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Antropologia Filosófica

S. Agostinho
A concepção de homem em Agostinho
● O Ser como Uno
Platão separa a alma do corpo, como se o corpo fosse o cárcere da alma. Ao contrário,
influenciado pela filosofia neo platônica, Agostinho propõe uma nova forma de conceber o
homem, não separando corpo e alma, mas dizendo que alma não é prisioneira do corpo; ela está
encarnada nele, como num todo. Não se separam: é uma unidade substancial.
O homem é uma unidade substancial de corpo e alma. Não é infreqüente afirmar-se que
para Agostinho a essência do homem é uma alma que se utiliza de um corpo; todavia, é fora de
dúvida que ele doutrina, clara e reiteradamente, que o homem se compõe de alma e corpo,
graças a uma estreita união destes dois componentes, e que só o ser assim composto merece o
nome de homem. (BOEHNER; GILSON, 1991, p.180).
Segundo Santo Agostinho, quando Deus criou o ser humano, o criou na plenitude do ser.
Por isto, não se pode separar a matéria da forma, visto que Deus criou a unidade do homem.
Segundo o autor, o corpo se torna algo cheio de importância, por causa da encarnação do Verbo:
o próprio Filho de Deus vem habitar neste mundo, numa forma material. Por isto, afirma que a
matéria também tem sua importância e não se separa da alma.
Mesmo não admitindo a separação, Agostinho admite que a alma é dotada de certa
natureza especial, que eleva o homem a Deus, ao contrário do corpo que é transitório e limitado,
estando sujeito às coisas deste mundo. A alma é capaz de fazer do homem participante de Deus,
elevando-o através daquilo que tem de mais importante: sua racionalidade. Com isso, o homem é
capaz de ter uma vida feliz, contemplando, de fato, seu Criador. Desta forma, afirma Agostinho
(A Vida Feliz, 4- 33, 2007, p.154-155):
[…] Portanto, ser feliz não é outra coisa do que não padecer necessidades, e isso também é sábio.
Agora, se me perguntares o que vem a ser a sabedoria – conceito a cuja análise e
aprofundamento a nossa razão tem-se consagrado até o presente quanto pode – dir-vos-ei que a
sabedoria é simplesmente a moderação do espírito (modus animi). Isto é, aquilo pelo que a alma
se conserva em equilíbrio, de modo a não se dispersar em excessos ou encolher-se abaixo de sua
plenitude. Sem essa medida, a alma atira-se em excesso na direção dos prazeres, da ambição, do
orgulho e de todas as outras paixões do mesmo gênero. Por elas, os intemperantes, e portanto
infelizes, imaginam alcançar alegria e poder. Ora, eles encontram-se, na verdade, diminuídos
pelas baixas, pelo medo, tristeza, cupidez e outras paixões. Sejam quem forem, esses infelizes
reconhecem a eles próprios que tais coisas fazem a infelicidade do homem. Ao contrário, quando
alguém, tendo encontrado a sabedoria, faz dela o objeto de sua contemplação – para me servir
de uma expressão deste menino (Adeodato, cf. III, 18) – e a ele se apega, sem se deixar seduzir
por coisas vãs, sem se voltar mais para as aparências enganosas, cujo peso arrasta e submerge
em profunda objeção, tudo se desfaz, por estar ele abraçado a seu Deus (amplexus a Deo suo).
A alma é princípio vivificador, capaz de dominar o homem, elevando-o a Deus. Agostinho
nos diz da alma, em sua obra Confissões, como dominadora do corpo: “A alma comanda o corpo,
e este lhe obedece imediatamente; comanda-se a si mesma, e esta resiste. A alma ordena à mão
que se mova, e a obediência é tão fácil que mal se distingue a ordem da execução. No entanto, a
alma é espírito, e a mão é matéria.” (AGOSTINHO, Confissões, 8, 9- 21, 1984, p.220).
● O ser itinerante
O itinerário do ser, segundo Santo Agostinho, é um caminho percorrido pelo ser humano
em direção ao seu Criador. O autor nos apresenta o homem como um ser criado segundo a
imagem e semelhança de Deus. O homem é um ser participante da perfeição de Deus como
“Imago Dei”. Justamente por isso, Deus concede a ele o livre-arbítrio[2], possibilitando-o
escolher por sua vontade. Quando, por esta vontade, o homem se afasta do seu Criador, que é o
Sumo Bem, acaba caindo no pecado e o mal passa a existir no mundo.
Ao longo de toda a vida do homem, ele “cai” e se “levanta”: toda a história do ser humano
é feita também de quedas. Dentro deste itinerário, segundo Agostinho, o homem tem sempre a
oportunidade da conversão, uma vez que seu fim último sempre se dá no seu Criador. A
conversão, a que se é chamado quando se vive uma vida de escravidão, é uma mudança de
“rota”, na qual, contando com a graça de Deus, o homem é capaz de retornar ao Bem.
Gilson resumiu de modo muito eficaz o pensamento agostiniano sobre as relações entre
liberdade, vontade e graça da seguinte forma: “Duas condições são (…) exigidas para fazer o bem:
um dom de Deus, que é a graça, e o livre-arbítrio. Sem o livre-arbítrio, não haveria problemas;
sem a graça, o livre-arbítrio (depois do pecado original) não iria querer o bem ou, se o quisesse,
não poderia realizá-lo. A graça, portanto, não tem o efeito de suprimir a vontade, mas sim de
torná-la boa, pois se havia transformado em má. Esse poder de usar bem o livre-arbítrio é
precisamente a liberdade. A possibilidade de fazer o mal é inseparável do livre-arbítrio, mas o
poder de não fazê-lo é a marca da liberdade – e encontrar-se confirmado na graça a ponto de
não poder mais fazer o mal é o grau supremo da liberdade. Assim, o homem que está mais
completamente dominado pela graça de Cristo é também o mais livre: libertas vera est Christo
servire. (REALE; ANTISERE, 1990, p.458).
Santo Agostinho nos mostra que o homem foi criado por Deus exclusivamente para o
bem. Ao usar mal o livre- arbítrio, a partir do qual, por sua vontade pode escolher entre o bem e
o mal, o homem acaba se afastando da graça e vivendo no pecado. Porém, para Agostinho, o
homem tem sempre a oportunidade de se converter e de caminhar na graça de Deus, vivendo
sua liberdade.
O itinerário do homem, para Agostinho, é sempre caminhar rumo a Deus, vivendo em sua
justiça. A liberdade, na qual o homem foi criado, o faz viver somente o bem. Porém, isto só
acontece pela graça de Deus em sua vida. Esta graça ajuda o homem a escolher, acima de tudo, o
bem, deixando o pecado e o mal de lado.

● O ser para Deus


Para Agostinho, o homem participa da criação divina. Por isto, caminha sempre em busca
da Verdade. O que dá sentido e unidade ao homem só pode ser o próprio Deus. O Amor de Deus
para com a humanidade é tão grande, que Ele foi capaz de habitar este mundo para libertá-la do
pecado. Pela encarnação do Verbo, na qual Deus envia seu Filho único, o homem torna-se digno,
sendo reconhecido como filho no Filho.
Para Agostinho, o encontro com Deus se dá no interior do homem, pois Deus – enquanto
criador – está tão próximo e tão íntimo de sua criatura, mais do que o próprio homem. Nesse
sentido, o itinerário do homem, enquanto criatura é um itinerário para a verdade: alcançar a
Verdade é ser iluminado pela graça divina. O próprio conhecimento da Verdade exprime o amor,
à medida que a essência do homem é o amor, ou seja, expressão do amor daquele que o criou.
Nesse sentido, Agostinho acredita que o homem, bom e justo, é sem dúvida aquele que ama a si
mesmo e aos outros segundo a lei divina, pois amar o próximo é amar a Deus na sua obra.
(GONÇALVES, 2012, p.139).
A Verdade, como nos diz Agostinho em sua obra Confissões, está dentro do próprio ser
humano: “Eis que habitavas dentro de mim e eu te procurava do lado de fora” (CONFISSÕES, 10,
27-29). Por isso, por natureza, o homem é iluminado por Deus através de sua razão e é capaz de
buscar a Verdade que é o próprio Criador. Essa Verdade o leva a agir na justiça e a viver uma
vida feliz. Assim, existe uma busca constante do Bem que o faz feliz. Tem a felicidade somente
aquele que está em Deus.
Ao viver irradiado pela luz da Verdade, o homem vive o amor e torna-se dependente do
Amor dado por primeiro pelo seu Criador. Impelido por este amor, é capaz de amar também o
próximo, que é obra da criação divina. A Luz divina habita em todo homem que está junto de
Deus e que o busca constantemente. Esta busca o impulsiona a viver retamente o Bem.
Certo impulso interior que nos convida a lembrar-nos de Deus, a buscá-lo, a sentir sede
dele, sem nenhum fastio, jorra em nós dessa mesma fonte da Verdade. É a luz que esse
misterioso sol irradia em nossos olhos interiores. E é dele que procede tudo o que proferimos de
verdadeiro, ainda que temamos voltar para ele nossos olhos ainda doentios ou recém-abertos, e
de o fixarmos face a face. Esse sol revela-se a nós como sendo o próprio Deus, ser perfeito sem
nenhuma imperfeição a diminuí-lo. Pois nele encontra-se toda perfeição, completa e íntegra,
visto que ele é, ao mesmo tempo, o Deus todo-poderoso. (AGOSTINHO, A Vida Feliz, 4-35, 2007,
p.156).
Para Agostinho, quando o homem busca viver e agir na justiça de Deus, ele vive uma vida
feliz, se afastando do mal e do pecado. Com isso, o fim do homem é sempre buscar seu Deus e
Criador. O homem tem uma origem: foi criado por Deus; tem uma vocação, que é viver segundo
a justiça divina, no amor e no bem; e o seu fim, que é o próprio Deus, capaz de fazê-lo
plenamente feliz.

Considerações finais
Por fim, podemos concluir que a concepção de homem em Santo Agostinho se dá como
uma unidade. Não se divide o corpo da alma, ou a matéria da forma, como faziam os gregos.
Influenciado pelos neoplatônicos, ele concebe o homem em uma unidade substancial de corpo e
alma: o homem é a totalidade, a alma está encarnada no corpo como um todo.
O homem, criado segundo a imagem e semelhança de Deus, torna-se participante da
obra da criação. Assim, ele é dotado de dignidade, uma vez que o próprio Filho de Deus assumiu
a carne humana: o ser humano é filho no Filho, pela da encarnação do Verbo. Por isso, o homem
é dependente do amor de Deus que nos amou por primeiro. O caminho do homem é sempre
buscar o seu Criador. E estando junto Dele, é capaz de viver uma vida justa e feliz, fugindo do
mal e do pecado, vivendo no Bem.

Aristóteles
O mais famoso estudante de Platão fez alguns das mais famosas e influentes declarações sobre a
natureza humana:
● O homem é um animal conjugal (Nicomachean Ethics), o que significa que é um
animal que está a se acasalar quando adulto, assim, construir um lar (oikos) e, em
casos mais bem sucedidos, de um clã ou pequena aldeia que ainda existem por linhas
patriarcais;
● O homem é um animal político, o que significa que um animal com uma propensão
inata a desenvolver comunidades complexas do tamanho de uma cidade ou vila.
Como um animal político, em contraste com a sua família e vida no clã, o homem vive
na sua racionalidade - mais plenamente na criação de leis e tradições;
● O homem é um animal mimético (Poética). Neste caso, Aristóteles enfatiza a razão
humana na sua forma mais pura. O homem ama utilizar sua imaginação e não apenas
fazer leis e participar de reuniões.
É claro que, para Aristóteles, a razão não é apenas o que é mais estranho sobre a humanidade,
mas é também aquilo que era destinado a alcançar em seu melhor. Grande parte da posição
Aristotélica ainda deve ser considerada, mas deve ser mencionado que a ideia de que a natureza
humana era "significativa" ou que éramos destinados a ser algo, tornou-se muito menos popular
nos tempos modernos.

Conceito de “natureza” em Aristóteles


A noção de natureza em Aristóteles implica particularidade e diferença. Physis,
“natureza” em grego, significa em primeiro lugar “ação de engendrar, de produzir, de fazer
nascer”; Aristóteles, por sua vez, define o termo como “princípio de movimento e de repouso”,
ou, mais precisamente, “princípio e causa de movimento e de repouso, imediata e
essencialmente presente naquilo em que se encontra”.
Segundo Aristóteles, tudo na Natureza encerra em si um desses tais princípios de
movimento e repouso, seja de maneira essencial ou acidental. Têm uma natureza a título
essencial os elementos — fogo, ar, água, terra — , os compostos inanimados — como a pedra e a
madeira — , os órgãos e organismos vivos. Essa ordem de complexidade crescente (elementos a
compostos a etc) permite classificar em grandes conjuntos as realidades naturais e, sobretudo,
mostrar que a noção de natureza deve ser entendida como relativa a vários níveis. Por exemplo:
é da natureza da terra tender pra baixo, isto é, ser pesada. Como o elemento da terra entra na
composição dos seres humanos, eles também são pesados, mas não porque é da natureza
essencial do ser humano ser pesado; a natureza essencial ao ser humano é ser racional. Ser
pesado é uma natureza acidental, em razão dos humanos serem compostos também de terra —
ela, sim, pesada.
Também os objetos artificiais, que são inertes, permanecem sendo realidades naturais,
não tendo seu poder de mudança suprimido pela técnica humana. Assim, a cama de madeira, por
exemplo, não tem natureza essencial, isto é, um princípio de movimento e repouso enquanto
cama de madeira; mas tem uma natureza por acidente, enquanto feita de madeira (já que a
madeira tem natureza essencial).
Esta noção de natureza, de physis, significa que a forma não é verdadeiramente ela
mesma enquanto não houver alcançado seu pleno exercício numa matéria perfeitamente
apropriada. Isso porque a natureza de um ser corresponde ao fim do seu movimento; isto é, à
orientação do movimento (também entendido como mudança ou devir) daquele ser.
Pense na mudança como a passagem entre dois pólos, um de chegada e outro de partida;
por exemplo, “um homem torna-se letrado” implica um estado inicial, iletrado, e um outro
estado, final, letrado. Estes dois pólos contrários marcam a diferença da mudança. No entanto,
os pólos não se equivalem — um lado é a determinação positiva, à qual tende a matéria enquanto
preordenada à realização de uma forma, e o outro lado é apenas a ausência da determinação
positiva, da qual a matéria é inicialmente privada. Logo, os dois pólos contrários são forma e
privação. O homem pode realizar sua forma, tornando-se letrado, ou privar-se de realizar sua
forma, permanecendo iletrado; a forma é apenas um lado, enquanto o outro é a privação da
realização dessa forma.
Este é o sistema perfeito dos três princípios internos do devir: a forma e a privação, que
são pólos contrários, e o sujeito, ou matéria, ou substrato existente, que é marcado pela
diferença da mudança. “O homem iletrado torna-se letrado” — o substrato deixa de ser privado
de sua forma e passa a realizá-la.
Assim, a forma ora é potência ativa, podendo realizar-se (sendo a matéria potência
passiva, podendo se realizar em forma) e ora é ato em perfeito exercício, quando a matéria se
torna adequada à sua determinação, realizando-se em forma. O homem iletrado tem sua forma
como potência ativa, e só quando torna-se letrado tem-na como ato em perfeito exercício. Isto é:
enquanto a matéria ainda não foi informada, ou seja, adequada à forma, a forma é um princípio
de movimento, orientando a matéria em direção ao fim que lhe é determinado. Já quando a
matéria foi informada, a forma passa a ser princípio de repouso.
Nesse sentido, Aristóteles define o movimento como “o ato do que é em potência
enquanto tal”, o que quer dizer que a potência pode ser considerada um ato imperfeito. Entre a
potência como pura potência e o ato completo e perfeito que lhe corresponde, existe um
intervalo de atualização, no qual a potência entra em ato, já que deixa de ser pura potência
quando a atualização começa — mas prossegue sendo potência até que termine. Esta é a
passagem da mudança, do começo ao fim.
Isto que se chama physis, ou natureza, em realidades mais simples, como a madeira, a
pedra e o fogo, ganha nos seres vivos o nome de alma. Em seu tratado Da Alma, Aristóteles
define a potência ativa da forma como a alma do ser vivo. Essa definição significa que a alma é a
faculdade ativa que pode entrar em pleno exercício, utilizando o corpo como instrumento, sendo
causa formal, motora e final do desenvolvimento, da conservação e do exercício do organismo ao
qual está ligada.

Hannah Arendt
“A condição humana” de Hannah Arendt
Ao começar sua obra, “A condição humana”, Hannah Arendt alerta: a condição humana
não é a mesma coisa que a natureza humana. A condição humana diz respeito às formas de vida
que o homem impõe a si mesmo para sobreviver. São condições que tendem a suprir a existência
do homem. As condições variam de acordo com o lugar e o momento histórico do qual o homem
é parte. Nesse sentido, todos os homens são condicionados, até mesmo aqueles que
condicionam o comportamento de outros tornam-se condicionados pelo próprio movimento de
condicionar. Sendo assim, somos condicionados por duas maneiras:
1. Pelos nossos próprios atos, aquilo que pensamos, nossos sentimentos, em suma os
aspectos internos do condicionamento.
2. Pelo contexto histórico que vivemos, a cultura, os amigos, a família; são os elementos
externos do condicionamento.

Hannah Arendt organiza, sistematiza, a condição humana em três aspectos:


● Labor
● Trabalho
● Ação

O “labor” é processo biológico necessário para a sobrevivência do indivíduo e da espécie


humana. O “trabalho” é a atividade de transformar coisas naturais em coisas artificiais, por
exemplo, retiramos madeira da árvore para construir casas, camas, armários, objetos em geral. É
pertinente dizer,- ainda que sendo-, para a autora, o trabalho não é intrínseco, constitutivo, da
espécie humana, em outras palavras, o trabalho não é a essência do homem. O trabalho é uma
atividade que o homem impôs à sua própria espécie, ou seja, é o resultado de um processo
cultural. O trabalho não é ontológico como imaginado por Marx. Por último a “ação”. A ação é a
necessidade do homem em viver entre seus semelhantes, sua natureza é eminentemente social.
O homem quando nasce precisa de cuidados, precisa aprender e apreender, para sobreviver.
Qualquer criança recém nascida abandonada no mato morrerá em questão de horas. Por isso
dizemos que assim como outros animais o homem é um animal doméstico, porque precisa
aprender e apreender para sobreviver. A mesma coisa não acontece com aqueles animais que ao
nascer já conseguem sobreviver por conta própria, sem ajuda. A qualidade da ação supõe seu
caráter social ou como escreve Hannah, sua pluralidade.
Tanto ação, labor e trabalho estão relacionados com o conceito de “Vita Activa”. Para os
antigos, a “Vita Activa” é ocupação, inquietude, desassossego. O homem, no sentido dado pelos
gregos antigos, só é capaz de tornar-se homem quando se distancia da “vida activa” e se
aproxima da vida reflexiva, contemplativa. É justamente nessa visão de mundo grega que os
escravos não são considerados homens. O escravo ao ocupar a maior parte de seu tempo em
tarefas que visam somente à sobrevivência de si e de outros, é destituído do conceito grego de
homem, mas por outro lado ele não deixa de ser humano. Portanto, dentro dessa lógica só é
homem aquele que tem tempo para pensar, refletir, contemplar. Nietzsche afirma em seu
“Humano, demasiado humano”que, aquele que não reserva, pelo menos, ¾ do dia para si é um
escravo. A base disso encontramos em Sócrates: se é apenas para comer, dormir, fazer sexo,
que o homem existe, então, ele não é homem, é um animal. Pois assim era visto o escravo: um
animal. Um animal necessário para à formação de “homens”. É muito importante salientar que a
escravidão da Grécia antiga é bem diferente da escravidão dos tempos modernos. Pois, na era
moderna a escravidão é um meio de baratear a mão-de-obra, e assim, conseguir maior lucro. Na
antiguidade a escravidão é um meio de permitir que alguns, por exemplos, os filósofos, tivessem
o controle do corpo, das necessidades biológicas; a temperança. Para os gregos, a escravidão, do
ponto de vista de quem se beneficia dela, - os próprios filósofos da época - salva o homem de
sua própria animalidade, e não lhe prende às tarefas pragmáticas. A dignidade humana só é
conquistada através da vida contemplativa, reflexiva: uma vida sem compromisso com fins
pragmáticos.
A religião cristã toma emprestado a concepção de mundo grega, e vulgariza a dignidade
humana. Agora qualquer indivíduo pode, e deve viver, uma vida contemplativa. Enquanto na
Grécia antiga a vida contemplativa era destinada aos filósofos, no cristianismo ela é destinada a
todos. Essa é única forma que o cristianismo encontra para convencer os homens a rezar.

Hannah Arendt identifica três forma dicotômicas de trabalho:


● improdutivo e produtivo
● qualificado e não qualificado
● intelectual e manual

Como a intenção da autora é mostrar a fraqueza do pensamento de Karl Marx, ela diz
que o conceito de trabalho usado por Marx, é um conceito comum de sua época: trabalho é
trabalho produtivo. Segundo a autora esse conceito de trabalho produtivo, isto é, trabalho que
produz objetos, matéria; eclodiu das mãos dos fisiocratas. A escolha de Marx pelo uso do termo
trabalho como trabalho que produz, que gera, que cria, estava em moda na época.
Com o avanço do processo de industrialização haveria de designar algum nome para
todo aquele trabalho que não estava ligado ao trabalho industrial, daí nasceu o trabalho
intelectual em contraposição ao trabalho manual. Tanto um como outro, faz uso das mãos,
quando colocados em prática. O intelectual precisa das mãos para escrever seu pensamento.
Nesse sentido o trabalho intelectual também é trabalho manual. É dessa forma que o trabalho
intelectual é integrado dentro do conceito “trabalho” da revolução industrial. A ideologia que
atravessa os tempos modernos é a seguinte: Qualquer coisa que se faça tem que ser
necessariamente produtivo, tudo deve ser transformado em mercadoria, ou seja, o valor de troca
tem a última palavra.
Qual é o caráter objetivo implícito do conceito “força de trabalho” em Marx?
Compreende que todos tem a mesma força de trabalho, até mesmo aqueles que são fisicamente
mais fracos. Assim, Marx consegue formar o conceito de “valor de troca”, tempo de trabalho
necessário dispendido para produzir um objeto. Necessário para quem? Para todos. Se o tempo
médio da produção de um sapato é 6 horas, todos os trabalhadores devem se adequar. Marx não
explica como ele consegue calcular o tempo médio abstrato, o tempo social? Portanto, ele,
pressupõe que todos devem ter a mesma força de trabalho, e desconsidera as diferenças
subjetivas. É obvio que uma criança não tem a mesma força de trabalho de um adulto, nem o
deficiente físico terá a mesma força, sem falar nas diferenças mais minuciosas. Em suma, Marx
pensava que todos devem ter a capacidade de produzir um mesmo objeto num tanto “x” de
horas. E é isso que será exigido pelos proprietários dos meios de produção.
A força de trabalho é aquilo que o homem possui por natureza, só cessa com a morte.
Diferente do produto, a força de trabalho não acaba quando o produto termina de ser produzido.
Portanto, a força de trabalho é aquilo que Hannah Arendt entende por “labor”. “O labor não deixa
atrás de si vestígio permanente”. ( 101, Arendt)
Arendt dá alguns exemplos que nos pode ajudar entender o conceito de labor. Qual é a diferença
entre um pão e uma mesa? A mesa pode durar anos e o pão dura, como muito, dois dias. O
trabalho é força gasta para produzir a mesa. O labor é a força dispendida para produzir o pão.
Mesa: objeto material produzido para o uso cotidiano e ocupa lugar no espaço. Pão: elemento
material produzido para à sobrevivência de seres vivos e não ocupa lugar no espaço, visto que
durante a digestão o pão é transformado em energia do corpo.
“O que os bens de consumo são para a vida humana, os objetos de uso são para o mundo
do homem”.(Arendt) O bem de consumo é o pão e o objeto de uso é a mesa. O primeiro permite a
vida; o segundo é necessário aos relacionamentos humanos. Em suma, o homem se torna
dependente daquilo que que produz. E para a autora, torna-se dependente é torna-se
condicionado. Daí encontramos a justificativa do nome do livro: “A condição humana”. Quais são
as condições que o homem se impõe e se submete para permanecer em sociedade, para viver em
coletividade? Se fossemos analisar essa questão mais pormenorizadamente teriamos
necessariamente de falar sobre auto-repressão do prazer, aquilo que Freud chama de controle
do superego sobre o id. Mas não podemos esquecer que o nosso fim neste trabalho é perscrutar
alguns aspectos e vertentes que o trabalho tem na obra da escritora alemã.
Sendo assim, como entender uma realidade que tem como pedra de toque o que
chamamos trabalho? Para que o mundo dê curso à vida é preciso transformar o abstrato em
matéria, o impalpável no papável. Isso é uma necessidade humana. Sociedades ocidentais e
não-ocidentais( tribais) realizam esse processo de maneiras diferentes. Na primeira, existe o
valor de troca, na segunda, não há valor de troca. A palavra trabalho é um termo, conceito,
ocidental que é constitutivo do capitalismo, das sociedades ocidentalizadas. E este conceito não
pode ser aplicado nas sociedades não ocidentalizadas, onde o capitalismo não existe. Portanto,
não faz sentido dizer que os índios trabalham. Eles não trabalham, apenas realizam atividades.
Estamos num ponto delicado do nosso trabalho. Um ponto que é ignorado por grande
parte de estudiosos das ciências. A afirmação: os índios não trabalham, não quer dizer que eles
são preguiçosos, quer dizer que eles não produzem valor de troca, portanto, não realizam
trabalho. Quando Marx pensa que o trabalho pode ser constitutivo do homem, ele não está
usando como pressuposto o conceito valor de troca. E, é importante entender isso, porque esse
foi o lugar onde ele foi mais mal interpretado. Peço que esqueçam do conceito valor de troca por
um momento. Vamos imaginar aquela velha estória do homem que se encontra isolado, sozinho
numa ilha. Ele quer encontrar alguma forma para sair da ilha. E para isso ele deverá construir um
barco, irá trabalhar. Antes de construir o barco o homem tem a idéia do que seja um barco, isto
é, ele já viu um barco pelo contato direto. Ao ver um barco pela primeira vez, ele forma o
conceito de barco. Então, imagina um barco, cria a imagem na mente, para depois construí-lo. A
construção do barco dependente necessariamente do conceito barco. Esse exercício de
imaginar e depois construir é próprio do ser humano, e, é nesse sentido que Marx diz que o
homem é o único animal que trabalha. O homem imagina e depois faz. Se acrescentamos o valor
de troca, temos o trabalho capitalista. O trabalhador da fábrica sabe de antemão qual objeto irá
produzir, sabe para que será usado. Todo objeto antes de ser construído tem sua finalidade, sua
utilidade.
Nesse aspecto entre o meio(recurso usado para obter um fim) e o fim, temos a distinção
entre objeto e instrumento. O instrumento é usado para produzir o objeto, por exemplo, o alicate
é usado na produção de automóveis. Uma vez acabada a produção do automóvel, este serve
como meio de transporte. A princípio temos o automóvel como fim, e num segundo momento
temos o automóvel como meio. Ele é um fim em relação ao alicate, e depois, é um meio em
relação ao homem. Se em relação ao alicate temos um objeto, em relação ao homem temos um
instrumento. É nesse sentido que Arendt fala que existe um processo circular entre meio e fim,
instrumento e objeto; em que todo fim se torna meio e todo meio se torna fim. Assim nos explica
Hannah Arendt: “Num mundo estritamente utilitário, todos os fins tendem a ser de curta duração
e a transformar-se em meios para outros fins.”(Arendt, 167)
Nenhum instrumento é produzido a bel-prazer, é produzido para atender ao tipo de
objeto desejado. O que realmente importa ao empregador é o objeto final acabado, o instrumento
é apenas o meio. Por isso dizemos que os meios de produção são instrumentos usados para
gerar mais-valia. Usados por quem? Pelo trabalhador assalariado. Quando o assalariado não
percebe que o uso que ele faz do instrumento, -seu trabalho-, gera mais- valia, dizemos que ele
se encontra num estado de alienação.
Vamos voltar um pouco na distinção entre trabalho e labor. Já foi dito que o labor é
trabalho gasto para produção de alimentos. Portanto, é o que mantem a saúde do indivíduo. Só
assim ele poderá trabalhar. Nesse aspecto o labor é pré-requisito do trabalho. O que quer dizer
isso? Não é possível, (dentro dos termos de Arendt), existir trabalho sem labor, ainda que seja
possível o inverso. Ao passo que o labor produz a matéria para incorporá-la ao organismo, o
trabalho a produz para que esta seja usada na produção de outros objetos e na materialização do
abstrato( exemplo, colocar no papel uma idéia).
Uma outra distinção entre trabalho e labor consiste em que, enquanto o labor exige o consumo
rápido ou imediato, o trabalho não. A lógica do trabalho é a durabilidade dos objetos. Sua
durabilidade permite a acumulação e estoque dos objetos.
É por meio da troca de produtos,-troca intermediada pelo valor de troca-, que se dá as
relações humanas, visto que, durante a produção os hom@ns encontram-se isolados uns dos
outros. “Sem isolamento nenhum trabalho pode ser produzido”(Arendt, 174). “Somente quando
pára de trabalhar e quando o produto está acabado é que o trabalhador pode sair do
isolamento”(Arendt, 174). Nesse sentido de trabalho, Arendt imaginara um trabalho industrial. Se
incluímos os serviços, nem uma das afirmações anteriores se sustentam. Tendo em vista que
muitos serviços são realizados no contato direto entre os hom@ns.

Nietzsche
Reconfiguração Antropológica

❖ O novo homem e o lugar do corpo: Nietzsche e a crítica à metafísica


Fonte de conhecimento filósofo = do mundo em que vivemos e além do mundo (metafísico).

Nietzsche acreditava que a metafísica era uma barreira para a vida plena no desejo de vivê-la.
Criticava as teorias de Platão relacionadas ao mundo das ideias e a perfeição que só lá existia.
Defende a fidelidade da vida humana: o indivíduo deve dizer sim para a vida, mesmo nos
momentos mais difíceis. A realidade é uma eterna mudança, sem qualquer finalidade externa, já
que os sentimentos sempre existiram, devemos nos encontrar na vida moral.

❖ Crítica à metafísica de Platão


Platão afirma que o mundo material é uma cópia imperfeita do mundo das ideias e Nietzsche
afirma que esta avaliação inferioriza a experiência de vida humana. O mundo das ideias, segundo
a visão de Nietzsche é apenas uma ilusão e suposição que não podemos ter certeza da
existência, e que apenas podemos conhecer o mundo a partir das aparências.

❖ Moral
Nietzsche foi um grande crítico da metafísica clássica e da moral tradicional. Ambos partem,
segundo ela, de uma tendência de negação da vida, em favor de uma ideia ou razão superior.
Instauram um modo de encarar a vida como algo único, fixo e delimitado, em contraposição a
multiplicidade e transformação.
A moral dos Senhores foi utilizada na história para inferiorizar e dominar os escravos, assim
como a moral cristã foi utilizada como forma de dominação.

“Assim falava Zaratustra”, Friedrich Nietzsche

Filosofia = fazer orgânico


As primeiras inspirações para o livro nasceram entre 1881 e 1882. A ideia de Eterno Retorno,
contida na obra. A gaia ciência é a base fundamental do Zaratustra.

Outros nomes popularizados:


○ S. Evangelho
○ Bíblia do futuro

A Grande Paródia
● O Profeta - Zaratustra era inspirado no profeta Zoroastro Pérsia
○ Este profeta foi o primeiro, em uma organização religiosa, a enxergar a vida
dividida entre o bem e o mal. Foi o primeiro moralista.
○ Ele fazia parte de uma religião oriental. Passou 10 anos na solidão em um monte.
A frase “Assim falou Zaratustra" é uma paródia do Budismo.
● Bíblia - Este livro é uma paródia da biblio e do judaísmo como um todo
○ Existem várias alusões às personagens da Bíblia e até ao próprio Zaratustra se
comporta como Jesus (solitário, cheio de tentações, isolado no deserto)
● Filosofia Clássica - Muitos títulos começam com “Da”/”Do”, e isso é uma lembrança aos
filósofos mais clássicos que escreveram obras como: “Da Retórica”/”Da Política”.

Principais Conceitos:
● Morte de Deus - «Mas quando Zaratustra se achou só, assim falou sem coração, como
será possível este velho santo na floresta ainda não soube que Deus está morto »
● Para além do Homem - «O Homem é algo que deve ser superado»
● Vontade de Poder - «Onde encontrei seres vivos encontrei vontade de poder, e ainda na
vontade do servente a vontade de ser senhor»
● Eterno Retorno - Este conceito é melhor descrito na “A Gaia Ciência”.
«E se um dia, uma noite um demônio lhe aparece -se furtivamente em sua mais desolada
solidão e dissesse, essa vida como você está vivendo e já viveu, você terá que viver mais
uma vez e por incontáveis vezes»

Estrutura da obra:
1ª Parte
● Zaratustra desce da montanha e pergunta ao eremi se ela não sabia que Deus tinha
morrido.Ele tenta durante a apresentação de um equilibrista falar sobre a importância da
morte de Deus. O equilibrista cai e morre, e durante a primeira parte, Zaratustra leva-o
nas costas para enterrá-lo, e durante este tempo ele vai juntando discípulos ao seu redor
e profere os primeiros discursos. Assim termina a primeira parte: «Agora vos digo para
me perder e vos achar, e somente quando todos vós me tiveram negado, eu retornarei a
vós»
2ª Parte
● Zaratustra retorna, porém percebe que não tinha feito muito efeito o que disse. Então
continua dando outros discursos, porém mais diretos. Mas como percebe que seu maior
objetivo de transmissão não funciona, o eterno retorno, ele volta a se isolar.
3ª Parte
● Neste período, ele encontra os primeiros personagens e depois vai embora da ilha.
4ª Parte
● Ele está mais velho e recebe muitas visitas e isso o deixa mais potente.

Personagem em Zaratustra:
● O Camelo - Medíocre
○ Principais características: Obediência, humilhação e submissão
«Que anseia pelo pesado e que é mais pesado ainda [...] então se ajoelha como
um camelo que espera ser carregado [...] Ou será isso amar aqueles que nos
desprezam e estender a mão ao fantasma que quer nos assustar)[...]»
● O Leão - «Eu quero» Forte
○ Principais características: Combatente, rei e contra
«Quer capturar a liberdade e ser seu próprio senhor. [...] Criar para si a
liberdade de novas criações»
● A Criança - Inocente “Sim”
○ Principais características - brincar, criação e dançar
«A criança é inocência e esquecimento, um novo começo»
● A Tarântula - Falsa Justiça
○ Principais características: Vingança, mentira e intolerância
T - «Vingança vamos praticar e difamação de todos que não são iguais a nós»
Z - «Mas assim vos aconselho meus amigos: desconfia de todos aqueles em
quem o impulso de castigo é poderoso!»

Descartes
Primeira Meditação
Adota a dúvida como método. Apresenta o critério para a dúvida: tomar por falso todo o
duvidoso; apresenta as razões para a dúvida:
● Engano dos sentidos;
● Composição pela imaginação;
● Sonho;
● Loucura;
● Deus enganador;
● Gênio maligno.

Segunda Meditação
Encontra algo que resista a dúvida: a frase "Sou" (conhecida como cogito) é verdadeira sempre
que dita ou pensada.

Terceira Meditação
Na terceira meditação, Descartes está disposto a provar que Deus existe. Estando em uma
situação em que ele sabe que algumas de suas ideias não são verdadeiras (hipótese do gênio
maligno), ele acha a prova ontológica (mais inteligente). Existem três passos argumentativos para
provar que a ideia de Deus é verdadeira: 1 – o encontrar a ideia de perfeição 2 – analisar a ideia
de perfeição. Potencializar ao limite as ideias positivas no seu grau máximo. 3 – análise da ideia
de causalidade (causa e efeito). Tem que haver mais realidade na causa do que no efeito. A
hipótese do gênio perde então a sua razão.
Sendo a hipótese do gênio uma ilusão é preciso achar qual é a causa da potencialidade máxima
de todas as propriedades positivas existentes: a existência da perfeição. “ da ideia de perfeição,
presente em meu espírito, infiro a existência da perfeição como única causa possível desta ideia.”

Quarta Meditação
Teodicéia epistemológica onde se mostra que o homem, e não Deus, é o responsável pelos erros.

Quinta Meditação
São retirados os motivos para duvidar da matemática e da geometria.

Sexta Meditação
São retirados os motivos para duvidar das sensações. É provada a existência dos corpos.

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