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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA- PUCSP

Douglas Basílio
Emmanuel Sydorak Plinta
Fernando Oliveira do Nascimento
Lucas Moura de Oliveira
Maurício Antônio Borges
Wellington Batista de Aquino

RESENHA CRÍTICA ACERCA DO PRIMEIRO CAPÍTULO


DA OBRA TRINDADE E SOCIEDADE,
DE LEONARDO BOFF

São Paulo
2022
TRINDADE E SOCIEDADE

A Trindade é o ponto central da nossa fé. Ao recorrermos à história da


Revelação, percorrendo desde a manifestação de Deus a Abraão e ao povo de Israel,
ao evento Jesus Cristo com toda a sua participação na história humana e à descida
do Espírito Santo e seus efeitos, vemos em tudo isso a economia da salvação, pela
qual o Deus uno e trino se revela aos homens, deixando-se encontrar e, ao mesmo
tempo, não perdendo sua condição de Mistério, transformando a história humana em
divina e fazendo com que os homens vivam uma experiência radical que toca as várias
dimensões de sua existência.
A doutrina trinitária do cristianismo se deu em duas etapas: 1) experiência-
fontal (convivência dos discípulos com Jesus); 2) mais tarde os cristãos traduziram a
proclamação na Trindade numa. Daí que surge a distinção entre a fé e a explicação
da fé. A primeira diz respeito à resposta à revelação divina, com a qual, por exemplo,
professamos que Deus é Pai, Filho e Espírito Santo. A última se refere à resposta da
razão às questões que a fé suscita: Deus é uma natureza em três Pessoas. O três
evita a solidão, supera a separação e ultrapassa a exclusão. Somente entre Pessoas
pode haver união, porque elas intrinsecamente se abrem umas às outras — a
comunhão é expressão do amor e da vida. A fé cristã compreende Deus como sendo
Pai, Filho e Espírito Santo, sendo um só Deus em três Pessoas que vivem uma eterna
correlação, interpenetração e amor. Nem sempre os homens tiveram consciência
dessa união divina, mas tanto Deus se revelou tal como ele é — trinitariamente —,
como a realidade trinitária já havia sido experimentada pelos homens. É com Jesus e
o Espírito Santo que a humanidade toma consciência do Deus uno e trino.
Boff chama a atenção para os desafios da fé da sociedade quanto à Santíssima
Trindade e que contribuições a fé pode trazer com respeito à libertação. Ele foca sua
análise nas sociedades latino-americanas e outras do Terceiro Mundo que, segundo
o autor, num primeiro momento viveram dependentes dos impérios Ibéricos, depois
dependentes do capitalismo expansivo e, por fim, dependentes do capital mundial. O
autor fala de um dualismo profundo na sociedade: a abundante produção de bens dos
países desenvolvidos ou classes dominantes; e a pobreza e miséria impostas aos
países já pobres. Esse dualismo é classificado por Boff como sistema mundial de
desenvolvimento de moldes capitalistas que gera profundas desigualdades de toda
ordem.
O teólogo assevera que a dependência citada acima ocorre em todos os níveis
sociais, desde o sistema econômico até no campo religioso. E considera que os
pobres possuem muitos rostos, filhos e filhas de Deus desfigurados (negros
segregados, indígenas desprezados, mulheres reprimidas, entre outros). E a
participação do cristianismo nesse processo, diz o autor, se deu com uma
ambiguidade: as classes dominantes fizeram desse processo uma versão
espiritualista e redutora para manter sua dominação; as classes médias oscilam entre
um cristianismo progressista adequado aos seus interesses e um cristianismo
libertário; e as classes subalternas sofrem forte interiorização dos valores religiosos.
A Igreja, na promoção da vida, sempre denunciou as violações dos direitos dos
marginalizados. Isso foi um fator importante para o surgimento da teologia da
libertação, a partir da qual a pastoral libertadora das Igrejas levou a sério a opção
preferencial pelos pobres. A libertação histórica, expressa na salvação plena em
Deus, se dá na participação de todos nos diversos níveis da vida social, na promoção
da dignidade humana e na criação de oportunidades de desenvolvimento para todas
as pessoas. Assim é formada a comunidade eclesial seguidora de Jesus. Uma
sociedade com essa estrutura pode se tornar sacramento da Trindade.
Dificilmente as relações humanas nos poderão mostrar a comunhão existente
na Trindade – Pai, Filho e Espírito Santo. E isto parece que perpassa de geração em
geração. Inclusive, dá a entender que, o que muda são só as pessoas e os contextos,
porque os problemas parecem ser sempre os mesmos, a saber, individualismo,
afetividade deturpada e autoritarismo. A partir desses três problemas a humanidade
sempre ficará em situação de risco, pois são através deles que as pessoas enxergam
a imagem de cada Pessoa da Trindade — ou pelo menos parece ser tendencioso tal
olhar devido as condições presentes na vida daquele que observa. É desta visão
ofuscada, se assim podemos dizer, que o ser humano cria um Deus conforme a sua
imaginação e não o Deus do cristianismo, o Deus que caminha com o seu povo.
Na terceira parte do capítulo I, o Boff nos mostra como o contexto histórico foi
— e continua sendo — um certo empecilho para a afirmação da ideia de Trindade. O
primeiro problema é a forte influência do judaísmo nas primeiras comunidades e, a
princípio, a Trindade não é vista como uma comunhão de Pessoas, mas como se
Deus estivesse dividido. O segundo problema é a herança das fortes correntes
filosóficas gregas, que racionalmente chegam à conclusão de que Deus existe, ainda
que O veja de forma apática e mecanicista. Todavia, esses raciocínios são incapazes
de se fazer chegar à Trindade eterna. Por fim, o terceiro obstáculo é o pensamento
moderno, que só busca o que tem valor prático. Nessa perspectiva, é indiferente que
seja um, três, dez Pessoas, ou pior, que não exista, o que vale nas mais diversas
correntes modernas é a conduta humana. Essas três formas de pensar possuem uma
estruturação racional, mas ambas não captam a Santíssima Trindade exposta pelo
cristianismo. O grande erro está em querer “encaixar” o cristianismo à sua razão,
sendo que a Igreja nunca nos apresentou o Único e Trino Deus desta maneira, pois a
perspectiva real é de que as pessoas é que precisam se converter, e não o contrário.
A lógica da Trindade vai contra uma afirmação de si mesmo, antes, passa pelo
caminho da cruz. Este sim é que leva à plena realização de si diante da doação a
Deus por amor.
Em tempos de sinodalidade, as colocações de Boff são de grande pertinência.
Lutamos para abandonar uma Igreja autoritária e estabelecer uma Igreja de comunhão
e participação. Uma comunidade que seja imagem e semelhança de seu Deus-
Trindade deve, necessariamente, estabelecer-se como uma comunhão de amor entre
pessoas, renunciando ao autoritarismo gerado pelo rígido monoteísmo. Assim como
na Trindade, o poder na Igreja e na sociedade não deve ser absoluto, uma vez que
Deus não é uma Pessoa maior que todos, mas ele mesmo é uma comunhão de
Pessoas de igual poder e grandeza. A união das três pessoas da trindade se dá pela
coabitação, coexistem umas dentro das outras. São três Pessoas igualmente eternas,
onipotentes e amorosas que se abrem em direção das pessoas que buscam o perdão
e a totalidade do universo.
Cada ser humano se movimenta de maneira tripla, graças a concepção trinitária
de Deus: a Transcendência, a imanência e a transparência. Pela transcendência, o
indivíduo se direciona para o Deus que existe antes de todas as coisas: é a
experiência com a figura do Pai. A imanência refere-se à revelação humana. O Filho,
que é a revelação do Pai, vai de encontro ao indivíduo que quer se revelar e relacionar
com uma sociedade fraternal, buscando ressaltar a sua raiz transcendental. Já a
transparência se dá através da união do transcendente com o imanente, do mundo
humano com o divino. Experimenta-se o dom de Deus para a transformação do
universo. Deste modo, o indivíduo, imagem da Trindade, preenche-se de todas as
suas inquietações existenciais por meio da interação com cada uma das três Pessoas
divinas. O Pai corresponde à busca do indivíduo por alicerçar sua existência em algo
que exista antes de tudo que é criado e que demonstra carinho e segurança para com
ele. O Filho é a revelação do Deus que se faz irmão e próximo aos sofrimentos das
criaturas, de modo que a vida em sociedade se desdobre em relações dialogais e
fraternas. O Espírito Santo é a força que move o ser em sua existência e o direciona
para transformar a criação, visando o bem comum.

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