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A Igreja católica deixou de ser a única religião cristã na Europa ocidental.

Esse processo de
transformações é conhecido como Reformas religiosas. Organizaram-se outras igrejas, e a própria
Igreja católica também passou por alterações. A Europa respirava ares renascentistas quando, em
1506, sob as ordens do papa Júlio II, iniciam-se os projetos para a construção da nova basílica
dedicada a São Pedro, em Roma. Durante muito tempo, a Igreja católica foi considerada a instituição
mais importante da Europa. Seus ensinamentos acompanhavam a vida e o modo de pensar dos
europeus desde o nascimento até a morte. Quem se afastava das orientações da Igreja era
considerado um herege, podendo ser até excomungado (proibido de receber os sacramentos), o que
equivaleria a ser excluído da vida religiosa e social da época. Os membros da Igreja exerciam forte
influência entre os fiéis. A eles era reservado o papel de ensinar e conduzir os cristãos à salvação da
alma. De acordo com as regras da Igreja, a salvação seria obtida com fé e boas obras feitas pelos
cristãos, ou seja, ações pessoais que agradassem a Deus. No entanto, alguns de seus integrantes
tinham um modo de vida bem diferente das regras, dos valores e dos ensinamentos pregados pela
Igreja católica. Membros do clero viviam luxuosamente, enriqueciam à custa da fé e da cobrança de
tributos dos crentes.
Muitos clérigos eram mal preparados para ingressar na vida sacerdotal e desconheciam até mesmo
os preceitos bíblicos. Alguns celebravam as missas fingindo que falavam latim, o idioma oficial da
Igreja; outros mal sabiam ler ou rezar. A regra do celibato também era desrespeitada por muitos.
Existia ainda, especialmente no alto clero, a comercialização de cargos, que eram vendidos a
qualquer pessoa disposta a pagar por eles. Os nobres, por exemplo, compravam-nos para seus
filhos – não por vocação religiosa, mas pelo poder que tais cargos asseguravam. Dessa forma,
interesses políticos e econômicos se tornaram mais importantes que a fé em Deus, as práticas de
boas ações e a obediência aos mandamentos. No final do século XV e início do XVI, setores do
clero procuravam ampliar a arrecadação da Igreja para além das formas já conhecidas, por exemplo,
recebendo o dízimo e doações de terras e imóveis. Uma das soluções encontradas foi a venda de
relíquias religiosas. No início do século XVI, o projeto e a construção da Basílica de São Pedro
estimularam ainda mais o comércio de objetos sacros e a venda de indulgências, isto é, do perdão
dos pecados.
À medida que alguns reis centralizavam e aumentavam seu poder político, crescia o desejo de
interferir em assuntos relacionados à Igreja. Por sua vez, a Igreja católica via alguns de seus
privilégios ameaçados com a centralização política – por exemplo, a perda de isenções tributárias.
Antes de a Igreja começar a ter sua supremacia questionada nos séculos XIV e XV, alguns de seus
membros debatiam sobre os rumos que ela tomava. Muitos propuseram mudanças, como a
simplificação e o uso da língua local nos cultos; a solicitação de que o clero vivenciasse os ideais de
pobreza e simplicidade presentes no Evangelho; o repúdio ao apego aos bens materiais; e a
valorização dos fiéis da Igreja, o que diminuía a importância do clero. As críticas não eram bem -
aceitas.
As ideias e os valores renascentistas permitiam um olhar mais crítico em relação à realidade. A
Igreja católica não ficou isenta dessa análise. A condenação do comércio pela Igreja e a prática da
usura dificultavam a aceitação social dos comerciantes e banqueiros, e isso limitava seus lucros. Há
relatos sobre empréstimos que não eram pagos por quem os tomava, sob a proteção moral do clero,
em razão da condenação da usura. Surgiam então incompatibilidades entre a burguesia e a Igreja
católica. A invenção da impressão com caracteres móveis aumentou o número de cópias de livros.
Entre as obras de maior circulação está a Bíblia. As poucas pessoas que sabiam o latim podiam ler
a Bíblia e fazer as próprias interpretações.
O que hoje conhecemos como Alemanha fazia parte, no século XVI, de um conjunto de quase
trezentos territórios com diferenças geográficas, linguísticas e políticas. Duques, condes, arcebispos
e príncipes exerciam o controle político, com autonomia administrativa, sobre suas regiões, como
Baviera, Saxônia, Brandeburgo, Áustria, entre outras. O conjunto desses territórios era conhecido
como Sacro Império Romano-Germânico. Alguns governantes desses territórios escolhiam um
imperador, que deveria ter seu nome reconhecido pelo papa. Em 1517, a mando do papa, o monge
Johann Tetzel percorreu os territórios do Sacro Império vendendo indulgências para arrecadar
fundos para a construção da nova Basílica de São Pedro. A passagem de Tetzel mobilizou membros
do clero e fiéis que acreditavam que, com as indulgências, estariam se livrando dos pecados,
garantindo um lugar ao lado do Senhor e ao mesmo tempo contribuindo para edificar a nova
basílica. Havia aqueles que percebiam nisso um evidente abuso da fé, uma exploração financeira e
também um desvio de recursos, já que o montante arrecadado pela Igreja saía dos territórios locais
para empreender projetos em Roma. Surgiu na Saxônia um movimento contra o monge Tetzel, que,
além de ser proibido de entrar nesse território, passou a ser duramente criticado. Neste momento,
em 31 de outubro de 1517, o monge Martinho Lutero, professor de Teologia da Universidade de
Wittenberg, torna público o seu ponto de vista sobre a venda de indulgências. A declaração de
Lutero, com críticas à venda de indulgências, ao papel do papa e do clero, era resultado dos estudos
que o monge desenvolvia sobre a questão da salvação dos seres humanos. Lutero acreditava que
nem as boas ações nem os agrados feitos a Deus por meio do clero garantiriam a redenção. Para
ele, a salvação humana estava na fé. As pessoas deveriam manter-se inabaláveis em sua fé, pois é
ela que permite a aceitação de Deus. E caberia somente a Deus perdoar as pessoas. Ao saber da
ação do monge alemão, o papa exigiu que ele desmentisse publicamente tudo o que dissera. Lutero
recusou-se e rompeu com a Igreja de Roma. A tentativa do papa em puni-lo provocou o protesto dos
nobres que apoiavam as ideias de reforma de Lutero. Por essa razão, seus seguidores ficaram
conhecidos como protestantes. Alguns nobres apoiaram Lutero porque, além de concordarem com
suas propostas de reflexões teológicas, tinham interesses em diminuir a influência da Igreja católica
no Sacro Império. Esse apoio foi decisivo para poupá-lo da punição, consolidar a Reforma
protestante e formar, então, a Igreja luterana. Lutero traduziu a Bíblia para o alemão, tornando a sua
leitura possível para os alfabetizados nessa língua. Assim, divulgou sua convicção de que somente a
fé aproximava os seres humanos de Deus. Ele também aboliu o clero e negou a infalibilidade do
papa. Essa nova Igreja manteve apenas os sacramentos do batismo e da eucaristia e aboliu o culto
aos santos. Ao contrário do catolicismo, a Igreja luterana defendia que o governo do país deveria ser
mais poderoso que a Igreja, e isso interessou diretamente a muitos reis e príncipes. Em relação à
atividade comercial, Lutero se manteve próximo ao que defendia quando era ainda um monge
católico e condenou a usura e a ganância, que se manifestavam fortemente no comércio.
Calvinismo - A possibilidade de diminuir a influência da Igreja católica na Suíça adequava-se ao
momento vivido naquele território, que buscava afirmar sua independência em relação ao Sacro
Império Romano-Germânico. Algumas cidades suíças passavam por um momento de efervescência
comercial. E parte significativa da população não se sentia protegida, pelo contrário, via-se condena-
da pelas restrições ao comércio e ao lucro feitas pela Igreja católica. A forte influência das ideias
humanistas do Renascimento cultural estimulou o espírito crítico dos suíços e contribuiu para colocar
em xeque valores católicos. Nesse contexto, as ideias protestantes foram muito aceitas na Suíça.
Foi com essa expectativa que, em 1536, chegou a Genebra um seguidor de Lutero chamado João
Calvino.
Ele fugia das perseguições na França, que tinha uma maioria católica. Embora Calvino tivesse
recebido influência da Igreja luterana, ao longo dos anos criou as próprias regras, que deram origem,
em 1536, a uma nova Igreja protestante: a calvinista. A exemplo do luteranismo, o calvinismo não
aceitava a autoridade do papa, rejeitava o culto aos santos e reconhecia dois sacramentos: o
batismo e a eucaristia. Calvino pregava ainda a existência da predestinação: a salvação e a
condenação da
alma pela vontade divina. Nada do que as pessoas fizessem adiantaria para mudar o caminho
definido por Deus. Ao contrário do que pregava a Igreja católica e mesmo a Igreja luterana, Calvino
afirmava
que o trabalho para obter lucro e riqueza era uma atitude aprovada por Deus. Também condenava a
preguiça e via na miséria uma fonte de pecado. Os burgueses de Genebra se identificaram com a
nova religião. Essa cidade suíça era um grande centro comercial da Europa do século XVI. A
burguesia local finalmente via o trabalho, a busca pelo lucro e a vontade de poupar e acumular
riquezas justificados pela religião. Em 1541, Calvino tornou-se dirigente político e religioso da cidade
de Genebra. Passou a impor uma rígida disciplina de hábitos e costumes, valorizando o trabalho e
condenando a diversão. Para garantir que essa disciplina fosse obedecida, criou o Consistório, um
órgão de controle da política, da economia e dos costumes. Os calvinistas da França foram
chamados de huguenotes; os da Inglaterra, de puritanos; e os da Escócia, de presbiterianos. Os
puritanos que foram perseguidos na Inglaterra fugiram para a América do Norte, onde fundaram as
Treze Colônias,
que deram origem aos Estados Unidos.
Igreja anglicana - Na Inglaterra do século XVI, o rei Henrique VIII, então católico, herdou um reino
cheio de dívidas e não tinha um filho homem que pudesse ocupar o trono após sua morte. Em meio
a problemas domésticos, ele resolveu se separar da rainha Catarina de Aragão – de origem
espanhola – para juntar-se a uma camareira da corte, Ana Bolena. Para fazer de Ana a nova esposa
e rainha, ele precisava que o papa Clemente VII concedesse a anulação de seu casamento. Diante
da resposta negativa do papa, o rei rompeu com a Igreja católica em 1534. Convocou uma
assembleia dos membros do clero para anunciar a criação de uma nova Igreja, independente da
católica – a Igreja anglicana – e ameaçou puni-los caso não o aceitassem como o chefe da Igreja.
Também reuniu o Parlamento e o convenceu a criar uma série de leis, entre elas a abolição de todos
os pagamentos de renda ao papa, e a criação da nova Igreja que estaria submetida ao rei. As
riquezas da Igreja católica estabelecida em seus domínios também deveriam ser confiscadas e
transferidas para a nova Igreja. Dessa forma, Henrique VIII conseguiria resolver os problemas
financeiros de seu reinado. Desde a Idade Média, a Igreja católica era alvo de severas críticas e do
desejo de mudança por parte de clérigos, teólogos e fiéis. Diante dos eventos relativos à Reforma
protestante, no século XVI, muitas dessas mudanças passaram a ser colocadas em prática. Essa
reação ficou conhecida como Contrarreforma. Como você pode notar, o próprio nome já indica que
se tratava de um movimento contrário à Reforma protestante.
Contrarreforma - O papa Paulo III, que liderou os católicos entre 1534 e 1549, reuniu membros do
alto clero para refletir sobre a situação da Igreja diante do cenário reformista. As avaliações
indicavam que alguns erros foram cometidos com relação ao comportamento do clero e ao abuso do
poder material da Igreja. No entanto, as discussões e decisões mais significativas aconteceram no
Concílio de Trento, que ocorreu entre 1545 e 1563. Na cidade de Trento, na Itália, membros do alto
clero se reuniram com o objetivo de conter o avanço protestante. O Concílio, um dos mais longos e
importantes da Igreja católica, foi marcado por muitas discussões e divergências e chegou a ser
interrompido por guerras e pestes. Entre as inúmeras decisões do Concílio, algumas, que diziam
respeito a questões internas, ligadas à doutrina e às práticas da Igreja católica, foram reafirmadas,
destacando-se: a necessidade de o fiel cooperar, preparar e movimentar-se no sentido de alcançar a
graça divina; os Sete Sacramentos como canais de transmissão da graça divina; a venda de
indulgências, desde que realizadas comedidamente pelo clero; a manutenção das imagens sacras
no culto, como testemunho da fé e combate à heresia dos iconoclastas; o papel dos clérigos na
anunciação da palavra de Deus e na administração dos sacramentos. Sobre a formação dos
membros do clero na Igreja, o Concílio decidiu pela criação de Seminários.
Os Tribunais da Inquisição, criados pela Igreja católica no século XIII para investigar e punir quem
divulgava ideias religiosas diferentes da doutrina que ela estabelecia, tiveram suas atividades
intensificadas. A pessoa que fosse delatada por ter ideias ou ações que desagradassem à Igreja
católica podia ser presa e submetida a um júri, com a presença de testemunhas, juízes e
investigadores. A prática da tortura era aceita como meio para se obter a confissão. Em caso de
condenação, a pessoa poderia sofrer censuras públicas (muitas vezes, humilhantes), receber pena
de prisão (temporária ou perpétua), ter seus bens confiscados ou ser morta em cerimônia pública.
Os autos da fé, praticados pelo Tribunal da Inquisição, eram cerimônias públicas que contavam com
a presença de nobres, reis, visitantes ilustres e da população em geral.
A criação do Índex, lista de livros cuja leitura era proibida aos católicos.
O estímulo à Companhia de Jesus, ordem religiosa fundada em 1534 pelo espanhol Ignácio de
Loyola, que tinha por objetivo pregar e propagar a fé católica.
A partir da segunda metade do século XVI, a determinação da Igreja católica em reconquistar fiéis e
controlar e evitar novas perdas levou o Concílio de Trento a dedicar-se também a definir contornos e
características das artes e edificações religiosas. As recomendações da Igreja católica acabaram por
influenciar artistas e a produção da arte. Na arquitetura das Igrejas, o púlpito de pregação ganhou
destaque para que os participantes das missas pudessem acompanhar melhor os sermões. A
Contrarreforma ajudou a impedir que o protestantismo se expandisse pelos países que ainda se
mantinham católicos, como Portugal e Espanha. As medidas de moralização diminuíram as críticas
ao clero e ajudaram a reconquistar a confiança de muitos fiéis. Aqueles que não se convenceram
foram pressionados pelas medidas repressivas.

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