancestrais, a Religião sequer precisaria
considerar. Como lidar com estes novos ventos? A primeira
solução encontrada pela Religião foi tentar censurar a produção
de conhecimento. Contudo, não faz sentido um grupo usar sua
liberdade de expressão para negar o mesmo direito a outro grupo
(ainda que os humanos sejam conhecidos por não fazerem muito
sentido, reiteradamente). Ainda assim, as Religiões, com especial
destaque para as Abraâmicas, optaram por este caminho,
anunciando a cada oportunidade como sua ignorância – esta mãe
da devoção – era ungida, irrefutável e abençoada. Bakunin se
referiu a esta natureza religiosa didática e absolutista ao dizer
que ―de todos os despotismos, o dos doutrinadores ou dos
inspiradores religiosos é o pior: eles são tão ciumentos da glória
de seu deus e do triunfo de sua ideia que não lhes resta mais
coração, nem pela liberdade, nem pela dignidade, nem mesmo
pelos sofrimentos dos homens vivos e reais‖22.
Uma vez que os dogmas podem ser manipulados com
facilidade pelas extremidades, não demorou muito para que as
portas fossem escancaradas ao abuso daqueles que buscavam
alcançar poder e derramar o terror, tornando a veneração um
palco perfeito para a ascensão da intolerância e de psicopatas de
todo gênero.
Ao desafiar o cálculo das probabilidades e distorcer o senso
de proporções, o Absolutismo Moral Religioso assumiu um
caráter tão ambicioso e arrogante quanto segregacionista e
temível. Com habilidade admirável, ele se aproveitou da ilusão de
ótica de sua autoridade auto-imbuída para apresentar às plateias
o conforto de certezas irrepreensíveis, escondendo-se do fato de
que o ―sagrado‖ é uma ilusão tão burlesca quanto a Liberdade –
ambas formulações intangíveis da mente humana.
Derradeiramente, a Moralidade hegemônica religiosa
transformou suas verdades unipolares em um refúgio para
aqueles com preguiça de pensar com os próprios neurônios.
No Relativismo Pós-Moderno, ―Sem-Religião‖ virou a Nova
Religião. A Religião ―tradicional‖ costuma acusar os Sem-Religião
de terem apenas uma Moralidade subjetiva, apresentando ―sua‖
Religião como a única saída para o individualismo, porém muitos
textos religiosos antigos encorajam atitudes egoístas que hoje
vemos como imorais. A poligamia, os sacrifícios humanos, o
canibalismo (alguém citou Eucaristia?), o espancamento de
mulheres, a mutilação genital de meninas, a guerra, a
circuncisão, a castração masculina, a escravidão e o incesto são
aceitáveis em algumas Religiões e inadmissíveis em outras. Será
que deus se confundiu ao distribuir suas ordens? Seus padrões
são diferentes ou apenas incoerentes?
Considerar alguns textos ―sagrados‖ é um argumento em
favor da crença em, não da existência de um deus; e a
necessidade de possuir um padrão Moral normativo absoluto
validado por uma entidade superior nasce da insegurança de
algumas pessoas sobre a capacidade de manterem uma retidão de
caráter por si mesmas. Pessoas emocionalmente maduras estão
cientes do pluralismo da humanidade e confiam em sua
capacidade de Reflexão, Raciocínio e Diálogo para determinar o
que é Bom e Correto. Se você não consegue definir por si o que é
Moralmente adequado e precisa basear suas escolhas
referendando escrituras fantasiosamente ungidas, não lhe falta
Religião, mas Empatia e Inteligência. A Religião não deveria ser
usada como meio para eximir-se do uso da Razão e solicitar a
impunidade dos crimes e erros que lhe cabem, mas este tem sido
seu emprego desde o berço.
Muitas pessoas vinculam a Moralidade à espiritualidade e
acreditam que a segunda conduz à primeira, uma vez que a ética
religiosa em geral é mais restrita com relação às condutas
daqueles que a seguem. A consequência disso não é uma elevação
do padrão ético, mas uma usurpação da autoridade Moral por
parte dos que expressam uma maior obediência aos dogmas
defendidos por sua espiritualidade preferida. O sujeito evita sexo,
não come um determinado tipo de alimento, não fuma, não bebe,
não admite ter emoções negativas e nega insistentemente
qualquer forma transgressão, e acredita que isso lhe confere
alguma legitimidade Moral extraordinária – quando, na verdade,
está vivendo em completa dissonância com a sabedoria intrínseca
da Natureza.
Pode-se dizer, em um exagero, que aquele que vive em
harmonia com a vida deve respeitar as ―leis da Natureza‖ e jamais
impor seus dogmas a outrem, mas isto é um equívoco: não
fossem os refinamentos da Moralidade, teríamos sucumbido à
nossa beligerância. Além disso, ditar o respeito às ―leis da
natureza‖ é, em si, um conceito Moralista. A diferença entre os
Naturalistas e aqueles que vivem uma versão Religiosa idealizada
do mundo, aceitando poderes invisíveis e tomando coisas
acidentais como profecias, está na medida em este segundo grupo
vive uma versão do mundo dentro da caverna de sua própria
mente, e não parece ter se dado conta de que a Religião ensina a
acreditar, não a conhecer.
No começo do século XIX, o Absolutismo Moral religioso foi
atacado de maneira implacável pelo Positivismo, uma doutrina
filosófica, sociológica e política nascida do Iluminismo e da crise
Moral do fim da Idade Média. Para os Positivistas, o progresso da
humanidade dependia dos avanços científicos, e todo
conhecimento ligados às crenças, superstição ou qualquer outro
que não pudesse ser comprovado cientificamente deveria ser
descartado como imprestável. Auguste Comte (1798-1857) e John
Stuart Mill (1806-1873) foram os principais representantes deste
movimento. Ao longo do século XX, o Positivismo sofreria golpes
duros com as refutações de Sílvio Romero, Alvin Plantinga, Max
Weber, Theodor Adorno, Jürgen Habermas e Karl Popper, entre
outros.
É no mínimo curioso observar como o Realismo Religioso,
sob assédio do Realismo Positivista, terminou sendo salvo do
extermínio por correntes Relativistas. Por exemplo: ao espetar o
Positivismo com seu racionalismo crítico, Karl Popper (1902-
1994) afirmou que todo conhecimento é provisório, refutável e
corrigível. Nada poderia ser mais acertado – e Relativista – que
isto.
Os adeptos da maioria das Religiões atuais afirmam ser quase
impossível que alguma nação tenha algum dia acreditado em
conceitos tão risíveis quanto os do paganismo grego, egípcio e
finlandês; ou do atenismo, mistraísmo, maniqueísmo,
tengriismo, ashurismo, vedismo; ou das Religiões cananeia,
minoica, sumérica, asteca e olmeca. Esquecem-se que o mesmo
eventualmente ocorrerá com os dogmas do Espiritismo (13
milhões de adeptos no mundo), do Judaísmo (20 milhões), do
Sikhismo (20 milhões), do Budismo (376 milhões), da Religião
Tradicional Chinesa (400 milhões), do Hinduísmo (900
milhões), do islamismo (1,6 bilhão) e do Cristianismo (2,2
bilhões).
Como Yuval Noah Harari observou com invejável perspicácia,
as Religiões ―prometem ser uma âncora de certezas em um
mundo de tempestades Morais e Científicas, mas ninguém
navega lançando âncoras por aí: para velejar, é preciso
recolhê-las‖28. A pretensão quanto à infalibilidade das crenças
religiosas não possui qualquer fundamento e, no acumulado das
evidências, não passa de uma muleta para ajudar aqueles que
pensam ser incapazes. Com o tempo, até mesmo esta teia de
significados crédulos se desfiará.
Para Hobbes, caso o temor supersticioso dos espíritos
desaparecesse – levando com ele as ideias tiradas dos sonhos e as
falsas profecias –, os homens estariam mais bem preparados para
a sabedoria12. Lamentavelmente, as Religiões, refugiadas cada vez
mais fundo na trincheira do Absolutismo Moral e esforçando-se
para proteger a sobrevivência de seus dogmas, ao invés de
encorajar seus seguidores a abandonar a arrogância e o ódio,
estimulando o respeito, a temporização e a comunhão entre os
povos, fizeram vicejar a discordância, a intransigência e a
condenação das diferenças64. As Religiões continuam a falar de
amor e tudo o que elas fazem é criar mais e mais ódio,
disfarçando sua perene crueldade sob um providencial manto de
piedade.
Com este nobilíssimo disfarce, as Religiões defendem para si
mesmas nada além da manutenção poder por meio do
embrutecimento dos povos, enquanto anunciam defender o afeto,
a generosidade, a compaixão, o cuidado e o altruísmo. O que vale
observar aqui é o fato de uma parcela considerável de pessoas
desamparadas pela crise na Moralidade estar optando pelo
reforço da fé no Absolutismo Religioso: o Islã, com suas
descrições incondicionais sobre o que é uma vida Moral, e o
Budismo, com seu gnosticismo assentado em frugalidades
normatizadas, têm angariado legiões de seguidores mesmo nas
sociedades mais desenvolvidas62.
Segundo Hume, as Religiões que pregam a Salvação declaram
que somente a sua Moralidade pode obter o favor divino, e que
esta Moralidade só pode ser representada pelos sermões de seus
eclesiásticos e instituída pela obediência aos seus dogmas – que
são nada além de “verdades‖ elaboradas para ―enganar os que
não sabem distinguir entre a subordinação das ações em vista
de um objetivo e a sujeição das pessoas umas às outras na
administração dos meios‖12,17. No lugar de oferecer uma luz
sobre o caminho da Virtude e do que é Bom e correto, a
persuasão destas superstições tornou a reverência inquestionável
a parte mais essencial da Religião. Retroalimentando o sistema,
os sacerdotes, ao invés de corrigir suas barbáries, suas
arbitrariedades dissimuladas e as ideias perversas dos homens,
mostraram-se mais dispostos a alimentá-las e encorajá-las.
A Moralidade religiosa é, em grande parte, apenas uma
trincheira de pudores direcionados para a submissão mediante
ameaças de terror. As recompensas imaginárias que as Religiões
oferecem – perdão, redenção, salvação, nirvana, vida eterna,
reencarnação – são as grandes atrações. As diretrizes de bom
comportamento que elas também anunciam, lamentavelmente,
nunca usufruíram de muito sucesso junto ao grande público.
Há muitas coisas sobre as quais o mundo deseja ser iludido e
as mitologias doutrinárias são certamente mais sedutoras que a
Razão. Por infelicidade, os erros deste caminho não são apenas
mais grotescos, mas mais perigosos: ao assassinar a Razão – o
principal instrumento para a soberania humana – as Religiões
conduzem seus seguidores à condição de escravidão e
irracionalidade. Com grande alívio, as denúncias deste
barbarismo ocupam cada vez mais páginas em toda parte. Quem
tiver olhos ousados o suficiente, as verá.

____________________

Referências
1. Blaise Pascal. Pensamentos (1670). Ediouro (1995).
2. Immanuel Kant. Primeiros Princípios Metafísicos da Ciência da Natureza (1786).
Martins Fontes (2014).
3. Joseph Mani. Beyond Gods and Scriptures – Religion Can Unite Humanity and Not
Divide. Notion Press (2018).
4. Alvin Plantinga. Conhecimento de Deus. Vida Nova (2014).
5. James Porter Moreland. The Recalcitrant Imago Dei: Human Persons and the Failure
of Naturalism. SCM Press (2010).
6. Thomas Paine. The Age of Reason (1794). Create Space Independent Publishing
Platform (2015).
7. J.L. Schellenberg. Divine Hiddenness and Human Reason – Cornell Studies in the
Philosophy of Religion). Cornell University Press (2006).
8. John Toland. Pantheisticon: A Modern English Translation. Create Space Independent
Publishing Platform (2014).
9. Arthur Schopenhauer. Parerga e Paralipomena (1851). Cambridge University
Press (2016).
10. Richard Dawkins. Deus, um Delírio. Companhia das Letras (2008).
11. Phil Zuckerman. The Oxford Handbook of Secularism. Oxford University Press (2016).
12. Thomas Hobbes. Leviatã. Martin Claret (2007).
13. Fiodor Dostoiévski. Os Irmãos Karamazov (1879). Martin Claret (2013).
14. William Paley. The Works of William Paley: Natural Theology. Hard Press (2018).
15. Tito Lucrécio Caro. A Natureza das Coisas – De Rerum Natura. Relógio D´água (2015).
16. Gottfried Wilhelm Leibniz. Novos Ensaios Sobre o Entendimento Humano. Nova
Cultural (1999).
17. David Hume. História Natural da Religião (1777). Unesp Editora (2005).
18. Samuel Clarke. A Demonstration of the Being and Attributes of God And Other Writings.
Cambridge University Press (1998).
19. Mackie JL. Evil and Omnipotence. Mind New Series, 1955 Apr; 64(254):200-12.
20. Alvin Plantinga. Deus, a liberdade e o mal. Vida Nova (2012).
21. Rabbi Harold Kushner. When Bad Things Happen to Good People (1981). Anchor Books
(2004).
22. Mikhail Bakunin. Deus e o Estado (1870-1871). Hedra (2011).
23. André Comnte-Sponville. O Capitalismo é Moral? Wmf Martins Fontes (2005).
24. John Locke. Ensaio acerca do Entendimento Humano (1689). Nova Cultural (1997).
25. Pierre Bayle. Various Thoughts on the Occasion of a Comet (1680). State University of
New York Press (2000).
26. John Locke. Carta sobre a tolerância (1689). Coleção Textos Filosóficos – Edições 70
(1965).
27. Platão. A República. Martin Claret (2000).
28. Yuval Noah Harari. Homo Deus – uma breve história do amanhã. Companhia das
Letras (2015).
29. David Hume. Tratado da Natureza Humana (1740). Editora Unifesp (2000).
30. Andrew Newberg, Mark Robert Waldman. Why We Believe What We Believe:
Uncovering Our Biological Need for Meaning, Spirituality, and Truth. Scribner (2006).
31. Platão. Fedro. Martin Claret (2007).
32. Eduardo Ramalho Rabenhorst. Dignidade Humana e Moralidade
Democrática. Editora Brasília Jurídica (2001).
33. Earl Conee, Theodore Sider. Riddles of Existence: A Guided Tour of
Metaphysics. Oxford University Press (2007).
34. Lerner MJ, Simmons CH. Observer's reaction to the "innocent victim": compassion or
rejection? J Pers Soc Psychol. 1966 Aug; 4(2):203-10.
35. Rubin Z, Peplau LA. Who Believes in a Just World? Journal of Social Issues. 1975;
31(3):65-89.
36. Mário Quintana. Poesia completa. Nova Aguilar (2006).
37. Ed René Kivitz. Creio porque é absurdo. Página Aberta – Complemento Veja Abril (2017).
Acessado em https://complemento.veja.abril.com.br/pagina-aberta/creio-porque-e-
absurdo.html
38. Robert D. Sider. Credo quia absurdum? Classical World. 1980; 73:417-419.
39. David Hume. Investigação Sobre o Entendimento Humano. Escala Educacional (2006).
40. Pierre-Simon Laplace. Ensaio filosófico sobre as probabilidades. Contraponto (2017).
41. Santo Tomas de Aquino. Suma Teologica. Espasa (1985).
42. René Descartes. Discurso do Método. Escala (2009).
43. Baker-Hytch M. Mutual epistemic dependence and the demographic divine hiddenness
problem. Religious Studies. 2016 Sept; 52(3):375-394.
44. Émile Durkheim. Ética e Sociologia da Moral (1887). Martin Claret (2016).
45. Leite G. O novo conceito de sujeito de direito. Revista Âmbito Jurídico Online. Acessado
em http://www.ambito-
juridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=5971
46. William James. As Variedades da Experiência Religiosa. Cultrix (1995).
47. WIN/Gallup International. Global Index of Religiosity and Atheism. RED C Research –
Press Release (2012). - Acessado em
https://web.archive.org/web/20121016062403/http://redcresearch.ie/wp-
content/uploads/2012/08/RED-C-press-release-Religion-and-Atheism-25-7-12.pdf
48. Carballlo M, Hermelo RM. Religion in the World: the State of Affairs. In What the
World thinks: Global and Regional Issues. Voice Of The People – WIN/Gallup
International (2015).
49. Richard Bentley. The Folly And Unreasonableness Of Atheism: Demonstrated From The
Advantage And Pleasure Of A Religious Life (1699). Kessinger Publishing, LLC (2010)
50. André Petry. Como a fé resiste à descrença. Revista Veja, 26 de dezembro de 2007.
51. André Bernardo. Preconceito, agressividade e desconfiança: como é ser ateu no Brasil.
BBC News Brasil, 06 de novembro de 2016. Acessado em
https://www.bbc.com/portuguese/brasil-37640191
52. Antony Garrard Newton Flew. Agnosticism. Encyclopedia Britannica. Acessado em
https://www.britannica.com/topic/agnosticism
53. Clive Staples Lewis. Cristianismo Puro e Simples (1952). Martins Fontes (2014).
54. Arthur Stephen McGrade. Richard Hooker, Of the Laws of Ecclesiastical Polity: A
Critical Edition with Modern Spelling. Oxford University Press (2013).
55. Hayward RD et al. Health and Well-Being Among the Non-religious: Atheists, Agnostics,
and No Preference Compared with Religious Group Members. J Relig Health. 2016
Jun;55(3):1024-1037.
56. Charles Phillips e Alan Axelrod. Encyclopedia of Wars. Facts on File (2004).
57. Jared Diamond. Armas, Germes e Aço – os destinos das sociedades humanas. Record
(2014).
58. Edward Osborne Wilson. On Human Nature. Harvard University Press (2004).
59. Steve Crabtree. Religiosity Highest in World's Poorest Nations. Gallup World; August 31,
2010. Acessado em https://news.gallup.com/poll/142727/religiosity-highest-world-poorest-
nations.aspx
60. Steve Crabtree and Brett Pelham. Religion Provides Emotional Boost to World’s Poor.
Gallup World; March 6, 2009. Acessado em
https://news.gallup.com/poll/116449/Religion-Provides-Emotional-Boost-World-
Poor.aspx?utm_source=link_newsv9&utm_campaign=item_142727&utm_medium=copy
61. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Censo Demográfico 2010.
Acessado em https://censo2010.ibge.gov.br/noticias-
censo.html?busca=1&id=3&idnoticia=2170&t=censo-2010-numero-catolicos-cai-aumenta-
evangelicos-espiritas-sem-religiao&view=noticia
62. Conrad Hackett, David McClendon. The Changing Global Religious Landscape. Pew
Research Center Demographic Projections (2017). Acessado em
http://www.pewresearch.org/fact-tank/2017/04/05/christians-remain-worlds-largest-
religious-group-but-they-are-declining-in-europe/
63. Bertrand Russell. História da filosofia ocidental (1946). Nova Fronteira (2010).
64. Jean-Jacques Rousseau. O Contrato Social e outros escritos (1762). Cultrix (1965).
65. Megan Gambino. What Animal is the Best Mother? Smithsonian Institute; May 3, 2011.
Acessado em https://www.smithsonianmag.com/science-nature/what-animal-is-the-best-
mother-158591597/
66. McKay R, Whitehouse H. Religion and Morality. Psychol Bull. 2015 Mar; 141(2): 447-
473.
67. Decety et al. The Negative Association between Religiousness and Children’s Altruism
across the World. Current Biology. 2015 Nov; 25:2951-2955.
68. Phil Zuckerman . Society without God: What the Least Religious Nations Can Tell Us
About Contentment. NYU Press (2010).
69. Joe Avella. How the Bible has changed over the past 2,000 years. Business Insider; Nov.
15, 2015. Acessado em https://www.businessinsider.com/bible-changes-altered-jesus-
testament-dead-sea-scrolls-gospel-2015-11
70. Mark Twain. The Bible According to Mark Twain. Touchstone (1996).
71. Paul Kurtz. The Humanist Alternative. Prometheus Book (1973).
72. Pelagius. Pelagius: Life and Letters. Boydell Press (2004).
73. Hemant Mehta. Atheists now make up 0,1% of the Federal Prison Population. Friendly
Atheist; August 21, 2015. Acessado em
http://friendlyatheist.patheos.com/2015/08/21/atheists-now-make-up-0-1-of-the-federal-
prison-population/
74. Statista - The Statistics Portal. Mean religious affiliation of inmates in U.S. prisons, as
reported by prison chaplains in 2011. Acessado em
https://www.statista.com/statistics/234653/religious-affiliation-of-us-prisoners/
75. Max Horkheimer. Critique of Instrumental Reason (1974). Verso (2013).
76. Abby Higgs. How Much Money Does the Vatican Have? Nasdaq; July 24, 2015. Acessado
em https://www.nasdaq.com/article/how-much-money-does-the-vatican-have-cm500605
77. Avi Jorisch. The Vatican Bank: The Most Secret Bank In the World. Forbes; Jun 26, 2012.
Acessado em https://www.forbes.com/sites/realspin/2012/06/26/the-vatican-bank-the-
most-secret-bank-in-the-world/#2ae21ace120b
78. Anderson Antunes. The Richest Pastors In Brazil. Forbes; Jan 17, 2013. Acessado em
https://www.forbes.com/sites/andersonantunes/2013/01/17/the-richest-pastors-in-
brazil/#b3c36f95b1e3
79. Henry Jacoby, William Irwin. House and Philosophy: Everybody Lies. Wiley (2008)
80. Thomas Hobbes. Os Elementos da Lei Natural e Política (1650). Icone (2003).
81. Thomas Hobbes. Do Corpo - Cálculo Ou Lógica (1655). Editora Unicamp (2009).
82. João Paulo II. Discurso aos bispos do brasil em visita - ad limina apostolorum (31 de
Maio de 1990). Acessado emhttps://w2.vatican.va/content/john-paul-
ii/pt/speeches/1990/may/documents/hf_jp-ii_spe_19900531_brasile-ad-limina.html
83. Jamil Chade. Papa critica sincretismo religioso no Brasil. Jornal O Estado de S. Paulo (15
de abril 2010).
84. Mark R. Rushdoony. The Danger of Syncretism. (March 01, 2006). Acessado
em https://chalcedon.edu/magazine/the-danger-of-syncretism
85. Frederick C. Grant. Hellenistic Religion – The Age of Syncretism. Liberal Arts (1953).
86. Richard E. Payne. A State of Mixture: Christians, Zoroastrians, and Iranian Political
Culture in Late Antiquity –Transformation of the Classical Heritage. University of
California Press (2015).
87. Mary Boyce. Zoroastrians: Their Religious Beliefs and Practices. Routledge (2001).
88. Ahmed Osman. Christianity: An Ancient Egyptian Religion. Bear & Company (2005).
89. R. E. Witt. Isis in the Ancient World. Johns Hopkins University Press (1971).
90. Edwyn Bevan. Hellenism and Christianity. CreateSpace Independent Publishing Platform
(2016).
91. Stepaniants M. The Encounter of Zoroastrianism with Islam. Philosophy East and
West. Apr 2002; 52(2):159-172.
92. Shalu Sharma. Hinduism Made Easy: Hindu Religion, Philosophy and
Concepts. Amazon Digital Services LLC (2015).
93. Ross Reat, Noble Ross Reat. Buddhism: A History (Religions of the World). Jain Pub
Co (1994).
94. Pamela Moro, James Myers, Arthur Lehmann. Magic, Witchcraft, and Religion: An
Anthropological Study of the Supernatural. McGraw-Hill (2006)
95. Anita Maria Leopold, Jeppe Sinding Jensen. Syncretism in Religion: A
Reader. Routledge (2004).
96. William H. Harrison. In Praise of Mixed Religion: The Syncretism Solution in a
Multifaith World. McGill-Queen's University Press (2014).
97. François-Marie Arouet (Voltaire). Cartas Inglesas / Tratado de Metafísica / O
Filósofo Ignorante / Carta sobre "O Espirito das Leis" / Do Espirito. Nova Cultural (1988).
98. Jeffrey Fish, Kirk Sanders. Epicurus and the Epicurean Tradition. Cambridge
University Press (2010).
99. Plutarch. Parallel Lives. SMK Books (2015).
100. Benson H et al. Study of the Therapeutic Effects of Intercessory Prayer (STEP) in
cardiac bypass patients: a multicenter randomized trial of uncertainty and certainty of
receiving intercessory prayer. Am Heart J. 2006 Apr;151(4):934-42.
101. Simão TP, Caldeira S, de Carvalho EC. The Effect of Prayer on Patients’ Health:
Systematic Literature Review.Religions 2016; 7(11):doi:10.3390/rel7010011.
102. Masters KS, Spielmans GI. Prayer and Health: Review, Meta-Analysis, and
Research Agenda. J Behav Med (2007) 30:329–338.
103. Masters KS, Spielmans GI, Goodson JT. Are there demonstrable effects of distant
intercessory prayer? A meta-analytic review. Ann Behav Med. 2006 Aug;32(1):21-6.
104. Roberts L, Ahmed I, Hall S, Davison A. Intercessory prayer for the alleviation of ill
health. Cochrane Database Syst Rev.2009 Apr 15;(2):CD000368. doi:
10.1002/14651858.CD000368.pub3.
105. Sloan RP, Ramakrishnan R. Science, medicine, and intercessory prayer. Perspect
Biol Med. 2006 Autumn;49(4):504-14.
106. Del-Ben CM et al. Diagnóstico diferencial de primeiro episódio psicótico: importância
da abordagem otimizada nas emergências psiquiátricas. Rev Bras Psiq. Out 2010; 32(Supl
II):S78-S86.
107. American Psychiatric Association (APA). DSM-5: Manual Diagnóstico e
Estatístico de Transtornos Mentais. Artmed (2014).
108. Andrade C. Prayer and healing: A medical and scientific perspective on randomized
controlled trials. Indian J Psychiatry. 2009 Oct-Dec; 51(4): 247–253.
109. Bertolt Brecht. Life of Galileo. Penguin Classics (2008).
110. Zuckerman M, Silberman J, Hall JA. The relation between intelligence and religiosity:
a meta-analysis and some proposed explanations. Pers Soc Psychol Rev. 2013
Nov;17(4):325-54.
111. Koenig HG. Religion, Spirituality, and Health: The Research and Clinical Implications.
ISRN Psychiatry. 2012; 2012: 278730.
112. Jafari F et al. Marital satisfaction and adherence to religion. J Med Life. 2015; 8(Spec Iss
4): 214–218.
113. United Nations Development Programme (UNDP). Human Development Report
(2016). - Acessado em
http://hdr.undp.org/sites/default/files/2016_human_development_report.pdf
114. John F. Helliwell, Richard Layard, Jeffrey D. Sachs. World Happiness Report
(2018). - Acessado em http://worldhappiness.report/ed/2018/
115. World Population Review. Suicide Rate By Country (2018). - Acessado em
http://worldpopulationreview.com/countries/suicide-rate-by-country/
116. Nencini P, Grant KA. Psychobiology of drug-induced religious experience: from the brain
"locus of religion" to cognitive unbinding. Subst Use Misuse. 2010 Nov;45(13):2130-51.
117. Malinakova K et al. Adolescent religious attendance and spirituality—Are they associated
with leisure-time choices? PLoS One. 2018; 13(6): e0198314.
118. Baruch Spinoza. Ética (1677). Ediouro (s/d).
119. Albert Bandura. Desengajamento Moral: Teoria e Pesquisa a Partir da Teoria Social
Cognitiva. Mercado de Letras (2015).

Você também pode gostar