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O AMOR FRATERNO COMO SALVAÇÃO ACOLHIDA 1

Isac Antonio Pereira Parente2

Inicialmente, no texto o jesuíta Mario de França Miranda direciona atenção sobre


a importância do contexto histórico para o fazer teológico. Essa importância histórica se
manifesta de forma clara em dois traços, a saber: 1. O recorte da doutrina paulina da
justificação como pertencente à um tempo e à uma circunstância particular; 2. A descrição
das problemáticas basilares a envolver o homem moderno.

É indubitável o fato de que hoje os cristãos não se apoiam na lei nem dela se
apropriam enquanto meio à sua salvação. Além do mais, mesmo as ciências humanas
trazem em si limites, quando de fronte ao mistério complexo da pessoa. Outra
característica própria das sociedades contemporâneas é a multiplicidade das opções na
esfera do sentido. Obviamente, isso traz como consequência rápida temores e
perplexidades mediante à tomada de decisões. Soma-se a isso a dura incoerência moral
dos indivíduos, que em grande parte optam por compactuar com os meios de produção
corruptos e contrários ao bem comum do todo.

Seguindo a linha do raciocínio, o autor constata o seguinte: os homens de hoje,


olhando sem a perspectiva da fé, realmente necessitam de salvação. Sobretudo porque
excluem ou cancelam e matam as condições essenciais para a vida. Lamenta-se pela
constatação de que em um passado não tão distante até o sistema religioso fora utilizado
(ideologicamente) à justificação e manutenção do fatal status quo dominante. Ora, aqui
mais uma vez a história testemunha com suas páginas os erros e acertos cometidos e
também interpela a respeito da salvação cristã no processo histórico de libertação do
homem. Processo que, por sua vez, alcança todos os âmbitos (social, político, econômico).

Antecipadamente afirma o texto que os valores evangélicos são não apenas


necessários para qualquer tipo de renovação social, bem como possibilitam compreensões
adequadas do conceito da salvação cristã. A fim de explicar claramente, Mário de França
fundamenta a salvação cristã em dois momentos particulares: 1. A salvação como

1
Trabalho referente à obtenção de nota parcial na Disciplina de Antropologia Teológica ministrada pelo
Prof. Dr. Pe. Júnior Aquino.
Obra referencial: MIRANDA, Mário de França. A salvação de Jesus Cristo. Ed. Loyola, SP, 2004. 240p.
2
Aluno do Curso de Bacharelado em Teologia pela Faculdade Católica de Fortaleza (FCF), 2023.2
libertação em S. Paulo – Na Sagrada Escritura, há outros modelos além do da justificação
para evidenciar a doutrina da salvação por meio de Jesus Cristo. As cartas paulinas, por
exemplo, apresentam com veemência o termo liberdade. Outro o conceito caro à teologia
paulina é o de libertação da liberdade, ainda mais profundo e preciso que a noção de
justificação pela fé.

O primeiro objetivo de a expressão libertação da liberdade intenta afastar


quaisquer interpretações legalistas e, consequentemente, mortais ao ser humano. Cabe
recordar as passagens bíblicas em que o apóstolo dos gentios dá preeminência ao Espírito
Santo perante ao ostracismo das centenas de leis farisaicas. A libertação acontece também
frente ao pecado, salário da morte. Agora, a última palavra (morte) não poderá separar a
criatura do Criador. Em Cristo, já no Batismo, morre-se na dimensão espiritual das trevas
e começa-se a morrer fisicamente, à medida que a vida se conforma a um morrer com o
Senhor. Nesse sentido, outra afirmação bastante importante surge à tona: a libertação é
dom gratuito dado por Deus. Cristo liberta para dar ao homem da Sua liberdade, isto é,
dar-Se a Si mesmo.

Em profundidade, o autor define a liberdade enquanto condição ontológica pela


qual o agir ético e livre é possível. Para aquém da conceituação grega ou gnóstica, a
teologia paulina da liberdade fundamenta-se na pessoa e na práxis cristã de Jesus. O agir
livre de Cristo perante os do Seu tempo demonstra a libertação assumida nas últimas
consequências. Trata-se da libertação para a liberdade dos filhos de Deus, temática
abordada na teologia paulina e que permite a análise da salvação cristã justamente por
meio de termos paulinos. Sendo ao mesmo tempo dom de Deus que implica um conjunto
de tarefas, S. Paulo termina unindo o falsa oposição entre dogma e moral.

Por outro lado, o segundo momento particular trata da libertação cristã e da


transformação social. Antes de tudo, as mudanças sociais tendem para o coletivo. Seu
objetivo maior é adquirir condições mais propícias à vida humana. Entretanto, também a
história detectou revoluções político-sociais nas quais os meios necessários para a
transformação substituíram o ideal do bem integral humano. A tirania e o poder dos
ditadores atestam que ter liberdade implica inclusive a liberdade dos meios da
transformação da realidade. Mas, no homem há uma inclinação forte para o egoísmo que
o possa levar às vantagens. A fé cristã, porém, oferece a pessoa de Jesus Cristo como a
fonte do amor a Deus para todas as coisas. Escolher por Deus implicaria, assim, no
afastamento da sedução dos meios em qualquer proveito particular.
Se a salvação ou redenção são dons gratuitos, ao homem cabe acolher pela fé a
proposta do Espírito Santo. Pois como está escrito na Carta aos Coríntios “impera a
liberdade onde o Espírito atua” (2Cor 3, 17). Se se perguntar sobre a liberdade cristã, o
autor firma que ela está para a totalidade da pessoa. Sua importância é de tal grau que na
salvação ou na condenação interfere. Ora, através das escolhas livres na realidade
presente a pessoa constrói a si mesma e edifica ou não uma vida orientada para Deus.

Aderir ao evento Jesus Cristo exige das pessoas profunda e inteira liberdade. Nisso
reside a radicalidade da “liberdade-livre” dos cristãos, bem como seu comprometimento,
sua resposta ou atitude religiosa fundamental a Deus. No Novo Testamento, responder
com liberdade a Deus - tendo Ele por primeiro ido ao encontro do homem - é uma ação
cujos nomes se apresentam com diferentes títulos, conversão, fé ou amor. Mas a questão
central está em torno da adesão total a Cristo que exige o todo da pessoa humana: força,
mente, alma e coração. Na Bíblia, a antropologia identifica o coração como centro da
profunda liberdade do homem. O autor escolhe o termo amor por achar que esse designa
plenamente a atitude fundamental do ser humano para com Deus.

E o amor cristão é por excelência o espaço onde a inteireza da pessoa é afirmada.


Na oferta do eu para o outro, no dom de si, a liberdade encontra sua realização profunda.
Onde está o amor a Deus o núcleo da salvação se manifesta latente. Para que isso se
apresente ainda mais claramente têm-se as boas escolhas. Nas opções boas e livres nasce
concretamente o amor autêntico a Deus. O amor não só é uma virtude como a fonte de
todas as outras virtudes.

Além disso, as opções concretas por Deus comprovam o nível da maturidade


moral dos cristãos. Sabe-se que em Sua transcendência, sendo mistério, Deus não pode
ser conhecido nem acessado como um objeto igual os demais. Portanto, para ser
percebido, embora limitadamente, estão as relações interpessoais. No amor fraterno o
homem “descobre” quem é ele e quem é Deus. Em outras palavras, verdadeiro amor a
Deus não dispensa a experiência do amor entre o próximo. Disso decorre que o ágape
cristão necessariamente, indivisivelmente une amor ao Deus e aos irmãos.

Finalmente, a vivência do amor fraterno não é uma tarefa fácil, mas requer esforço,
oração e mudança no jeito de contemplar a realidade. Embora ofuscada, a vida com Deus
insere o ser no dinamismo interno da vida trinitária. Por essa razão, o amor fraterno é o
maior na hierarquia dos atos bons. Não só, é o critério decisivo segundo o
qual os homens poderão ser salvos. Jesus, ao libertar o homem para a liberdade no amor,
insere-o no dinamismo vivo do risco de ser cristão, o de viver de amor e para o amor
concreto. Na doação concreta em favor dos mais pobres e oprimidos da sociedade, a ação
salvífica de Deus triunfa e torna realidade a libertação. Por isso, qualquer ação pastoral
da Igreja que se afaste da vivência do amor fraterno, nem sequer merece a titulação de
cristã.

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