Você está na página 1de 11

P á g i n a |1

O MISTÉRIO DA TRINDADE
Leonardo Boff começa sua obra sobre a Trindade afirmando que Deus não é solidão, mas
comunhão das três pessoas divinas. Assim, quando falamos em Trindade não devemos
pensar em número, porque se pensar em número Deus é um só. Mas, quando falamos em
Trindade queremos expressar a natureza essencial de Deus como comunhão, vida e amor.
As três pessoas divinas emergem desde sempre juntas. Nunca existiram separadas nem antes uma
da outra. E de uma forma mais livre do rigor dogmático pode-se dizer segundo Boff:
“... o Deus que está acima de nós, sempre nos gerando, chama-se Pai. O Deus que está ao nosso
lado, caminhando conosco, chama-se Filho, e o Deus que está dentro de nós, nos iluminando, chama-se
Espírito Santo. Todos nós fomos criados à imagem e semelhança da Trindade. Por isso, somos também seres
de relação, de comunhão e de amor. Sempre que vivemos estas realidades tornamos visível em nós através
de nós o Deus Trindade”. (A Santíssima Trindade é a melhor comunidade, Vozes, 2009, p. 13-14)
Para mergulharmos nesse mistério fundamental da nossa fé começaremos por observar algumas
expressões comuns de nossa vida de fé.

• “’Creio em um só Deus’. É com estas palavras que começa o Símbolo niceno-constantinopolitano. A


confissão da Unicidade de Deus, que tem sua raiz na Revelação Divina da Antiga Aliança, é inseparável
da confissão da existência de Deus, e igualmente fundamental. Deus é único, só existe um Deus. ‘A fé
cristã confessa que há Um só Deus, por natureza, por substância e por essência’." (CIC, n. 200)

• O sinal da Cruz: Cada um de nós pelo Batismo foi consagrado a Deus “em nome do pai e do Filho e do
Espírito Santo” (Mt 28,19). Desde criança aprendemos a fazer o sinal da cruz, nossa primeira oração.

Segundo Anselm Grün o ritual que melhor conhecemos é o sinal da cruz. Que muitos cristãos fazem
superficialmente e não pensam no que significa este gesto. Desde o primeiro século este sinal já
caracterizava os cristãos, expressando que tudo neles era tocado e abençoado pelo amor de Jesus. Na
cruz Jesus nos amou até o fim e todos os opostos em nós são preenchidos por esse amor.
Tocamos primeiro a testa a fim de deixar entrar em nosso pensar o amor de Jesus, depois o baixo-
ventre, para que o amor de Deus flua para dentro de nossa vitalidade e sexualidade e nelas penetre.
Vamos então com a mão do ombro esquerdo para o direito. O ombro esquerdo representa o
inconsciente, o feminino em nós e o coração. O ombro direito significa o consciente, o masculino e o
trabalho ativo. Tudo em nós é amado por Deus, tudo é curado e transformado por seu amor. Outro
significado você é livre. Você pertence a Deus. Sua vida está sob a bênção de Deus. (A fé dos Jovens,
Vozes, 2010, p. 121-125)

• Sobre o Amém: Em hebraico, a palavra "amém" está ligada à mesma raiz da palavra "crer". Esta raiz
exprime a solidez, a confiabilidade, a fidelidade. Assim, compreendemos por que o "amém" pode ser
dito da fidelidade de Deus para conosco e de nossa confiança n ele. (CIC, n. 1062)

• Sobre o “Glória ao Pai, ao Filho e ao Espírito Santo”: assim louvamos, adoramos e glorificamos as Três
pessoas divinas com esse antigo louvor que o Papa Dâmaso determinou que terminassem sempre os
salmos e recomendava inclinar a cabeça, para honrar a Santíssima Trindade que habita em nós.

• Depois aprendemos o Credo (Creio): assim nossa profissão de fé nos ensina que existe um único Deus
(monoteísmo), convicção que os cristãos receberam do AT e tem em comum com o judaísmo e o
islamismo.

E a Trindade, isto é, que este único Deus subsiste em três pessoas: Pai, Filho e Espírito Santo; fé que
especifica a originalidade cristã e distingue de todas as outras religiões, monoteístas e politeístas.

“O mistério da Santíssima É, portanto, a fonte de todos os outros mistérios da fé, é a luz que os
ilumina. É o ensinamento mais fundamental e essencial na "hierarquia das verdades de fé". "Toda a
P á g i n a |2

história da salvação não é senão a história da via e dos meios pelos quais o Deus verdadeiro e
Único, Pai, Filho e Espírito Santo, se revela, reconcilia consigo e une a si os homens que se afastam
do pecado.” (CIC, n. 234)

A Possibilidade e o sentido da Doutrina Trinitária


“O que sem dúvida está no centro da fé e da vida da Igreja deveria
estar também no centro da consciência cristã.”1
A Trindade é o fundamento da fé cristã e de todo o momento
celebrativo da Igreja. A Trindade nos foi revelada a partir da real
experiência da fé, na qual Deus enviou o seu próprio Filho para se
encarnar em meio à humanidade através da ação do Espírito Santo.
Desse modo, podemos observar que a doutrina trinitária surge logo
após essa experiência de fé, pois ela decorre em tentativas para
expressar de modo significativo e coerente tal realidade.

Na afirmação do Papa Bento XVI sobre a confissão de Deus tri-uno, está a afirmação sobre o Deus
pessoal e o espaço do amor, e por conseguinte, da liberdade que caracteriza a noção cristã do mundo e da
criação e, em particular, do homem como pessoa. Em um mundo que é amor, o maior é simplemente
aquele que pode amar.2

Para conhecermos de fato o mistério trinitário é necessário que aprofundemos o conhecimento de


Deus através de sua revelação. Antes disso, porém, temos que refletirmos sobre a história da auto-
revelação de Deus na história da salvação segundo a tradição judaico-cristã. Assim, podemos observar que
é Deus quem quis se comunicar com os homens e essa comunicação culmina na autocomunicação do
próprio Deus em Jesus – (Deus Encarnado) e no Espírito (Deus agindo entre os homens).

A Trindade é um mistério que se entende, mas não se compreende totalmente, porém, ela é
experimentada, crida e vivida antes de ser propriamente “pensada” e conceituada.

A fé trinitária precede à teologia e ao dogma, pois a fé é a manifestação do agir de Deus, assim se


Deus em sua ação age trinitariamente, Deus é Trindade.

O homem é um ser transcendental que tem necessidade de Deus. Quando a comunidade primitiva
acolhe a comunicação de Deus, ela o faz de modo monoteísta, mas com peculiaridade trinitária.

Jesus e o Espírito não são “meios” extrínsecos a Deus pelos quais Deus se comunica ao homem,
como foram a Lei ou os Profetas: são o próprio Deus comunicado ao homem. Jesus e o Espírito pertencem
ao ser de Deus. Esta foi a novidade cristã: Jesus e o Espírito Santo dados na autocomunicação de Deus,
ambos revelam e comunicam o ser e a vida de Deus.

“J. Ratzinger sublinha o ponto de partida da fé trinitária da Igreja: este não pode ser mais
do que a figura de Jesus Cristo, um homem que se proclama e é Filho de Deus: por um lado
se dirige a Deus, fala-lhe, chama-lhe de Pai; tem que ser, por conseguinte, ‘diferente’ de
Deus Pai. Por outro lado, sua função de mediador nos diz que ele certamente é homem,
mas também Deus, por que do contrário não nos levaria a ele. Jesus é ‘Deus conosco’,
(Emmanuel), Deus que se aproxima de nós, mas não como ‘Pai’ senão como ‘Filho’ e como
irmão para nós. Descobrimos, portanto, em Deus uma duplicidade, Deus é eu e tu. A isto
se acrescenta a experiência do ‘Espírito Santo’, a presença de Deus em nós, em nosso ser
íntimo. Este Espírito não pode ser identificado nem com o Pai e nem com o Filho, nem
tampouco é um ‘terceiro’ entre Deus e nós, ‘mas é a maneira como Deus mesmo se dá a

1
LADARIA, L. F. O Deus vivo e verdadeiro: o mistério da Trindade, p. 28.
2
Cf. HOHEMBERGER, Gilcemar & DE ASSUNÇÃO, Rudy Albino (org.) O Primado do Amor e da Verdade: o
patrimônio espiritual de Bento XVI, p. 28.
P á g i n a |3

nós, como entra em nós, de tal modo que ele no homem e no centro de seu ser está com
tudo infinitamente acima dele”3.

A doutrina da Trindade surge da necessidade de proteger a soteriologia cristã, explicitando os


implícitos de sua teologia, cristologia e pneumatologia. Para Karl Rahner “a Trindade econômica é a
Trindade imanente, e vice-versa”.

➢ Trindade econômica: é a triforme manifestação de Deus na história salvífica. (Cf. Padres Gregos).
➢ Trindade imanente: é a realidade de Deus como é em si.

Logo, só podemos falar o que Deus é para nós a partir de sua auto-revelação e do que é Deus em si
(segundo Karl Rahner). Assim, se Deus se revelou como 3 pessoas, então Deus é três pessoas: Pai, Filho e
Espírito Santo.

A LINGUAGEM ADEQUADA PARA SE FALAR DA TRINDADE SEGUNDO A TRADIÇÃO.

Depois de um longo processo de busca e tentativas para se falar desse mistério, e até com erros de
interpretações, se adotaram algumas palavras da cultura da época para se elaborar um discurso sobre o
Deus Cristão.
Elaboraram-se algumas palavras para se falar do mistério trinitário: Substância, Hipóstase,
Processões, Relações, Noções, etc.
Algumas dessas palavras expressam o que em Deus é um: Substância, Natureza, essência. Outras
expressam o que em Deus é três: Hipóstase, Subsistência, Pessoa. A palavra relação indica o que é próprio
a cada pessoa. Na linguagem mais comum se deu preferência para natureza e pessoa e se anuncia: Uma só
natureza divina em três pessoas distintas.
Assim sendo:
O QUE É UM EM DEUS
 Quando nos referimos a Um, as categorias são Substância, Essência e Natureza. Estas palavras são
sinônimas, mas cada uma tem suas nuanças próprias.

SUBSTÂNCIA: o que dá suporte e une permanentemente cada uma das três Pessoas divinas. Está em cada
uma de modo diverso mais real. É o que une em Deus e é idêntico em cada uma das Pessoas. Termo mais
estático.
ESSÊNCIA: é aquilo que constitui Deus Trino em si mesmo, a divindade; é o ser, o amor, a bondade, a
verdade e a comunhão recíproca, na forma do absoluto e infinito. É a razão intima de ser Trindade.
Trindade Imanente.
NATUREZA: é a substância divina uma e única em cada uma das Pessoas, ela responde pela unidade ou a
união em Deus. Dá suporte, sustenta a unidade das pessoas. Dinamiza internamente a distinção de cada
uma das três pessoas divinas.

O QUE É DOIS EM DEUS


 Quando nos referimos a dois, as categorias são: Processões (geração e espiração) Filho e Espírito Santo.
PROCESSÃO: (indica a dinamicidade) é a derivação de uma Pessoa partindo da outra, mas
consubstancialmente, na unidade de uma mesma e única natureza, substância ou essência. As pessoas
procedem uma da outra. Porém o Pai não procede de ninguém, pois ele é princípio sem princípio, Ele é
inascível. Deus pensa a si mesmo e como pensamento absoluto dá a realidade a si próprio, estabelecendo
uma conexão que é o amor. O Pai gera, o Filho nasce e o Espírito Santo procede.

3
HOHEMBERGER, Gilcemar & DE ASSUNÇÃO, Rudy Albino (org.) O Primado do Amor e da Verdade: o
patrimônio espiritual de Bento XVI, p. 29.
P á g i n a |4

GERAÇÃO: (operação intelectiva) termo para expressar a geração do Filho por parte do Pai. O Pai se
conhece absolutamente e a expressão disto é o Filho. O Pai não causa o Filho, mas lhe comunica o próprio
ser. O Filho procede do Pai.
ESPIRAÇÃO: (operação volitiva) ato pelo qual o Pai juntamente com o Filho faz proceder a Pessoa do
Espírito Santo (segundo os latinos) como de um único princípio. Os gregos fazem derivar o Espírito somente
do Pai, do Filho ou do Pai através do Filho.

O QUE É TRÊS EM DEUS


 Quando nos referimos a três, as categorias são: Pessoas, Subsistente e Hipóstase.

PESSOA: em linguagem trinitária significa aquilo que em Deus é distinto; é a individualidade de cada Pessoa
que simultaneamente existe em si e em eterna comunhão com as outras duas. Individualidade racional –
sujeito espiritual que se possui a si mesmo. Indica subjetividade e espiritualidade.
HIPÓSTASE: apenas um termo grego para designar a Pessoa divina, designa a individualidade que existe em
si, distinta de todas as demais. Cada Pessoa divina possui uma existência singular, distinta das outras duas.
Individualidade distinta de todas as demais. O Pai é Pai, o Filho é Filho e o Espírito Santo é Espírito Santo.
SUBSISTÊNCIA: cada pessoa divina é um subsistente. Existência real. Subsiste em si mesmo de modo
singular. É o termo latino para hipóstase. Cada Pessoa divina é um Subsistente, ou seja, possui uma
existência real.

O QUE É QUATRO EM DEUS


 Quando nos referimos a quatro as categorias são: Relações= Paternidade, Filiação, espiração ativa e
espiração passiva.

O fato de o Filho proceder do Pai e o Espírito Santo do Pai e do Filho (segundo os latinos) como de um único
princípio, faz com que entre as três divinas Pessoas vigorem relações mútuas. Relação significa a ordenação
de uma pessoa à outra, a conexão entre os divinos três. Cada uma das pessoas entrega tudo às outras,
exceto aquilo que lhe é próprio, incomunicável e exclusivo: Paternidade, Filiação e Espiração.

PATERNIDADE: do Pai para com o Filho;


FILIAÇÃO: do Filho para com o Pai;
ESPIRAÇÃO ATIVA: do Pai e do Filho para com o Espírito Santo;
ESPIRAÇÃO PASSIVA: do Espírito Santo para com o Pai e o Filho.

Assim sendo, é pela relação que uma Pessoa coloca a outra e assim se diferencia dela; cada uma supõe
essencialmente a outra e a exige.

O QUE É CINCO EM DEUS


 Quando nos referimos a cinco, as categorias são: Noções (Inascibilidade, Paternidade, Filiação,
Espiração Ativa e Espiração Passiva).

Por noções trinitárias se designam as características ou notas que nos permitem conhecer as Pessoas nelas
mesmas, uma diferente da outra.
Comumente se enumeram cinco noções (características):
PATERNIDADE: principio para a primeira pessoa (Pai)
INASCIBILIDADE: princípio da primeira Pessoa (Pai)
FILIAÇÃO: (verbo, imagem, expressão, sacramento) para a segunda Pessoa (Filho)
ESPIRAÇÃO ATIVA: para o Pai e o Filho
ESPIRAÇÃO PASSIVA: para o Espírito Santo (dom, amor, nexo entre o Pai e o Filho).

TRINDADE ECONÔMICA E TRINDADE IMANENTE.


P á g i n a |5

* Trindade Econômica: entendemos a presença da Trindade ou das distintas Pessoas dentro da história da
salvação. Esta história era entendida na Igreja antiga como economia, quer dizer, como a sucessão de fases
de um projeto divino que progressivamente vai se realizando e simultaneamente vai sendo revelado.
Portanto, a Trindade Econômica é a Trindade enquanto se auto-revelou na história da humanidade e age
em vista à nossa participação na comunhão trinitária.
Trindade Econômica: a trindade que se revelou no percurso histórico-salvífico:
Pai – Filho – Espírito Santo

* Trindade Imanente: é a Trindade considerada em si mesma, em sua eternidade e comunhão pericorética


entre o Pai, o Filho e o Espírito Santo. Com certeza, a realidade trinitária faz com que a manifestação divina
na história seja trinitária e a manifestação realmente trinitária de Deus nos faz compreender que Deus é de
fato Trindade de Pessoas: Pai, Filho e Espírito Santo. Assim sendo, a Trindade entendida em si mesma, a
relação interna entre as divinas Pessoas, o mistério eterno de processão trinitária, a tudo isto, chamamos
então de Trindade Imanente.
Trindade Imanente: a trindade em si mesma. Relação interna entre as divinas pessoas, o mistério eterno de
processão Trinitária.

A PERICÓRESE TRINITÁRIA:
As relações de comunhão entre as Três Pessoas, uma dentro totalmente da outra, o fato de Pai,
Filho e Espírito Santo serem consubstanciais, permitem contemplar a plena interpenetração das Pessoas
entre si. Tal realidade é expressa pela palavra grega PERICÓRESE ou pelas latinas CIRCUMINSESSÃO ou
CIRCUMINCESSÃO. Como a filologia dos termos sugere, significa: a coabitação. coexistência e a
compenetração das pessoas divinas entre si.
Há uma circulação total da vida e uma co-igualdade perfeita entre as Pessoas, sem qualquer
anterioridade ou superioridade de uma à outra. Tudo nelas é comum e é comunicado entre si, menos
aquilo que é impossível de comunicar: o que as distingue uma das outras. O Pai está todo no Filho e no
Espírito Santo; o Filho está todo no Pai e no Espírito Santo; e o Espírito Santo está todo no Pai e no Filho.
Em suma: Pericórese é a expressão grega que literalmente significa uma Pessoa conter as outras
duas (em sentido estático) ou então cada uma das Pessoas interpenetrar as outras e reciprocamente
(sentido ativo); o adjetivo pericorético quer designar o caráter de comunhão que vigora entre as divinas
Pessoas.

CONCLUSÃO
A doutrina Trinitária não é uma especulação ociosa sobre o ser de Deus, mas é a chave que abre o
mais profundo do sentido do ser humano, criado à imagem do Deus Trino, para a comunhão que começa
neste mundo vivendo a filiação divina na fraternidade inter-humana, e deve acabar com a real participação
na plenitude de vida trinitária de Deus.
Diante do Mistério da Trindade só podemos balbuciar palavras que tentam expressá-lo. O Mistério
de Deus Uno e Trino revela que os recursos humanos são inacessíveis à compreensão de toda a realidade. É
uma realidade infinita que, gratuitamente, por amor, veio até nós.
O mistério de Deus é semelhante a uma fonte de água. Não importa o número de pessoas que
bebem. Todos bebem da fonte, mas não bebem a fonte. A fonte continua sempre a mesma. Ninguém
esgota a fonte. O mistério de Deus é como a fonte. Ele se aproxima, se revela e se doa. Dele todos podem
participar, mas ninguém pode esgotar nem dominar o mistério.
O mistério de Deus é também comparado ao horizonte. O horizonte é lá onde parece que o céu e a
terra se encontram. Você pode ver até onde o horizonte aparece para você. Pode ir até aquele ponto em
que parece que se encontram o céu e a terra. Mas quando você pisa naquele ponto de referência do
P á g i n a |6

horizonte, ele já está a sua frente, talvez ainda maior. E você se senta e contempla
alegre, descansando para mais uma caminhada.
É preciso aproximar-se para beber, mesmo sabendo que não se pode beber
a fonte. É preciso aceitar o desafio do horizonte, para se poder andar. Só se vai para frente, tendo o
horizonte sempre à frente. Não se perdeu, por não esgotar a fonte, mas se saciou. Não se perdeu por não
tocar o horizonte, mas se andou.
O mistério da Trindade é a fonte inesgotável da vida e do amor, na qual todos podem se saciar. É o
horizonte onde todos chegam, mas está sempre à frente. Mistério que se revela e se doa, mas permanece
mistério, sempre maior do que tudo o que se pode imaginar e pensar. E isso, sobretudo, porque estamos
falando, não simplesmente de Deus, mas do Deus da fé cristã, do Deus revelado em Jesus Cristo e por Jesus
Cristo, ou seja, o Deus Uno e Trino.
Segundo o Papa Emérito Bento XVI:
“O que se diz de Cristo se pode aplicar aos cristãos. Ser cristão significa ser como o Filho, e
por conseguinte ser ‘filho’, não estar fechado em si mesmo, nem consistir em si mesmo,
senão viver com abertura ao ‘de’ e ao ‘para’; a referência é sempre Cristo: ‘Desta maneira
pertence também à essência da existência dos discípulos que o homem não estabelece a
reserva do meramente próprio, não se preocupa em construir a substância do eu fechado,
mas entra na pura relação com os outros e com Deus e precisamente assim chega
verdadeiramente a si mesmo, à plenitude do que lhe é próprio, porque entra na unidade
com aquele com respeito ao qual é relativo’”.4

“Quando nós, cristãos, confessamos a Trindade de Deus, queremos afirmar que Deus não é alguém
solitário, fechado em si mesmo, mas um ser solidário. Deus é comunidade, vida compartilhada, dedicação,
doação recíproca, feliz comunhão de vida. Deus é, ao mesmo tempo, o amante, o amado e o amor[...]
Confessar a Trindade não quer dizer, apenas, reconhecê-la como princípio, mas também aceitá-la como
modelo último da nossa vida. Quando afirmamos e respeitamos as diversidade e o pluralismo entre os
seres humanos, na prática confessamos a distinção trinitária de pessoas. Quando eliminamos as distâncias
e trabalhamos para realizar a efetiva igualdade entre homem e mulher, entre afortunados e despossuídos,
entre próximos e distantes, afirmamos na prática a igualdade das pessoas da Trindade. Quando nos
esforçamos por ter “um só coração e uma só alma” e aprendemos a colocar tudo em comum, para que
ninguém tenha de passar pela indigência, estamos confessando o único confessando o único Deus e
acolhendo em nós a sua vida trinitária.” (Bispos de Navarra e do País Basco, Páscoa de 1986)

TEOLOGIA TRINITÁRIA
A teologia cristã elaborou três caminhos de acesso racional ao mistério divino segundo Leonardo
Boff5, os dois primeiros a partir dos Padres da Igreja, que são os primeiros grandes teólogos da fé crista.
Eles escreveram em língua grega ou latina, e segundo Maria clara Bingemer: defenderam a fé diante dos
primeiros ataques, mantiveram firme a ortodoxia, isto é, a justa verdade como foi revelada na Sagrada
Escritura6.
Os três caminhos apresentados por Maria Clara Bingemer7:
O primeiro caminho – elaborado pelos padres gregos, entre eles: Orígenes, Atanásio, os Capadócios
(Basílio, Gregório de Nissa e Gregório de Nazianzo). Partindo das Escrituras mostraram o Pai como o
primeiro a ser revelado e ensinaram que Deus mesmo é o Pai (entendiam a Trindade a partir da pessoa do

4
HOHEMBERGER, Gilcemar & DE ASSUNÇÃO, Rudy Albino (org.) O Primado do Amor e da Verdade: o
patrimônio espiritual de Bento XVI, p. 43.
5
A Trindade e a sociedade, p. 64.
6
Cf. Maria clara L. BINGEMER e Vitor Galdino FELLER, Deus Trindade: a vida no coração do mundo, p. 145.
7
Cf. Maria clara L. BINGEMER e Vitor Galdino FELLER, Deus Trindade: a vida no coração do mundo, p. 145-148.
P á g i n a |7

Pai). O Filho e o Espírito Santo participam da divindade do Pai, não de modo subordinado. Essa teologia
pretende preservar o sentido do mistério. Ressalta a monarquia do Pai, entendendo monarquia só sentido
teológico-trinitário: na Trindade há um só princípio, que é o Pai.
O segundo caminho – elaborado pelos padres latinos e pelos teólogos da Idade Média. Baseados na
Escritura que nos revela um só Deus em três sujeitos distintos, insistiam na unidade de Deus. Entendiam a
Trindade, a partir da essência uma e única de Deus. Essa essência única é a comunhão de Deus, que existe
em três modos distintos de ser. Para esses teólogos Deus mesmo é a Trindade, diferente dos gregos que
Deus mesmo é o Pai.
O terceiro caminho segundo Maria Clara está em elaboração. Nesse grupo estariam os teólogos
modernos, que entendem que é preciso falar de Deus de modo tal que o discurso teológico, devidamente
baseado na Bíblia e nas outras fontes da fé, possa servir para colaborar com a criação de sociedades mais
democráticas e pluralistas, onde as pessoas e também as culturas, religiões e igrejas sejam respeitadas,
cada uma em sua diversidade e valor, e todas em vista do bem comum. Eles entendem a Trindade
exatamente a partir da distinção das três pessoas. A Trindade é a comunhão de pessoas distintas.
Alguns quadros para expressar o que distingue e o que une em Deus:

O que distingue em Deus8:

Gregos Latinos

Prósopon= realidade concreta Prósopon= persona (pessoa)


individual, objetiva Acréscimo: subjetividade, espiritualidade,
personalidade.

Em Deus subsistem 3 = Pai, Filho , Espírito Santo


3 Prósopa ou 3 Personae
(individualidade concreta)

O que une em Deus:

Gregos Latinos
Hipóstasis / Ousia Hipóstasis = Substantia / Essência
Fundamento, base, Algo estável, permanente e imutável
Realidade objetiva e subsistente
Em Deus existe uma Substancia e três pessoas
Em Deus existe uma hipóstasis e três pessoas

Uma hipóstasis ou Substância ou Essência

8
Alfeu PISO, Trindade, 2008.
P á g i n a |8

Confusão e clarificação das palavras:

Gregos Latinos
Prósopon = com influência modalista, passou a Confusão se deu quando se traduziu...
indicar máscaras, modos de ser.
Hipóstasis (pessoa) = Substantia / Essência
Hipóstasis = além de conceito abstrato, Heresia – Em Deus haveria três substâncias.
expressa uma realidade objetiva Triteismo.
e subsistente.
(Palavras sinônimas) = Pessoa Deus existe em Três Pessoas e numa
Hipóstasis ≠ Ousía (fundamento, base) natureza, essência ou substância.

Três hipóstasis e uma Ousía

Gregos Latinos
Distingue: Três hipóstasis (pessoas) Distingue: Três Personae
Une: Uma Ousía (essência) Une: Uma Substância / Essência/ Natureza

“Os gregos tinham um problema: pensavam as pessoas e as relações entre as pessoas sobre uma
base, uma ‘substância’, a ‘natureza’. Falaram, assim, em termos de naturezas. A teologia cristã precisou
inverter essa relação: a pessoa não provém nem está plantada numa substância impessoal, mas ela mesma,
em suas relações, constitui a sua substância. Isso ficou claro na pericorese de pessoas, segundo o teólogo
João Damasceno. Triunfou a pessoa!”9
É também importante observar que entre os Padres Apostólicos não havia uma teologia trinitária
escrita, havia apenas fórmulas trinitárias. Com os Padres Apologetas iniciam-se as reflexões devido a defesa
da fé cristã. Mas, a reflexão teológica com mais profundidade sobre a unidade e distinção começa no final
do séc. II e início do séc. III.

Resumido e organizado:
Pe. Antônio Élcio de Souza (Pitico)

BIBLIOGRAFIA:
BINGEMER , Maria clara L. e FELLER, Vitor Galdino. Deus Trindade: a vida no coração do mundo. SP: Paulinas e
Valencia: Siquem, 2003. (Col. Teologia Sistemática 6)
BOFF, Leonardo. A Santíssima Trindade é a melhor comunidade, Petrópolis: Vozes, 2009.
BOFF, Leonardo. A Trindade e a Sociedade. Petrópolis: Vozes, 1999. (col. Teologia e Libertação)
CAMBÓN, Enrique. Assim na terra como na Trindade. SP: Cidade Nova, 2000.
CATÃO, Francisco. A Trindade: uma aventura teológica. SP: Paulinas, 2000.
CODA, Piero. Na luz do Pai. SP: Cidade Nova, 2002.
GRÜN, Anselm. A fé dos Jovens, : Petrópolis: Vozes, 2010.
HOHEMBERGER, Gilcemar & DE ASSUNÇÃO, Rudy Albino (org.) O Primado do Amor e da Verdade: o patrimônio
espiritual de Bento XVI. SP: Fons Sapientiae, 2017. p. 27-46.
KLOPPENBURG, Boaventura. Trindade: amor em Deus. 2ª ed. Petrópolis: Vozes, 1999.
LADARIA, Luis F. O Deus vivo e verdadeiro: o mistério da Trindade. SP: Loyola, 2005.
LIBANIO, J. B. Creio em Deus Pai. Creio em Jesus Cristo. Creio no Espírito Santo. SP: Paulus. 2008. (Col. Por que Creio)
OLIVEIRA, José Lisboa Moreira de. O amante, o amado e o amor: breves reflexões sobre o Deus de Jesus. SP: Paulus,
2017. (Col. Teologia em debate).
PISO, Alfeu. Módulos do Tratado de Trindade. (Apostila preparada pelo 4º Ano de Teologia de 2008 - CEARP)
RATZINGER, Joseph (Bento XVI). Introdução ao Cristianismo. SP: Loyola, 2005. p. 121-142.
SUSIN, Luiz Carlos. Deus: Pai, Filho e Espírito Santo.
Anexo 01

9
Luiz Carlos SUSIN, Deus: Pai, Filho e Espírito Santo, p.120.
P á g i n a |9

HERESIAS E CISMAS NOS TRÊS PRIMEIROS SÉCULOS

Denominações e áreas de expansão Breve descrição


1 Docetismo (sécs. I e II). O corpo de Cristo é apenas um corpo aparente.
Ásia Menor, Egito.
2 Gnosticismo Há dois princípios originários (dualismo): o bem
Principal representante: Marcião (85-160) de(o Deus bom, o Espírito) e o mal (demiurgo,
Sínope, no Ponto (sul do Mar Negro ou Ponto matéria, mundo). O corpo de Cristo é apenas
Exíguo). aparente. Rejeição de todo o Antigo e parte do
Por volta de 144 surge uma igreja marcionitaNovo Testamento. Gnose (em oposição a pistis =
separada. fé) como conhecimento “superior” de Deus,
Palestina, Síria, Itália, Ásia Menor, Egito.privilégio dos perfeitos (gnósticos e
pneumáticos).
3 Montanismo Rigor ascético e fanatismo. Não há perdão para
Fundador: Montano da Frígia. os pecados capitais: homicídio, fornicação,
Adesão de Tertuliano (160 – 220), na África adultério, apostasia. Proibição de segundas
do Norte. núpcias. Proximidade do fim do mundo. Severas
Frigia (Ásia Menor), Itália, Gália, África práticas de jejum.
Setentrional.
4 Monarquismo Desaparece a distinção entre pessoas da
Representante: Sabélio (+c. 260) e Paulo de Santíssima Trindade. Só o Pai é verdadeiramente
Samósata (+c. 272). Deus. Jesus está investido de um poder divino
Roma, Ásia Menor. extraordinário (dynamis). Pai, Filho e Espírito
Santo são três modalidades de um único Deus.
Jesus é apenas “Filho adotivo” de Deus Pai
Teódoto, “o Curtidor” (de Bizâncio) é (adocionismo).
excomungado por volta de 190.
Roma.
5 Controvérsia sobre o batismo de hereges, A questão: é válido ou não o batismo ministrado
255 – 257. por um herege O Papa se pronunciou em
Conflito entre o Bispo de Roma, Estevão I sentido positivo.
(254-257) e Cipriano, bispo de Cartago (+c.
258).
Roma, Cartago.
6 Primeiro cisma papal Contra os bispos de Roma, Calisto I (217-222) e
Roma. Cornélio (251-253), os antibispos, Hipólito (217-
235) e Novaciano (251-258) ergueram uma igreja
paralela dissidente.

OS QUATRO CONCÍLIOS IMPERIAIS

Data e localização Papa Conteúdo central


325 Nicéia Silvestre I (314-335) O Filho de Deus é da mesma natureza do Pai;
consubstancialis Patri (contra Ario).
381 Constantinopla Dâmaso I (366-384) A divindade do Espírito Santo (contra
Macedônio).
431 Éfeso Celestino I (422-432) Maria, Mãe de Deus (contra Nestório).
451 Calcedônia Leão I (440-461) Duas naturezas na única Pessoa divina de
Jesus Cristo (contra o monofisismo).
Anexo 02
P á g i n a | 10

Símbolo Niceno-constantinopolitano:

Creio em um só Deus, Pai todo-poderoso,


Criador do céu e da terra,
De todas as coisas visíveis e invisíveis.
Creio em um só Senhor, Jesus Cristo,
Nicéia I ( 325)
Filho Unigênito de Deus,
nascido do Pai antes de todos os séculos:
Nicéia II ( 787)
Deus de Deus, luz da luz,
Deus verdadeiro de Deus verdadeiro,
gerado, não criado, consubstanciai ao Pai.
Por ele todas as coisas foram feitas.
E por nós, homens, e para nossa salvação,
desceu dos céus:
e se encarnou pelo Espírito Santo,
no seio da Virgem Maria, e se fez homem.
Também por nós foi crucificado
sob Pôncio Pilatos;
padeceu e foi sepultado.
Ressuscitou ao terceiro dia,
conforme as Escrituras,
e subiu aos céus,
onde está sentado à direita do Pai.
E de novo há de vir, em sua glória,
para julgar os vivos e os mortos;
e o seu reino não terá fim.
Creio no Espírito Santo, Constantinopla
Senhor que dá a vida, I – 381
e procede do Pai e do Filho; II – 533
e com o Pai e o Filho é adorado e glorificado: III – 680-681
IV – 869-870
Ele que falou pelos profetas.
Creio na Igreja,
una, santa, católica e apostólica.
Professo um só batismo
para remissão dos pecados.
E espero a ressurreição dos mortos
e a vida do mundo que há de vir.
Amém.
P á g i n a | 11

Você também pode gostar