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AS RELAÇÕES ENTRE O DESEJO, CARIDADE E A COBIÇA NO


AMOR EM SANTO AGOSTINHO 1

Beatriz Lopes de Macedo; Josivan José da Silva e


Vinícius Emanuel Evangelista dos Santos2

Resumo: Diante da obra de Santo Agostinho torna-se difícil não se abordar a


questão do amor, mas o que significa o amor? E de que forma este mesmo amor se
manifesta? a compreensão do amor se dá de maneira ampla na filosofia de
Agostinho, mas de maneira intrínseca podemos relacionar a compreensão das
relações entre a eternidade vivida por Deus e a forma com que as criaturas criadas
por Deus, e que compartilham uma realidade em comum, podem buscar o mesmo
tendo como ferramenta aquilo que lhe é acessível tanto em sua realidade como em
si mesmos e, com o uso destas, começam a enxergar a possibilidade de se
aproximar de seu criador. A relação existente entre o desejo, caridade e a cobiça é
considerada como fundamental não apenas para que a aproximação divina
aconteça, mas para que a partir de nós mesmos possamos buscar livremente o
amor eterno, este que é possível se houver um bom uso destas relações.

Palavras-Chave: Amor, Cobiça, Fraternidade, Beatitude, Desejo. As palvras-chave


devem vir separadas por ponto (.) e não por vírgula.

Abstract: Facing the work of Santo Agostinho it become hard do not aboard the
question of love, but what love means? And how does this same love manifest itself?
The understanding of love take places in broad way in Agostinho's philosophy, but in
a intrinsic way we can connect a comprehension of relationship among the eternity
lived by God and the form that creatures created by God, and that share a reality in
common, they can seek the same does having like tools what is accessible to you as
well in your reality as themselves, with use of those, they begin to see the possibility
of approach itself of your creator. The existing relationship amongst the desire,
charity and greed it's considered fundamental not only for that a divine approaching,
but so that from ourselves we can search freely the eternal love, those that are
possible if there is a good use of this relations.

Keywords: Love, Greed, fraternity, Beatitude, Desire.

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Artigo apresentado à profa. Dra. Vera Lúcia Porto como requisito parcial da disciplina “Oficina de
Atividade Filosófica II” do curso de Filosofia da Faculdade de Filosofia e Ciências Sociais (FAFIC) do
curso de Filosofia na Universidade do Estado do Rio Grande do Norte (UERN).
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Discentes do 2º período do Curso de Filosofia da Faculdade de Filosofia e Ciências Sociais (FAFIC)
da Universidade do Estado do Rio Grande do Norte (UERN).
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INTRODUÇÃO

Agostinho de Hipona, ou Aurelius Augustinus, nasceu em Tagaste, na Argélia,


no ano de 354 e morreu em Hipona em 430. Foi professor, Teólogo, Bispo da Igreja
Católica, escritor, Filósofo e grande estudioso da fé cristã. Um gênio que ultrapassa
o limiar dos séculos. Agostinho não foi um filósofo que deixou alguns escritos mais
ou menos importantes. Aurelius foi, sobretudo, um jovem inquieto, ansioso por
conhecer a verdade. Descobrir o sentido da vida tornou-se, para ele, uma
necessidade e um desafio. Santo Agostinho influenciou o século quarto e a história
do ocidente pela maneira brilhante e versátil pela qual interpretou o seu tempo.
Segundo Agostinho o desejo é um movimento da vontade em direção a algo
com a intenção de possuí-lo. Este revela no homem uma carência, uma
incompletude. Portanto, ele não basta a si mesmo porque carrega consigo uma
inclinação para tudo aquilo que é distinto dele. O homem, porém, é marcado por
uma constante busca da felicidade. E esta é, a princípio, um estado de bem-estar e
de paz proporcionado pela completa satisfação de seus desejos. Porém, tanto o
corpo quanto a alma estão repletos de carências: de modo que, todo o ser do
homem encontra-se marcado pela inquietude. Assim, o homem é um ser composto
de corpo e alma, atravessado em sua composição básica por um desejo
fundamental de felicidade que orienta todos os seus desejos.
Amar o que é bom, com justo amor é caridade. O amor ao bem é divino, e o
amor ao mal é o distanciamento de Deus. Talvez fosse fácil impedir o homem de
amar, para que não amasse as coisas más, porém, isso seria impedir o homem de
assemelhar-se a Deus, pois Deus é amor, e por amar criou o homem livre. Amar,
portanto, é um exercício de buscar assemelhar-se a Deus e implica a liberdade.
Agostinho, no comentário ao Salmo 31, exorta: “Acaso vos é dito: não ameis coisa
alguma? Longe disso. Sereis preguiçosos, mortos, detestáveis, infelizes, se nada
amais. Amai. Vede, contudo o que amar”. (AGOSTINHO, 1997 p. 174)
Todavia, quando insatisfeito pela falta de saciedade, pela falta do objeto
desejado, o homem vive exposto ao medo de perder os bens já adquiridos, pois isso
escapa absolutamente ao seu controle, já que eles são passageiros. Dominado pelo
amor ao mundo, ele procura escamotear sua situação de insatisfação e de
insegurança pela força do hábito. Uma vez caído da ordem originalmente criada, ele
herdou como pena a mortalidade e passou a ter na morte a lembrança constante de
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que tudo o que há no mundo se pode perder, e de que o amor deste mundo (cobiça)
está sempre exposto ao perigo.
Lembro que a introdução é uma apresentação do seu trabalho;
Senti falta da problemática e do objetivo do seu trabalho;
Particularmente eu evito qualquer citações na introdução.

1 DESEJO (APPETITUS) Título muito restrito e limitado (rever)

Diante da perspectiva de pensamento agostiniana, o amor pode ser


compreendido como sendo em sua essência desejo. Objetivamente, não desejo de
qualquer coisa, mas sim, do bem, como pode ser apreendido do seguinte, “O amor é
uma atividade própria do ser humano, sendo o mesmo uma tendência natural para
um certo bem.” (ALMEIDA, 2014, p.57). Tal linha de pensamento surge de uma
compreensão antropológica que visa a busca do homem pela felicidade e os
caminhos que emprega para alcançá-la.
Assim, diante do drama da sua existência, o homem se depara com sua
necessidade de algo que o dê plenitude, ou seja, que o torne feliz. Tamanha
carência pode ser entendida como fruto do próprio modo como o homem surgiu, ou
melhor, foi criado, como o deixa entender o próprio Agostinho, ou seja, Deus ao criar
o homem dá-lhe a sede de um bem capaz de saciá-lo, contudo diante do mundo
material, limitado e perecível, só um bem pode lhe dar a felicidade, o próprio Deus, o
Sumo Bem, "[...] nos criastes para Vós e o nosso coração vive inquieto, enquanto
não repousar em Vós.” (AGOSTINHO, 1999, p.37).
Nesse ínterim, é preciso afirmar que Agostinho, observando a Doutrina Cristã,
considera o estatuto ontológico do mundo criado como sendo bom, “Sendo o
supremo e Sumo Bem, criou bens menores do que Ele; mas, enfim, o criador e as
criaturas, todos são bons” (AGOSTINHO, 1999, p.177). Contudo, isso leva a questão
do direcionamento do desejo do homem, ou seja, do movimento do amor, posto que,
se tudo é bom e o desejo se dirige ao bem, o apetite humano pode se dirigir para os
bens inferiores ao Sumo bem (a perspectiva do amor ordenado e desordenado será
abordada mais à frente), “Se existe algum problema, este não se refere ao amor
como tal, e nem mesmo à necessidade de amar, mas sim a escolha do objeto que
vai ser amado, ao valor que se dá ao objeto amado, pois em si o objeto é um bem.”
(ALMEIDA, 2014, p.57), “[...] o bem é aquilo a que aspira o desejo, portanto, é
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qualquer coisa de útil, que se pode encontrar no mundo, que se espera poder
possuir; [...]” (ARENDT, 1929, p.20).
Nessa conjuntura, é possível notar que o bem almejado pelo desejo é algo
que não está em posse daquele que está à almejá-lo, tal é pois a circunscrição dos
limites do desejo, como já o havia indicado Hannah Arendt “o caráter específico
deste bem é de não ser possuído” (ARENDT, 1929, p.17). É possível ver, na visão
da Autora ao analisar o conceito de amor em Santo Agostinho, o que se segue na
natureza do desejo após a posse dos bens, caso não seja o Sumo Bem. De tal
maneira, para Ela, após o sujeito entrar em posse do objeto do desejo o que
sucederia tal ato seria a transformação do desejo em medo de perder o bem,
“Imediatamente após ser possuído, o desejo acaba, a não ser que exista o perigo de
perder o que foi adquirido, nesse caso, o desejo de possuir (babendi) transforma-se
em medo [...]” (ARENDT, 1929, p.17). Tamanha disposição gera no homem o dilema
de seu desejo, pois deseja o bem para ser feliz, mas quando o possui passa a ter
medo de perdê-lo, trazendo para si inquietude, infelicidade.
Tal visão torna-se ainda mais acentuada diante da expectativa da morte física,
pois esta determina o fim da posse de todos os bens temporais. Assim, toda e
qualquer busca de felicidade que o homem pode ter nas coisas materiais criadas em
si é definitivamente frustrada pela eminente perspectiva de que tudo em algum
momento será perdido, posto que, ao entrar em posse do bem, segue o medo da
perda absoluta com a morte e, portanto, a inquietude que impede a realização do
homem, “[...] a vida visa qualquer coisa que, em princípio, não tem capacidade de
atingir visto que é determinada pela morte, e visa-a como qualquer coisa de que
poderia dispor.” (ARENDT, 1929, p.21).
Assim sendo, o desejo humano, para evitar tamanha frustração, deve buscar
um bem do qual não se possa perder a posse, que mesmo a morte não possa retirar
tal bem, para dessa maneira evitar o medo da perda, “Aí onde não se pode perder
nada, reina a segurança sem medo da posse. É esta ausência de medo que procura
o amor” (ARENDT, 1929, p.20).
Portanto, torna-se patente a necessidade da busca de um bem incorruptível,
imutável, maximamente perfeitíssimo e eterno, ou seja, o Sumo bem, aquele bem
que de modo algum tem a sua posse ameaçada por algum risco de perda. Contudo,
a busca da posse plena de tal bem faz com que o homem passe a projetar toda a
sua possibilidade de realização para além da vida, para o pós-vida. O ser humano
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só pode entrar na posse plena do Sumo Bem (plena no sentido de toda a plenitude
humana, pois o Sumo Bem, Deus, sendo infinitamente maior que homem não pode
ser totalmente contido por este) após a morte e, portanto, só após a vida temporal é
que a existência humana pode entrar na perfeita felicidade e na integral realização
da própria existência.
De tal maneira, o mundo atual passa a ser encarado como uma “ainda não
vida”, a vida genuína está para além da existência temporal, pois esta sempre será
ameaçada pela perda causada com a morte e pela própria caducidade dos bens
temporais, “A vida terrestre é uma morte vivente (mors vitalis) ou então uma vida
morredoura (vita mortalis), uma vida posta à determinação da morte.” (ARENDT,
1929, p.19). Contudo, isso não exaure totalmente o sentido da vida presente; a partir
de tal perspectiva ela passa a ser encarada totalmente com base na relação que
estabelece com a busca do Sumo Bem, ela é encarada como meio de alcançar a
posse que garantirá ao homem a perfeita felicidade e passa a ser guiada com base
nessa busca, “É a partir do conceito de bem assim definido, a partir da eternidade,
que o mundo e a temporalidades são desvalorizados e relativizados.” (ARENDT,
1929, p.22).
De tal modo, será no direcionamento do amor ou, de outra maneira, do desejo
que estará a grande escolha humana para alcançar a felicidade. Quando o ser
humano opta pela busca do Sumo Bem e em referência à Ele põe todos os demais
bens, seu amor passa a ser essencialmente reto para o fim para o qual foi criado,
está em direção da felicidade, é denominado caridade (caritas); quando, porém,
detém-se nos bens perecíveis e os busca como fim definitivo, está em uma busca
desordenada, distanciando-se do fim para o qual foi criado, esse amor é cobiça
(cupiditas), “Tal como para o desejo, que só é determinado por aquilo que deseja,
Santo Agostinho determina a vida geralmente pelo objeto do seu desejo” (ARENDT,
1929, p.23).

Baseado no princípio cristão da ‘Divina Ordem’, Agostinho apresenta a


vontade humana como sujeito moral, a qual, conhecendo a ‘Reta Ordem’
através da razão, irá escolher, por um ato livre, viver segundo essa Ordem –
‘paixão ou amor ordenado’, ou desrespeitá-la – ‘paixão ou amor
desordenado’ [...] (COSTA, 2016, p.109).

2 CARIDADE (CARITAS)
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Deus referente a caridade na filosofia de Agostinho é a base da felicidade e


representação do amor e, é impossível para o homem estar em Deus e não ter amor
e não amar “O amor a Deus é o objetivo primeiro da vida humana e encerra toda
felicidade e vida virtuosa possível de ser conquistada” (VENCESLAU; PAULO, 2018,
p. 3). Logo, como Deus é fonte do amor e a ele cabe a eternidade que traz consigo a
felicidade, a representação para a temporalidade de uma vida feliz, o homem tem
em sua constituição esse amor, pois nele se encontra a vontade de se aproximar
desta felicidade advinda de Deus, mas para que assim o consiga é necessário que
suas ações busquem uma ordenação e que esta ordenação seja orientada pelo
amor “Ó amor, que sempre ardes e jamais te extingues!”,“Ó caridade, meu Deus,
inflama-me! Ordena-me a continência? Dá-me o que mandas, e ordena o que
quiseres!” (CONFISSÕES apud MARIA , 2017, p. 105).
O amor, como parte da constituição humana, se apresenta como um peso
interior que tem por finalidade a busca visando a aproximação de Deus. A partir
deste panorama podemos enraizar a grande importância da vontade, sendo esta
parte do homem permitindo-lhe ter escolha e oferecendo-lhe a oportunidade de
ordenar o seu amor e se aproximar do que para si representa o bem. Tendo a
caridade a existência no interior do homem Agostinho diz que:

Querem, certamente, saber por confissão minha o que sou no íntimo, lá


onde não podem penetrar com a vista, com o ouvido, ou com a mente.
Estão dispostos a acreditar em mim. Mas poderão igualmente estar certos
de me conhecer? A caridade, que os torna bons, lhes diz que eu não minto
quando confesso tais coisas de mim. É ela que os faz acreditar em mim
(CONFISSÕES Apud MARIA, 2017, p. 93).

Conforme demonstrado, a natureza do homem é guiada por sua vontade,


possuindo como peso o direcionamento do amor e, tendo como finalidade de busca
o encontro de seu repouso. Mas há neste desejo uma multiplicidade de caminhos
sendo apenas satisfeita quando se encontra no amor algo que o satisfaça por
completo, “Logo, faz-se mister amar não aquilo que é passageiro, mas o que
durável, que não passa com o tempo” (VENCESLAU; PAULO, 2018, p. 1).
Ademais, é possível notar que a vida tem por inclinação o desejo de encontrar
aquilo que ordene a sua necessidade, podendo sair até de si mesma na busca
daquele onde se possa depositar o amor. “O amor espera encontrar com a
eternidade a sua própria realização” (ARENDT, 1929, p.19). Tendo em vista tais
colocações é possível concluir que a criatura criada por Deus pode chegar às coisas
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eternas pela contemplação das realidades e coisas temporais, como o próprio


Agostinho nos apresenta:

Quiseste que a teus ministros que são necessários ao progresso dos fiéis
nesta vida, que esses mesmos fiéis propiciam o necessário para suas
necessidades temporais; obras valiosas de caridade, cujos frutos colherão
no futuro. vemos todas essas coisas, e todas são muito boas, porque tu as
contemplas em nós, tu que nos deste o Espírito, para que por ele
pudéssemos vê-las e amar-te nelas (CONFISSÕES Apud MARIA, 2017, p.
160).

Para que possamos chegar em tal estado é preciso reconhecer e encontrar o


local onde este amor está emanando para que se possa compreender as formas
com que esse amor se manifesta em nossa realidade. “A caridade, visto que tende
para a eternidade, torna-se ela própria eterna” (ARENDT, 1929, p.14). Agostinho
coloca a eternidade naquele onde se é possível não somente encontrar sua fonte,
mas que também é constituído por ela sendo por si mesmo o repouso, o eterno e a
fonte do amor, porque não há outro lugar onde possamos repousar o nosso coração
que não seja no próprio Deus.
Ao passo que o homem compreende a sua total ligação com o amor e onde o
repouso do mesmo se encontra é preciso analisar que também existe uma ordem
divina e de que forma esta se manifesta Tendo consciência de que não se pode
retirar o amor de quem dele é constituído resta a criatura direcionar sua reflexão a
quem ele deve amar e como ele deve amar esse alguém. Partindo destas premissas
temos que colocar como característica de ordem natural o amor como do menor
para o maior e como não há nada maior do que Deus resta a criatura amar o próprio
Deus, pois tudo o quanto dele se distingue se configura como meio a se alcançar
uma finalidade, sendo ele, para o homem, a finalidade do que se apresenta como
bem supremo, fonte do amor que é caminho para a eternidade e que é eterno em si
mesmo, como não há nada maior que Deus, é a Ele que se deve amar com
prioridade. Todos os outros bens são meios para se chegar a esse fim, o bem
supremo (VENCESLAU; PAULO, 2018, p. 2).
Com base no que foi abordado em relação ao amor, relacionamos o mesmo
com a caridade fraterna salientando que o amor na caridade está presente no
interior do homem, sendo assim, é necessário que o homem consiga reconhecer
este amor em si mesmo, podendo assim, com toda sinceridade amar o seu próximo,
pois, ao encontrar o amor em si passe a reconhecer o amor das criaturas criadas por
Deus, criaturas estas que são participadas pelo mesmo desejo que se emana na
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forma de vontade, diferenciando-se apenas nas escolhas das ações, pois ambos
possuindo o amor em si, e este amor estando em sua forma ordenada, busca o
ponto de elo que existe entre a criatura e o criador ponto este que toma o nome de
bem. Logo, a finalidade do amor e a ordenação no reconhecimento do ser e como
este desejo ordenado lhe encaminha para a eternidade, a vida eterna que é
compartilhada com Deus, desejando assim, também por finalidade junto ao criador o
bem.
Assim sendo, a total entrega do homem a Deus consiste na realização do
desejo e do reconhecimento de si próprio para que ocorra a separação de si próprio
visando uma entrega plena a Deus para vislumbrar o amor que é o próprio Deus no
próximo, alcançando assim, o seu objetivo que é simplesmente o amor carregado de
todos os caracteres antes trabalhados, onde guiado pelo amor o homem sempre
comungar á Deus no eterno e também na temporalidade.” Como não há nada maior
que Deus, é a Ele que se deve amar com prioridade. “Todos os outros bens são
meios para se chegar a esse fim, o bem supremo” (VENCESLAU; PAULO, 2018, p.
2).
Assim sendo, pela ordem do equilíbrio amamos todas as coisas inferiores a
Deus, pois visamos a máxima superior que colocamos como prioridade e objetivo
que é o próprio Deus, pois, deve-se fruir daquilo que possui a suprema felicidade e
que se apresenta como fonte do nosso objetivo já que todas as outras coisas se
apresentam apenas como meios para este fim. Como não há nada maior que Deus,
é a ele que se deve amar com prioridade. Todos os outros bens são meios para se
chegar a esse fim, o bem supremo, colocado por Agostinho sendo um dos meios
para chegar a este bem é a caridade:

A caridade crê em tudo – pelo menos entre corações que ela unifica em si
por seus laços – por isso também eu, Senhor, me confesso a ti para que me
ouçam os homens. A eles não posso provar que falo a verdade; mas
crêem-me aqueles cujos ouvidos a caridade abre para mim (CONFISSÕES
apud MARIA, 2017, p. 92).

Pode-se notar que em relação a caridade esta apresenta diversos recursos que
nos leva a aproximação de Deus, da vida feliz e da eternidade, sendo ela interior ao
homem e lhe dando possibilidade de ordenação do seu amor que, a partir, desta
ordenação que fica claro a importância com que o amor pode ser visto em todo o
universo e tudo que por Deus foi criado, sendo assim, o amor ao próximo ganha
uma ampla esfera, pois, direcionando o amor às criaturas consideramos todos como
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o próximo. Possibilitando ações objetivas e guiados pelo amor na busca pelo gozo
eterno, compreendendo que:

Não há ressalvas para a prática da caridade, não importa a nacionalidade


ou a religião. Se o amor deve-se estender “a quem o homem encontra”,
então, ele é universal. O amor fraterno deve atingir a quem as
circunstâncias da vida nos colocar frente a frente (VENCESLAU; PAULO,
2018, p. 4).

Podemos concluir que a caridade possui forte valor em relação às perspectivas


apresentadas diante a ordenação do amor apresentadas por Santo Agostinho, nesta
gozamos de diversas fontes que eterno e re nos ligam aossalta a importância das
próprias criaturas que não devem ser subjugados por partilharem da temporalidade,
pois as mesmas possuem em si uma ligação com aquilo que desejam sendo
realizado por meio de sua vontade e do amor trabalhando estas como uma ponte
ante a vida feliz, o eterno e a aproximação de Deus possibilitando a ambos o usufruir
do bem.

3 COBIÇA (CUPIDITAS)

Para Hannah Arendt, se o conceito de caridade, em Santo Agostinho


transcende o horizonte ôntico. Ao contrário, a cupiditas (cobiça), que é o falso amor
e que prende o homem ao mundo. Sobre o aspecto prático de um e do outro,
Arendt, assim se expressa:

A caridade e a cobiça diferem pelo o objeto que visam, e não pelo como de
o próprio visar. Descrevem desde logo a pertença a qualquer coisa e não à
atitude, habitus. O homem é aquilo que se esforça para atingir. O amor é a
mediação entre o que ama e aquilo que ama; o que ama nunca estará
isolado daquilo que ama, isso pertence-lhe. O que cobiça decidiu ele
próprio, através da sua cobiça, a sua corruptibilidade, enquanto a caridade,
visto que tende para a eternidade, tornar-se ela própria eterna
(ARENDT,1997, p.25).

A verdadeira beatitude é estar satisfeito junto ao objeto desejado. A cobiça


visa o que está fora (foris) de mim (extra me). Não quer a si própria, quer o
mundo e possuindo-o, quer ser ela própria mundo. O isolamento do original da
vida que deste modo fundamenta a busca, é, portanto, a separação do que pode
conduzir a beatitude, por conseguinte ao bem e também a si mesmo. Todavia,
como a cobiça visa o fora de mim (extra me), falta-lhe precisamente este bem.
Como o bem lhe é exterior, lhe escapa o seu poder, assim como viver não está
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em seu poder, o que significa que a cobiça está à mercê do que é desejado, o
que lhe escapa principalmente ao seu poder. A vida desejando as coisas do que
não é dona, que pode perder contra sua vontade (invictus omittere), dependendo
destas coisas; logo, perde deste modo a autonomia.

O Livre-arbítrio (De libero arbitrio), garantirá ao homem, em certo sentido,


um estado de “poder”: ou seja, o fazer aquilo que se quer. Nesse sentido, o bispo
de Hipona destacou a importância da vontade humana _ num sentido de
tendência e/ou disposição do espírito:

[Agostinho] – portanto, penso que agora já vês: depende da nossa vontade


de gozarmos ou sermos privados de tão grande e verdadeiro bem. Com
efeito, haveria alguma coisa que dependa da nossa vontade do que a
própria vontade? Ora, quem quer que seja que tenha esta boa vontade,
possui certamente um tesouro e é mais preferível do que os reinos da terra
e todos os prazeres do corpo (De lib. arb. I, 12, 26).

Para Santo Agostinho, o homem possui uma vontade que em si mesma não
tem nada a ver de bom ou ruim. Ela torna-se péssima ou boa de acordo com a
opção que o ser humano faz. O fio condutor que unirá as três partes não é
simplesmente o amor, mas sim o significado do amor, da importância do amor ao
próximo. O homem está sempre com medo de não possuir o objeto de seu
desejo, e no medo, o homem não pode ser livre. Apenas superando o amor como
desejo ele pode alcançar sua liberdade. Na busca por si, Agostinho se volta para
Deus: qual seria a afinidade entre o homem e Deus? E assim, ele pergunta? “O
que amo, quando amo o meu Deus?” (Confessiones X, 7, 11 apud Arendt p.25).
Aqui, o amor por Deus pode se relacionar com o amor próprio, pois o homem
pode amar a si mesmo da maneira correta amando sua própria essência.
Para Agostinho, o apego aos bens materiais é contrário ao preceito da
caridade e se torna um obstáculo para uma vida feliz. Quando ao invés de
compartilhar o excedente, o homem acumula riquezas, atrai para si dois grandes
problemas. O primeiro é a negação da ordem do amor e, por conseguinte, o
afastamento de Deus. Pois, se Deus está onde existe a caridade, aquele que não
pratica também não vivencia a presença de Deus. E o segundo são os próprios
males oriundos do acúmulo de bens e riquezas, que o afastam da vida feliz:

As riquezas, o brilho das honras e as demais vaidades com as quais os


mortais se julgam felizes _ por não conhecerem a verdadeira felicidade _
nada trazem de seguro. Pois, que consolo podem trazer, quando para essas
pessoas é mais importante a ostentação do que o necessário? Quando os
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bens adquiridos se atormentam mais pelo temor de os perder, do que pelo


prazer de os possuir? Com tais bens os homens não se tornam bons, na
verdade, na verdade é pelo o bom uso que eles fazem. E isso é o que torna
esses bens algo bom. Citar fonte

Para Santo Agostinho, quem amontoa riquezas, preenche-se de


perturbações e afasta-se da beatitude. Logo, é preferível uma vida moderada; e o
supérfluo deve ser obrigatoriamente dividido, pois o ato de acumular constitui
grave transgressão na ordem do amor. O ser entorpecido pela cobiça faz de si o
que pertence ao mundo, o ter objetos que se desfaz no mundo, o ser faz de si
mesmo escravo da cobiça. “O fato de cobiçar mostra bem que na origem, a cobiça
não é isso”. (ARENDT, 1997, p.26). A vida vive por si mesma, desaparece no
mundo, não tem domínio por si mesma, desaparece no mundo, não tem
permanência, é considerada objetiva e torna ela própria, o bem projetado para
fora, o estar junto da vida busca ao bem e a si mesma.

A cobiça é um desejo do que é do mundo, dos princípios que pertencem ao


mundo que é corruptível. O homem como criatura mais expressiva do criador se
apega desde a mais tenra idade às coisas que pertence ao mundo, sendo, pois,
tarefa difícil de encontrar equilíbrio de viver no mundo enquanto tal e desejar os
princípios do qual se dizem fazer parte, a eternidade. O amor é o elo que liga o
homem ao seu objeto de amor e o que diferencia a cobiça e a caridade é esse
objeto do qual cada um se ama. No entanto, se o homem vive esquecido no
mundo, através do amor ele encontra saída do isolamento, de forma que a cobiça
pode fazer dele ambicioso pelas coisas do mundo. Arendt diz que o que é preciso
amar, independente do movimento temporal, é a ausência de medo que dá
conhecer a autossuficiência, o verdadeiro é a necessidade e não a falta dela. A
cobiça é má, ou seja, não é livre porque é dependente das coisas que não estão
em seu poder, o apetecer do mundo faz o mundo e com isso o torna mal e o
mundo não é mal por ser amado, assim o desejo converte a si em cobiça pela
orientação do mundo, é o mundo enquanto mundo que o escraviza. Porém, para
Agostinho, o ser humano só pode conhecer a Deus e entender esse imenso amor
quando se afasta dos prazeres mundanos e se converte à uma vida fora das
modéstias do mundo. Dessa forma, passará a ter anseio pela presença d’Ele que
gera no homem o louvor e invocação a Deus pelo seu imenso amor.
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És grande, Senhor e infinitamente digno de ser louvado, grande é teu poder,


e incomensurável tua sabedoria. E o homem, pequena parte da criação
quer louvar-te, é precisamente o homem que, revestido da sua moralidade,
traz em si o testemunho do pecado e a prova de que resiste aos soberbos.
Toda vida, o homem, partícula da tua criação, deseja louvar-te. Tu mesmo
incitas ao deleite no teu louvor, porque nos fizestes para ti, e nosso coração
está inquieto enquanto não encontra em ti descanso. (AGOSTINHO, 1995,
P.34)

sugestão: evite terminar com citação


Conclusão

Assim, torna-se perceptível como a perspectiva agostiniana sobre a essência


do amor está para além da mera esfera sentimental, posto que ela toca pontos de
verdadeira noção ontológica e prática, pois o amor em relação ao seu objeto ele
tanto determina a possível realização humana ou o fracasso existencial do homem
e, também, dirige as ações do homem no caminho em direção ao objeto amado.

Nesse sentido, pode-se entender que o homem, em sua existência temporal,


podendo optar em dirigir sua vida pautada na busca do Sumo Bem ou de bens
inferiores, na caridade ou na cobiça, está na realidade dirigindo sua vida em
direção ao que é capaz de realizá-la plenamente trazendo-o a perfeita felicidade
caso seu amor se dirija a Deus, o Sumo Bem eterno, perfeitíssimo e imperecível,
ou então levar sua vida em direção daquilo que não é capaz de torná-lo feliz, caso
busque os bens inferiores, o bens temporais, que devido a sua caducidade e a
determinação do fim da vida temporal com a morte nunca estarão em sua perpétua
posse, o que resulta no fato de que, quando os possui, o desejo de possuí-los é
substituído pelo medo de perdê-los o que causa a inquietude, impedindo a
felicidade. Logo, toda a perspectiva de existência humana está implicada nessa
escolha.

Além disso, é possível entender que, para Santo Agostinho, as ações


humanas estão pautadas pelo amor, ou seja, dependendo do objeto do amor, o agir
será conforme aquilo que propicia ao homem alcançar o bem que almeja. De tal
modo, quando o ser humano deseja um objeto, suas relações com os demais entes
serão determinadas pelo caminho que traçou para alcançar o bem. Nesse ínterim, é
passível de ser entendido que o modo como o ser humano vê o mundo e se
relaciona com ele é imediatamente determinado pelo modo do seu amor, posto que
se utilizará de alguns bens para atingir o bem do qual deseja fruir. Nessa
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perspectiva, o amor também é encarado com uma visão moral, como fundamento
das ações humanas; é pelo que ama que o ser humano irá dirigir suas decisões; é a
partir do amor que se estabelecerá a hierarquia do valor dos seres como superiores
ou inferiores uns aos outros na ordem do amor; é mediante o amor que o homem
verá o mundo que o circunda e o dará sentido e finalidade a partir do objeto amado.
Assim sendo, é mediante o amor que o ser humano define o sentido de sua vida em
direção a um fim, um bem, e aplica os meios para atingir tal bem desejado.

Referências

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