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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

FACULDADE DE TEOLOGIA NOSSA SENHORA DA ASSUNÇÃO

Resenha Acadêmica

Resenha “A graça” de Santo Agostinho

Aluno: Walmir Cardoso dos Santos


Professor: Dr. José Nobre
Disciplina: Teologia da graça

São Paulo, 27 de Maio de 2021.


AGOSTINHO, Santo. A Graça (I). (tradução de Agostinho Belmonte). São Paulo:
Paulus, (coleção Patrística, volume 12), 1998.

A obra possui enquanto motivação as dúvidas de Marcelino sobre a proposta


pelagiana de uma vida sem pecado. Apesar de refutar tal possibilidade, Agostinho irá
desenvolver sua argumentação de modo a apresentar as contradições e erros graves
presentes no pensamento de Pelágio. Ele inicia partindo do pressuposto de que a vida
sem pecado só poderá ser possível mediante o auxílio divino. Neste sentido ainda que
alguém possa viver sem pecado este, por sua vez, somente o conseguirá mediante ajuda
divina. Aqui, portanto, revela-se o fio condutor do pensamento agostiniano que
atravessará toda a obra. Para o bispo de Hipona, não é possível prescindir da graça
divina em qualquer situação.
Este auxílio divino, segundo ele, seria o Espírito Santo, o qual age no coração do
homem mesmo sem este o escolher, devido ao amor de Deus sobre a humanidade. Sem
Ele, os ensinamentos presentes na lei se tornam vazios e se transformam em “letra que
mata”. Isso significa afirmar a permissão de uma compreensão literal da lei, mas, que a
proibição gerada por ela não seja motivo de pecado ao homem que possui o Espírito em
seu interior. Sem a Sua ação, o cumprimento da lei torna-se impossível. A possibilidade
de uma vida justa, inclusive, será possível somente com este auxílio. Ele permitirá ao
homem cumprir com perfeição os mandamentos divinos porque está fundamentado no
amor. Portanto, a letra mata quando a sua prática está dissociada da vontade de Deus.
Agostinho destaca que o apóstolo Paulo, ao afirmar que “[...] onde abundou o
pecado a graça superabundou a graça [...]” (Rm5,20) não consiste na permissão ao ser
humano permanecer no pecado. Ao contrário, é pela beleza de sua ação e a capacidade
de tornar limpo o homem que o pecado deve ser excluído da vida humana. A graça,
portanto, nos torna capazes de uma vida nova por meio da fé em Cristo Jesus. Este
raciocínio desenvolvido por Agostinho, permite-nos compreender que a graça de Deus é
derramada sobre o homem não por merecimento ou justiça, mas, para que ele conheça a
Deus e transforme o seu modo de proceder. O homem soberbo, ao contrário, se
equivoca ao atribuir a si a prática das boas obras. Agindo desta forma, ele caminhará em
direção ao pecado, sem a capacidade de perceber que a graça tem origem na
misericórdia de Deus.
A utilização desta passagem da Carta aos Romanos ressalta a direção do
pensamento agostiniano no que se refere a necessidade da graça. Percebê-la, contudo,
depende da conversão do coração. Isto é, o puro e simples cumprimento da lei não é
capaz de tornar justo quem quer que seja. Poderia, então o homem justificar-se através
da liberdade? Com esta pergunta, Agostinho irá corrigir um possível contra-argumento
no que se refere a justificação do homem pelo homem. Segundo ele, a justiça é de Deus,
logo. é Ele quem justifica o homem. A lei, obviamente, tem o seu valor. Afinal, cabe a
ela apresentar ao pecador os erros cometidos. Entretanto, é a graça de Deus que pura e
livremente cobre o homem em sua totalidade para que, consciente do erro cometido
possa cumprir a lei divina não por obrigação nem por necessidade, mas, porque é um
homem renovado.
Agostinho, ao refletir sobre o destinatário da lei, indaga os motivos pelos quais
esta não é destinada aos justos. Para ele, a lei é destinada aos injustos porque os justos
encontraram justificação através da fé. Os justos, portanto, se caracterizam não pelas
obras realizadas, pois isto configuraria soberba. Sua justiça advém, em primeiro lugar,
da graça de Deus. Em seguida da fé possuída por ele e que lhe permite obedecê-la
através do amor. A consciência desta condição confere ao fiel a sabedoria e a piedade.
Para o bispo de Hipona, o grande pecado que o homem pode cometer é a injustiça. Esta
se manifesta quando o fiel atribui a si aquilo que não lhe pertence. Deus se revela
através das coisas visíveis, no entanto, mesmo sabendo de sua existência, escolheu não
o anunciar, escondendo esta verdade dentro de sua vaidade.
Esta situação produz duas leis segundo Agostinho: a das obras e a da fé. Qual
seria, então, a diferença entre a lei das obras e a lei da fé? Para ele, a lei das obras é
aquela que não justifica o ser humano, ao mesmo tempo, torna-o incapaz de qualquer
forma de agradecimento pelo feito. Isto porque ele acredita, fielmente, ser ele o motivo
da sua realização. A lei da fé, ao contrário, consiste no reconhecimento da graça, a qual
é derramada sobre o homem sem qualquer mérito. Agostinho destaca que a lei tem
como primeiro objetivo apontar os erros. A lei escrita não justifica, mas conduz ao erro
porque provoca o homem. Outrossim, também o decálogo necessita do auxílio da graça.
Sem ela, a obediência aos mandamentos passa a ser vista como obrigação e não
enquanto motivo para a glória de Deus.
Sem o auxílio do Espírito Santo, o pecado passa a ser não mais um perigo, e sim
como algo agradável. Sua presença sobre o homem é imperativa para alcançar a
santificação. Se na lei antiga o dedo de Deus escrevia sobre a pedra, dada de forma
exterior para que, por meio do temor, o homem pudesse cumpri-la, a lei nova é
oferecida de forma oposta. Dada em Pentecostes, Deus a escreve no coração humano,
interiormente, para justificá-lo. Agostinho ressalta a enorme diferença, mediante o
contexto do surgimento de ambas as leis. A antiga surge devido à desobediência,
enquanto a nova nasce através da obediência. O profeta Jeremias já apresentava a
diferença entre elas. Ele, segundo Agostinho, evidencia que a lei antiga era incapaz de
justificar o homem. A nova, no que lhe concerne, possui tal capacidade porque o faz
pela ação do Espírito Santo. Por este motivo, a lei do novo testamento é superior à do
antigo.
A graça de Deus, segundo Agostinho, está oculta no Antigo Testamento sob o
preceito do sábado. Esta graça oculta se revela no acontecimento de Pentecostes onde
Deus escreve a lei não mais em tábuas de pedra, mas no coração das pessoas. Agostinho
faz ainda uma comparação entre o Antigo e o Novo Testamento para demonstrar a
pedagogia divina e, consequentemente, o seu desejo para com seus filhos e filhas. Se
antes a lei das obras era preponderante, agora é a graça divina que nos justifica, pois, o
bem que é feito não mais depende do cumprimento da lei mas da fé em Cristo. Portanto,
a justificação humana é fruto da Graça divina. A insistência na comparação entre as leis
possui objetivos completamente opostos. Se antes ela era motivo de condenação, agora,
graças a salvação operada por Cristo, não somos mais condenados à morte. Ela agora é
possível como também a prática da justiça graças a misericórdia de Deus a qual
possibilita que alcancemos tal êxito.
Agostinho reforça a tese de que os gentios são também destinatários da Graça,
pois, por mais terrível que seja o pecado ele não destruiu completamente a imagem de
Deus no ser humano. Em outras palavras, Agostinho destaca: mesmo o mais pecador
dos homens, não é plenamente pecador. Isto é, podemos encontrar boas obras que são
sinais da ação da Graça Divina escrita no coração do ser humano. O fato de ser atribuída
a todos, a Graça não exclui a liberdade humana, ao contrário, ela a fortalece. O ser
humano não é ignorante diante do pecado bem como das consequências de suas ações.
A liberdade revela que, ao escolher a prática das boas obras e cumprir a vontade de
Deus, automaticamente mostra-se um coração aberto à vontade de Deus.
No fim do primeiro livro, é possível reconhecer a possibilidade de uma vida sem
pecado. A sua não realização é resultado da liberdade humana, a qual decide ir em um
sentido contrário aquela desejada por Deus. A graça que habita no coração humano
pode proporcionar tal vida. Sendo assim, a ausência de exemplos de pessoas que tenham
vivido sem cometer nenhum pecado não significa a sua impossibilidade. Afinal, ao
contestar tal grandioso gesto, significaria desconfiar do alcance desta graça, sendo ela a
principal responsável para alcançar tal feito.
Sobre a justiça humana, é importante definir o fundamento da fé cristã. Se o
homem é justificado pela graça, qualquer resposta contrária significaria afirmar que
Cristo morreu em vão. Nem mesmo a lei natural é capaz de tal feito. A natureza
humana, originalmente, não possui culpa alguma porque ela é obra do criador de todas
as coisas. Os pecados presentes nela são frutos da livre vontade humana. Somente a
graça é capaz de salvá-la porque é enviada sem qualquer relação aos méritos humanos.
Por ser gratuita, nenhuma condenação será injusta. Consequentemente, a salvação é
fruto da misericórdia.
Agostinho classifica como charlatanismo o pensamento pelagiano. Essa
acusação tem como fundamento o questionamento feito por Pelágio sobre a
possibilidade de uma vida sem pecado sem o auxílio da graça divina. A resposta inicial
de Agostinho é dura, porque segundo ele, no Reino dos Céus somente será permitida a
entrada de cristãos. Por outro lado, aqueles que nunca ouviram a Palavra de Cristo,
ainda que justos, não o são por vontade própria. Caso fossem, tornariam a morte de
Cristo vã. Neste sentido, uma vida sem pecado depende da Graça divina. Desconsiderá-
la consiste em pedir a justificação do ser humano por ele mesmo, proposta inaceitável
pelo bispo de Hipona.
A Lei, enquanto função proibitiva é, para Agostinho, um meio pelo qual o ser
humano deve reconhecer-se incapaz de cumpri-la. Este deve, portanto, solicitar a graça
de Deus para alcançar a perfeição. Ainda segundo ele, o erro de Pelágio consiste em sua
ignorância em reconhecer que o pecado é resultado da negligência humana, achando
que com suas próprias forças conseguiria alcançar uma vida justa. Ao citar o apóstolo
Tiago, Agostinho utiliza a questão da língua humana - que o ser humano jamais poderá
vencê-la ou controlá-la – a fim de compará-la com a problemática suscitada por Pelágio.
Para conseguir domar a língua, é imperativo a busca de uma sabedoria que nasce do
alto, isto é, a sabedoria divina. A oração do pai-nosso, por exemplo, reforça a tese
agostiniana de que a vontade humana é incapaz de impedir a tentação. O objetivo de
Pelágio em seus escritos consiste em afirmar que a natureza humana em si, é incapaz de
pecar, anulando assim a cruz de Cristo.
Outro equívoco de Pelágio apontado por Agostinho é o seu desconhecimento
sobre o conceito de pecado. Seria ele uma substância? Segundo o Evangelho não. Por
outro lado, Deus seria, segundo Agostinho, uma substância que dá vida a alma humana.
Ora, se os pecadores são como doentes que precisam de um médico, Pelágio segue um
caminho contrário ao Evangelho quando nega esta necessidade. Ao negar a
culpabilidade única e exclusiva da ação humana ao pecar, Pelágio nega o livre arbítrio e,
principalmente, a justificação de Cristo através do Espírito Santo. O pensamento
pelagiano exclui qualquer possibilidade de o bem do mal, isto é, que alguém possa
encontrar a Deus na prática pecaminosa. Tal postura é compreensível, pois, aceitar tal
fato significaria admitir a conversão através da graça divina. O ser humano, segundo
Agostinho, deve compreender sua dependência para evitar a soberba.
Outro equívoco de Pelágio, segundo Agostinho, está na atribuição de todo
pecado a mesma raiz, neste caso, a soberba. Entretanto, o bispo de Hipona destaca que
nem todos os pecados são frutos da soberba. Muitos deles, ele explica, iniciam na
ignorância humana ou na sua fraqueza. Ele admite aqui uma pequena concordância com
Pelágio - que o início do pecado está na soberba – no entanto, critica-o por relacionar
todos os pecados a ela. O pensamento pelagiano se apoia na soberba porque desconhece
a ação curativa da misericórdia divina sobre o pecado. Para ele, a vida sem pecado
depende da justiça humana, creditando a ela os méritos sobre uma vida justa,
pressuposto este inadmissível para Agostinho. O argumento de Pelágio baseia-se nas
importantes personalidades do Antigo Testamento que, de acordo com ele, não pecaram.
Até mesmo Maria, a mãe de Jesus, apresenta-se como justificativa. Agostinho, no
entanto, discorda de tal afirmação. Afinal, a vida destes personagens é de completa
dependência divina, não encontrando neles a soberba de atribuir a eles qualquer vitória
sobre o pecado.
A vida sem pecado defendida por Pelágio, portanto, não depende da vontade
humana. Em primeiro lugar porque tal afirmação anula a graça de Cristo, concedida a
todos, independente de qualquer merecimento. Por fim, qualquer defesa do pensamento
de Pelágio seria contradizer a Cristo quando, na oração do Pai Nosso, Ele clama ao Pai
auxílio para suportar as tentações. A defesa de um possível protagonismo da natureza
em relação a Graça é, no mínimo leviana. Jesus se colocou de forma totalmente
dependente ao ensinar aos discípulos uma oração que pudesse aproximá-los de Deus.
Caso tal tese sobre a justiça humana fosse verdadeira, não haveria qualquer sentido em
ensinar um caminho presente em cada homem,
No terceiro e último livro da obra, Agostinho procura tratar especificamente da
Graça de Cristo em uma resposta a dúvida de seus amigos: Albina, Piniano e Melânia.
Esses amigos escrevem a Agostinho sobre os erros cometidos por Pelágio, no qual ele
afirma que a graça divina possibilita ao homem fazer o bem, porém, tal ação depende
exclusivamente da vontade do ser humano. Isso significaria dizer que, para Pelágio, a
graça divina possui um limite. Segundo ele, a função dela se limita a mostrar o que deve
ou não ser feito, a realização deste ato, no entanto, pertence ao homem e nunca a Deus.
Este auxílio, proposto por Pelágio, refere-se a lei. Será ela que, por meio da Graça,
apontará para o ser humano o que é permitido ou não. E o ser humano, de posse desta
lei, ao escolher deve receber a glória por seu feito. Agostinho condena tal afirmação,
partindo da compreensão de Paulo sobre a lei. Ela, segundo o apóstolo, mais atrapalha
do que ajuda.
Na verdade, a lei acaba sendo aquela que irá apresentar o pecado, nunca a graça.
Outro ponto interessante apontado por Agostinho é que a presença ou não da lei não
anula a justiça de Deus, bem como a Sua vontade. Aquilo que deve ser feito não
depende da letra escrita, consequentemente, o seu cumprimento de forma plena depende
da Graça de Deus e não do esforço humano. A lei, portanto, não é o meio de justificação
do homem, pois o seu cumprimento é impossível se separada do auxílio divino. O não
reconhecimento da graça na ação justa, faz com que Pelágio sofra aquilo que o apóstolo
Paulo advertia, neste caso, a soberba ser uma agulha na carne. A demonstração de que o
homem pode, por suas próprias forças, impedir que nele se manifeste o poder de Deus, é
contrário não somente ao Evangelho, mas ao ensinamento dos apóstolos.
Independentemente da lei, o Senhor ensina aos seus filhos o que eles devem
fazer. Todo aquele que faz o bem e reconhece que tal prática é oriunda da Graça
caminha em direção a Cristo. Deus ensina o homem pela graça do Espírito. A lei
também ensina, no entanto, se faz urgente que o homem vá para além da lei, pois, é no
reconhecimento de sua fraqueza que ele encontra a salvação. Encerrar no homem ou na
lei as boas obras conduzirá a uma contradição difícil de se desfazer. Dito de outra
forma, Agostinho então questiona: se as boas ações provêm do ser humano, de onde
virão as más? A possibilidade de fazer o bem também se aplica a ação má? Agostinho
responde que tal pensamento é contrário ao Evangelho, utilizando como argumento a
diferença dos frutos colhidos de uma árvore boa e da má. A árvore boa só pode dar bons
frutos, consequentemente, a árvore má oferece apenas maus frutos. Nesse sentido
quando a vontade é boa ela origina-se da vontade de Deus, ao passo que quando a ação
e a vontade são más, elas se originam exclusivamente da ação humana.
Assim, tanto a possibilidade como a vontade são, todas elas, oriundas de Deus
enquanto graça. O recebimento delas não ocorre por nossos méritos, mas, porque Deus
nos ama. A caridade, segundo Agostinho, é a raiz de toda ação boa. O bispo de Hipona
denuncia efusivamente em sua obra os escritos de Pelágio porque os considera
contrários a fé católica. Estes escritos, segundo ele, reafirmam que a luta contra o mal
bem como as ações boas são realizadas única e exclusivamente com o livre arbítrio sem
a necessidade da Graça. Entretanto, a graça não consiste apenas em facilitar a
resistência ao mal como pensa Pelágio, muito menos ela está restrita a lei ou a doutrina.
É evidente o desconhecimento de Pelágio sobre o conceito fundamental da fé cristã: o
amor. Devido a sua ausência, ele irá atribuir equivocadamente as boas ações a justiça
humana, porque não sabe que é amado. Ainda que pecadores, o amor de Deus é
derramado incessantemente, independente de quem somos. Ela é graça justamente por
ser gratuita e, a distribuição deste inestimado dom só é possível porque Deus ama
inexplicavelmente, o ser humano.

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