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FILOSOFIA

CRISTÃ
Agostinho de Hipona

Agostinho de Hipona
foi um dos mais
importantes teólogos e
filósofos nos primeiros
séculos do cristianismo,
cujas obras foram muito
influentes no

AGOSTINHO
desenvolvimento
do cristianismo e filosofia
ocidental.

DE HIPONA
INTRODUÇÃO
Agostinho foi um expoente importantíssimo, tanto na Filosofia medieval, quanto na Teologia
e no Cristianismo, e nesse estudo, eu gostaria de abordar alguns pontos do pensamento
de Agostinho que podem nos ensinar – e muito – ainda hoje, em nossa vida cristã e
devocional.

A QUEDA

O homem, após pecar no Éden, colocou sobre si uma condição que afetaria toda a
humanidade: a fuga constante da presença de Deus. O homem apartou-se da glória do
Criador, e agora sua carne odeia a Deus por natureza.
“E ouviram a voz do Senhor Deus, que passeava no jardim pela viração do dia; e
esconderam-se Adão e sua mulher da presença do Senhor Deus, entre as árvores do
jardim.” - Gênesis 3:8

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Agostinho de Hipona FILOSOFIA CRISTÃ

Não estamos satisfeitos enquanto não estivermos nele. Mas nossa condição, enquanto
pecadores por natureza, por herança e por conduta, faz-nos fugir de Deus constantemente.

“Porque tu nos fizeste para ti [ad te], e o nosso coração permanecerá inquieto enquanto
não repousar em ti” (AGOSTINHO | Confissões, I.1,1)

No latim, a preposição ad pressupõe movimento, direcionalidade. Deus nos fez para


caminharmos em direção a ele, numa corrida constante, e com um alvo certo: para ti. O
coração está inquieto, não encontra trégua, e movimenta-se constantemente a esse alvo e
só, finalmente repousa, quando chega em seu destino (“repousar em ti”), que é ao mesmo
tempo, sua origem.
Tal constatação mostra que o homem permanecerá infeliz até que não satisfaça sua
inquietação. Uma vez que seu coração busca a isso constantemente. A Queda não destruiu
esse desejo, mas alterou a direcionalidade do nosso coração. Agora, mesmo querendo
chegar até Deus, (pois todo homem tem o desejo de ser plenamente feliz, o que só é
possível em Deus) é insuficiente e incapaz de realizar tal tarefa por si só. Disse Jonas
Madureira, em sua reflexão sobre Confissões de Agostinho:
O homem, por causa da Queda, encontrou a desgraça para a qual não foi
feito. Ele não foi criado como uma flecha que pode ter vários alvos; ele tem
apenas um alvo. Quando pecou, o homem não acertou outro alvo; ele errou o
único alvo disponível. Entretanto, a Queda não resultou na destruição da flecha,
tampouco representou a mudança do alvo ou o surgimento de outros alvos para
a flecha. Não. Ou o homem atinge o alvo para o qual foi criado ou, então, ele
errará o alvo e, como consequência, atingirá qualquer coisa que estiver adiante
e que, certamente, não será o alvo. Ora, o que a Queda representou então?
Uma mudança fatal no direcionamento do nosso coração. Tal como uma flecha
que tem o seu percurso alterado por um obstáculo, assim é o nosso coração
que, como uma flecha desviada, corta o vento na direção de quaisquer coisas.
O problema é que nenhuma dessas é seu alvo. Quão miserável é o homem que
perdeu e não consegue encontrar o fim que foi destinado a atingir.
(MADUREIRA, Jonas | Inteligência Humilhada)

E como refletiu Jó, “não tenho descanso, não tenho sossego, não tenho repouso; só tenho
inquietação” (Jó 3:26) assim vive o ser humano consigo mesmo. Em constante inquietação.

FELICIDADE
A busca pela felicidade é, em seu conceito, a busca por Deus. Não há ninguém, afirma
Agostinho, que não queira ser feliz: “Não sou eu, ou alguns os que a desejam; mas todos,
absolutamente todos queremos ser felizes.” (Cf X, xxi, 31). Essa busca por Deus, portanto,
necessita de um conhecimento o suficiente para provocá-la, mas não o bastante para
eliminá-la, e esse conhecimento, para Agostinho é armazenado na memória.

“Amo-te, Senhor, não com consciência duvidosa, mas certa” (Cf X,vi,8). Agostinho inicia
sua abordagem da memória na certeza do amor que sente por Deus. Essa certeza não
significa que o autor conheça o suficiente da natureza de Deus para que não queira mais
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buscá-lo, tanto que, no próximo capítulo, ele se mostra querendo saber quem é esse Deus
que ele ama, e incita-se a procurá-lo.

E que é isto? Interroguei o conjunto do universo acerca do meu Deus e ele


respondeu-me: ‘Não sou eu, mas foi ele mesmo que me fez’. Interroguei a terra e
ela disse: ‘Não sou eu’; e todas as coisas que nela existem responderam-me o
mesmo. Interroguei o mar, e os abismos, e os seres vivos que rastejam, e eles
responderamme: ‘Não somos o teu Deus; procura acima de nós’. Interroguei as
brisas que sopram, e o ar todo com os seus habitantes disse-me: ‘Anaxímenes está
enganado; eu não sou Deus’. Interroguei o céu, o sol, a lua, as estrelas, e dizem-
me: ‘Nós também não somos o Deus que tu procuras’. E disse a todas as coisas
que rodeiam as portas da minha carne: ‘Falai-me do meu Deus, já que não sois vós,
dizei-me alguma coisa a seu respeito’. E elas exclamaram, com voz forte: ‘Foi ele
que nos fez’. Contemplá-las era a minha pergunta e a resposta era a sua beleza.
Dirigi-me, então, a mim mesmo e a mim mesmo disse: ‘Tu quem és?’. E respondi:
‘Um homem’. E eis que estão em mim, ao meu serviço, um corpo e uma alma, uma
coisa exterior, outra interior. Qual destas coisas é aquela em que eu devia
procurar o meu Deus, que eu já tinha procurado por meio do corpo, desde a
terra até ao céu, até onde pude enviar, como mensageiros, os raios dos meus
olhos? Mas o interior é, sem dúvida, o melhor. Por isso a este, como presidente
e juiz, é que todos os mensageiros do corpo faziam saber as respostas do céu, da
terra, e de todas coisas que neles existem, quando dizem: ‘Não somos Deus’ e ‘Foi
ele que nos fez’. O homem interior conheceu estas coisas pelo ministério do exterior;
eu, enquanto homem interior, conheci estas coisas, eu, eu enquanto espírito, por
meio do capacidade de sentir do meu corpo. Interroguei o conjunto do universo
acerca do meu Deus, e ele respondeu-me: ‘Não sou eu, mas foi ele que me fez’.
(Confissões X,vi,9)

Agostinho afirma que a busca por Deus tem que partir do homem interior, a sua filosofia é
muitíssimo conhecida pela reafirmação categórica da interioridade no decorrer de seus
escritos. E ao compor sua análise da memória, temos, basicamente:

1. MEMÓRIA SENSÍVEL

A memória sensível é aquela que armazena as concepções adquiridas pelos sentidos.


Nela, encontram-se as imagens dos objetos com que temos contato no nosso dia-a-
dia, que podem se combinar entre si e fazer com que você imagine um porco voador,
por exemplo (kkkk).

2. MEMÓRIA INTELIGÍVEL

Na memória inteligível se encontram as coisas que não dependem da exterioridade,


como os números, por exemplo. Mas nela, ainda não vemos Deus, porque ele não
pode ser conhecido tal como conhecemos os números.

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3. MEMÓRIA DOS SENTIMENTOS

São as lembranças dos sentimentos humanos. Podemos lembrar de um sentimento


passado de tristeza, sem que vivenciemos essas mesmas situações no presente.
Agostinho diz que essa memória é como o “estômago da alma”, que guarda o alimento,
mas não o seu sabor.

“Grande é o poder da memória! E ela tem algo que me causa horror, meu Deus, em
sua multiplicidade infinita e profunda. E isto é o espírito, e isto sou eu mesmo. Que
sou, pois, meu Deus? Que natureza é a minha?”
Cf. xvii, 26

4. MEMÓRIA DA FELICIDADE E DE DEUS

Deus é a felicidade. “Quando te procuro, meu Deus, estou à procura da felicidade”.


Como já foi dito anteriormente, o filósofo afirma que todo ser humano deseja ser feliz.
Mas também foi afirmado que só é possível desejar e buscar algo se aquilo tiver sido,
anteriormente, conhecido na memória. E para Agostinho, há dois jeitos possíveis de
ser feliz: “ou possuindo efetivamente a felicidade, ou possuindo-a apenas na
esperança” – de um dia conquistá-la. (Cf X,xx,29)

Mas por que, se todos desejam a felicidade, buscam-na de formas diferentes? Tais
felicidades, como preferir sorvete a chocolate, são efêmeras e aparentes. Contudo, há
uma felicidade verdadeira, interior e imutável, que Agostinho descreve: “Alegrar-se de
ti, em ti e por ti: isso é a felicidade. E não há outra. Os que imaginam outra felicidade,
prendem-se a uma alegria que não é verdadeira. Contudo, sempre há uma imagem da
alegria da qual sua vontade não se afasta.” (Cf. X,xxii,32)

Até mesmo as pessoas que não buscam sua felicidade em Deus, desejam ser felizes.
E isso é demonstrado na correlação entre felicidade e verdade, evidenciada no fato de
que todos querem ser felizes na verdade e não na mentira. Até os que mentem,
desejam a verdade, porque nunca desejariam ser enganados. Os homens amam
TANTO a verdade que querem que tudo o que amam seja verdade, a ponto de não
admitirem que estão errados.

“Desde que amam a felicidade, que nada mais é que a alegria proveniente da verdade,
eles, forçosamente, amam a verdade; e não amariam se sua mente não conservasse
dela alguma noção” (Cf. X,xxiii,33)

Tanto a verdade quanto a felicidade se encontram harmoniosamente em Cristo. Ele é


o Caminho, a Verdade e a Vida. Ele é a verdade que liberta. Não use desse versículo
para propagar sua ideologia como correta. A Verdade é Cristo, e basta.

“Agora, pois, ó Israel, que é que o Senhor teu Deus pede de ti, senão que temas o
Senhor teu Deus, que andes em todos os seus caminhos, e o ames, e sirvas ao
Senhor teu Deus com todo o teu coração e com toda a tua alma, que guardes os
mandamentos do Senhor, e os seus estatutos, que hoje te ordeno, para tua
plena felicidade?” (Deuteronômio 10:12,13)

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Como, então, nos prenderemos a Deus, estando ele na memória e, ao mesmo tempo, fora,
agindo soberanamente sobre ela? Agostinho responde:

Que farei, pois, ó meu Deus, tu, minha verdadeira vida? Irei também além
desta minha força que se chama memória, irei além dela a fim de chegar até ti,
minha doce luz. Que me dizes? Eis que eu, subindo pelo meu espírito até junto
de ti, que estás acima de mim, irei além dessa minha força que se chama
memória, querendo alcançar-te pelo modo como podes ser alcançado, e
prender-me a ti pelo modo como é possível prender-me a ti. (Cf. X,xvii,26)

VIDA PLENA
Num momento ápice de suas Confissões a Deus, Agostinho declara o famoso trecho: Tarde
te amei, beleza tão antiga e tão nova, tarde te amei! E eis que estavas dentro de mim e eu
fora, e aí te procurava, e eu, sem beleza, precipitava-me nessas coisas belas que tu fizeste.
Tu estavas comigo e eu não estava contigo. Retinham-me longe de ti aquelas coisas que
não seriam, se em ti não fossem. Chamaste, e clamaste, e rompeste a minha surdez;
brilhaste, cintilaste, e afastaste a minha cegueira; exalaste o teu perfume, e eu respirei e
suspiro por ti; saboreei-te, e tenho fome e sede; tocaste-me, e inflamei-me no desejo da
tua paz.”

Também foi esse o mesmo sentimento experienciado por Paulo, em sua conversão:
E Saulo, respirando ainda ameaças e mortes contra os discípulos do Senhor,
dirigiu-se ao sumo sacerdote e pediu-lhe cartas para Damasco, para as sinagogas,
a fim de que, se encontrasse alguns daquela seita, quer homens, quer
mulheres, os conduzisse presos a Jerusalém. E, indo no caminho, aconteceu que,
chegando perto de Damasco, subitamente o cercou um resplendor de luz do
céu. E, caindo em terra, ouviu uma voz que lhe dizia: Saulo, Saulo, por que me
persegues? E ele disse: Quem és, Senhor? E disse o Senhor: Eu sou Jesus, a quem
tu persegues. Duro é para ti recalcitrar contra os aguilhões. E ele, tremendo e
atônito, disse: Senhor, que queres que faça? E disse-lhe o Senhor: Levanta-te e
entra na cidade, e lá te será dito o que te convém fazer. E os varões, que iam com
ele, pararam espantados, ouvindo a voz, mas não vendo ninguém. (Atos 9: 1-7)

Saulo, diante do Senhor Jesus, e de sua graça, só pode dizer: que queres que faça? Nunca
havia sido sobre o que Saulo queria, porque minutos antes ele maquinava mortes contra
os seguidores de Cristo. E diante de Jesus, a única saída era entregar-se totalmente à
vontade dEle.

FAVOR IMERECIDO
Graça tem por significado “favor imerecido”. Somos salvos imerecidamente, por graça, pois
Deus, em sua extrema bondade, quis tornar-se humano e morrer por nós, e conceder vida
eterna aos que crerem nele. Tá, isso todo mundo sabe (ufa!). Mas na época de Agostinho
nem todos criam assim.

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Havia um contemporâneo de Agostinho chamado Pelágio (ele mesmo) que deu origem à
heresia mais conhecida e mais falada por aí, o pelagianismo. Tal pressuposto, prega que
o homem pode salvar a si mesmo, pois não tem suas vontades contaminadas pelo pecado
e, portanto, pode chegar até Deus sem o auxílio da Graça (pode rir, eu deixo). Esse
“pensador” incomodou-se com uma frase muito famosa de Agostinho e frequentemente
repetida em seus escritos: “Dai-me o que ordenais, e ordenai-me o que quiserdes”.
Uma frase que compartilha do mesmo sentimento vivenciado por Cristo no Getsêmani,
onde mesmo quando sua natureza humana pedia por socorro, decidiu dizer com convicção
da bondade de seu Pai: Contudo, seja feito conforme a tua vontade.

Como Agostinho, e principalmente, como Cristo, essa deve ser nossa oração diária: no
reconhecimento da nossa condição miserável, ao recebermos o bem sem merecer (pela
vontade de Deus) que desejemos também que seja pela vontade de Deus cada passo que
dermos. Pois é boa, perfeita e agradável (def.: capaz de agradar, de satisfazer;
deleitoso; que causa prazer, deleite) E todos os homens desejam ser felizes, lembra?

CONFISSÕES
Por fim, para concluir esse estudo, gostaria de comentar sobre a prática exercitada por
Agostinho durante toda a sua obra. Ele confessa a Deus suas indagações a respeito de
tudo. TUDO MESMO. Por vezes, você até se sente que está invadindo a privacidade e a
vida devocional do autor. E o que me chamou muita atenção foi a sinceridade do autor
diante de Deus. Parece até meio cômico eu estar pontuando isso, uma vez que nem faz
sentido não ser sincero diante dEle, mas muitas vezes não conseguimos ser. Escondemos
o que estamos sentindo até não suportar mais. Fugimos de Deus constantemente, é essa
a nossa condição. E dou graças a Deus por que ele nos persegue e a graça dele nos
arrebata.

“Ai de mim, que nem sei o que é que não sei! Eis, meu Deus, que diante de ti não
minto: como eu falo, assim é o meu coração. Tu iluminarás minha lâmpada, Senhor
meu Deus, iluminarás minhas trevas.”
(Cf. XI,xv,32)

Deus deve invadir com sua graça até aquilo que achamos que é bom em nós. Ele deve
iluminar até a nossa lâmpada, para que possa também iluminar as trevas. Não há nada de
bom em nós, desconstrua seus conceitos sobre si e aceite sua miserabilidade. Deus é
infinitamente bom e nós fugimos dele constantemente. Só estamos aqui, porque ele venceu
a corrida, Graças a Ele por isso!

MATHEUS YURI TERASSI

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