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“O Calvinismo foi uma força ativa e radical. Era uma fé que buscava não
somente purificar o indivíduo, mas ainda reconstruir a Igreja e o Estado e
renovar a sociedade, fazendo penetrar em cada setor da vida pública e
privada a influência da religião.”
R. H. Tawney
2
BIÉLER, André. O Pensamento Econômico e Social de Calvino. p. 68.
3
Idem. Ibidem, p. 69.
4
Idem.
direção e demonstram que Genebra não fica imune ao vírus revolucionário que
desencadeia a reforma social, política e religiosa.
5
SILVESTRE, Armando Araújo. O direito de resistir ao Estado no pensamento de João Calvino. São
Bernardo do Campo: Universidade Metodista de São Paulo, 2001, – (Tese de Doutoramento), p. 12.
Referência negativa aos mamelucos orientais que preferiam ser escravos ou servos a viver em liberdade.
6
Idem, ibidem. Palavra alemã que significa “confederados”.
7
SILVESTRE, Armando Araújo. Op. Cit., p. 13. Cf. nota de rodapé nº 7.
8
Idem. p. 15. Cf. nota de rodapé nº 13.
9
Idem. p. 14.
protestar contra a permanência do reformador em Genebra. Ao final das controvérsias,
Berna permanece como a única aliada da cidade.
O Bispo Pierre de La Baume faz aliança com Charles III, Duque de Savoy
e enviam tropas para atacar Genebra. Os magistrados denunciam o Bispo a Roma, que
ignora a denúncia. Em contrapartida, Genebra funda sua própria Casa da Moeda,
proclamando, assim, sua independência frente à hierarquia romana. 10 Como os ataques
anteriores a Genebra haviam fracassado, o Duque de Savoy novamente investe contra
a cidade, mas Berna vem-lhe em socorro e liberta Genebra em fevereiro de 1536. Farel
então tem liberdade para pregar, em 10 de março do mesmo ano, conclamando os
cidadãos genebrinos a viverem segundo os preceitos do Evangelho. 11
13
SILVESTRE, Armando Araújo. Op. Cit., pp. 30-31.
14
Idem. Ibidem. p. 20. Cf. Quadro da organização política de Genebra.
15
Id. Ibid.. As informações sobre os quatro Conselhos existentes em Genebra encontram-se nas páginas
17-21.
2. A “Doutrina Social” de Calvino
Porque se pode afirmar que Calvino era um humanista? E ainda mais: que
seu humanismo era social e teológico? Para responder as perguntas acima, faz-se
necessário uma rápida análise da formação recebida pelo reformador de Genebra.
20
BIÉLER, André. O Pensamento Econômico e Social de Calvino, pp. 113 - 116.
21
Idem. Ibidem, p. 116.
22
Id. Ibid., pp. 121-122.
23
Id. Ibid., p. 124.
visto que, segundo nos afirma BIÉLER, para Calvino o homem é homem na medida em
que permanece sujeito a seu criador.24
Mas, esse humanismo teológico vai além. Calvino tem uma visão
pessimista do ser humano. Segundo ele, todo el hombre, de los pies a la cabeza, está
como anegado en un diluvio, de modo que no hay en él parte alguna exenta o libre de
pecado, y, por tanto, cuanto de él procede se le imputa como pecado... 25 Se intenção e
ação dos seres humanos são más, tem-se que as suas relações sociais são
corrompidas, ou seja, são relações egoísticas, desprovidas de solidariedade.
24
BIÉLER, André. O Humanismo Social de Calvino, p. 15.
25
CALVINO, Juan. Institución de La Religión Cristiana. - Tradução de Eusebio Goicoechea. -, Libro II,
Capítulo I, p. 170.
26
Idem. Ibidem. Libro II, Capítulo VI, p. 239.
27
Id. Ibid., Libro II, Capítulo XVII, p. 393.
28
Id., Libro II, Capítulo II, p. 182.
Chega-se assim, ao ponto culminante do humanismo social de Calvino.
Para ele a nova vida proveniente da graça justificadora de Deus é essencialmente
comunitária. Com relação a isto, assim se expressa:
Por eso Dios ha unido a su Iglesia con el vínculo que le pareció más
apropiado para mantener en ella la unión, confiando la salvación y la vida
eterna a hombres, a fin de que por su medio les fuese comunicada a los
demás.31
29
CALVINO, Juan. Institución de La Religión Cristiana. Libro IV, Capítulo I, p. 805.
30
BIÉLER, André. O Humanismo Social de Calvino, p. 21.
31
CALVINO, Juan. Op. cit. Libro IV, Capítulo III, p. 837.
arriscada à corrupção. Calvino, em seus Comentários ao Novo Testamento, diz-nos
que
A Igreja não pode ser tão prontamente formada que não lhe reste alguma
coisa a corrigir; (...) Ademais, aprendemos que não há instituição de Deus,
por mais santa e louvável que seja ela, que não suceda que não a
corrompam os homens, ou a tornem menos útil por seu vício. (...) 32
Assim, segundo Calvino, Deus estabelece uma outra instituição que irá
servir como instrumento de Deus para balizar as relações sociais de homens e
mulheres ainda submetidos ao pecado, de maneira que consigam viver em
comunidade. Conforme nos diz BIÉLER, para evitar, pois, que todas as coisas
descambem para a desordem e o caos, Deus suscita, no quadro geral da sociedade,
uma ordem provisória a que Calvino dá o nome de ordem política.33 É a relação desta
com o que ele denomina de ordem da Igreja, que será analisada na terceira parte desta
pesquisa.
32
Apud BIÉLER, André. O Pensamento Econômico e Social de Calvino, p. 367.
33
BIÉLER, André. O Humanismo Social de Calvino, p. 25. Grifo meu.
Feito o levantamento do contexto histórico e social onde viveu João
Calvino, bem como de sua “Doutrina Social”, quais seriam as conseqüências práticas
destes levantamentos, e, ainda, que lições a Igreja atual poderia aprender e colocar em
prática como instituição suscitada por Deus para a promoção do seu reino entre os
humanos?
Para Calvino, Igreja e Estado eram duas ordens que tinham a mesma
origem e objetivo: provinham de Deus e foram instituídas por ele para a promoção de
seu reino.34 Cabia ao Estado35, segundo Calvino,
34
CALVINO, Juan. Institución de La Religión Cristiana. Libro IV, Capítulo XX, pp. 1167-1170.
35
Calvino usava as expressões príncipes, magistrados, ordem civil e ordem política, no lugar do termo
“Estado”. Cf. SILVESTRE, Armando Araújo. O direito de resistir ao Estado no pensamento de João
Calvino, p. 153.
36
CALVINO, Juan. Op. Cit., Libro IV, Capítulo XX, p. 1169.
uma vez que o reino de Cristo é espiritual, também de mister se faz que seja ele
fundado na doutrina e na virtude do Espírito Santo.37
Para Calvino, a ordem política tem limites bem definidos: está a serviço de
Deus e do povo.38 Sendo a ordem política instituída por Deus, tanto quanto a Igreja,
este serviço prestado ao povo implica, em contra partida, obediência e submissão por
parte deste. Esta obediência e submissão visam, ao mesmo tempo, a manutenção da
fé e da ordem social, que teimam em ser desmanteladas tanto pela insubmissão quanto
pelo conformismo à ordem civil. Segundo Calvino,
Se cabe à ordem civil, entre outras coisas, hacernos vivir con toda justicia,
(...) instruirnos en una justicia social, ponernos de acuerdo los unos con los otros,
mantener y conservar la paz y la tranquilidad comunes 42, toda ordem dada que venha a
ferir os principios evangélicos da justiça, da solidariedade, da paz entre os seres
humanos deve ser rechaçada, ou melhor, resistida como prova de obediencia a Deus.
Calvino termina as Institutas afirmando que (...) verdaderamente daremos a Dios la
obediencia que nos pide, cuando antes consentimos en sufrir cualquier cosa que
desviarnos de su santa Palabra.43
Já foi visto que para Calvino a Igreja é um meio pelo qual a graça
justificadora de Deus visa alcanças os seres humanos e melhorar suas relações
sociais. Mas a Igreja, formada por uma parcela da sociedade, continua com resquícios
do pecado, não podendo, por isso, restaurar completamente esta sociedade. Assim,
segundo Calvino, Deus suscita uma outra ordem para que tal objetivo seja alcançado,
que ele denomina de ordem política. Comentando Mc 10,21, em seus Comentários ao
Novo Testamento, ele diz que Deus ama as virtudes políticas, (...) porque servem a um
fim que Ele aprova.44
41
CALVINO, Juan. Op. Cit., Libro IV, Capítulo XX, p. 1194.
42
Idem, Ibidem, p. 1169.
43
Idem.
44
apud BIÉLER, André. O Pensamento Econômico e Social de Calvino, p. 340.
45
CALVINO, Juan. Op. Cit., Libro IV, Capítulo XX, p. 1168.
conviene a cristianos.46 Muito pelo contrário, ele entende que a Igreja tem uma missão
política a desenvolver na sociedade.
46
Idem.
47
Cf. BIÉLER, André. O Pensamento Econômico e Social de Calvino, pp. 382-389.
48
Al cristianisimo Rey de Francia. In: CALVINO, Juan. Op. Cit., p. XXVIII.
49
apud BIÉLER, André. O Pensamento Econômico e Social de Calvino, p. 390.
A Igreja, através da denúncia e da resistência à ordem estabelecida,
acaba por contribuir com a restauração da sociedade. Pode contribuir se permanecer
fiel ao Evangelho, ou seja, seguir firme na sua missão de denunciar as injustiças,
muitas vezes promulgadas pela própria ordem civil, e colocando-se ao lado dos pobres
e dos fracos, defendendo-os dos abusos dos ricos e poderosos.
50
BIÉLER, André. O Humanismo Social de Calvino, p. 28.
51
Cf. nota nº 43 deste trabalho.
Para Calvino, as virtudes políticas têm um fim aprovado por Deus, visto
que contribuem, em parceria com a Igreja, para a manutenção da justiça social. Sendo
que a fé cristã deve ser vivenciada em comunidade, as virtudes políticas são
desenvolvidas quando a fé cristã é praticada pela e na comunidade dos fiéis.
52
HELLER, Agnes; FEHÉR, Ferenc. A Condição Política Pós-Moderna. – Tradução de Marcos Santarrita.
– 2ª edição, p. 117.
53
Idem. Ibidem, p. 127.
54
Cf. HELLER, Agnes; FEHÉR, Ferenc. Op. Cit., pp. 122 à 129.
55
HELLER, Agnes; FEHÉR, Ferenc. Op. Cit., p. 129.
Quando toda e qualquer prática objetiva a transformação da sociedade,
passa a ser práxis. FLORISTAN vai desenvolver o conceito de práxis como: 1. acción
creadora y no meramente reiterativa (...) 2. acción reflexiva y no exclusivamente
espontánea (...) 3. acción liberadora y de ningún modo alienante (...) 4. acción radical y
no meramente reformista56. A praxis é, segundo VÁZQUEZ, atividade material do
homem que transforma o mundo natural e social para fazer dêle um mundo humano. 57
56
FLORISTAN, Casiano. Teologia Practica: teoria y práxis de la acción pastoral, pp. 179-180.
57
VÁZQUEZ, Adolfo Sánchez. Filosofia da Praxis, p. 3.
58
Cf. VÁZQUEZ, Adolfo Sánchez. Op. Cit. , pp. 194-202.
59
Idem. Ibidem, p. 200.
60
Idem.
61
Cf. FLORISTAN, Casiano. Op. cit., pp. 181-182.
igual, su adecuación a las demandas no de un pequeño grupo, sino de la
totalidad de los hombres.62
O que é afirmado por FLORISTAN com relação à práxis política, pode ser
encontrado em Calvino com relação à resistência da Igreja à ordem estabelecida, ao
status quo. Segundo BIÉLER, em permanecendo fiel ao Evangelho e em se tornando,
por vezes, por este fato e sem o querer, um elemento de perturbação no mundo, não
cessa a Igreja de exercer seu ministério de regeneração da sociedade.63
62
apud FLORISTAN, Casiano. Op. Cit., p. 182.
63
BIÉLER, André. O Humanismo Social de Calvino, p. 393.
64
FLORISTAN, Casiano. Op. Cit., p. 179.
65
Id. Ibid., p. 182.
66
Idem.
67
BOFF, Clodovis. Fé e Política: Alguns Ajustes. In: Fé e política: fundamentos, p. 46.
68
Idem. Ibidem, p. 43.
69
BOFF, Clodovis. Op. cit., p. 48.
pode, ao mesmo tempo, desenvolver as virtudes cívicas e praticá-las, objetivando uma
sociedade mais justa e solidária.
70
CALVINO, Juan. Institución de la Religión Cristiana. Libro IV, Capítulo XV, pp. 1035-1036.
71
CASTRO, Clovis Pinto de. Por uma Fé Cidadã: A dimensão pública da Igreja – fundamentos para uma
pastoral da cidadania, p. 114.
72
Utopia é aqui entendida como um “modelo de perfeição que nos permite ver o que está errado agora,
no presente.” (anotação de definição de Utopia dada pelo Prof. Dr. Jung Mo SUNG em sala de aula, em
12/08/2004).
73
CASTRO, Clovis Pinto de. Op. Cit., p. 119.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Esta pesquisa, que se dá por hora encerrada, objetivou fazer um
levantamento, não extenuante, de como Calvino compreendia a relação entre fé e a
política no desenvolvimento de seu ministério pastoral na Genebra do século XVI.
Como cristão reformado, Calvino vai vivenciar a fé cristã como práxis. Dito
de outra maneira, a fé cristã, segundo a compreendia Calvino, deve ser vivida na
sociedade, nas relações entre os cidadãos. Estas relações, mediadas pelo Estado e
apregoadas e praticadas pela Igreja, devem conduzir à transformação da sociedade
toda vez que esta promover relações sociais injustas e iníquas. Desse modo, na
compreensão de Calvino, a fé cristã deve ser uma “fé política”, fé vivida e praticada no
âmbito social e para a transformação do mesmo quando se desviar das exigências do
Evangelho.
Conforme nos aponta a pesquisa que ora termina, a Igreja hodierna pode
ser interpelada pelas exigências da “Reforma Calvinista” no que diz respeito ao
cumprimento de sua missão profética. Uma má compreensão da relação entre a fé e a
política, tem levado a Igreja, através dos tempos, a trancafiar-se entre quatro paredes, a
esquecer-se de que, além de estar inserida em uma determinada sociedade, é formada
por parte de seus cidadãos. Entendida nos moldes da Reforma Calvinista, fé e política
estão entrelaçadas na missão profética da Igreja, visto que não poderia ser de outra
maneira, quando as exigências do Evangelho levam, forçosamente, os cristãos a
vivenciarem sua fé no espaço público. Assim, a prática da “fé política”, conforme o
“calvinismo”, é uma práxis religiosa cristã.
Referências Bibliográficas
BIÉLER, André. O Humanismo Social de Calvino. – Tradução de A. Sapsezian. – São Paulo:
Edições Oikoumene, 1970, Capítulos I e IV.
___________. O Pensamento Econômico e Social de Calvino. – Tradução de Waldyr Carvalho
Luz. – São Paulo: Casa Editora Presbiteriana S/C, 1990, pp. 221-236; 361-394.
BOFF, Clodovis. Fé e Política: Alguns Ajustes. In: Fé e política: fundamentos. Pedro A Ribeiro
de Oliveira, (Organizador). – Aparecida, SP: Idéias & Letras, 2004, pp. 29-65.
CALVINO, Juan. Institución de la Religión Cristiana. – Tradução de Buenos Aires: Nueva
Creación, 1988, Capítulos II e IV.
CASTRO, Clovis Pinto de . Por uma Fé Cidadã: A dimensão pública da Igreja – fundamentos
para uma pastoral da cidadania. São Bernardo do Campo: UMESP; São Paulo: Edições
Loyola, 2000, Capítulo 5.
HELLER, Agnes; FEHÉR, Ferenc. A Condição Política Pós-Moderna. – Tradução de Marcos
Santarrita. – 2ª edição. - Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2002, Capítulo 6.
SILVESTRE, Armando Araújo. O direito de resistir ao Estado no pensamento de João Calvino.
São Bernardo do Campo: Universidade Metodista de São Paulo, 2001, – (Tese de
Doutoramento), Capítulos 1, 3 e 4.
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO................................................................................................................01
CONSIDERAÇÕES FINAIS............................................................................................22
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS................................................................................24