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AS TEORIAS DA SALVAÇÃO
Este material compõe uma das apostilas do curso Teologia Descomplicada, e é de uso exclusivo e pessoal
de seus alunos, não podendo ser distribuído, compartilhado ou vendido em qualquer circunstância. Como
material apostilar, baseia-se na transcrição adaptada das aulas, com adições de referências bíblicas e
bibliográficas, possuindo colagens, desenvolvimentos e paráfrases de várias teologias sistemáticas
disponíveis, assim como comentários autorais. Sempre que possível, as fontes são citadas no corpo do texto,
constando as referências completas ao fim do documento.
A salvação fala acerca daquilo que há de mais importante na vida do ser humano. Estamos
no caminho de condenação e rebelião contra Deus. Logo, estudar a doutrina é o que vai
nos fazer entender aquilo que há de mais relevante para a própria existência. Sair desse
mundo caído e o encontro de uma vida eterna, plena e íntima com o Senhor Jesus por toda
a eternidade representam a redenção encontrada em Cristo. O entendimento da aplicação
dessa redenção é algo que deve ser interpretado a partir da própria palavra de Deus, num
entendimento teológico, para que não caiamos em falsas ideias acerca da salvação.
“Devemos entender a salvação do ponto de vista de Deus” (BAVINCK, 2012, p. 491). Se
Deus é quem nos salva, aquilo que Deus tem a nos dizer sobre salvação é o que realmente
importa. A salvação diz respeito às nossas necessidades mais básicas de sairmos do reino
das trevas e adentrarmos no reino da maravilhosa luz.
Essa doutrina tem um aspecto especial que realmente merece. Todas as religiões buscam
um caminho de salvação. O coração de todos os homens anseia por algo maior que essa
vida, uma vez que fomos criados para a eternidade. Estudar a doutrina da salvação, a
sotereologia, é estudar o impulso de todo ser humano até a Deus e a resposta que ele nos
dá a partir de sua Palavra. Sotereologia estuda isso. Soterós, no grego, diz respeito a
salvação e logia significa “estudo”, “conhecimento”. Norman Geisler afirma que a
salvação é baseada num ato livre e autodeterminado de Deus, realizado de acordo com a
sua boa vontade e a sua graça. É algo advindo de sua boa natureza. Foi uma escolha
completamente autodeterminada por parte do próprio Deus (GEISLER, 2005, p. 182).
Não houve nenhuma compulsão externa nem nada que o obrigasse. Deus nos alcançou
livremente, porque quis, por ser o bondoso Senhor que tanto amou o mundo a ponto de
dar o seu Filho unigênito para que todo aquele que nele crê, não pereça, mas tenha a vida
eterna.
“A palavra ‘salvação’ representa a obra completa de Deus pela qual ele resgata o homem
da ruína eterna e perdição do pecado e restaura nele as riquezas da sua graça, incluindo a
vida eterna agora e glória eterna no céu” (CHAFER, 1974, p. 181).
Além desse instrumental político e sociológico, eles usam uma leitura da Escritura que,
muitos dirão, inclusive eu, é enviesada, para se identificar com o que eles consideram
como os oprimidos. Eles observam a opressão de Israel pelo Egito e por outras nações
poderosas e interpretam que todas as nações economicamente menos desenvolvidas estão
em situações parecidas com Israel no Egito. Eles argumentam que a história de Deus ao
longo da Escritura é a história de Deus se identificando com grupos de pessoas oprimidas.
A igreja teria crescido no mundo gentílico porque este era constituído basicamente dos
pobres e miseráveis daquele tempo. Os excluídos e sem importância teriam sido o alvo
do trabalho de Jesus. Os teólogos da libertação usam as doutrinas tradicionais do
cristianismo a partir de uma perspectiva libertadora. Deus estaria envolvido com os
pobres na sua luta. Então, eles leem a doutrina da encarnação a partir de um Deus que se
envolve com os pobres, com Jesus se identificando com os oprimidos em sua encarnação.
Em um mundo desigual, Deus se colocaria a favor, de forma preferencial, dos pobres a
fim de compensar as desigualdades do mundo presente.
James Cone (APUD ERICKSON, 870), por exemplo, argumenta que os negros não
podem aceitar uma concepção de Deus que não se ponha a favor dos negros e contra os
brancos: “Vivendo em um tempo de opressores brancos, os negros não têm tempo para
um Deus neutro”. A salvação é vista predominantemente sob a ótica do Reino de Deus
(basileia tou Theou), que seria estabelecido pela criação de uma nova sociedade. A
salvação estaria separada de uma questão meramente individual do homem, que precisa
se acertar com Deus, significando homens se acertando uns com os outros. Até mesmo a
vida eterna é, então, interpretada dentro do contexto de uma nova ordem social. Assim, a
grande obra que Deus estaria realizando seria a ordenação de uma nova configuração
global por meio da qual as pessoas seriam libertas da opressão. Os seguidores de Jesus,
uma vez salvos, estariam empenhados nessa tarefa de cumprir os propósitos de Deus,
mesmo que isso tenha que acontecer por meio de alguma revolução sangrenta.
A teologia da libertação é muito comum no meio dos círculos católico-romanos e não
representa uma perspectiva de salvação ortodoxa tradicional realmente coerente com a
boa teologia do NT.
Mas não é só a teologia da libertação que tem uma visão diferente sobre a salvação. A
teologia existencial também apresenta algo distinto daquilo que nós comumente ouvimos
sobre o que a salvação significa. A teologia existencialista, ou existencial, surgiu a partir
da filosofia existencialista. Rudolf Bultmann é um dos seus representantes mais notáveis
com seu programa de demitologização – de tirar do Evangelho tudo que é um mito. Ele
procurou interpretar o NT e elaborar uma teologia com base no pensamento de Martin
Heidegger. Segundo Bultmann, a Bíblia não é essencialmente uma fonte de informação
objetiva sobre Deus e sobre a pessoa e condição humana diante do seu relacionamento
com o Senhor. O objetivo das Escrituras é afetar nossa existência, não informar, mas nos
transformar. Bultmann utiliza o conceito de existência autêntica e inautêntica. Segundo
ele, a primeira tendência do homem moderno é ser guiado por uma vida auto-orientada
para cumprir seus desejos de felicidade. O amor aos outros, dizer e honrar a verdade não
passam de impulsos de autoengradecimento. Os homens, dessa forma, são desrespeitosos
uns para com os outros e desobedientes a Deus. Outra tendência do homem moderno é a
autonomia – uma tentativa de obter segurança pelos próprios esforços. A Bíblia chama o
homem a se relacionar com Deus, o qual está além da ciência, e chama o homem para seu
verdadeiro eu.
Quanto mais a Palavra de Deus alcança o homem, mais este é convidado a abandonar as
tentativas de produzir segurança por si próprio e encontrar segurança em Deus. Como diz
Bultmann (APUD ERICKSON, 872), “Crer na palavra de Deus significa abandonar toda
segurança meramente humana e, assim, vencer o desespero originado da tentativa de
encontrar segurança, uma tentativa sempre vã”.
Fé significa abandonar a busca pelas realidades tangíveis e pelo que é transitório, pois a
busca por essas coisas é pecado, porque, por meio disso, excluímos a realidade invisível
de nossa vida e rejeitamos o que Deus tem para nós. Crer é permitir ser mudado,
esquecendo-se do passado e abraçando aquilo que Deus tem para nós. A salvação é
tomada como uma caminhada para uma existência autêntica, abandonando nossa busca
egoísta por segurança e confiando em Deus. Dessa forma, as afirmações da Bíblia não
devem ser interpretadas como declarações de uma verdade objetiva externa a nós
mesmos, mas como algo que nos diz como voltar para Deus. A cruz não é entendida como
o pagamento substitutivo de Cristo pelo pecado, mas como um símbolo da mortificação
da pessoa a seus anseios alheios a Deus. Dessa forma, a salvação não é uma mudança na
essência da alma nem uma declaração forense de que fomos justificados. Antes, é uma
mudança fundamental da forma como conduzimos a vida. Por mais que esteja mais
próxima das concepções cristãs da salvação do que a teologia da libertação, a teologia
existencialista também não representa o âmago daquilo que é o Evangelho segundo o NT.
Aula 3 - Concepções atuais sobre a salvação (parte 2): Teologia Secular, Catolicismo
Romano e Protestantismo
• Teologia secular
A teologia secular não é uma formação organizada de teologia, mas é o nome que damos
a partir da ideia de secularismo de Charles Taylor em A secular age, obra na qual ele
basicamente define o conceito de secularização que usamos bastante para se referir à
sociedade à nossa volta.
A posição oficial católica é a de que a igreja é o único meio de graça de Deus, a qual é
transmitida mediante os seus sacramentos. Aqueles que estão fora da igreja não podem
recebê-la. Outra concepção fundamental é a divisão natureza e graça. A natureza da
humanidade consiste na capacidade passiva para receber a graça e o anseio por ela. Porém
os seres humanos não conseguem satisfazer esses aspectos de sua natureza pelas próprias
realizações. Para isso Deus precisa conceder sua graça aos humanos. Essa posição foi
modificada em vários pontos. Karl Rahner fala de uma condição “existencial
sobrenatural”. Com isso, ele se refere ao que os seres humanos têm em si, seu potencial
para conhecer a Deus e ao fato de que esse potencial já é exercido ativamente. Não existe
algo como estar totalmente à parte da graça. Há, inclusive, resquícios dela na própria
natureza.
O Concílio do Vaticano II parece ter reconhecido que a graça pode estar presente na
natureza. Foram ressaltados a origem e o destino de todos os seres humanos. O Concílio
entendeu que as diferentes religiões representam várias perspectivas das mesmas coisas
que dizem respeito à vida. A graça de Deus seria encontrada de forma distinta em todas
elas. Dessa forma, os católicos são instruídos a “reconhecer, preservar e promover os bens
espirituais e morais” encontrados entre os seguidores de outras religiões.
O Concílio Vaticano II entende que o povo de Deus está dividido em três categorias:
• Cristãos não-católicos, os quais estão “ligados” à igreja (embora não estejam tão
seguros quanto os católicos, eles possuem igrejas genuínas e não estão totalmente
separados de Deus).
O terceiro grupo são aqueles que Rahner chama de “cristãos anônimos”. Cristo morreu
por todas as pessoas, incluindo aquelas que estão fora da ICAR visível ou de qualquer
outra igreja cristã. Esses conceitos de graus de membresia e de cristãos anônimos
permitiram à igreja conceder a possibilidade da graça à parte dos sacramentos e manter
sua autoridade.
Pelágio
Era um monge que estava interessado em que as pessoas vivessem de forma moralmente
virtuosa. Ele defendia que Deus criou o homem com liberdade de escolha, a qual deveria
ser usada para cumprir os propósitos divinos. Ele dizia que cada pessoa vem ao mundo
sem propensão para o mal, ou seja, para ele não existe pecado original. Os seres humanos
não herdam o pecado de Adão nem a tendência para ele, isso porque não seria justo que
Deus tomasse o pecado de uma pessoa e atribuísse a outra. Então, por que receberíamos
a culpa ou efeito por algo que Adão cometeu? Em Adão, os homens encontram um
exemplo negativo do que não deve ser feito. Ele também argumentava que Deus não
exerce influência na conversão da pessoa ou na sua escolha pelo bem. Deus não estaria
escolhendo de forma especial ninguém para uma vida de santidade ou para uma
predestinação à salvação. Todas as pessoas têm acesso à graça, que consiste no livre-
arbítrio. Assim, haveria compreensão de Deus através do uso da razão, da lei de Moisés
e do exemplo de Cristo. O progresso em santidade, dessa forma, é meritório, e a
predestinação é simplesmente uma previsão da qualidade de vida que as pessoas, por meio
dos seus próprios esforços, viveriam. Ele afirmava que as pessoas poderiam viver sem
pecar.
Agostinho
Agostinho escreveu uma resposta a Pelágio e foi o seu principal inimigo dentro do
contexto teológico. O grande debate agostiniano e pelagiano é um dos principais na
história da igreja acerca da questão da salvação.
Ele respondeu a Pelágio enfatizando o pecado de Adão. Agostinho afirmava que todos os
homens eram um com ele, por isso todos pecaram em Adão. Ele acreditava que a alma
era originada pelos pais por meio do processo reprodutivo e que, por causa disso,
estávamos “presentes” em Adão e pecamos com ele. Isso significava que o homem nasce
com uma propensão para o mal, que ele nasce pecador. Depois da queda, todas as escolhas
dos homens são inclinadas para o mal. O papel da graça é restaurar a liberdade. Ela
devolve a opção de não pecar e de fazer o bem. Essa graça é irresistível, mas não é
coercitiva, ou seja, ela transforma nossa vontade para que escolhamos o bem. Não é o
homem arrastado contra sua vontade, mas transformado em sua vontade. Deus sabe as
condições nas quais optaremos pelo bem que ele quer e produz essas condições no nosso
coração. Resumindo, só fazemos o bem quando Deus fornece a condição sobrenatural
para fazê-lo. Assim, é Deus quem escolhe a quem conferir graça. Ele fez essa escolha na
eternidade determinando precisamente o número de pessoas que iria salvar. Tal
predestinação não depende de uma visão prévia do que as pessoas fariam, mas é uma
escolha prévia da parte de Deus. Não há injustiça de sua parte porque os condenados
apenas recebem o que merecem e os eleitos, aquilo que não merecem, pela graça. O mal
recebido é um mal merecido. A salvação recebida é uma salvação que não possui méritos
nenhum.
Por causa da atuação de Agostinho, a doutrina de Pelágio foi condenada em 431 d.C., no
Concílio de Éfeso. As controvérsias sobre a predestinação persistiram durante a Idade
Média. Gottschack, por exemplo, defendeu a dupla predestinação, que significa que Deus
predestina tanto os eleitos quanto aqueles que serão condenados. Nos séculos XI a XIII,
vários teólogos tentaram conciliar a doutrina agostiniana com sua doutrina, como
Anselmo, Pedro Lombardo e Thomás de Aquino. Na época da Reforma, Lutero e Calvino
também defenderam essa ideia. Teodoro de Beza foi sucessor de Calvino e promoveu a
dupla predestinação. Jacó Armínio foi aluno de Beza, discípulo do sucessor de Calvino,
e discordou de sua dupla predestinação. Foram seus postulados que estimularam o
surgimento dos remonstrantes. Na remonstrância, houve a organização do arminianismo
como uma oposição a Calvino e seus ideais.
Aula 5 - Calvinismo
No quesito sotereológico – porque calvinismo fala de muitas outras coisas que vêm de
Calvino -, um dos pontos que está intimamente ligado é o acrônimo TULIP – Tulipa em
inglês -, que corresponde a Total depravation (depravação total), Unconditional
election (eleição incondicional), Limited antonement (expiação limitada), Irresistible
grace (graça irresistível) e Perseverance of the saints (Perseverança dos santos). Calvino
nunca foi um sistematizador das próprias ideias para além daquilo que escreveu nas
Institutas. Ele comentou a bíblia. Ele fez vários sermões. As Institutas são uma obra
máxima daquilo que Calvino tem a nos dar, mas não parece tanto uma teologia sistemática
primordial. Ele nunca escreveu um livro chamado 5 Pontos, porque isso é uma construção
posterior de discípulos de Calvino. Essa sistematização surgiu em resposta aos
remonstrantes e foi organizada no famoso Sínodo de Dort. Ele aconteceu na Holanda, na
cidade de Dordrecht em 1618-19. Foi organizado pela Igreja Reformada Holandesa e veio
justamente para tentar lidar com essa ascensão da remonstrância com os arminianos. É a
partir daí que surgem os famosos cinco pontos do Calvinismo como realmente
conhecemos. Eles são muito mais uma resposta ao arminianismo do que uma
sistematização do próprio Calvino acerca de suas ideias. A partir do Sínodo de Dort,
surgem os Cânones de Dort, o documento que traz a explicação desses cinco pontos.
Calvinistas entendem que a raça humana está totalmente perdida no pecado. O conceito
de depravação total significa que todas as áreas da vida humana foram corrompidas pelo
pecado. Não significa que o homem alcança o máximo grau de maldade que ele poderia
alcançar nem que é o pior ser humano que poderia ser. Depravação total fala da totalidade
do indivíduo: a mente, os afetos, os sentimentos, tudo está corrompido e destruído pelo
pecado. Sobre cada centímetro cúbico da nossa existência, Satanás diz “é meu”, quando
não temos Jesus Cristo como nosso Senhor e Salvador. Por isso, o homem é incapaz de
responder corretamente à graça. Todas as pessoas começam a vida nesta circunstância:
há um pecado que é original e faz com que nasçamos nele. Desde a concepção, estamos
separados de Deus, corrompidos em cada área da nossa existência. A nossa depravação é
total. A herança desse pecado pode ser considerada de forma distinta pelos calvinistas.
Uns entendem que Adão é o representante federal do homem e que, uma vez que ele
pecou, sua condição de pecador é imputada a todos os homens. Isso estaria mais ligado a
um conteúdo jurídico. Ele é o nosso presidente. A decisão que o presidente toma recai
sobre todo país. Ele é nosso monarca e a decisão tomada por ele afeta todo país. Ninguém
diz que o presidente do Brasil cortou relações comerciais com o Irã, mas sim que o Brasil
cortou relações comerciais com o Irã, porque o representante federal toma a decisão por
todos nós.
Outros falam de uma representação seminal. Uma vez que estávamos em Adão, e ele
sendo o nosso ascendente, todos nós, então, herdamos o pecado por transmissão. De
qualquer forma, todos os homens pecaram em Adão. Quando perguntaram para Calvino
se ele pecaria se estivesse no lugar de Adão, ele respondeu: “eu pequei em Adão”. Eu
pequei, eu estava lá. “Nós” estávamos lá pecando junto com Adão.
Assim, essa eleição não está baseada em mérito algum da pessoa, nem na presciência
divina. A eleição também é eficaz, ou seja, quem Deus chamou certamente crerá e
permanecerá até o fim. Todos os que foram eleitos serão salvos. Além disso, essa eleição
é desde a eternidade passada e incondicional no que diz respeito à realização de uma ação
humana específica. É a partir daí que vem o termo monergismo. A ideia é a de que existe
só uma ação (mono) de um só que age para que a salvação ocorra. Não é sinergístico,
com dois cooperando (homem e Deus) para que a salvação ocorra. Os Calvinistas são
monergistas e não sinergistas. A salvação, a justificação e a redenção dependeriam
unicamente de um agente, a saber, o próprio Deus, operando sua eleição incondicional no
coração dos seus eleitos.
Deus decretou coisas na história. Ele decretou a salvação, a queda, a morte de Jesus, entre
outras. Os acontecimentos tomaram lugar debaixo de um decreto. Deus organizou as
coisas de acordo com as teologias calvinistas, isto é, as perspectivas que afirmam a
soberania de Deus sobre a criação. Houve uma queda e houve salvação, mas qual é a
ordem desses eventos? A salvação aconteceu porque houve queda? Jesus, então, apareceu
como uma correção dos planos originais de Deus ou a queda aconteceu porque já havia
um plano de salvação? Deus fez com que o pecado entrasse no mundo e é o autor do
pecado? São assuntos importantes para a teologia e que dão nomes bem esquisitos. Você
deve ter ouvido falar, ou não, de supralapsarianismo e infralapsarianismo, ou ainda
sublapsarianismo e mesolapsarianismo. Lapso significa “queda”. Lapso, então diz
respeito a qualquer coisa relacionada à queda do homem em Adão, ao pecado entrando
no mundo. Lapsarianismo é, portanto, uma doutrina. Então, seria um conjunto de
doutrinas referentes à queda. Essas doutrinas dizem respeito ao decreto de Deus quanto à
redenção e à morte de Jesus. Supralapsarianismo indica que a redenção está acima da
queda. Isso significa que o decreto de Deus para a redenção veio antes do decreto da
queda. Ou seja, a queda estava sujeita à redenção. Estamos falando disso em um sentido
lógico. Não em um sentido cronológico no ato, mas é lógico no sentido. O
supralapsarianismo propõe que a redenção se encontra antes da queda, em termos lógicos,
no decreto de Deus. Deus desejava a redenção em Cristo Jesus, por isso ele decretou uma
queda para que essa redenção acontecesse.
O supralapsariano tem a vantagem de entender que Jesus é o nosso redentor desde a
eternidade e que Jesus não é nosso plano B. Não é que Jesus veio para corrigir um plano
frustrado de Deus, mas que ele sempre foi o nosso Redentor desde sempre e para sempre.
O plano de Deus incluiu o seu Filho que foi imolado desde antes da fundação do mundo.
Já havia um Livro da Vida do Cordeiro antes mesmo da fundação do mundo. Então, o
supralapsariano entende bem o aspecto de que Cristo sempre foi o nosso Redentor e que
a queda não veio fora daquilo que Deus havia visto que aconteceria ou do propósito de
Deus para o mundo.
Existe também o infralapsarianismo. Essa corrente afirma que num sentido lógico a
redenção está abaixo da queda. Deus preordenou as coisas no mundo e a redenção
aconteceu porque houve uma queda. Não é que houvesse uma queda para que houvesse
redenção, mas que houve redenção porque houve queda. Essa é a visão mais popular
acerca da queda. Deus permitiu que a queda acontecesse. Ela aconteceu sem nenhum
envolvimento de Deus, digamos assim. Ele não é o autor nem o causador da queda. Os
homens caíram porque escolheram pecar. Então por isso houve um redentor prometido.
A vantagem do infralapsarianismo é não deixar que Deus seja visto como um ser mal que
trouxe o pecado para o mundo. Por outro lado, há um problema em colocar Jesus como
um plano B, como se Jesus não fosse o propósito e o plano inicial de Deus desde o começo
para o mundo.
Supralapsarianismo
Infralapsarianismo
Sublapsarianismo
No fim das contas, tudo isso é teologia especulativa e a relevância disso em termos
teológicos para as pessoas geralmente é muito baixa. É o tipo de assunto que entretém
mais do que instrui, que divide em temáticas extremamente secundárias, mais do que nos
motiva pela compreensão da grandeza do Evangelho. E é um assunto para o qual ninguém
deveria bater martelo com muita força, considerando que não é baseado em nenhum texto
bíblico específico ou num conhecimento que provém direto da palavra de Deus. Apesar
de nenhum texto bíblico nos instruir sobre isso, é um exercício de raciocínio em cima das
doutrinas da Escritura, mas nada mais do que isso. Não deveria incomodar ninguém.
Entretanto, são termos teológicos que você precisa conhecer, para adentrar o debate, a
fim de estar preparado para, quando ouvir, não ficar perdido.
Aula 7 - Arminianismo
Você deve conhecer o arminianismo do mundo de internet. Está dentro do debate famoso
entre calvinismo e arminianismo, entre soberania de Deus na salvação ou liberdade
humana na salvação. O arminianismo foi proposto por um homem chamado Jacó
Armínio, que, em tese, está contrário ao calvinismo, mas não é bem assim. Se pensarmos
nos extremos opostos do Calvinismo, pensaríamos no pelagianismo. O arminianismo não
é bem um oposto do Calvinismo. Talvez seja uma posição intermediária entre calvinismo
e pelagianismo. Por causa disso, alguns chamam o arminianismo de semi-pelagianismo,
mas esse é um termo um tanto quanto ofensivo.
Armínio defendeu que todos os seres humanos são pecadores e incapazes de realizar o
bem com as próprias forças. Isso parece estar de acordo com a doutrina da Depravação
Total. A diferença é que o arminianismo crê na chamada graça preveniente. Essa graça
tornaria o homem hábil para escolher o Senhor mesmo sendo depravado em todas as suas
capacidades.
É uma doutrina básica do arminianismo que todos são capazes de escolher a salvação,
possuindo a capacidade de satisfazer todas as condições necessárias para poder ser salvo
por meio do convite de Cristo. Para os arminianos, o convite geral e universal à salvação
só faz sentido se for possível aos homens que são convidados atender a esse convite.
Dessa forma, o Arminianismo defende uma salvação sinergística. Enquanto o Calvinismo
é monergista (um só agindo), a salvação no arminianismo é sinergista, para a qual os dois
cooperam para a salvação. Homem e Deus são agentes conjuntos na justificação.
Segundo eles, a ordem dos decretos divinos se dá de forma lógica. Eles seguem uma
perspectiva extremamente infralapsariana ou mesmo sublapsariana, nunca
supralapsariana. Resumindo, a ordem seria a seguinte:
• Permitir a queda
Quando falamos de “graça”, podemos estar nos referindo a coisas diferentes do NT.
Portanto, é importante conceituarmos bem. Graça geralmente fala de favor imerecido. É
algo bom que não merecemos, mas recebemos. Ela é o contraste positivo de misericórdia,
que é quando merecemos algo ruim e Deus não nos dá. A salvação possui esses dois
aspectos: algo ruim que Deus não nos dá, por causa de sua misericórdia, e algo bom que
Deus nos dá, por causa de sua graça. Escapamos do inferno por misericórdia e vamos ao
céu por graça.
A graça fala de tudo aquilo de bom que recebemos. Ela fala de todo ato de bondade de
Deus. Porém, ela apresenta características e tipos diferentes. É como a revelação: ela fala
de todo modo como Deus se revela, mas há uma revelação especial e uma natural – Deus
se revelando pela Palavra e pela natureza. O termo graça, semelhantemente, apresenta
essa polissemia.
Geralmente, quando falamos de graça e quando lemos o NT, nos deparamos com a graça
especial, a qual chamamos de graça salvadora. É a graça que é irresistível, que alcança o
ser humano, dando a ele, de fato, a aplicação da redenção. É a graça de Efésios 2.8-9, de
sermos tirados do pecado e trazidos a um relacionamento íntimo. Sermos salvos é um
dom de Deus que nos alcança.
O termo graça também pode se referir a uma graça geral que se manifesta a toda
humanidade, fazendo-lhe o bem. É uma graça resistível. Quando é ordenado aos homens
que não resistam à graça de Deus, trata-se da graça resistível, que convida todos os
homens à redenção. A graça é resistível até não ser mais. Então, Deus vence a barreira
aplicando a graça salvadora e especial, que é irresistível.
Essa graça geral é muitas vezes confundida com a graça comum. Esse é um termo muito
comum na filosofia cristã que representa as manifestações de bondade de Deus a todos os
homens, produzindo tudo que é bom, justo e correto. É claro que graça comum e graça
salvífica não são duas graças diferentes, como se Deus tivesse dois tipos de graça. A graça
comum é uma manifestação diferente da mesma graça, de forma que, assim como a graça
de Deus pode se manifestar irresistivelmente para salvação, ela também pode se
manifestar para o bem geral ou até mesmo para a retenção do pecado. É isso que
chamamos de graça comum.
• Mundo físico: A Bíblia diz que Deus faz nascer o sol e chuvas sobre justos e
injustos (Mt 5.44-45) e dá estaçoes frutíferas para todos (At 14.14-17). Essa
manifestação da graça não salva, mas dá coisas boas a todos, indistintamente,
sejam salvos ou ímpios. No AT, por meio de José, o Egito foi abençoado (Gn
39.5). O Salmo diz que Deus faz bem a todo ser vivente (Sl 145.9, 15-16).
• Domínio intelectual: Ainda que Satanás seja o pai da mentira, enganador, não haja
verdade nele e ele seja completamente inclinado para o mal, os seres humanos não
são totalmente irracionais. Homens e mulheres descrentes podem produzir
conhecimento que seja proveitoso para o mundo e até melhor do que aqueles
produzidos pelos crentes. Isso é uma manifestação da graça de Deus. Tudo de bom
que existe no mundo vem porque Deus atua com a sua graça em homens caídos.
• Domínio moral: Ainda que o homem seja totalmente depravado, ele não é tão mal
quanto poderia ser. Deus restringe essa maldade, em certa medida, pela atuação
da graça comum. A lei gravada no coração de todos os homens (Rm 2.14-15) e a
própria Imago Dei, que permanece de alguma forma, direciona sua consciência
para condutas morais e acusa-os das imorais.
• Domínio criativo: Deus permite que descrentes produzam artes e coisas boas para
o proveito geral. Bach era um Luterano e produzia peças artísticas a Deus. Ele
escrevia Soli Deo Gloria em suas partituras, mas Mozart era um devasso que
também produziu boa arte. A música, pintura, arquitetura, tudo isso pode ser
produzido por descrentes, porque Deus quer manifestar sua graça a todos.
• Não salva: Entretanto, devemos reiterar que a graça comum não é uma
manifestação da graça de Deus para a salvação. Ela não causa o arrependimento,
regeneração, justificação e nem santificação. De forma geral, ela o cuidado de
Deus sobre sua criação como regente dela, mas não é uma atuação para salvação.
A graça comum nos faz olhar para criação e para tudo aquilo que há de bom à nossa volta,
mesmo quando vem de descrentes com um olhar um tanto diferente, entendendo que essas
coisas podem ser aproveitadas para o nosso bem e para a glória de Deus. Ou seja, o cristão
não precisa estar recluso a um submundo eclesiástico em que ele só pode usar coisas
produzidas por crentes na igreja. O cristão não é o amish.
Cristãos usam carros, celulares, televisões, comem, bebem e consomem as mais variadas
coisas no mundo e muitas delas foram produzidas por não cristãos. Cristãos podem olhar
com confiança para o mundo que, mesmo sendo mal, não é tão mal quanto poderia ser,
graças à atuação da graça de Deus, uma graça comum que refreia a maldade e que leva
os homens à produção do bem. Devemos agradecer a Deus por isso. Cristãos podem e
devem orar por seus governantes, para que Deus derrame sua graça sobre eles – senão
graça salvadora – para que o bem possa alcançar todos os seres humanos.
Há também outra forma de se referir à graça de Deus, de que já falamos na aula sobre
arminianismo, que é a graça preveniente. Essa é um tipo de graça que seria dada a todos
os homens, sem distinção, cujo objetivo é neutralizar parte dos efeitos do pecado. A graça
preveniente capacitaria o homem a responder ao chamado da fé e do arrependimento para
assim ser conduzido através do exercício de vontade à salvação. A graça preveniente é
uma doutrina que vem de implicações do texto bíblico (lembre-se da pirâmide de
Erickson). Principalmente os arminianos entendem que, se Deus está convidando todos
os homens ao arrependimento, mas os homens são totalmente depravados, alguma coisa
precisa resolver essa barreira. Calvinistas trarão a eleição incondicional como resposta:
Deus convida todos os homens e escolhe os seus eleitos, enquanto os arminianos
argumentam que há uma graça preveniente que alcança todos os homens e dá a eles esse
estado de escolha da salvação. O problema é que a doutrina da graça preveniente, por
mais que seja muito conhecida em círculos arminianos, carece de explicação e prova
textual, por mais que alguns esforços sejam tomados. Tradicionalmente, o movimento
reformado entende graça apenas em termos de graça comum e graça especial. A graça
preveniente vem dos contextos arminianos que tentam explicar como homens totalmente
depravados podem ser convidados à escolha de Deus.
Paulo escreveu “Aos que predestinou, a esses também chamou; e aos que chamou, a esses
também justificou; e aos que justificou, a esses também glorificou ” (Rm 8.30). Depois
da predestinação e eleição, encontramos no texto um chamado. No original grego não há
definições claras de tempo, a respeito de quando a coisa acontece. Há um passado simples
no português porque é intraduzível as indeterminações de tempo do grego. Por isso que
vemos “glorificou” no passado. Paulo, contudo, não está, aqui, chamando atenção para o
tempo.
Quando olhamos para o NT, encontramos pelo menos dois tipos de chamado. Existe um
chamado geral (Mt 11.28; 22.14) e um eficaz para a salvação (1 Co 1.9; Lc 14.23; Rm
1.7; 11.29). Ao passo que o chamado geral pode ser resistido e rejeitado, o eficaz é “em
grande medida obra de iluminação do Espírito Santo capacitando o receptor a entender o
verdadeiro significado do evangelho” (ERICKSON, 2015, p. 902). Ele vem através da
pregação humana do evangelho. O chamado geral vem por meio da pregação do
Evangelho e por intermédio deste é que o chamado eficaz acontece. Todos os homens são
chamados à conversão, principalmente através da pregação humana. Por meio do
chamado geral, o específico se manifesta na vida dos eleitos.
Paulo diz: “Para o que também vos chamou mediante o nosso evangelho, para
alcançardes a glória de nosso Senhor Jesus Cristo” (2Ts 2.14). Naturalmente, há muitos
que ouvem o chamado geral da mensagem do evangelho e não respondem. Mas em alguns
casos o chamado do evangelho é feito de forma tão eficaz pela obra do Espírito Santo no
coração das pessoas que elas respondem; podemos dizer que elas receberam o “chamado
eficaz”. (GRUDEM, 1999, p. 580)
Grudem define o chamado eficaz da seguinte forma: “o chamado eficaz é um ato de Deus
Pai, falando através da proclamação humana do evangelho, pelo qual ele convoca as
pessoas para si mesmo de tal modo que elas respondem com fé salvífica” (p. 580).O
chamado eficaz é primeiro um ato do Deus-Pai. Não é um ato humano que podemos
construir. É Deus chamando. Em segundo lugar, é o Deus-pai falando pela proclamação
do Evangelho. O chamado eficaz não acontece fora do chamado geral. É pela pregação
do Evangelho que os homens são salvos. Por meio do Evangelho, Deus convoca pessoas
para si. Esse chamado eficaz é o modo como Deus convoca os homens para ele mesmo,
de tal modo que eles respondem com fé salvífica. Sem fé ninguém pode ser salvo. Esse
chamado é irresistível porque a resposta é justamente uma fé salvadora no coração. É
importante chamar atenção para o fato de que o chamado eficaz não força ninguém a vir
a Cristo contra sua vontade. A pessoa vem porque o Espírito Santo a ilumina de tal forma
que ela é convencida pela pregação do evangelho e, então, voluntariamente vem à
salvação. É uma mudança nas vontades, não uma salvação contra a vontade. Erickson
(2015, p. 902) diz que o chamado eficaz é
de muitas maneiras, semelhante à graça preveniente, da qual os
arminianos falam. No entanto, difere do segundo conceito em
dois aspectos: o chamado especial é concedido apenas aos eleitos,
não a todos os seres humanos e leva, de modo infalível ou eficaz,
o receptor a uma resposta positiva à mensagem do evangelho.
Existe uma discussão sobre quem vem primeiro, regeneração ou conversão. Arminianos
dirão que a conversão precede a regeneração em um nível lógico e não temporal. A pessoa
se arrepende e crê, então Deus salva e transforma. Arminianos argumentam que essa
ordem lógica respeita a responsabilidade e liberdade da pessoa em escolher seguir a Deus.
Já os Calvinistas argumentam que, devido ao pecado, ninguém pode se converter se não
for regenerado antes. Portanto, para eles, a regeneração precede a conversão. Segundo
Grudem (1999, p. 584), “regeneração é um ato secreto de Deus pelo qual ele nos concede
nova vida espiritual”. Isso também pode ser chamado de “nascer de novo” (Jo 3) e
conversão, de “nossa resposta espontânea ao chamado do evangelho, pela qual
sinceramente nos arrependemos dos pecados e colocamos a confiança em Cristo para
receber a salvação” (GRUDEM, 1999, p. 592). Entretanto, isso não é consenso nos
ambientes teológicos calvinistas. Millard Erickson, mesmo sendo Calvinista, acredita que
a conversão precede a regeneração por causa de passagens como At 2.38; 16.31. Ele diz
que Deus regenera os que se arrependem e creem e aponta como solução uma distinção
entre o chamado especial de um lado e a regeneração de outro. Ele afirma que “embora
ninguém seja capaz de responder ao chamado geral do evangelho, no caso dos eleitos,
Deus atua de forma intensa, por meio de um chamado especial para que eles realmente
respondam com arrependimento e fé” (2015, p. 904). Ou seja, Erickson dá mais força do
convencimento ao chamado eficaz no lugar da regeneração nesse momento inicial em que
o homem recebe a atuação do Espírito Santo, e por isso que ele se converte e então é
regenerado.
Ele define conversão de forma bem simples, como “um ato em que a pessoa se volta do
pecado, em arrependimento para Cristo, em fé” (p. 904).Tanto no AT quanto no NT há
mensagens para que o povo se volte dos seus pecados (Ez 18.30-32; 33.7-11; At 3.19; Ef
5.14). A conversão envolve dois elementos de aspectos distintos: arrependimento e fé.
No arrependimento, o pecador se volta de seus pecados - algo mais negativo – e na fé ele
se volta para Cristo – algo mais positivo. Arrepender-se é deixar de seguir o pecado e ter
fé é passar a seguir a Cristo. Para a conversão, obviamente, é preciso ter conhecimento
acerca dos fatos do evangelho. Porém, o mero conhecimento não é o bastante. As pessoas
podem, mesmo conhecendo, rejeitar o evangelho de Jesus. E até mesmo os demônios
conhecem, até o ponto de crer naquilo que é dito na mensagem do Evangelho, mas não
creem como mensagem salvadora. É apenas um assentimento intelectual. A Bíblia
também não é específica quanto ao tempo envolvido na conversão. Pode ser quase
instantâneo ou progressivo. A forma como Deus age é particular para cada indivíduo e
não podemos estabelecer uma regra geral quanto a isso.
Em um segundo nível, aprovar os fatos também não indica conversão. Nicodemos chegou
a avaliar o que Jesus fez e tirou conclusões positivas (Jo 3.2), mas naquele momento ele
ainda não tinha manifestado fé pública no Salvador, o Senhor Jesus Cristo.
Em um nível mais profundo, “fé salvífica é confiança em Jesus Cristo como uma pessoa
viva visando ao perdão dos pecados e à vida eterna com Deus” (GRUDEM, 593). Ou
seja, não se trata apenas de acreditar nos fatos, mas de confiar pessoalmente em Jesus.
Esse processo é que é particular a cada pessoa. João 3.16 nos promete que todo o que crê
não perece, mas tem vida eterna. Aquele que crê já está com o Filho e a vida eterna
permanece sobre ele. Cremos na própria pessoa de Jesus para a salvação. Assim, esses
três elementos têm de estar juntos na conversão. Uma crença, um assentimento positivo,
uma fé fiel no íntimo de quem somos.
Em uma cena icônica de Príncipe Caspian, de C. S. Lewis, Lúcia reencontra com Aslam,
o leão que representa Jesus nas crônicas, e diz: “Você está maior”, e Aslam responde: À
medida que você cresce, eu cresço”. A ideia não é a de que Cristo muda, mas de que, na
medida em que nos aprofundamos no conhecimento de Cristo, maior ele parece para nós.
Quanto mais crescemos na fé, maior Jesus se apresenta para nós. Quanto maior ele for,
mais impotente somos. Quanto mais conhecemos a grandeza desse Deus, mais
reconhecemos nossa pequenez diante da grandeza daquilo que ele nos tem dado diante da
magnificência da salvação que ele fornece a nós. Paulo nos diz que a fé vem pelo ouvir a
palavra de Deus (Rom 10.17). Quanto mais Deus se revela a nós pelo conhecimento
transmitido em sua Palavra, mais nossa fé se expande. Já o arrependimento é o aspecto
negativo da conversão, pois é o abandono do pecado. Segundo Grudem, é “uma sincera
tristeza pelo pecado, é renunciá-lo e comprometer-se sinceramente a abandoná-lo, e
prosseguir obedecendo a Cristo” (1999, p. 596).
Dois termos do AT podem expressar a ideia de arrependimento. O primeiro é נָחַ ם- naham.
Quando se refere a uma emoção suscitada pela consideração da situação de outros, ele
tem a conotação de compaixão ou empatia. Quando usado em referência a uma emoção
suscitada pela consideração do próprio caráter e obras, significa “lamentar-se” ou
“arrepender-se” (ERICKSON, 2015).
Outro termo é ׁשוב- shuv. Ele é constantemente usado por profetas para chamar Israel ao
arrependimento. Esse termo ressalta uma “volta”, portanto, no contexto de exortação do
pecado, ressalta a importância de se voltar dos pecados para a comunhão com Deus de
forma clara, sincera e consciente.
Lemos sobre essa tristeza segundo o mundo e a tristeza segundo Deus (2 Co 7.9-10). Por
exemplo, há o caso de Esaú, que ficou triste por suas ações, mas não se arrependeu (Hb
12.17). A tristeza cristã pelo pecado tem que vir acompanhada por um genuíno esforço
de largar o pecado.
A regeneração implica que o ser humano está espiritualmente morto (Ef 2.1), mas que
Deus o regenera quando o Espírito Santo sopra (Jo 3.8). Os incrédulos, portanto, são
totalmente incapazes de exercer qualquer estímulo à regeneração. Romanos 3.9-20 é bem
claro ao indicar que o ser humano não deseja nem é impelido a Deus por vontade própria.
É preciso que Deus intervenha para nos tornar nova criação (2 Co 5.17).
O conceito de regeneração aparece na discussão de Jesus com Nicodemos. Jesus diz que
“ninguém pode ver o Reino de Deus se não nascer de novo” (v.3), referindo-se a essa
regeneração. Sobre essa passagem, Grudem comenta que ela é algo que mostra que a
regeneração precede a fé porque Jesus diz que precisamos nascer do Espírito antes de
entrar nesse novo reino (1999). Sem nascer do Espírito Santo, sem sermos regenerados,
não entramos no Reino pela conversão. Esse ato não provém de um esforço humano, mas
é de prerrogativa totalmente divina e é um ato único na vida do indivíduo. Não existe
como ser regenerado uma, duas, três vezes. Somos regenerados de uma vez por todas. É
aí que a Bíblia fala de nascer de novo ou nascer da Palavra de Deus. Paulo também fala
de uma renovação do Espírito Santo (Tt 3.5) e de que recebemos uma nova vida (Ef 2.5),
além da ressurreição dos mortos que caracteriza a regeneração (Ef 2.6). O novo
nascimento, apesar de não ser de simples compreensão, ressalta a incapacidade humana
de ser suficientemente bom.
É por isso que o novo nascimento capacita o regenerado a produzir resultados na vida que
glorifiquem a Deus. João nos diz em sua carta que quem é nascido de Deus não pratica o
pecado, isto é, não vive numa prática constante dele (1 Jo 3.9). Não vivemos mais sob a
escravidão daquilo que é pecaminoso. Vivemos agora pela orientação do Espírito (Gl
5.24-25). Ele nos leva à obediência a Deus (1 Jo 4.7) e por causa dele vencemos o mundo
(1 Jo 5.3-4). O novo nascimento também é uma proteção contra Satanás (1 Jo 4.4; 5.18).
O novo nascimento é um ato único, não é um processo. Ele acontece uma vez, ainda que
seja difícil rememorar a vida e precisar o momento exato em que isso aconteceu. Mesmo
assim, várias passagens bíblicas mostram o novo nascimento, a regeneração, como um
ato consumado de uma vez por todas (Jo 1.12-13; Tg 1.18; 1 Pe 1.3, 23; 1 Jo 2.29; 5.1,
4). A Bíblia nunca fala de cristãos que nasceram de novo, mas que nasceram e que são
nascidos de novo.
A união com Cristo relata o estado em que o crente e Jesus estão um “no” outro. Parece
estranho, mas a Bíblia mostra várias referências do crente em Jesus (1 Co 1.4-5; 15.22; 2
Co 5.17; Ef 1.3-4, 6-8; 2.10; 1 Ts 4.16)
O outro lado do relacionamento é aquele em que Cristo está presente no crente (Jo 15.4-
5; Gl 2.20; Cl 1.27). De fato, nossa salvação é pericorética. Você já viu esse termo em
teontologia: a ideia de que as pessoas da Trindade estão “uma na outra”. Fala-se de
interpenetração entre as pessoas da Trindade, a ideia de que um está contido no outro. O
mesmo acontece com a salvação. Uma vez que somos salvos, entramos em um
relacionamento de pericorese. Estamos em Cristo e Cristo está em nós. E isso se manifesta
de algumas formas. É muito interessante que a Bíblia fale tanto da presença do crente
com Cristo: sofrimento (Rm 8.17); crucificação (Gl 2.20); morte (Cl 2.20); sepultamento
(Rm 6.4); vivificação (Ef 2.5); ressurreição (Cl 3.1); glorificação e herança (Rm 8.17).
Entretanto, temos que fugir de modelos de união que não possuem respaldo bíblico. O
primeiro é que nossa união com Cristo é metafísica. A ideia errônea é que somos um em
essência com Deus, como um modelo panteísta. Ela acredita que Deus é um não somente
com os crentes, mas com todos os seres vivos. Somos todos parte de Deus e Deus está em
todos nós. Porém, essa concepção não tem respaldo bíblico, porque o panteísmo não é
uma doutrina bíblica que provém do cristianismo e também porque a Bíblia fala da união
do crente com Cristo, principalmente em termos de salvação. Não é uma unidade que se
dá de forma natural em toda matéria, mas é uma unidade que se dá através da redenção
que nós encontramos na obra de Jesus.
Outro modelo errado é o que diz que a união com Cristo é mística. Essa posição afirma
que o relacionamento do crente com Jesus é tão profundo que o crente praticamente perde
a própria individualidade. Nesse modelo, Jesus controlaria o relacionamento de tal forma
que a personalidade humana é quase apagada. É uma espécie de perda de sentidos para
ser sugestionado por Jesus. Os que defendem essa posição dizem que a obediência plena
pode ser alcançada nessa vida. Ainda que a obediência deva ser perseguida, a
compreensão advinda dessa concepção está errada. Ainda estamos entregues no caminho
do pecado e não temos como ser sugestionados plena e completamente pela pessoa de
Cristo. O próprio Paulo diz que, ainda que não seja mais ele que vive, Cristo vive nele,
como uma maneira de indicar que vive pela fé (Gl 2.20) e não que simplesmente morreu
em todas as suas individualidades. Paulo não deixou de ser quem ele era, mas então ele é
quem é na fé do Filho.
O terceiro modelo entende que nossa união com Cristo é semelhante à união de dois
amigos, em que eles compartilham dos mesmos interesses e objetivos. É mais como uma
empatia, uma união externa pela qual um influencia o outro pela forma como fala, age e
se comporta. O erro desse modelo está em limitar o relacionamento de Cristo com o crente
a simplesmente uma “parceria”, como a de quaisquer outros dois humanos.
Em primeiro lugar, nossa união com Cristo é de natureza jurídica. Quando o Deus-Pai
nos avalia, ele não olha somente para nós, mas para Cristo em nós. Somos considerados
inocentes no tribunal de Deus, porque temos Cristo em unidade conosco. Em segundo
lugar, é uma união espiritual. Por um lado, a união é efetuada pelo Espírito Santo, que
nos traz à unidade com Cristo nos reinos celestiais. Há uma relação muito íntima de Cristo
em nós e o Espírito, que o ressuscitou nos dar vida (Rm 8.9-11). O Espírito de Cristo é o
próprio Espírito Santo que habita em nós e nos dá unidade com Cristo. É também, por
outro lado, uma união de espíritos que produz uma nova vitalidade em Deus. Somos
ressuscitados de nossa morte por meio do Espírito Santo, que vem nos dar vida. Por fim,
é uma união por meio da qual a vida de Jesus vem até a nossa, renovando nossa natureza
interior (2 Co 4.10, 16). Ele é a videira na qual a seiva é a vida que flui até nós, que somos
os ramos (Jo 15.4), para nos dar vida.
Por causa da união com Cristo, somos considerados justos pelo Pai. Isso significa Deus
nos vê numa posição de justos diante da Lei assim como o Filho foi. A Lei não mais nos
condena, pois estamos em Cristo (Rm 8.1).
Por causa da união com Cristo, somos fortalecidos (Fp 4.13). Paulo, quando atormentado
pelo espinho na carne, gloriou-se nas suas fraquezas e percebeu o poder de Cristo sobre
ele (2 Co 12.9).
A união com Cristo não elimina o sofrimento, mas dá propósito a ele. Assim como
perseguiram Jesus, perseguirão os seus discípulos (Jo 15.20). Temos participação e
identificação na sua morte (Fp 3.8-10). Devemos nos alegrar por sermos participantes dos
sofrimentos de Cristo, para que, da mesma forma, nos alegremos na revelação da sua
glória (1 Pe 4.13).
Aula 12 - Justificação pela fé, adoção e herança de vida eterna
No AT, a ideia de justiça é expressa pelo termo צָ דֵ ק- tsadeq. Esse termo pode significar
“declarar justo”. Por exemplo, Tamar foi considerada mais justa que Judá, porque ele não
cumpriu as obrigações de sogro (Gn 38.26). Davi foi considerado justo ao se recusar a
matar Saul (1Sm 24.17; 26.23). Ou seja, justiça é vista como o viver de acordo com
padrões estabelecidos para um relacionamento. Justificar não é tornar alguém bom
internamente, mas é declarar justo, ou declarar inocente.
O NT desenvolve ainda mais essa concepção do AT. Paulo diz que Deus se mostrou justo
ao justificar o ímpio (Rm 3.26), ao entregar seu filho como sacrifício, como preço da paga
pelos pecados, porque Cristo foi condenado em seu lugar. Essa justificação é
independente das obras da Lei. “A justificação é um ato forense imputando a justiça de
Cristo ao crente; não é uma infusão real de santidade no indivíduo. Ela significa tornar a
pessoa justa, como um juiz faz ao absolver o acusado” (2005, p. 925). É o que o juiz faz
ao absolver o acusado. Como diz Berkhof: “conquanto diga respeito ao pecador, não
muda a sua vida interior. Não afeta a sua condição, mas, sim, o seu estado ou posição, e
nesse aspecto difere de todas as outras principais partes da ordem da salvação” (p. 473).
Há um elemento negativo na justificação, que é a remissão dos pecados com base na obra
expiatória de Jesus Cristo. Esse elemento da justificação se baseia na obediência passiva
de Jesus de forma particular, mas não exclusiva. Esse perdão dado é aplicado a todos os
pecados, sejam eles passados, presentes ou futuros. Cristo perdoa o que foi cometido, o
que cometemos e o que será cometido por meio da justificação que recebemos pela sua
obra na cruz.
Se Deus apenas nos declarasse perdoados de nossos pecados passados, isso não
resolveria inteiramente nossos problemas, porque só nos tomaria moralmente neutros
diante de Deus. Estaríamos no mesmo estado de Adão antes de fazer qualquer coisa certa
ou errada à vista de Deus - ele não era culpado diante de Deus, mas tampouco tinha obtido
um atestado de justiça diante de Deus (GRUDEM, 1999).
Quando Adão não peca, ele não encontra justiça diante de Deus, mas apenas não está em
um estado de pecado. Estaríamos neutros, mas logo sairíamos da neutralidade porque
entraríamos no pecado novamente.
Logo, quando somos justificados, não temos apenas os pecados pagos pela via negativa,
mas também a justiça perfeita de Cristo colocada sobre nós como uma via positiva. Não
estamos apenas neutros diante de Deus como se não devêssemos nada, mas temos mérito
pela obra perfeita de Jesus. Não é um mérito pessoal que gera orgulho, mas um que gera
humildade, já que é recebido, é um mérito de outro. É o mérito de Cristo.
Por causa disso, a justificação envolve a remoção de toda a culpa e toda a penalidade.
Dizer que a justiça de Cristo nos é imputada é dizer que o Pai considera que a justiça do
Filho pertence a nós. Assim, o justificado é livre de uma vez por todas de toda a
condenação (Rm 8.1). E ainda que o justificado peque, Jesus ensinou que devemos orar
pelo perdão de nossos pecados (Mt 6.12) e nele podemos encontrar um advogado que
intercede por nós (1 Jo 2.1). A justificação não admite repetição porque Cristo não está
constantemente morrendo na cruz para nos livrar do pecado. Ele morreu uma única vez
e, portanto, a justificação acontece uma única vez na nossa vida, de uma vez por todas.
Aula 13 - A Santificação
A palavra para “santo” no AT קָ דוֺ ׁש- qadosh - significa basicamente “separado”. Ela
transmite a ideia de que o povo, objetos particulares e o Lugar Santo deveriam ser
separados para Deus. No AT, o conceito é repetido várias vezes em Levítico. Todas as
leis, sacrifícios, rituais e festas tinham por objetivo a manifestação da santidade do povo,
isto é, sua separação dos outros povos. No NT, o conceito é usado por Paulo, para se
referir à confusa igreja de Corinto (1 Co 1.2), e por Pedro, quando este se dirige a seus
leitores (1 Pe 2.9). O passo inicial da santificação envolve um rompimento com o poder
do pecado (Rm 6.11, 14), de forma que o poder do pecado não está mais sobre o crente
salvo em Cristo Jesus. O pecado tem algum poder sobre nós, mas ele não é mais nosso
Senhor (Rm 6.18). O pecado não tem mais domínio sobre os cristãos (Rm 6.14). “O
rompimento inicial com o pecado, então, envolve a reorientação de nossos desejos para
que não tenhamos mais amor pelo pecado dominando nossa vida” (GRUDEM, 1999, p.
623).
Ainda assim, o crente não é meramente passivo na santificação. Paulo afirma que o crente
deve desenvolver a salvação com temor e tremor, sabendo que é Deus quem opera em
nós tanto o querer como o efetuar (Fp 2.12-13). Nós desenvolvemos a salvação sabendo
que Deus opera em nós a santificação. Desenvolvemos nossa salvação – uma linguagem
usada para santificação – sabendo que quem opera esse desenvolvimento em nós é o
próprio Espírito Santo. Deus manda evitarmos o mal (Rm 12.9, 16, 17). Essa é uma
responsabilidade do crente, já que é Deus que nos dá força para evitar esse mal. Devemos
mortificar os desejos da carne (Rm 8.13) e apresentar nosso corpo como sacrifício vivo
(Rm 12.1-2). Porém, isso tudo só pode ser feito na dependência do poder de Deus.
Deve também ser destacado que a santificação é algo que acontece de forma corporativa,
ou seja, o crente precisa estar inserido na comunidade para se santificar de forma plena e
real (Hb 10.24-25; 2 Pe 2.9; 1 Ts 5.11; Ef 4.1). A santidade é um fruto do Espírito e ele
trabalha na comunidade dos salvos (Gl 5.22-23). Lemos que quando deixamos de
congregar perdemos a exortação mútua que nos mantém firmes no caminho da
santificação (Hb 10.25). Na santificação demonstramos nosso amor por Deus. Na
santificação, manifestamos as boas obras que foram destinadas desde antes da fundação
do mundo (Jo 14.15, 21; 1 Jo 5.3). O Deus que nos predestinou à salvação é o mesmo que
nos predestinou às boas obras. Ao demonstrar nossa obediência a Deus e nosso amor uns
pelos outros, provamos ao mundo que somos verdadeiramente filhos de Deus. A
obediência é a prova do nosso amor por ele. Por meio dela podemos saber que estamos
de consciência limpa diante de Deus (Rm 13.5; 1 Tm 1.5, 19; 2 Tm 1 .3; 1 Pe 3.16).
Somos utensílios de honra para glória do nosso Senhor (2 Tm 2.20-21).
Aula 14 - A doutrina do perfeccionismo
O crente pode ser perfeito na sua obra de santificação nessa vida? A santificação pode se
manifestar de forma total e completa nessa existência ou sempre será uma obra
incompleta?
Diz também que “Nessa perfeição, glória e felicidade, a lei real dos céus e da terra é essa
‘Amem o Senhor seu Deus com todo seu coração, com toda sua alma, com toda sua mente
e com toda sua força”(APUD GEISLER, 2005). O bem único perfeito será seu fim
último’”.
Com isso, John Wesley deixa muito claro que é possível largar de forma completa e
absoluta o pecado nessa vida. Ele chega a falar de forma ainda mais clara quando diz o
seguinte:
Segundo ele, qualquer crente pode alcançar a perfeição nessa vida e se plenamente limpo
de todo e qualquer pecado. Não apenas posicionalmente diante de Deus na justificação,
mas no nosso próprio comportamento de santificação. Ele chega a dizer que “Santo João
afirma [a perfeição] expressamente; e não pode ser desaprovado pelos exemplos do
Antigo Testamento”.
Wesley admitiu que mesmo apóstolos líderes como Pedro e Paulo não alcançaram a
perfeição de forma plena em suas vidas (GEISLER, 2005).
Ele também fala que o perfeccionismo diminui o pecado porque limita o estado de
perfeição aos pecados conhecidos. Ou seja, a pessoa para com os atos pecaminosos que
sabe que são pecado. O problema disso é que podemos ser enganados pelo nosso próprio
coração. Muitas vezes, não reconhecemos como pecado as coisas que praticamos
enquanto as praticamos. Além disso, o próprio Satanás pode nos fazer pensar que não é
pecado algo que é realmente pecaminoso.
Essa doutrina vem da interpretação errada de alguns textos que falam de perfeição,
representado pelo termo grego τελειοι – teleoi –, que pode ser traduzido como
aperfeiçoado, perfeito, pleno ou completo. Os crentes alcançam a perfeição quando são
salvos, mas isso não significa o que Wesley tenta fazer parecer que significa.
A palavra τελειοι, em Mateus 5.48, não significa “sem defeito” ou “sem mancha”. Antes,
significa “completo”. Portanto, é bem possível ser “perfeito” sem estar totalmente livre
do pecado” (ERICKSON, 2015). Isso não desmerece a busca pela liberdade completa do
pecado. Paulo nos informa que podemos fugir das tentações (1 Co 10.13). João (1 Jo 1)
nos ensina a andar na luz buscando o perdão de nossos pecados. Assim, diz Erickson
novamente que “embora a completa liberdade do pecado e a vitória total sobre ele sejam
o padrão a ser almejado e teoricamente possível, é duvidoso que qualquer crente consiga
atingi-lo nesta vida” (p. 943). Grudem (1999, p 625) nos informa de 3 etapas no processo
de santificação:
Assim, o crente olha para a plenitude como aquilo que ele realmente é em Cristo Jesus na
sua justificação, mas que ele não é em sua santificação de forma plena. Nós ainda seremos
quem realmente somos em Cristo. Nossa posição diante de Deus ainda não é quem somos
nesse mundo, mas o seremos quando formos glorificados no último dia. Buscamos ser
cada vez mais santos enquanto vivemos porque é isso que somos em Cristo Jesus e é isso
que seremos de forma plena quando formos glorificados com ele nos céus.
Os teólogos orientais cuidam bem para que isso não seja confundido com nenhum tipo de
panteísmo. Eles não acreditam que o crente partilha da mesma essência de Deus, mas,
segundo Gregório Palamas, de suas energias, que são um modo de existência de Deus
distinto de sua essência. Já John Zizioulas afirma que o conceito implica uma participação
na vida de Cristo. O objetivo é que a vida pessoal que é constatada em Deus possa também
ser percebida no nível da existência humana.
Deificação nem de longe é um conceito errado, por mais que soe de forma esquisita a
ouvidos ocidentais. O problema com o termo é que teólogos não-ortodoxos têm utilizado
essa terminologia para dizer que os crentes são ou serão participantes da natureza divina
ao ponto de se tornarem como deuses, unicamente por estarem unidos a Cristo na
salvação.
Um dos exemplos desses teólogos é F.W. Norris. Já a maior parte dos evangélicos “que
emprega a terminologia da deificação a utiliza de forma mais metafórica do que literal,
em comparação a seu uso pela Igreja Ortodoxa, e eles estão realmente falando do que
tradicionalmente tem sido explicado como a união com Cristo” (ERICKSON, 2015, p.
946).
Teremos corpos radiantes. Comparar esse novo corpo com o nosso atual seria comparar
o brilho das estrelas com o brilho do próprio sol. Este é um corpo de desonra, mas teremos
um corpo de honra. Este é um corpo de fraqueza, mas teremos um corpo de força na
glorificação final dos céus.
É o que vemos quando Paulo disse que “aos que predestinou, a eles também chamou; e
os que chamou, a eles também justificou; e os que justificou, a eles também glorificou”
(Rom 8.30). No grego, não temos uma ideia temporal de passado, mas um progresso que
se dá na vida do salvo.
A glorificação aparece como o passo final da salvação. Paulo também escreveu aos
Coríntios que “nem todos dormiremos, mas todos seremos transformados; Num
momento, num abrir e fechar de olhos, ante a última trombeta; porque a trombeta soará,
e os mortos ressuscitarão incorruptíveis, e nós seremos transformados” (1 Coríntios
15:51-52). Ou seja, nem todos vão morrer, porque alguns vão passar por essa
transformação física antes de encontrar a morte. Todos os mortos serão transformados,
assim como os vivos. Teremos corpos incorruptíveis. Essa glorificação acontecerá no
momento escatológico de Cristo, no seu retorno em sua segunda vinda (Mt 25.31).
O fato de que o nosso corpo será “incorruptível” significa que ele não se desgastará, não
envelhecerá e não estará sujeito a nenhuma enfermidade ou doença. Será para sempre um
corpo plenamente saudável e forte. Além disso, visto que o envelhecimento gradual faz
parte do processo pelo qual o nosso corpo está agora sujeito à “corrupção”, é certo pensar
que o corpo da ressurreição não terá sinais de envelhecimento, mas terá perpetuamente
as características da juventude acompanhadas de maturidade como homens e mulheres.
Não haverá sinal de doença nem de dor, pois todos seremos perfeitos. O nosso corpo
ressurreto mostrará o cumprimento da plena sabedoria de Deus ao criar-nos como seres
humanos, ápice de sua criação, portadores adequados de sua imagem e semelhança. Nesse
corpo ressurreto, veremos o que Deus pretendia que fôssemos enquanto seres humanos
(GRUDEM, 1999).
Estaremos preparados para a eternidade diante da face gloriosa do Senhor. Paulo afirma
que esse corpo será espiritual, mas não no sentido de ser não-físico, mas de que foi
totalmente transformado pelo Espírito Santo. E assim como o corpo de Jesus após a sua
glorificação apresentou certa continuidade depois de sua ressurreição – não sendo uma
nova face, uma nova feição completa e absoluta – é ainda o mesmo corpo, mas um tanto
diferente e superior. O nosso corpo glorificado também apresentará continuidade em
relação ao nosso corpo terreno e presente. Características tribais e raciais provavelmente
vão continuar plenas nos céus quando estivermos com o Senhor, uma vez que Apocalipse
21 mostra os povos de Deus. Apocalipse mostra o tempo todo povos de toda língua e
nação louvando o Senhor.
Bibliografia utilizada
GRUDEM, Wayne. Teologia Sistemática: atual e exaustiva. São Paulo: Vida Nova,
1999.