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Aprender a Apropriar-se do Reino de Deus: Educação Religiosa Cristã

para a Liberdade

Abilio Tadeu Arruda

Desde o Antigo Testamento a esperança no Reinado de Deus, o reino do Shalom, é


uma realidade. Para nós cristãos, ele irrompe com Jesus de Nazaré, através de sua vida, morte
e ressurreição. O anúncio deste reino, no contexto do Império romano, possuía implicações
contraditórias. Enquanto este Império se impõe através do poderio militar, de uma ideologia
opressora e através do monopólio do poder político e econômico, o reino que se inaugura
propõe o senhorio do Filho de Deus, um reino onde impere a paz, a prosperidade e a
liberdade. Nas palavras de Groome, “o Reino de Deus não é basicamente um território
governado, nem, por outro lado, um conceito abstrato. É antes, um símbolo que se refere à
atividade concreta de Deus na História, estabelecendo a soberania de Deus”.1
Para Schipani, o Reino de Deus se torna diferente dos reinos temporais por seu caráter
espiritual, tendo em vista ter sido instituído em e através de Jesus Cristo. Porém, esse reino
não possui apenas esse aspecto supra-temporal ou espiritual, tendo em vista que, ao entrar em
contato com a realidade humana, provoca, nesta, profundas transformações. Nas palavras
desse autor,

O Reino de Deus que Jesus Cristo anuncia não é uma libertação de tal ou
qual mal, da opressão política dos romanos, das dificuldades econômicas do
povo, ou do pecado somente. Abarca tudo: o mundo, a pessoa humana e a
sociedade. A realidade inteira há de ser transformada por Deus. 2

Pode-se deduzir, então, que a tarefa da educação religiosa cristã “é a formação para a
liberdade”3, para nos referirmos a uma expressão de Comblin, e isto ocorre ao, na sua prática
pedagógica, guiar as pessoas à apropriação do Reino de Deus. Esta apropriação ocorre, de
acordo com Schipani, quando o ser humano

responde ao chamado à conversão e ao discipulado em meio da comunidade


de Jesus Cristo, a qual há de promover a transformação social para o
aumento da liberdade humana, fazer acessível o conhecimento e o amor de
Deus, e estimular a plena realização humana e o desenvolvimento pessoal. 4

Teólogo e mestre em Ciências da Religião.
Desse modo, cabe à educação religiosa cristã instrumentalizar a práxis, aqui entendida
como ações humanas que denunciam, relativizam e transformam o intermeio, que resulta do
engajamento ao reino de Deus, pois, de acordo com Floristan, “toda práxis é uma atividade ou
ação humana”.5 Se se pode considerar, de acordo com esse autor, “a tradição cristã como a
transmissão de algumas práticas ou ações”6, práxis religiosa cristã se configura como ação, de
mulheres e homens, que tem como referência “a memória cristã [...] de alguns feitos
prototípicos, simbolizados sacramentalmente, que se expressam historicamente”. 7 E a
memória cristã que devemos simbolizar sacramentalmente é a de um Deus que se revela para
libertar os cativos.
O processo educativo que objetiva levar o educando a apropriar-se da liberdade do
Reino de Deus pode ser compreendido, de forma análoga, como o processo de plantar no
coração do ser humano a semente deste reino, fazendo-a crescer de forma plena e abundante.
Deve ser processo dinâmico, porém não apressado. Isto é imprescindível no ensino religioso
cristão, pois, como nos diz com muita propriedade Comblin, “a liberdade não se alcança
satisfazendo os desejos da carne, mas atuando o serviço mútuo voluntário. [...] A liberdade
não consiste em agir de acordo com os desejos imediatos. Tal agir seria, antes, uma forma de
escravidão”.8 Por ser uma utopia9 cristã, a liberdade não se alcança espontaneamente. E esta
utopia, como o horizonte, deve ser diariamente perseguida, pois na sua constante busca,
podemos criar modelos de liberdade que aos poucos nos conduzirá, a nós e aos outros, à
liberdade efetiva.
Por ser inacabado, o ser humano vive em contínua busca de um sentido para a vida. E
a vida só tem sentido quando é vivida livremente. Podemos dizer que é nesta constante busca
pelo sentido da vida que o ser humano existe. Existir, nos diz Freire,
1
GROOME, Thomas H.. Educação Religiosa Cristã: compartilhando nosso caso e visão. São Paulo:
Paulinas, p. 67.
2
SCHIPANI, Daniel S.. El Reino de Dios y el Ministerio Educativo de la Iglesia: fundamentos y
principios de Educación Cristiana. Miami: Editorial Caribe, 1983, p. 81.
3
COMBLIN, José. Perplexidades de quem Educa: a educação cristã forma para a liberdade? In: VIDA
PASTORAL. São Paulo, Nº 198 - JANEIRO-FEVEREIRO DE 1998, p.7.
4
SCHIPANI, Daniel S.. Op. cit., p. 162.
5
FLORISTAN, Casiano. Teologia Practica: teoria y práxis de la acción pastoral. Cuarta Edición.
Salamanca: Ediciones Sígueme, 2002, p. 181.
6
Idem. Ibidem, p. 184.
7
Idem.
8
COMBLIN, José. Op. cit., p. 7.
9
Cf. ASSMANN, Hugo; SUNG, Jung Mo. Competência e Sensibilidade Solidária: educar para a
esperança. - 3ª edição. - Petrópolis: Vozes, 2003, p. 134. “Utopia é aqui entendida no sentido de
desejar e de ‘ver’ um mundo, um lugar, [...] que ainda não existe e que talvez nunca venha a existir,
mas que dá um sentido às ações que nascem do nosso desejo de um mundo melhor”.
Implica numa dialogação eterna do homem com o homem. Do homem com o
mundo. Do homem com o seu criador. É essa dialogação do homem sobre o
mundo e com o mundo mesmo, sobre os desafios e problemas, que o faz
histórico.10

É certo que esta empreitada humana pelo sentido da existência é feita de contradições,
de crises. Nas palavras de Comblin, “os seres humanos sabem o que é bem, mas não o fazem,
não por má vontade, mas por fraqueza, por incapacidade”. 11 Buscar um sentido para a vida é
buscar uma vida melhor. Diante desse desafio, os seres humanos se vêem cercados por
inúmeras possibilidades, cabendo, então, à educação, segundo Sung, “ajudar as pessoas na
escolha de critérios para optar por uma possibilidade, dentre tantas, que dê sentido à vida”.12
O Reino de Deus surge, assim, como possibilidade de sentido para a existência, com
sua utopia da liberdade, da vida plena. Para que esse reino se realize em meio aos seres
humanos, faz-se necessária uma educação religiosa cristã que os conduza à apropriação desse
reino, de maneira que, vislumbrando o horizonte, as pessoas possam promover atos de
libertação, em prol de si mesmas e dos que as cercam.
O Reino de Deus nos convida à ação, à práxis. Como nos diz Comblin, “as pessoas
não agem porque se convenceram por razões intelectuais. Agem porque se identificam com
uma pessoa que age. Entram no agir do outro”.13 Antes, porém, de agirem, as pessoas pensam,
vislumbram caminhos, projetam. E assim, ao deslocarem-se rumo ao projeto estabelecido,
trans-agem em outros agires. Mas esta é uma discussão para outro momento.
Longe de dar respostas, nossa abordagem da educação religiosa cristã suscita
perguntas, pelo menos para nós mesmos, tais como: De que forma o processo educativo
cristão pode levar as pessoas à liberdade, sendo apologético? Que métodos e metodologias
podem levar a cabo seu objetivo de conduzir os educandos à apropriação do Reino de Deus,
sendo ele utópico?
Essas questões que nos colocamos se baseiam na hipótese de que a educação religiosa
cristã, da forma como foi abordada, permite uma emancipação do ser humano, de modo que
Preiswerk a denomina “Educação Cristã Liberal” e deixa-nos a incômoda colocação, que
segue:
10
FREIRE, Paulo. Educação como Prática da Liberdade. 23ª Edição. - Rio de Janeiro: Paz e Terra,
1999, p. 68.
11
COMBLIN, José. Op. cit, p. 8.
12
SUNG, Jung Mo. Anotação de Palestra realizada em 26/08/2004, no auditório da Universidade
Metodista de São Paulo.
13
COMBLIN, José. Op. Cit., p. 10.
Su ignorancia ingenua o voluntaria de los condicionamientos sociales hace
que mantenga y propague una ilusión: la proclamación de la libertad, de la
fraternidad y de la igualdad en el marco de una estructura social que necesita
de la opresión, de la competencia y de la desigualdad para mantenerse y
crescer.14

Como superarmos, como teólogos e educadores cristãos este paradoxo?

PREISWERK, Matias. Educar en la Palabra viva: marco teórico para la educación cristiana. Lima:
14

CELADEC, 1984, p. 41.

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