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Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUCSP


Faculdade de Teologia Nossa Senhora da Assunção
NT: Escritos Paulinos I - Primeira Carta aos Coríntios
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1. A cidade de Corinto

Corinto pertencia às metrópoles importantes na Grécia Antiga. Fora destruída em


146 a.C., foi reerguida por Júlio César em 44 a.C., na condição de Província romana. Em
27 a. C. Torna-se capital da província romana de Acaia (onde se situa grande parte da atual
Grécia) e com isso, sede de um pro-cônsul. Sua privilegiada situação geográfica no
afamado istmo de Corinto (o qual ligava o Peloponeso ao resto da Grécia), com acesso
tanto ao mar Adriático como ao mar Egeu, foi responsável pelo rápido progresso da cidade.
Reconhecida como uma grande cidade, apresentava uma extensão aproximada de 15km.
Localizada ao pé da colina Acrocorinto, de 575 metros de altura. dividida em 3 núcleos
urbanos: a acrópole, o porto oriental de Céncreas (Cencréia, aproxim/e 8km a leste) e o
porto ocidental de Laques (Lequeu, aproximadamente 2 Km ao norte). Sua localização
estratégica conferiu-lhe importância militar e sua condição de cidade portuária (dupla),
destacou-a como centro mercantil e ponto de convergência (encontro) entre as nações do
Oriente e do Ocidente. Um sistema de transporte por terra entre os dois portos, que cruzava
Corinto, tornava possível evitar navegar nas águas traiçoeiras que rodeavam o Peloponeso.
Esse sistema era facilitado por uma estrada pavimentada através do istmo, construída no
século VI a.C.
Em sua população, embora predominasse o espírito grego (helênico), misturavam-se
diversas etnias, favorecendo o intercâmbio cultural, a pluralidade religiosa e, por
conseguinte o sincretismo. Em tal ambiente crescia a prostituição e a permissividade
sexual. A cidade era rica, graças a intensa atividade comercial e portuária (devido às tarifas
dos portos). Contudo, a cidade apresentava um acentuado desnível social.
Corinto não demorou a tornar-se na terceira cidade do Império, depois de Roma e
Alexandria. Sua população, calculada em 200.000 homens livres e 400.000 escravos, estava
formada por romanos, com um bom número de habitantes gregos e orientais; também
contava com uma numerosa colônia judaica. Deve-se lembrar que Fílon de Alexandria,
relacionou Corinto como uma das importantes cidades da Diáspora judaica.
Devido a organização dos jogos ístmicos, competição atlética bienal, superada em
importância apenas pelos jogos olímpicos, Corinto tornou-se um reconhecido centro
esportivo. Por outro lado, abundavam as oficinas de cerâmica e de apreciados produtos de
bronze, o que lhe permitiu exportar tais produtos para diversas partes do mundo antigo.
Porém, sua fama devia-se especialmente por ser um centro de turismo (de prazer),
marcando-a como metáfora de corrupção de seus costumes: “corintiar” significava dedicar-
se à libertinagem, a uma vida de prazer (Rm 1,24). Ao estar constituída por imigrantes de
diversas partes do império, em Corinto se dava uma grande aglomeração de cultos
religiosos.
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As escavações arqueológicas tem confirmado a existência de templos e/ou


santuários dedicados a Netuno, Afrodite (em Acrocorinto) e Apolo, entre outros. Deve-se
ainda lembrar que, o teatro coríntio, no tempo de Paulo, tinha 14.000 mil lugares.
2. A comunidade cristã de Corinto

Segundo Atos dos Apóstolos (18,1), Paulo foi a Corinto pouco depois da missão em
Atenas, a princípios do ano 50, ficando ali, 1 ano e meio (cf. At 18,11). Pouco depois
chegou Apolo (At 18,27-28), quem completará a evangelização. Porém, antes da chegada
de Paulo, existia uma pequena comunidade cristã, que se reunia em casa de Áquila e
Priscila (At 18,2-3), os quais tinham sido expulsos de Roma no ano de 49.
Deve ser observado que Paulo sentiu medo frente a evangelização de Corinto (At
18,9s), apresentando-se «frágil, tímido e temeroso» (1 Cor 2,3), devido a que nem sua
figura externa (era de baixa estatura), nem sua origem (era do povo), nem seus estudos
(numa escola rabínica), nem a mensagem que anunciava (a Cristo crucificado e
ressuscitado), facilitavam que fosse aceito por uma sociedade sofisticada como aquela de
Corinto. Seu esquema de evangelização será o de sempre: pregava aos sábados na sinagoga
(At 18,4) e, quando foi expulso dela, se dedicava aos gentios (At 18,7); para sua
manutenção, trabalhava na fabricação de tendas com Áquila e Priscila (At 18,3).
A igreja de Corinto estava formada por pequenas comunidades domésticas
presididas pelos responsáveis nomeados pelo próprio Paulo. Ainda que estivessem
relacionadas entre si, a caminhada de cada comunidade era independente, fato que
provocou numerosos problemas, principalmente aos que Paulo se dirigiu por meio de suas
cartas.
A maior parte dos membros da comunidade era de origem gentílica, ainda que
também houvesse alguns judeu-cristãos. Era uma igreja marcada pela divisão em classes,
reflexo da estratificação da sociedade civil existente em Corinto. A maioria pertencia à
classe social baixa, ainda que houvesse uma minoria abastada e culta (cf. 1Cor 1,26) que
determinará o ritmo da comunidade. Isto produziu uma falta de integração na comunidade,
sendo a causa de tensões e conflitos entre a maioria pobre e a minoria abastada.
Outro problema que Paulo teve que enfrentar foi a mentalidade dos cristãos,
influenciada pelas concepções e práticas da sociedade do momento, na tentativa de viver a
nova fé sem abandonar os costumes dos numerosos cultos que os rodeavam ou
anteriormente vividos. Isto se manifestou especialmente na busca de um “conhecimento”
religioso profundo desde o «saber intelectual» sem contar com a “experiência” de Deus, na
concepção dualista do mundo que os levou a negar a ressurreição (1Cor 15), em sublinhar
os «fenômenos místicos», num forte «individualismo» que tornou-se a causa da divisão em
grupos dentro da comunidade (1Cor 1-4), no desprezo dos «fracos» e na prática da
«liberdade» sem controle.

1. Relação epistolar de Paulo com a comunidade de Corinto


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Estando em Éfeso, Paulo enviou uma carta (para nós perdida) à comunidade de
Corinto, pedindo-lhes que não se misturassem com os «impuros» (cf. 1Cor 5,9). O
Apóstolo se referia àqueles que, a pesar de estar vivendo mal, queriam continuar na
comunidade (5,1); mas os coríntios compreenderam mal a sua mensagem e começaram a
separar-se do resto da população de Corinto (5,10-13). Esta primeira carta (canônica) será a
origem de numerosas cartas que a comunidade enviará ao seu apóstolo, oferecendo-lhe
notícias de problemas surgidos no seu meio (1,11-5,1; 6,1) ou elaborando perguntas sobre
alguns temas concretos (7,1.25; 8,1; 12,1).
Assim, Paulo recebeu uma carta da comunidade (7,1), trazida provavelmente pelos
“de Cloé” (1,11), ou pelos líderes Estéfanas, Fortunato e Acaico (16,17), os quais o
informaram sobre alguns problemas da comunidade: a divisão em grupos (caps. 1-4); o
caso incestuoso (cap. 5); o recurso aos tribunais civis (cap. 6); a opção pelo matrimônio ou
pela virgindade (cap. 7); a possibilidade de comer carne sacrificada aos ídolos (caps. 8-10);
os conflitos nas reuniões comunitárias (caps. 11-14); e as dúvidas sobre a ressurreição (cap.
15). Para responder a estas questões, na primavera do ano 53, Paulo teria escrito uma
segunda carta (que corresponderia a 1 Cor – canônica). Esta carta chegou à comunidade
pelas mãos de Tito, quem recebeu também o encargo de organizar, em Corinto e na Acaia
(16,1-4), a coleta para os cristãos de Jerusalém.
Posteriormente, Paulo teria escrito uma terceira carta «em uma grande aflição e
angústia de coração, com muitas lágrimas» (2 Cor 2,4;7,8), que foi perdida; terminando a
relação epistolar de Paulo com sua comunidade com uma quarta carta, que corresponde a 2
Coríntios (canônica).

2. Conteúdo da Primeira carta aos Coríntios

É uma carta “familiar, condicionada pelas informações que o Apóstolo tinha


recebido. Como carta “pastoral”, parte de realidades concretas, as ilumina teologicamente,
e termina com exortações práticas para a vida cristã comunitária. Seu estilo é límpido e
vigoroso, com uma extraordinária variedade de tons: simplicidade, densidade, ironia,
sarcasmo, explosões de ternura ou de indulgência.
A carta mostra um agravamento dos problemas na comunidade, produzido pelo
crescente “sincretismo” no qual a comunidade de encontra (caps. 7 e 12-14). Reflete a
divisão que provocou a atuação de Apolo (1,10-4,21). E recolhe alguns casos escandalosos
que foram aceitos no seio da comunidade (cap. 5; 6,12-20).
Esta carta apresenta temas muito variados, como diversificados são os problemas e
as dúvidas que foram apresentadas a Paulo: o apóstolo proclama como única e autêntica
sabedoria aquela que Deus manifestou na cruz de Jesus Cristo (caps. 1-4); lembra que todo
batizado é templo de Deus (caps. 5-6) e, portanto, não se pode deixar levar pela
libertinagem sexual muito presente na sociedade coríntia; afirma que o importante não a
virgindade ou o matrimônio, mas aspirar à santidade em qualquer estado que tenha sido
abraçado (cap. 7); pronuncia uma impressionante lição sobre o dever de não escandalizar,
buscar o que é útil para a comunidade e a primazia do amor em nossas ações (caps. 8-10;
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12-14); expõe uma magnífica catequese sobre “a ceia do Senhor” - Eucaristia - (11,17-34),
e culmina a carta com uma reflexão teológica acerca da ressurreição de Jesus Cristo e dos
cristãos (cap. 15).

3. Dos problemas da comunidade de Corinto

Paulo deve responder a dois problemas principais da comunidade de Corinto:

1. As divisões na comunidade: conseqüência de uma sociedade fortemente dividida, os


cristãos de Corinto revelam uma tendência a formar grupos, com freqüência opostos entre
si, com opiniões díspares de caráter ético, social e religioso. A resposta de Paulo é a
«sabedoria da cruz», pondo o verdadeiro sinal de identidade dos cristãos na sua fé no Cristo
crucificado, e sublinhando que os cristãos divididos contradizem a «cruz» de Cristo,
manifestação do amor de Deus.

A comunidade se encontrava dividida em grupos em torno a um «maestro»: Paulo,


Apolo, Cefas, Cristo; mas o verdadeiro enfrentamento é entre os discípulos de Paulo e os de
Apolo (3,4; 4,6). Outra divisão escandalosa se fazia presente na celebração da «Ceia do
Senhor» (cap. 11), onde se agrupavam por classes sociais (ricos e pobres), ou por cidadãos
(livres e escravos). Inclusive os mesmos carismas que recebem os cristãos com dom do
Espírito Santo são causa de enfrentamentos (caps. 12-14). O único caminho para solucionar
as divisões é o amor (cap. 13).

2. A fé em Cristo: outro problema grave da comunidade é a fé em Cristo ressuscitado e


glorioso, que rejeitava ao Jesus humilhado da cruz. Unida a esta cristologia da glória segue
uma antropologia e uma eclesiologia da glória. Conseqüência desta argumentação é que os
cristãos participam já da glória de Cristo, do seu ser divino e celestial; por isso, eles sábios
e fortes (4,8-10), e a comunidade cristã é já a Jerusalém gloriosa do céu. Por isso, não
existe nenhum perigo a temer, nenhuma tentação a ser enfrentada.
Portanto, nos encontramos em Corinto com um cristianismo eufórico e exultante
que trata de se evadir da realidade histórica e não quer saber nada da «loucura da cruz»
(1,20-25). Por isso, Paulo apresentará sua reflexão centrada na cruz de Cristo. Assim, a uma
“cristologia da glória” contrapõe uma «cristologia da cruz». A salvação nos é concedida por
meio do mistério da cruz, que em Paulo inclui a crucifixão e ressurreição de Jesus Cristo.

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