Você está na página 1de 11

Não há fontes bibliográficas no documento atual.

Não há fontes bibliográficas no documento atual. PONTIFÍCIA


UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
FACULDADE DE TEOLOGIA NOSSA SENHORA DA ASSUNÇÃO

Trabalho Acadêmico

Interpretação de Ecl 3, 18-22

Aluno: Walmir Cardoso dos Santos


Professor: Ms. João Cláudio Rufino
Disciplina: Sapienciais II
São Paulo, 03 de Novembro de 2021.

1. Escolha do texto
O texto escolhido é Ecl 3,18-22.

2. Delimitação da Perícope
A perícope escolhida para este trabalho possui um assunto diferente da perícope
anterior e a posterior. A perícope utilizada neste estudo tem como tema a morte (v.19)
enquanto acontecimento que iguala homens e animais. A perícope anterior (16-17), por
sua vez, tem como tema o problema da injustiça social, ao observar a ausência da justiça
na prática do direito. A partir desta realidade, Coelét ressalta a brevidade desta situação,
afinal, como há um tempo para todas as coisas, Deus, no tempo oportuno, saberá separar
o justo do ímpio e oferecer a ambos a devida recompensa. A perícope posterior, irá
refletir sobre outra temática: a felicidade dos mortos em comparação aos vivos (4,1-3).
Esta felicidade, segundo Coelét, deriva-se da “sorte” dos mortos (4,2) – e daqueles que
ainda não nasceram (4,3) - que não podem mais ser oprimidos devido a sua condição.
Os vivos, ao contrário, além do problema do sofrimento originado desta opressão, não
encontram quem os possa consolar (4,1).
Ademais, é importante perceber a presença de um termo muito conhecido e que
acaba caracterizando todo o livro de Eclesiastes: a vaidade. Esta palavra é a tradução da
palavra hebraica Hebel, no entanto, conforme destaca Lindez, tal tradução não
corresponde ao conceito o qual tal palavra carrega1. Segundo ele:
Quanto ao sentido original e primário de hebel, há
unanimidade entre os lexicógrafos e intérpretes, o termo significa
vento, sopro, aura, brida, vapor, transpiração, fumaça.
A partir deste significado, é possível delimitar o trecho escolhido enquanto
perícope. Enquanto a perícope anterior ressalta, como dissemos anteriormente, a
questão da injustiça social e a posterior a “sorte” daqueles que já morreram e os não-
nascentes em comparação com os viventes. A perícope em questão destaca o caráter
efêmero da vida humana, efemeridade esta que o iguala aos animais, não tendo motivos,
portanto, para questionar os sofrimentos da vida presente diante de Deus.

2.1 Análise da perícope anterior e posterior a 3,18-22.


1
LINDEZ, Vílchez José. Sabedoria e sábios em Israel. São Paulo: Ed. Loyola, 2014.
16Observo outra coisa debaixo do sol: no
lugar do direito encontra-se o delito, no
lugar do justo encontra-se o ímpio; 17 e Tema da perícope anterior: Injustiça
penso: ao justo e ao ímpio Deus os social e o julgamento das ações
julgará, porque aqui há um tempo para praticadas no tempo determinado por
todo propósito e um lugar para cada ação. Deus.

18Quanto aos homens penso assim: Deus


os põe à prova para mostrar-lhes que são
animais. 19 Pois a sorte do homem e a
do animal é idêntica: como morre um, Perícope a ser estudada neste trabalho: A
assim morre o outro, e ambos têm o morte iguala homens e animais.
mesmo alento; o homem não leva
vantagem sobre o animal, porque tudo é
vaidade. 20Tudo caminha para um mesmo
lugar: tudo vem do pó e tudo volta ao pó.
21Quem sabe se o alento do homem sobe
para o alto e se o alento do animal desce
para baixo, para a terra? 22Observo que
não há felicidade para o homem a não ser
alegrar-se com suas obras: essa é a sua
porção; pois quem lhe mostrará o que vai
acontecer depois dele?
4,1Observo ainda as opressões todas que
se cometem debaixo do sol: aí estão as
lágrimas dos oprimidos, e não há quem os
console; a força do lado dos opressores, e
não há quem os console. 2 Então eu Tema da perícope posterior: A sorte dos
felicito os mortos que já morreram, mortos e dos não-nascentes diante dos
mais que os vivos que ainda vivem. 3 E vivos.
mais feliz que ambos é aquele que ainda
não nasceu, que não vê a maldade que se
comete debaixo do sol.

2.2 Análise do campo semântico


Esta perícope possui palavras comuns ao campo semântico, dando coesão a sua
divisão interna: início, meio e fim. No início da perícope, Coelét identifica que, apesar
das diferenças, ambos possuem o mesmo fim. (v.19). Afinal, ambos são seres dotados
de vida, oferecida graças ao que Coelét chama de alento (v.19c). Estes dois também
compartilham a mesma matéria que os origina, e que irão retornar a sê-los: homem e
animal surgem do pó e voltarão a ele (v.20). Em seguida, Coelét questiona se o sopro da
vida do homem e do animal são os mesmos, porque deseja saber se eles irão para o
mesmo lugar (v.21). A perícope é concluída sem responder a esta pergunta, e o motivo é
claro: como não há certeza sobre o lugar que irá após a morte, o homem não deve
gloriar-se de suas obras. O seu fim está totalmente nas mãos de Deus (v.22).

18Quanto aos homens penso assim: Deus


os põe à prova para mostrar-lhes que são
animais. 19 Pois a sorte do homem e a do
animal é idêntica: como morre um, assim
morre o outro, e ambos têm o mesmo
alento; o homem não leva vantagem sobre
o animal, porque tudo é vaidade. 20Tudo
caminha para um mesmo lugar: tudo vem
do pó e tudo volta ao pó. 21Quem sabe se
o alento do homem sobe para o alto e se o
alento do animal desce para baixo, para a
terra? 22Observo que não há felicidade
para o homem a não ser alegrar-se com
suas obras: essa é a sua porção; pois quem
lhe mostrará o que vai acontecer depois
dele?

3. Segmentação textual
Ecl 3, 18-22
18a) Quanto aos homens penso assim:
18b) Deus os põe à prova
18c) para mostrar-lhes que são animais.
19a) Pois a sorte do homem e a do animal é idêntica:
19b) como morre um, assim morre o outro,
19c) e ambos têm o mesmo alento;
19d) o homem não leva vantagem sobre o animal,
19e) porque tudo é vaidade.
20a) Tudo caminha para um mesmo lugar:
20b) tudo vem do pó
20c) e tudo volta ao pó.
21a) Quem sabe se o alento do homem sobe para o alto
21b) e se o alento do animal desce para baixo, para a terra?
22a) Observo que não há felicidade para o homem a não ser alegrar-se com suas obras:
22b) essa é a sua porção;
22c) pois quem lhe mostrará o que vai acontecer depois dele?

4. Análise da estrutura literária

4.1 Os personagens e suas ações


As ações dos personagens
Deus 18b) põe os homens à prova
18c) mostra a real condição dos
homens: são animais

Homens e animais 19a) possuem a mesma sorte


19b) morrem
19c) possuem o mesmo alento
19d) não levam vantagem um sobre o
outro.
Homem 22a) sua maior felicidade consiste em
alegrar-se com suas obras.

4.2 O enredo
III O destino da vida humana
20a) Tudo caminha para um mesmo lugar:
20b) tudo vem do pó
20c) e tudo volta ao pó.

IV Indecisão sobre o
II Característica da vida humana: destino da alma
21a) Quem sabe se o
19a) Pois a sorte do homem e a do animal é
alento do homem sobe
idêntica:
19b) como morre um, assim morre o outro, para o alto
19c) e ambos têm o mesmo alento; 21b) e se o alento do
19d) o homem não leva vantagem sobre o Ecl 3,18-22 animal desce para baixo,
para a terra?
animal,
19e) porque tudo é vaidade.

I Descrição da vida humana: V Finalização: O que traz a alegria ao homem?


18a) Quanto aos homens penso assim: 22a) Observo que não há felicidade para o

18b) Deus os põe à prova homem a não ser alegrar-se com suas obras:
22b) essa é a sua porção;
18c) para mostrar-lhes que são
22c) pois quem lhe mostrará o que vai
animais.
acontecer depois dele?

4.3 Mostrar a sequência literária

A Sequência da estrutura literária


A Coelét inicia afirmando que a morte apresenta ao 18a) Quanto aos homens
homem o que ele é: um animal. Todas as penso assim:
características que, em última análise afirmariam 18b) Deus os põe à prova
uma pretensa superioridade sobre os animais são, na 18c) para mostrar-lhes que
verdade, tudo vaidade. são animais.
19a) Pois a sorte do
homem e a do animal é
idêntica:
19b) como morre um,
assim morre o outro,
19c) e ambos têm o mesmo
alento;
19d) o homem não leva
vantagem sobre o animal,
19e) porque tudo é
vaidade.
B Para reforçar a sua tese anterior, Coelét remonta a 20a) Tudo caminha para
doutrina da tradição judaica: Todos retornarão ao pó um mesmo lugar:
(Gn 3,19) 20b) tudo vem do pó
20c) e tudo volta ao pó.
C Problema: Coelét possui dúvidas sobre o destino das 21a) Quem sabe se o alento
almas de homens e animais. É certo a diferença entre do homem sobe para o alto
elas, incerto, no entanto, a direção que cada uma 21b) e se o alento do
tomará. animal desce para baixo,
para a terra?
D A certeza de Coelét: alegrar-se com as obras é mais 22a) Observo que não há
produtivo do que as dúvidas do pós-morte. felicidade para o homem a
não ser alegrar-se com suas
obras: 22b) essa é a sua
porção;
22c) pois quem lhe
mostrará o que vai
acontecer depois dele?

5. Comentário

18a) Quanto aos homens penso assim:

Uma das características presentes no livro de Eclesiastes está na constante e


perceptível posição de Coelét sobre os diversos temas presentes em seu conteúdo. Ao
elaborar um pensamento sobre o homem, o versículo em destaque encontra-se em uma
subdivisão na obra, a qual os autores chamam de “crítica da sociedade I” 2. No entanto,
conforme aponta Líndez, suas opiniões sobre as relações humanas não possuem um
caráter moralista3. Ao tomar uma posição, Coelét irá tratar sobre um tema que, na sua
visão, é compreendido de forma contraditória.

18b) Deus os põe à prova

A influência da tradição de Israel apresenta-se neste versículo quando Coelét


afirma que Deus coloca o homem “à prova”. Esta passagem, segundo Líndez é vista por
muitos comentaristas como uma espécie de teologia da cruz proposta por Coelét. 4 Sendo
assim, tal como Abraão e Jó, Deus continua provando os homens, portanto, uma prática
costumeira. Obviamente, não de qualquer maneira e sempre buscando uma resposta
diferente em cada prova.
2
ZENGER, Erich e outros. Introdução ao Antigo Testamento. São Paulo: Loyola, 2016. P.333
3
LÍNDEZ, Vílchez J. Sabedoria e sábios em Israel; São Paulo: Loyola, 1999. P.169
4
LÍNDEZ, P.193.
18c) para mostrar-lhes que são animais
Esta prova – em hebraico barár – tem como objetivo principal apresentar a verdadeira
essência humana, para que eles vejam como em um espelho que são animais. Tal
afirmação em como fundamento a própria realidade, a qual parece passar desapercebida
por muitos, mas não por Coelét.

19a) Pois a sorte do homem e a do animal é idêntica:


A partir do fora exposto, afirmar que a sorte (destino, acontecimento, qara em hebraico)
iguala homens e animais porque a vida de ambos não pertence a eles, mas a Deus.

19b) como morre um, assim morre o outro


Coelét não se acomoda em reduzir o fim da vida humana à morte. Ele reforça a ideia de
que todos, homens e animais, morrem. Líndez detecta aqui uma novidade no
pensamento de Coelét.5 Isto porque em 2,42 ele já havia igualado sábios e néscios.
Aqui, ele avança em sua concepção de forma mais radical, a fim de apresentar uma
realidade, a princípio, desconhecida para muitos.

19c) e ambos têm o mesmo alento

Se ambos morrem da mesma maneira, seria também igual o que vivifica o corpo? Para
Lorenzin, a resposta desta pergunta é fundamental para a manutenção de seu argumento
anterior.6 Tendo como referência novamente a tradição israelita - Gn 2,7 -, Coelét
acredita que a ruah que gerou a vida ao homem também se encontra nos animais,
igualando-os de forma completa7.

19d) o homem não leva vantagem sobre o animal,


A construção de seu pensamento permite a Coelét garantir seguramente a igualdade
entre homens e animais. Seja de forma exterior como interior, a vida e a sua
continuação não dependem de ambos, logo, não há motivo para compreender uma
possível vantagem humana sobre os animais.

5
IBIDEM, p.193
6
LORENZIN, Tiziano. Livros sapienciais e poéticos: introdução aos estudos bíblicos, Petrópolis, RJ,
Vozes, 2020, p.100.
7
LÍNDEZ, p. 192
19e) porque tudo é vaidade.
O termo vaidade – hebel – é um conceito importantíssimo em Eclesiastes. No entanto, a
tradução como “vaidade” não é uma unanimidade 8. As traduções mais aceitas como
vento, sopro, aura. Em toda a Sagrada Escritura, por 73 vezes tal termo se apresenta,
segundo Líndez, no livro de Eclesiastes, hebel é originalmente relacionada com ruah
(vento) influenciado, talvez, por uma realidade onde os bens materiais recebiam um
valor superior ao que realmente mereciam9.

20a) Tudo caminha para um mesmo lugar:

Coelét, neste versículo, não faz conjecturas, mas afirma categoricamente que homens e
animais não somente possuem o mesmo destino como também vão para o mesmo
lugar.10

20b) tudo vem do pó


Seguindo no caminho da primeira afirmação, Coelét reforça a universalidade da origem
de tudo o que é criado, utilizando-se de Gn 3,19, ele vai ao princípio da ideia de que
tudo se origina do pó para reafirmar a igualdade entre homens e animais. Apesar de ser
utilizado por outros livros sagrados (Sl 90,3; 104,29; 146,4; Jó 10,9; 34,15; Sr 40,11)
Líndez ressalta que somente neste versículo em Eclesiastes, ele é apresentado com igual
clareza.11

20c) e tudo volta ao pó.


Concluindo este versículo, Coelét parece incomodado com a prática daqueles que estão
ao redor. Se todos vem e voltam ao pó, certamente homens e mulheres acreditavam ser
mais do que isso. Esta afirmação, portanto, quer colocar o homem em seu devido lugar,
o lugar da humanidade e não da divindade.

21a) Quem sabe se o alento do homem sobe para o alto

8
LÍNDEZ, p.173
9
IBIDEM, p.174
10
IBIDEM p.193
11
IBIDEM p. 194
Se o homem é pó, o que resta deste após a morte? A dúvida de Coelét se limita ao lugar
onde o alento (espírito) irá se dirigir. Este alento, contudo, não se refere a existência da
alma ou a sua imortalidade, mas se o alento que anima o corpo humano é o mesmo dos
animais.

21b) e se o alento do animal desce para baixo, para a terra?

A dúvida de Coelét encontra fundamento no Sl 49,14-15. Nestes versículos, o homem


que valoriza a riqueza terminará junto com os animais, pois ambos seguirão para o
Xeol. Alguns autores, segundo Líndez, justificam esta pergunta devido à influência da
religião astral mesopotâmica e também dos gregos.12 Entretanto, como não há uma
resposta, é possível supor que Coelét esteja ressaltando a fragilidade do homem que não
somente é pó, mas não é dono de seu destino após a morte.

22a) Observo que não há felicidade para o homem a não ser alegrar-se com suas obras

Como não há resposta para a pergunta feita no versículo anterior, há aqui a ideia de que
diante de tantas incertezas, o homem encontra uma certeza: alegrar-se com as obras que
realiza. Segundo Lorenzin13, acolher o que se apresenta em sua vida temporária é o
melhor a ser feito.

22b) essa é a sua porção;

Alegrar com os momentos da vida presente é o que sobra ao homem, logo, não pode ser
desprezado.

22c) pois quem lhe mostrará o que vai acontecer depois dele?
A importância do alegrar-se com seus feitos encontra sentido quando o homem reflete
sobre sua total ignorância para com o pós-morte. A felicidade, portanto, é algo
passageiro. Por ser pó, o homem não pode perder a oportunidade de ser feliz, ainda que
momentaneamente, pois não há certezas sobre o que virá.

BIBLIOGRAFIA

12
LÍNDEZ, p.195
13
LORENZIN, p. 100
LINDEZ, J. V. Sabedoria e sábios em Israel. São Paulo: Loyola, 2014.
LORENZIN, T. Livros sapienciais e poéticos: introdução aos estudos bíblicos.
Petrópolis: Vozes, 2020.
ZENGER, E. Introdução ao Antigo Testamento. São Paulo: Loyola, 2016.

Você também pode gostar