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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

FACULDADE DE TEOLOGIA NOSSA SENHORA DA ASSUNÇÃO

Resenha Acadêmica

Escatologia: breve tratado teológico-pastoral

Aluno: Walmir Cardoso dos Santos


Professor: Dr. Pe. José Nobre

São Paulo, 31 de Maio de 2021.


BOFF, Clodovis M. Escatologia Breve Tratado Teológico-Pastoral. 1ª. Edição. São
Paulo: Editora Ave Maria, 2012.

Na introdução de sua obra, Boff estabelece de forma clara o fundamento da


doutrina escatológica: o próprio Cristo. A compreensão da palavra escatologia passa
pelo conhecimento de sua raiz grega éschaton que significa “último”, portanto, a
escatologia vai se dedicar às realidades últimas tanto da criação como do ser humano.
Tal tema é de extrema importância para a Igreja, tanto que ela está presente nos dois
grandes símbolos da fé por meio de quatro verdades escatológicas: a segunda vinda de
Cristo, o juízo final, a ressurreição e a vida eterna.
Entretanto, segundo o autor, a busca pelo conhecimento destas verdades últimas
não é algo que interessa ao mundo moderno, voltado ao deleite dos bens temporais. Tal
postura reflete uma crise pós-moderna, reforçada pelo aumento das doutrinas relativistas
e niilistas na vida cotidiana, onde a ênfase no aqui e agora acaba por suprimir a ideia
utópica de uma vida feliz no futuro. A secularidade e o ateísmo que acompanham esta
era, apesar de bastante influentes, não refletem a maioria. Pelo contrário, é ainda
relevante o número de homens e mulheres que não aceitam a morte como o fim de tudo,
até porque não é novidade a crença em uma vida após a morte.
Isso nos mostra o grave erro cometido por ateus e niilistas quando admitiam ser
a vida humana um fim em si mesma. Tanto o é que, segundo o autor, muitos são aqueles
os desejosos de conhecer mais sobre a origem última de todas as coisas, visto a falência
de ideologias que se sustentaram por pouco tempo por não oferecer respostas
satisfatórias. Esta procura pelas questões escatológicas revela, segundo Boff, a
humanidade presente neste tema. Isto porque somente ela é capaz de oferecer a
explicação sobre as grandes dúvidas da vida.
Por este motivo, a escatologia nos auxilia a encontrar o sentido da vida e qual o
melhor caminho para chegar a tal conhecimento. Todo ser humano, portanto, é – ainda
segundo o autor – um ser escatológico porque a busca e a reflexão sobre os fins últimos
são parte inerente da vida. Isso significa a impossibilidade de viver para si mesmo, pois
ele é essencialmente espiritual, aberto ao transcendente e, somente nele, encontra as
respostas desejadas.
Por ser escatológico, há a necessidade de um estudo antropológico correto,
guiado pela forma de constituição do ser humano que, por ser uma realidade complexa,
a qual o Vaticano II irá chamar de unidual, isto é, composto de alma e de um corpo
intrinsicamente ligados e, como tal, não podem ser compreendidos de forma
fragmentada. Esta definição de origem tomista, ensina que a alma é a forma do corpo,
assim, a alma sem o corpo não consegue ser o que é, e corpo sem a alma também. Tal
realidade unidual não é apenas metafísica ou conceitual, mas vivida na experiência
humana quando se prova os sentimentos de amor ou ódio.
Assim, é um grave equívoco determinar a interioridade do ser humano como
alma e limitar o corpo a exterioridade. De fato, segundo o autor, a interioridade
corresponde a excelência humana, sua parte mais importante e que guia o corpo,
instância que permite a ela ser, porque o transcende. Elas podem, no entanto, encontrar-
se em desarmonia, quando a alma não se reconhece no corpo. Mesmo em uma situação
de conflito, alma e corpo são inseparáveis e tal união só pode ser desfeita pela morte.
Este conflito existente entre corpo e alma apesar de trazer consequências a
cotidianidade da vida humana, promove segundo o autor, um dualismo ainda mais
perigoso, neste caso, o dualismo ético que a bíblia apresenta como a relação atribulada
entre corpo e espírito. Este conflito origina-se no pecado original e permanece
atualmente por meio da inclinação presente em todo ser humano ao pecado. O
entrelaçamento entre estas duas dimensões humanas revela a intersecção entre a vida e a
morte, onde a nossa realidade exterior revela o movimento descendente da vida humana
atá a sua morte e o nosso interior, o qual São Paulo entende por “homem interior” nos
conduz a eternidade.
O autor encerra a primeira parte de sua obra ressaltando a pessoa de Jesus Cristo
enquanto o éschaton para àqueles que envolvem-se em dúvidas sobre seu futuro ou
destino último. Após a sua encarnação, a realidade final transforma-se no agora, o
momento para a conversão não pode ser mais adiado, ou seja, o fim último deixa de ser
relacionado com o tempo e passa a ser qualitativo. Portanto, o céu apresenta-se aqui e
não mais no além-mundo, mostrando Jesus como a solução do mistério humano, no qual
sua ressurreição – ápice da história - acaba por alcançar a todos, por ser, segundo o
autor, antropológica.
Nesse sentido, a ressurreição de Cristo produziu aquilo que o autor chama de
dialética do “já” e “ainda não”. Onde o já proporciona o deleite do mundo que há de vir
ainda na temporalidade, como por exemplo, as virtudes teologais. Por outro lado, o
“ainda não” consiste na plenitude reservada a nós, mas que somente teremos acesso
após a morte. Assim, o Cristo ressuscitado no meio de nós vive o “já”, enquanto nós,
mergulhados na graça vivemos o “ainda não”.
A segunda parte da obra trabalha com temas relacionados ao destino do crente.
O primeiro deles é a morte, momento esse exclusivo do ser humano, impossível de ser
compartilhado. O autor aponta ainda as duas formas pelas quais a modernidade,
envolvida pelo secularismo, entende a morte: morte-tabu e morte soft. Para a Igreja, a
separação entre a alma e o corpo e a consequente ressurreição faz parte da fé. Como
também ela professa a união destes no fim dos tempos, visto que a alma é desejosa de
seu reencontro com o corpo. Enquanto este dia não chega, a alma se encontra em um
estado intermédio que possui três tipos de duração: eternidade, tempo e evo.
O autor destaca ainda dois tipos de interpretações teológicas sobre o que
acontece no momento da morte. A concepção antropológica-dualista que defende o
alcance da morte somente no corpo e a concepção antropológica-monista que entende a
morte como o fim de uma vida e o início de outra, ou seja, a ressurreição se dá logo
após a morte. Boff, destaca três ângulos pelos quais se entende a morte: biológico,
humano e teológico-espiritual. Destes, o sentido teológico destaca-se porque, por meio
da ressurreição de Cristo ela passou a ter um novo sentido, perdendo todo o temor e
sendo o caminho para o encontro definitivo com Ele que se dará na ressurreição.
O juízo vem logo em seguida ao acontecimento da morte, neste estágio ele é
apresentado não como um momento de medo, visto que pecadores que somos não
subsistiríamos a ele. Para Boff, ele deve ser compreendido como um momento de graça
e misericórdia. Também o juízo possui o “já” e o “ainda não”, no qual o “já” refere-se à
consciência que julga aqui de diversas formas. Ele destaca ainda que ao julgar Deus não
deixa de ser amoroso e se torna um justiceiro. Ao contrário, é por amar que ele julga a
todos os atos humanos.
O dogma do purgatório se caracteriza pelo fogo purificador que possibilita o
estar na presença de Deus. Tal doutrina pode ser percebida, segundo o autor, no
decorrer da Escritura e é sustentada por dois princípios: santidade divina e
responsabilidade divina. Além de purificador, o purgatório deve ser compreendido
como uma situação – e não um lugar – de graça. A presença das almas no purgatório
não as exclui da comunhão com a Igreja, porque, segundo Boff, a Igreja crê em um
Deus dos vivos. Em seguida, o autor aborda o Céu enquanto o local próprio de Deus,
meta última e destino do ser humano. Porém, destaca o autor, o Céu não deve ser
entendido como um lugar, mas tal como o purgatório, uma situação. Nesta situação,
ainda segundo ele, participamos da glória de Deus.
O inferno, última situação a ser comentada pelo autor, é segundo ele o lugar
daqueles que viveram no egoísmo, amando apenas a si próprio. Criado pela Trindade, o
inferno é antes de tudo, antropológico porque ao desejar não amar, vivencia em vida tal
situação. O autor destaca ainda que é o próprio ser humano, em sua liberdade, quem
deseja o inferno, por este motivo, ele é primeiramente, uma criação humana, um projeto
de vida. Por fim, a misericórdia de Deus é trabalhada em relação ao castigo eterno no
qual estão aqueles que decidem livremente não amar a Deus.
Na última parte de sua obra, Boff trata do que ele chama de ‘Escatologia
coletiva’, isto é, dos acontecimentos posteriores e totalmente distintos da escatologia
individual, porque dizem respeito a toda criação. Ele irá dividir estes acontecimentos em
sete partes sequenciais, o primeiro deles se refere ao embate no fim dos tempos. O autor
se fundamenta na Sagrada Escritura para afirmar que este fim não será tranquilo, pois o
poder das trevas, desde a origem do mundo, busca o protagonismo na história humana.
Enquanto este fim não chega, todo cristã deve, ainda segundo o autor, viver o embate
final “já”, neste caso, por meio da oração e vigilância.
Ainda sobre este embate final, o autor trata de esclarecer a hipótese milenarista
de um Reino de Deus aqui na terra, apoiado em Ap 20,4-6. Acreditar, afirma ele, em um
possível Reino de Deus – em toda a sua plenitude - aqui na terra, beira a ingenuidade.
Isso não significa, entretanto, um abandono das obrigações pelo ser humano em vista de
um Reino escatológico. Muito pelo contrário, a Igreja, principalmente após o Vaticano
II, exorta a seus filhos e filhas a se comprometerem aqui neste mundo pela instauração
do Reino de Deus, mesmo que imperfeito.
Um segundo aspecto do acontecimento da escatologia coletiva, segundo Boff,
refere-se à segunda vinda de Cristo. Ele observa que, apesar de ser uma verdade de fé
para os católicos, esta verdade é pouco proclamada e vivida. A Igreja crê que sua
segunda vinda será real e em seu corpo glorioso. Muitos, é verdade, se aproveitaram
desta promessa e proclamaram a sua iminência causando inúmeras confusões entre os
fiéis. Diante disso, a Sagrada Escritura apresenta a resposta tais delírios: estar sempre
vigilante. Em seguida, a ressurreição dos mortos faz parte da escatologia coletiva, na
qual a Igreja defende que a ressurreição acontecerá nos corpos os quais se movem e
subsistem os seres humanos.
Além disso, a ressurreição não é restrita ao corpo, mas também a alma. Em
outras palavras, ela atinge o corpo inteiro, porque é ação exclusiva de Deus por
intermédio de seu Espírito, movido por amor. Boff aponta também que a ressurreição
não se limita a espécie humana, mas também a toda a criação. O corpo ressuscitado
possui, ainda segundo o autor, qualidades específicas à sua condição: não sofrerá mais a
corrupção, é um corpo glorificado, não está mais sob a influência das condições
temporais e possuirá a capacidade de ser corporal, mas também pneuma, isto é, será
movido pelo Espírito.
O Juízo final é o quarto acontecimento da escatologia coletiva. Segundo Boff,
este Juízo - tal como é uma verdade de fé – afetará a todos os filhos de Deus sem
qualquer exceção, sejam eles vivos ou mortos, assim, este Juízo será tanto individual
como universal. Através de Juízo será possível conhecer, de acordo com o autor, o
verdadeiro sentido da história. Diversas são as imagens fornecidas deste Juízo presentes
na Sagrada Escritura, no entanto, nos adverte o autor, tudo o que é possível saber sobre
ele está relacionado a fé.
As razões do Juízo universal, segundo o autor, se dividem em três: ele torna
público as consequências da vida de cada um, pois o ser humano vive em sociedade.
Para devolver aquilo que, injustamente, foi tirado por aquele que está sendo julgado e,
por fim, para que, a história possa, enfim, encontrar seu verdadeiro sentido. O fim do
mundo, o quinto acontecimento da escatologia coletiva, segundo Boff consiste na
destruição deste mundo em vista de um futuro, totalmente renovado por meio de um
processo duplo, onde o mundo não se acabará substancialmente, mas sim tudo o que
causará o seu fim, o pecado.
Seu acontecimento, segundo as Escrituras, depende única e exclusivamente de
Deus. Ele pode acontecer a qualquer momento, no entanto, sem estar atrelado ao
aspecto cronológico, mas sim quantitativo. Por este motivo, os cristãos são chamados a
estar sempre preparados. Ainda segundo o autor, com a ressurreição experimentamos o
“já” do fim do mundo quando decidimos verdadeiramente pelo Cristo e a implantação
do seu Reino e, evidentemente, na morte em uma manifestação pessoal de Cristo. O
“ainda não”, por sua vez, refere-se a plenitude da qual todos esperamos e que é
anunciado pelas Escrituras.
A Igreja, através do Concílio Vaticano II, ensina que toda a Criação será
renovada. O sexto acontecimento da eclesiologia coletiva expressa que não somente a
humanidade, mas toda a criação será transformada (Rm 8,19-22). Logo, não é aceitável
imaginar uma extinção total do cosmos, por ser ela querida e amada por Deus. Por fim,
o sétimo acontecimento da eclesiologia coletiva, refere-se a vida eterna. Nesta vida, no
qual persistirá toda a criação, também subsistirá, segundo o autor, todas as obras
culturais e civilizatórias criadas pelo ser humano que manifestam o amor de Deus.
A eternidade é garantida porque se sustenta no amor de Deus. Este amor
permitirá reviver todas as emoções e experiências vividas, pois Deus cria para a
eternidade. Esta, por sua vez, não pode ser entendida como imóvel, entediante. A
imutabilidade destas, no evo não é absoluta, a felicidade por estar ao lado do Senhor e
desfrutar de sua presença é ativa e em constante movimento. As atividades corporais
permanecem as mesmas, no entanto, adaptadas a vida gloriosa. O amor permanecerá,
até mesmo o conjugal. No entanto, totalmente livre dos desejos carnais, sublime e
ascensional.

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