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ITINERÁRIO ADULTO

A ESCATOLOGIA CRISTÃ

NOÇÃO BÁSICA DE ESCATOLOGIA; ESPERANÇA


ESCATOLÓGICA E FIM DO MUNDO APOCALÍPTICO.

Escatologia é uma palavra originária do grego, composta de dois termos: éskaton e


logos. Éskaton (no singular) que significa “último”, “definitivo” ou “futuro absoluto”.
éskata (no plural) significa “as últimas realidades. Logos é o termo técnico de muitos
sentidos, tais como: palavra, verbo, intelecção, reflexão. Normalmente o seu derivado logia
significa “estudo sobre”. Portanto escatologia é o tratado teológico relativo às realidades
últimas, aquelas que dizem respeito ao destino seja do ser humano, seja de toda a Criação.
As que se referem ao ser humano individual são: a morte, o juízo particular, o purgatório,
o céu e o inferno. Já as realidades coletivas últimas são: o embate final, a segunda vinda
de Cristo, a ressurreição dos mortos, o juízo universal, fim e renovação do mundo e a vida
eterna. Na tradição clássica levam o nome de “novíssimos”, superlativo que em latim
significa as coisas “mais recentes” e, por isso, “últimas”. Futuro absoluto não significa
somente perguntar pelo fim do mundo (eska: coisas últimas), mas pelo sentido mais
profundo de tudo o que existe já hoje, assim como também existirá no futuro.
A escatologia é uma disciplina da teologia cristã. Detém-se sobre a morte, a vida
eterna, a segunda vinda de Jesus (Parusia), o sentido último da existência de cada um e da
Criação à luz da fé cristã. A escatologia se constrói a partir da Sagrada Escritura, levando
em conta a experiência de fé acumulada pela Tradição (com T maiúsculo, para diferenciar
das simples tradições), e as questões atuais colocadas pela humanidade, nas diferentes
culturas. A escatologia deve atualizar a mensagem cristã a partir da esperança trazida por
Cristo, para que a vida das pessoas, das comunidades e da sociedade tenha sentido. Ao
refletir sobre o “último e definitivo na vida humana”, inclui a morte e a vida eterna.
No entanto o cristão, a cristã, não devem falar a respeito do que vai acontecer
depois da morte como se estivessem fazendo uma reportagem antecipada. Cuidado e
respeito são necessários para não dar margem à “ficção teológica”. A linguagem adequada
para fazer escatologia conjuga fé e esperança. As realidades pós-morte estão muito além
da nossa compreensão. Em parte, se fala e se cala em respeitoso silêncio e reverência ao
mistério que nos ultrapassa.
Os dois grandes Símbolos da fé, o apostólico e o niceno-constantinopolitano,
trazem o essencial da escatologia. Professam quatro grandes verdades escatológicas:
1) A Segunda vinda de Cristo: “de onde há de vir…” se diz no Símbolo apostólico; “e de
novo há de vir em sua glória”, no segundo Símbolo:
2) O Juízo final: “(há de vir) para julgar os vivos e o mortos” se diz no Símbolo apostólico;
“para julgar os vivos e mortos”, no segundo Símbolo. Céu, purgatório e inferno, como
resultado do julgamento, aqui são apenas evocados;
3) A Ressurreição geral no fim dos tempos: “a ressurreição da carne” é confessada no
primeiro Símbolo; “espero a ressurreição dos mortos”, no segundo Símbolo.
4) “e a vida eterna”: assim reza o primeiro Símbolo: “e a vida do mundo que há de vir”, o
segundo Símbolo.
A SOCIEDADE DE HOJE E A QUESTÃO DOS FINS ÚLTIMOS
Antropologia Teológica
Para fazermos uma escatologia correta é preciso uma antropologia teológica, ou
seja: é preciso um entendimento do que é o homem à luz da sua relação com Deus Uno e
Trino revelado em Cristo.
“Quem é o homem para que dele te lembrares, e um filho de Adão, para vires visita-
lo? E o fizeste pouco menos do que um deus, coroando-o de glória e beleza. Para que
domine as obras de tuas mãos, sob teus pés tudo colocastes” (Sl 8,5-7). O salmista se
interroga sobre a grandeza humana em sua fragilidade, o mistério e o paradoxo que
impressionam os pensadores de todas as épocas; e acrescenta o ser humano como quase
partícipe da condição divina e dominador da criação. Do conjunto do AT depreende-se que
o homem, em nome de Deus e perante Ele, é responsável pelo mundo; é enquanto
interlocutor de Deus, parte ativa na história que o Senhor iniciou e que deseja levar a
termo. Não é preciso ver a imagem de Deus nesta ou naquela qualidade, mas achamo-nos
diante da determinação fundamental do homem, que abrange todas as suas dimensões
devido ao germe divino que nele habita.
A mensagem do Gn foi reinterpretada à luz de Cristo. A imagem de Deus, segundo
o NT, é o próprio Jesus (Jo 14,8; 2Cor 4,4; Cl 1,15). Esse conceito está relacionado com a
teologia da revelação: Jesus, enquanto imagem do Pai, O revela. Nós, homens e mulheres,
em nossa condição terrena, temos a imagem de Adão, o primeiro homem, e teremos a
imagem do homem celeste, Cristo ressuscitado. O primeiro homem foi alma vivente, o
segundo é espírito que dá a vida. (cfe. 1Cor 15,45-49).
A Constituição Pastoral Gaudium et Spes (GS) nos ensina que o ser humano é “corpo
e alma, mas realmente uno” (GS 14). É, pois, uma realidade unidual. Dual e não dualista,
pois, corpo e alma não são duas coisas à parte, mas, antes dois princípios, constituindo,
juntos, uma realidade substancialmente unitária. Não são dois elementos justapostos
como o hidrogênio e o oxigênio para formar a água. São duas dimensões heterogêneas,
matéria e espírito, que se combinam. A união entre a alma e o corpo é tão real que, sem
um desses princípios, não há mais propriamente “pessoa humana”, mas apenas, por um
lado, um “cadáver” (em estado de decomposição) e, por outro, uma alma separada (em
estado anômalo).

Distinção interna ao corpo: corpo biofísico e corpo pessoal


É preciso distinguir dois tipos de corporalidade:
• Um corpo grosseiro, biofísico, também chamado “corpo objetivo, de “forma
acidental”;
• E um corpo sutil, metafísico, também chamado “corpo subjetivo”, de “forma
substancial”.
A “forma acidental” do corpo, forma meramente externa, material, amontoado
organizado de células. É um corpo de cunho material e obscuro, corruptível e mortal.
A “forma substancial” do corpo, é o corpo vivo, pessoal. Essa forma essencial do corpo
“imprime” uma espécie de “cunho” na alma, conferindo-lhe um “caráter físico”. É um corpo
de cunho espiritual e luminoso, incorruptível e imortal, pois que acompanha sempre a
alma.
Não são dois corpos. O que há são duas dimensões de um só e mesmo corpo.
Comparativamente ao cérebro e a mente. A “alma separada”, não obstante estar fora do
corpo físico e podendo mesmo vê-lo, como espectadora, diante ou abaixo de si, mantém
certa forma de corporal de tipo leve, flutuante, espiritualizada, com uma capacidade de
ver, ouvir e mesmo ter sentimentos (de paz, amor, etc.), como mostram as experiências de
quase morte.

Distinção dentro da alma: o eu pequeno e o eu grande


Também existe distinção na alma e são de dois tipos:
• “Alma sensitiva” (ou Psique), sede das impressões, emoções e recordações, o “eu
inferior”; é o nosso eu mais superficial, ilusório e mesmo falso, pois cede facilmente
ao egoísmo e à vaidade.
• “Alma racional” (ou Espírito), sede da razão e da vontade, o “eu superior”, o nosso
eu profundo, nuclear, verdadeiro. É nossa parte mais nobre.

O ser humano de hoje e o discurso escatológico tradicional.


A tendência da cultura moderna é privilegiar o tempo histórico e não a vida “depois
da morte”; a terra e não o céu. Dando as costas ao futuro escatológico, as sociedades
modernas se concentram na construção do futuro histórico. Os únicos fins que se
conhecem são os fins curtos e imediatos. É o hedonismo ou “presentimos” de que diz:
“comamos e bebamos porque amanhã morreremos” (1Cor 15,32). É comportar-se como se
Deus não existisse, isso só pode levar ao niilismo, enquanto, numa perspectiva sem Deus,
tudo termina com a morte, tudo vai finalmente para o nada.
Em verdade, a escatologia não é uma questão meramente conjuntural: é, antes, uma
questão profundamente humana e, por isso, permanente. Ela diz respeito às perguntas
mais desafiadoras e decisivas que os seres humanos podem fazer: Qual é o nosso destino?
Para onde vamos? Que podemos esperar em definitivo? Para que vivemos, finalmente?
Ora, somente o fim dá o sentido último a qualquer realidade, tudo se entende bem
quando chegou ao seu termo. Só então está completa e pode ser bem compreendida. Daí
que a escatologia é a chave para entender a vida e seu sentido. Ela diz para onde vamos e,
por consequência, qual é o rumo que devemos imprimir à nossa vida para chegarmos lá.
A vida do ser humano só tem sentido à luz de seu fim. Dizer que o ser humano é um ser
“escatológico” é dizer que é um ser que tem um fim, que busca um fim. Por ser espiritual,
ele é aberto ao transcendente. Logo, seu fim só pode ser o infinito. Sua felicidade absoluta
só pode ser encontrada no Absoluto: Deus. Como diz Santo Agostinho: “Senhor, tu nos
fizeste para ti, e inquieto está o nosso coração até que não se aquiete em ti”.

ESCATOLOGIA E APOCALÍPTICA
É comum certa identificação de “apocalipse” com “escatologia”. A falta de precisão
no uso dos termos leva a equívocos. A palavra “apocalipse” vem de dois vocábulos
gregos: apo (dentro para fora) e kalypsis (cobertura, véu), portanto, apocalipse significa
“descobrir, tirar o véu para que algo possa ser visto”.
A literatura apocalíptica é um gênero literário surgido no Século II a.C. e que se
estende até o Século II d.C. A finalidade dos escritos apocalípticos é dar resposta aos
tempos de crise, quanto à expectativa de salvação. Também é uma teodiceia, pois procura
explicar o triunfo do mal na história, diante de um Deus que é essencialmente bom.
O Apocalipse se destina a consolar e fortalecer o Povo de Deus em tempos de
perseguição. Destina-se a recuperar a esperança. Não é um texto orientado para a “segunda
vinda de Cristo” ou para o “fim do mundo”, mas centrado na presença poderosa do Cristo
Ressuscitado, na comunidade e no mundo. A mensagem do Apocalipse é: se Cristo
ressuscitou, o tempo da ressurreição e do Reino de Deus já começou.
Enquanto o Apocalipse é um gênero literário para suscitar a esperança no Senhor
em tempos de perseguição, a escatologia é a mensagem sobre as realidades últimas
alicerçadas em Jesus Cristo e no Reino de Deus.
A escatologia cristã é uma disciplina da teologia, sustentada por sólidos trabalhos
exegéticos e interpretativos construídos a partir de dados bíblicos sobre a morte, o juízo
de Deus, o fim da história, o triunfo da esperança e do Reino de Deus.
Observação: O Livro de Daniel, é do gênero apocalipse, e como tal, trata dos tempos
difíceis que os judeus enfrentaram no reinado de Antíoco Epifanes, na esperança de
tempos melhores e que seriam superados com a ajuda da ação de Deus na história. Os
detalhes deste livro não serão explanados neste artigo, pois merece um estudo separado
pela sua própria complexidade.

Escatologia Individual
A experiência humana na morte; reflexão teológica sobre a morte, o purgatório, o
inferno e o juízo final.

Morte
A ideia de morte, atualmente, por causa da cultura secularista, que se desdobra em
racionalismo, materialismo, individualismo e hedonismo, é vista como o fim definitivo,
onde tudo acaba. Assim o cuidado vai para o corpo: a saúde, a beleza, a longevidade. A
morte aparece como grande inimiga. Para o individualismo, a morte é mais dolorosa,
porque representa a derrota do indivíduo.
Assim tende-se a amenizar a situação de morte, ela é vista como resultado de
guerras, de calamidades de violências urbanas, de pandemias e suas mazelas. Ela é
afastada do quotidiano e entregue a instituições “especializadas” como hospitais,
funerárias que “embelezam” o cadáver, e religião, onde são reduzidas a formalidades e
ritos, tornando a morte soft. Há ainda as propostas modernas de eutanásia, feita sob a
invocação de “morte digna”.
Podemos elencar três aproximações da morte:
1. A morte como fenômeno natural (ponto de vista biológico): é a mais superficial, ela
é da natureza, o ser humano é mortal, essa é a perspectiva do biólogo e do médico.
2. A morte do ponto de vista puramente humano (psico-filosófico): é mais profundo
que o anterior, pois é racional e ou filosófico. Nesse plano a morte é repugnante,
porque é sentida como ruptura e divisão, tanto no nosso interior como em relação
ao mundo vital. Podemos chamar essa morte de “morte existencial” ou “morte
pessoal”.
3. A morte do ponto de vista da fé (perspectiva teológica): é a síntese de uma visão
geral da morte. Pela fé, pela esperança e pela caridade, a morte adquire um sentido
novo e superior.
A Sagrada Escritura nos revela que “Deus não fez a morte nem tem prazer em
destruir os viventes” (Sb 1,13); ao contrário “Deus criou o homem para a incorruptibilidade
e o fez imagem de sua própria natureza” (Sb 2,23), mas “foi por inveja do diabo que a
morte entrou no mundo” (Sb 2,24), conforme Rm 5,12 a morte entrou no mundo pelo
pecado. Portanto a morte não é algo “natural”, como afirma o ponto de vista biológico, ela
não estava (e não está) nos planos de Deus, por isso a morte é penosa. Jesus mesmo chora
quando da morte de seu amigo Lázaro (Jo 11,35), e sua sangue (Lc 22,44) diante da
perspectiva da própria morte.

O exposto acima trata da morte corporal, mas a mais temível é a morte espiritual,
que consiste no afastamento de Deus. A morte da alma é a pior desgraça (sem a graça
divina), como ensinou Jesus (Mt 10,28); e foi essa morte que Adão e Eva, nossos primeiros
pais, perderam principalmente, desobedecendo a Deus. Foi essa que acarretou a morte do
corpo, isso é preciso lembrar, pois, falando da morte, tendemos hoje a nos fixar no seu
sentido apenas biológico, porque é nessa direção que a cultura materialista encaminha.
Assim a morte da alma fica praticamente esquecida pela morte do corpo. A bios (vida
biológica) “engole” a zoé (vida eterna).

Até aqui foi vista apenas uma porção do que a escatologia cristã entende por morte.
A outra porção nos é dada por Deus que através de Cristo devolve ao ser humano inteiro,
corpo e alma, a vida plena, imortal e eterna. O Ressuscitado venceu a morte em si mesmo,
como que em princípio, e a vencerá totalmente e para sempre, como que seu “último
inimigo” (1Cor 15,26), quando de sua Parusia no final dos tempos: “A morte e o Hades
foram então lançados no lago de fogo” (Ap 20,14).

Purgatório
Com exceção das santas e santos já elevados aos altares, ou não, os seres humanos
ainda não estão puros o suficiente para serem dignos de estarem face a face com Deus. O
coração permanece, ainda, muito estreito e o “eu interior” com muitas “arestas”. Daí a
necessidade de se purificar e “estagiar”, após a morte, no purgatório. O purgatório é a
purificação final dos que morreram na graça e na amizade de Deus, mas que, ainda, não
alcançaram a santidade necessária para usufruir da alegria celestial. A purificação final
nada tem a ver com o castigo dos condenados.
A fé no purgatório não está na Bíblia, mas surge a partir dela. Três textos bíblicos,
entre outros, são a base da doutrina do purgatório:
Mt 12,32: “Se alguém disser uma palavra contra o Filho do Homem, ser-lhe-á
perdoado, mas se disser contra o Espírito Santo, não lhe será perdoado, nem nesta era, nem
na outra”.
Aqui se deduz que alguns pecados poderão ser perdoados nos séculos futuros.
1Cor 3,12-15: “Se alguém sobre esse fundamento (Jesus Cristo) constrói com ouro,
prata, pedras preciosas, madeira, feno ou palha, a obra de cada um será posta em evidência,
o que vale a obra de cada um. Se a obra construída sobre o fundamento subsistir, o operário
receberá a sua recompensa. Aquele, porém, cuja obra for queimada perderá a recompensa.
Ele mesmo, entretanto, será salvo, mas como que através do fogo.”
Neste texto a evidência são para as obras do ser humano e a sua prova através da
“prova do fogo”.
2Mc12,45: “Mas se considerava que uma belíssima recompensa está reservada para
os que adormeceram na piedade, então era santo e piedoso o seu modo de pensar. Eis por
que ele mandou oferecer esse sacrifício expiatório pelos que haviam morrido, a fim de que
fossem absolvidos do seu pecado.”
Esse texto do Antigo Testamento fala das orações que Judas Macabeus mandou
fazer pelos mortos na guerra.
Os dois princípios que surgem desses textos e que sustentam a teologia do
purgatório são:
1. O princípio da santidade divina. O encontro com Deus exige a santidade do amor.
O purgatório é uma exigência do encontro com o próprio Amor; para chegar a Deus,
o ser humano precisa passar por uma espécie de “transubstanciação” poderosa. Que
santo chegou a Deus sem passar pelo fogo como ouro pela fornalha? Como nos
podemos fundir em Deus sem derreter em nós tudo o que não é Ele?
2. O princípio da responsabilidade humana. o encontro com Deus, por se dar na
reciprocidade, pressupõe nossa resposta pessoal de amor.
É preciso eliminar algumas ideias erradas sobre o que é o purgatório, que o
aproximam mais do inferno do que do céu, deve-se superar concepções fantasistas,
juridistas e mesmo terroristas dessa verdade da fé, que ainda perduram nos dias de hoje,
mesmo entre católicos.
Na verdade, o purgatório:
• É uma situação espiritual (de purificação) e não um lugar de horrores;
• É uma graça muito particular que Deus nos dá para nos purificar, em vista do
encontro com Ele, e não castigo ou, pior ainda, vingança. Portanto, é uma purificação
exigida pelo amor e não por uma misteriosa lei penal.
Quanto a ideia do “fogo purgatório”, no sentido de “purificador”, esse constitui
um símbolo com duplo sentido. Ele representa:
1. No plano da memória, a dor da consciência, o arrependimento;
2. No plano da esperança, as chamas do amor, da saudade e da ânsia de ver a Deus
para receber seu abraço eterno.
O purgatório é mistura de dor e felicidade, como no amor: quem ama sofre por
estar longe do(a) amado(a), ou por não ser bastante digna do seu amor.
Santa Catarina de Gênova explica de maneira inspirada e poética o purgatório, diz
ela: “Elas (as almas no purgatório) estão num estado que deveria antes ser ansiado do que
temido, pois aí as chamas são chamas de indizível saudade e amor…Depois da felicidade
do céu, a felicidade maior é a das almas do purgatório”.
A dimensão penitencial faz parte da vida cristã, enquanto busca permanente de
purificação e de aperfeiçoamento no amor. Se esta vida é insuficiente para nos deixar
“prontos” para o abraço eterno do Pai, então, ainda há a graça da purgação que se segue à
morte. O purgatório por ser considerado como um processo pessoal, histórico, em que a
pessoa vai superando suas contradições, seus egoísmos, até aquele momento final do
encontro com Deus. Aí os últimos resquícios serão apagados. Início da beatitude definitiva,
porque isso acontece envolvido pelo amor salvífico de Deus. É o amor que purifica. O
sofrimento é o reverso da medalha do amor. É o lado do coração que sofre por não ter
correspondido ao amor e apesar disso ter sido continuamente amado.
O ser humano não se constrói sozinho, mas dentro de um tecido social, numa
relação entre todos. Esta relação pode ser de integração ou desintegração, de purificação
ou corrupção. Por isso, o purgatório tem necessariamente uma dimensão social. As
estruturas de injustiça social que se criam dificultam o processo de purificação do ser
humano, antes reforçam-lhe a divisão interna, a desintegração, tornando o processo de
purificação mais difícil e doloroso. À medida que as estruturas sociais permitem maior
integração, coerência com a orientação fundamental para o amor, para Deus, tanto menos
doloroso se faz o processo de purgatório. Mais madura e integrada está a pessoa para o
encontro definitivo com Deus.

Reencarnação
A doutrina da reencarnação é muito antiga, anterior mesmo ao cristianismo. Muitos
cristãos e cristãs acreditam na reencarnação, no entanto, não é possível crer em Cristo e
crer na reencarnação. A doutrina da reencarnação contradiz duas verdades de fé cristã:
1. A verdade da Redenção, segundo a qual é o amor gratuito de Deus que nos salva e
não nossos méritos ou o nosso karma, o que equivaleria a uma autorredenção.
Vemos que, para Jesus, o Pai perdoa o “filho pródigo” sem exigir “cobrança” ou
reparação alguma (Lc 15,20-24; cf. Ef 1,6-8).
2. A verdade da Ressurreição. O destino último da pessoa não implica em libertar-se
da matéria ou “desencarnar”, mas em assumir a matéria e transfigurá-la. Na
antropologia cristã, o corpo está ligado “substancialmente”, ou seja, intimamente, à
alma, e não apenas exterior e acidentalmente.

CÉU: PLENITUDE DO DESEJO HUMANO, PROMESSA DE DEUS


A tradição cristã sempre identificou o céu como o ponto máximo da aspiração
humana, a meta suprema da vida em graça. No entanto, algumas questões se colocam em
relação à chave segundo a qual se deve e pode entender essa plenitude, essa forma de ser,
essa situação vital que chamamos céu.
O céu é realidade ou ilusão, alienação? Como se chega ao céu? O que é preciso para
conquista-lo? Chega-se ao céu por atos individuais ou coletivos?
Seja qual resposta se coloque, o fato é que o céu, a vida eterna, é promessa real
entregue ao ser humano por Deus, ratificada em Jesus Cristo, proposta de plenitude de
vida e de realização radical para aquele que depositou sua confiança no amor e na abertura
aos outros.

O Céu na Escritura Sagrada


No AT, o céu é basicamente intramundo. A promessa de Deus a seu povo funciona
como dispositivo de abertura da história que se desdobra paulatinamente, à medida que
as esperanças de libertação vão se realizando e suscitando novos e maiores desejos por
uma libertação mais plena e completa. A vida plena cumulada pelas bênçãos divinas, é
esta vida vivida na amizade e comunhão com Deus, único Bem capaz de dar sentido à
existência.
No entanto, o homem do AT, começa a entrever que a plenitude e a imediatez da
presença de Deus, pela qual suspira, não é possível durante a existência temporal. Alguns
salmos (16; 73), o Livro da Sabedoria, entre outros, como Dn; 2Mc, refletem essa esperança
de vida eterna, na qual o Senhor será plenamente conhecido e desfrutado, para além dos
limites e do poder da morte.
A pregação de Jesus vem delinear com traços mais nítidos o conteúdo último da
promessa de Deus e da esperança humana. Sendo Ele mesmo a promessa cumprida e o
Reino acontecido, vida ao alcance de todo aquele que acolhe a proposta do Reino anfitrião
de um banquete ao qual todos são convidados. Essa visão, que é comunhão, colocada por
Jesus ao nível de bem-aventurança (Mt 5,8) acontece nesta vida ainda em estado imperfeito,
confuso. Como diz São Paulo em 1Cor 13,12: “Agora vemos em espelho e de maneira
confusa, mas, depois, veremos face a face. Agora meu conhecimento é limitado, mas, depois,
conhecerei como sou conhecido.” A esperança do cristão seria, então, segundo Paulo, a
visão plena de Deus, que inclui vê-lo e por Ele ser visto, numa comunhão plena e perfeita,
em fruição do amor que ama e é amado.
Mas essa visão só poderá ser contemplada quando a verdade e a justiça reinarem
soberanas, revelando a descoberto a luz, a glória e a majestade do rosto do Senhor.
Vivemos num mundo marcado pela injustiça e a opressão, que escondem o rosto de Cristo
na história. O ressuscitado ainda está crucificado e sua glória permanece escondida, em
tantos homens e mulheres vítimas da exploração e do pecado. Enquanto existirem pobres,
explorados e excluídos, não se terá manifestado o que seremos, pois não poderemos ver a
Deus tal qual Ele é: vida em abundância para todos. A vida eterna proposta no NT é a
plenitude do amor. Onde há amor, ali há vida, presença, conhecimento e visão de Deus,
bem-aventurança: “Se nos amamos uns aos outros, Deus permanece em nós…” (1Jo 4,12).
A dinâmica da vida é inversamente proporcional à lógica do progresso e do sistema
em que vivemos: nela o aumento e o crescimento não se dão por acumulação e ciumenta
conservação. Mas o dar e o partilhar, o fazer com que mais e mais pessoas participem dos
bens, da alegria, dos dons gera mais e mais vida.
A promessa da vida eterna ou do Céu, tem suas legítimas raízes solidamente
plantadas no solo do NT. Não podem, porém, sob pena de sofrerem redução na amplitude
e alcance de seu sentido original, ser compreendidas em chave individualista. É no contexto
do encontro, da partilha e da festa, da alegria vivida em comunhão, da comunidade, que a
plenitude do Céu como vida e visão deve ser entendida. O Céu é, fundamentalmente, a
união com Cristo, o ser nele, o viver em comunhão profunda e indissolúvel com Ele.
Pela leitura atenta da Constituição Dogmática Lumen Gentium (LG) e da
Constituição Pastoral Gaudium et Spes (GS), conclui-se que, para o Concílio Vaticano II, o
Céu começa, aqui, na terra, na luta dos seres humanos para que o grande banquete da
Criação possa ser, com verdade, a festa de todos.
A plenitude anunciada por Jesus Cristo e ardentemente desejada por todo aquele
que crê e espera não é somente aceno de um remoto futuro, mas consumação e realização
absoluta de um encontro e de uma comunhão presentes em interação de já e ainda não na
vida e na história concreta do ser humano. Portanto o Céu da fé cristã não é um “além”
extramundano ou metafísico. Não é um lugar ao qual se chega, do lado de lá da história,
mas processo histórico que, sendo graça absoluta Daquele que é fonte de toda Graça, é
também gestado e tecido na trama concreta das lutas, “angustias e esperanças” daquele
que, em sua vida, luta e constrói o Reino de Deus no cotidiano da vida. Assim, o ser humano
está no Céu na medida em que se encontra com Cristo e em Cristo. O Céu é, então,
participação do ser, da pessoa de Jesus Cristo, Aquele que nos precede e abre caminho. E
é, também, em decorrência, participação plena do ser de Deus. O Céu é plenitude daquilo
que o cristão, a cristã já recebe no Batismo: a pertença a uma família, uma comunidade, a
Igreja. É a comunhão dos santos em estado total de abertura, o ponto máximo de todo
coexistir humano, a proximidade insuperável do amor, no rosto do outro, no rosto de Deus.
Assim o Céu não é algo estranho à história e a ele não se chega instaurando um corte
radical entre o antes e o depois da morte; o Céu começa e é gestado no seio da história,
nas experiências e lutas por mais amor e justiça realizadas pelos homens sob a força do
Espírito de Deus.

O Inferno: possibilidade e frustração eterna


O ser humano, feito para a vida, pode morrer eternamente? Feito para a
convivência e a comunhão, pode ter como destino a eterna e absoluta solidão?
São questões polêmicas e que merecem cuidado nas respostas. A espiritualidade
cristã e a Igreja têm apresentado como destino, àquele que se fechou ao amor de Deus e
dos outros, conhecer eternamente as penas, os tormentos e o vazio, em suma: o inferno.
É preciso abordar a questão do inferno com a seriedade e o alcance que realmente
tem: o de uma questão onde estão em jogo, profundamente vinculados e mutuamente
implicados, a liberdade constitutiva da pessoa humana e o respeito de Deus por essa
liberdade; a importância da vida e dos atos de cada um; e concretamente, na situação de
injustiça e opressão na qual muitos vivem, o potencial “infernal” contido dentro das
estruturas e mediações de exploração que certos grupos sociais sofrem por parte dos
outros.
Há, ainda, a ideia de que o inferno é “um lugar”, para onde se vai depois da morte.
Lugar que se situa “abaixo”, na região inferior de onde a vida acontece; lá existe o castigo
eterno, onde se paga para sempre o mal cometido aqui; com fogo, enxofre, trevas,
demônios torturadores, sede, gemidos e ranger de dentes.
No entanto, atualmente a ideia de que Deus é Pai Misericordioso, que tudo
perdoa, fez com que muitas pessoas perdessem o “sentido do pecado”, assim perde-se a
seriedade em relação à vida humana o fato de que, não importa o que se faça e as
iniquidades que se cometam, no final da história existe um Deus misericordioso que,
magicamente, suspende a sentença e providencia um final feliz. Porém nesse contexto,
cabe perguntar: o pecado social, as estruturas opressoras e injustas, que destroem vidas
humanas, praticadas por pessoas exploradoras e opressoras, ficarão impunes? O
sofrimento em vida dos pobres, oprimidos, espoliados, não será julgado por Deus?
O inferno dentro da mensagem cristã não é categoria de anúncio ou promessa. O
único fim, a única meta é a salvação que é o próprio Deus Amor, o objeto da Escatologia
Cristã é: aquilo que, ao que crê, é permitido esperar. Assim, o inferno, não sendo
anúncio, nem promessa, menos ainda, objeto de esperança, só pode ser categorizado
como possibilidade.
O inferno não é criação de Deus. Pelos dados bíblicos, não se pode atribuir de
nenhum modo a Deus, a responsabilidade direta na existência de um estado de perdição,
assim como na existência do pecado. A origem da existência do inferno deve ser buscada
no próprio ser humano.
Afirmar a possibilidade do inferno provinda do próprio ser humano significa
afirmar que Deus leva a sério o ser que criou à sua imagem e semelhança. Deus respeita
profundamente a liberdade humana, até mesmo a de o ser humano, recusar a oferta de
salvação total oferecida por Deus, no entanto, ao recusá-la, o ser humano cai na perda
total.
Recusa voluntária da vida, da abertura, da comunicação; preferindo viver no
fechar-se definitivamente à relação, à comunhão, isolar-se num mutismo amargo e
solitário, onde se elimina o outro da própria vida; onde o único som presente é o “choro
e o ranger de dentes”, assim é o inferno. Portanto o inferno não pode ser compreendido
como um lugar, para onde se vai após a morte, mas como situação vital, forma de ser e
estado integral daquele que escolheu para si próprio o caminho da condenação.
Assim o inferno não acontece apenas depois da morte, quando tudo já está
decidido e os jogos feitos. Nem decorre, tampouco de um ato isolado no decorrer da
vida. É aqui e agora, no tempo da história, na trama da vida real e das estruturas sociais
injustas, que o inferno se gesta e aparece como possibilidade concreta, que pode ser
vista através do sofrimento infligido a tantos pela privação dos mais elementares direitos
humanos (tais como saúde, educação, oxigênio, vacinas, etc.), possibilidade de morte
externa que pode ser escolhida pelo mesmo ser que foi criado e destinado ao céu, a
comunhão, a eterna bem-aventurança da vida.

Parusia ou segunda vinda de Cristo


Parusia significa “presença” ou “chegada”. Era usada para dizer que o rei iria
visitar uma cidade. No 1º século da era cristã essa palavra é usada para anunciar a volta
de Jesus. Os textos que falam de Parusia tem várias características dependendo do local
onde foram escritos. 1) Paulo estava convencido de que aconteceria ainda durante a sua
vida (1Ts 4, 15-17); 2) As comunidades judaicas dependiam do judaísmo e esperavam um
Messias temporal; 3) As comunidades da Galiléia, Jerusalém e Roma sofriam perseguição,
opressão e submissão, chamam e desejam o fim de todo sofrimento.
Nos estudos sobre a Parusia formou-se dois grupos:
• Escatológico – que espera a vinda de Jesus a qualquer momento. Criaram o medo
escatológico, enxergam o anti-cristo em tudo e pregam o fim do mundo anunciando
grandes desgraças e catástrofes. Consideram-se os únicos e exclusivos que serão
salvos. Por uma catequese de séculos, fomos acostumados também a compreender a
Parusia como última coroação triunfalista do assim chamado “fim do mundo”. Foi-
nos dito que no decorrer de uma manifestação de dominação, Jesus, enfim, se
manifestaria a todos com poder e glória. Essa “glória” foi compreendida em geral com
base em parâmetros do pensamento humano. Assim, fez-se de Jesus um imperador
poderoso e de sua volta uma vitória triunfal sobre todos os seus inimigos. (Esperança
além da Esperança – Renold J. Blank e M. Ângela Vilhena. p. 125)
• Apostólico ou missionário – esse grupo entendeu a obra evangelizadora, para eles a
Parusia acontece todos os dias, cada vez que Jesus é anunciado, e quem crê passa da
morte para a vida e quem não crê já está julgado, conforme Mt 25, 31-46
A presença real de Jesus Cristo neste mundo se concretiza na medida em que
realizamos a identificação com suas palavras proferidas em Mt 25,40 (“…cada vez que
fizestes a um desses meus irmãos mais pequeninos, a mim o fizestes.”). A Parusia plena
será alcançada, quando todos reconhecerem a Ele nos seus irmãos e nas suas irmãs.
Neste momento, Jesus se tornará visível para todos, e na sua glória, da qual fala o credo
da Igreja Católica, será a revelação pública daquela identificação.
A Parusia não seria, consequentemente, um acontecimento momentâneo e
triunfalista, num momento final da história. Ela seria muito mais um processo que já
está em andamento. Um processo histórico, no decorrer do qual se revela cada vez mais
a identificação do Ressuscitado com os mais fracos, os rejeitados, os excluídos e os
pobres. O Senhor do cosmos se tornou um deles. Verdade paradoxal e último triunfo de
um Deus que também é homem. Vitória final de um Messias, cujo lema era exatamente a
superação dos mecanismos de poder e de glória, e sua substituição por valores de
fraternidade e de amor preferencial para com os pequenos.
Se faz urgente redescobrir que a sigla “Juízo Final” quer exprimir uma das
grandes e mais profundas esperanças escatológicas: a convicção de que a história
cósmica como um todo, apesar das aparências, é uma História de Salvação e não de
perdição.
A conversão de toda a história em Cristo chega a seu ponto culminante naquilo
que chamamos “Parusia”.
O grande critério de identificação entre Jesus e seus irmãos humanos, está
formulada em Mt 25, assim a Parusia vista deste enfoque é um processo histórico que já
começou, a sua plenificação, porém, se realiza quando o processo evolutivo do cosmo
chega a sua última finalidade. Ela será a grande revelação final sobre Jesus, o Cristo,
Senhor do cosmos, verdadeiro homem e verdadeiro Deus, Messias crucificado, mas
ressuscitado por Deus Pai. Confirmado por essa ressurreição como Filho de Deus e
segunda pessoa da Trindade.
O Reino de Deus não começará num futuro longínquo ou no além, mas já
começou. Ele não se situa exclusivamente numa dimensão transcendente, mas começa já,
na história concreta do mundo.
O Reino de Deus não é realidade espiritual e transcendente, mas força
transformadora muito concreta da realidade.

Conclusão
“Ele (Deus) é, uma vez alcançado é o céu, uma vez perdido é o inferno; enquanto
examinador é o juízo; enquanto purificador é o purgatório…E é tudo isso no modo como
Ele se voltou para o mundo, ou seja, em seu Filho Jesus Cristo, que é a possibilidade de
revelação de Deus e, portanto, a síntese das coisas últimas” (Hans Urs Von
Balthasar in Ladaria, 2007.

Debate
Em que a escatologia alimenta nossa fé?

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