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A aula desta semana traz também algumas novidades. A partir de hoje, aqueles
que nos acompanharem perceberão que, à medida que o Padre Paulo Ricardo
expõe o conteúdo de suas mensagens, imagens ilustrativas aparecerão no fundo
da tela. Este recurso é um método adotado pelo site a fim de facilitar e dinamizar o
estudo de nossos alunos.
Por isso, pedimos a você, que conhece o site e gosta do trabalho do Padre
Paulo Ricardo, que o divulgue a seus amigos e os convide a se unirem a nós
neste trabalho de aprofundamento nos tesouros da sabedoria cristã. Somente
através do estudo é que poderemos dar a razão de nossa esperança a todos
aqueles que nos perguntarem (cf. 1Pd 3, 15).
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62. Um novo lugar teológico. — Tratamos na aula passada dos dez lugares
teológicos que Melchior Cano propôs como domicílios da grande habitação que
é a teologia católica. O próprio Cano, entretanto, pressentira já no século XVI
que haveria no futuro tanto quem desejasse fossem menos os lugares elencados
quanto quem os julgasse muito poucos e quisesse acrescentar outros à dezena
original [1]. Na América Latina, a Teologia da Libertação, de que falaremos na
aula de hoje, apresenta uma nova espécie de lugar teológico a partir do qual
pretende desenvolver a sua reflexão: o «pobre». Pode-se dizer que a premissa
escriturística em que se apoiam os teólogos partidários dessa corrente é Mt 25,
31-46, em que Nosso Senhor evidencia, em termos fortes e adequados ao
discurso escatológico relatado pelo Evangelista Mateus, o modo especial por
que está presente nos pequeninos Seus irmãos. Ora, não poderia essa presença
de Cristo nos carentes e desvalidos servir como orientação para «uma
interpretação da fé cristã através do sofrimento, da luta e da esperança dos
pobres»? [2] Da mesma forma, não poderia o pobre ser também ele elevado à
categoria de lugar teológico sob cujo ponto de vista se poderia realizar «uma
crítica da atividade da Igreja e dos cristãos»? [3]
A) O problema
63. Erro metodológico. — A principal dificuldade de que padece a Teologia
Libertação é que a metodologia por ela adotada não parte de um dado básico da
fé (auditus fidei) sobre o qual se possa ulteriormente refletir (intellectus fidei).
Ocorre aqui uma ruptura com o modo tradicional de se fazer teologia, segundo o
qual à escuta da palavra de Deus sucede um esforço de intelecção de Sua
mensagem; noutras palavras, só é possível especular sobre os mistérios da fé
após nos termos certificado de que o objeto de nossa especulação é, de fato, a
fé da Igreja. A Teologia da Libertação, no entanto, parte não de um dado objetivo
da Revelação, mas antes de uma escolha prévia: de uma opção preferencial
pelo pobre. Na verdade, são compreensíveis, até certo ponto, os motivos que
levaram, especialmente na situação atual da América Latina, ao surgimento de
uma tal corrente teológica de matiz acentuadamente político; o problema
fundamental que se mantém no horizonte, escreve o Cardeal Ratzinger, é
sempre o mesmo: a presença do mal e da injustiça no mundo e, por assim dizer,
o silêncio de Deus. Ora, diante de realidades duras como a exploração do
trabalhador e as condições de miséria em que muitos vivem, a Teologia da
Libertação se posiciona nestes termos:
[...] tal situação, que não pode perdurar, só pode ser superada com uma mudança
radical das estruturas do nosso mundo, que são estruturas de pecado, estruturas
do mal. Se, portanto, o pecado exerce a sua força sobre as estruturas e destas
deriva, necessariamente, uma situação de miséria, esta pode ser vencida, não
com uma conversão pessoal, mas só lutando contra as estruturas da injustiça [4].
Inserida neste quadro, a opção pelo pobre de que falamos há pouco apresenta-
se, sob a perspectiva ideológica da luta de classes, como mecanismo de reforma
quer sócio-política, com vistas a um ideal escatológico de paraíso terreno (e aqui
a Teologia da Libertação é bastante fiel à tônica milenarista do comunismo
marxista) [5], quer eclesiástica, na medida em que busca instaurar uma «Igreja
dos Pobres» na qual a função sacerdotal tende a fundir-se com a de assistente
social [6]. Baseada nesse pressuposto metodológico, a Teologia da Libertação,
incapaz de uma inteligência mais profunda da fé eclesial, ver-se-á obrigada a
recorrer a outros expedientes que lhe permitam desenvolver, ao menos em
aparência, uma reflexão teológica que dê conta dos sofrimentos deste mundo.
João Sobrino, nesse sentido, propôs assentar a teologia sobre novos princípios
que, ao final, acabariam por reduzi-la de ciência da fé a uma práxis social e
espiritualmente libertadora, a uma tentativa, enfim, de fazer da Redenção um
processo político cuja responsabilidade está ela toda nas mãos do homem [7].
Um dos principais vetores dessa nova teologia é o que Sobrino
denomina intellectus amoris, quer dizer, o trabalho teológico deve ser encarado,
acima de tudo, «como reação da misericórdia frente a povos crucificados» [8].
Com efeito, esse princípio, sem o qual, diz Sobrinho, não pode haver
«compreensão de Deus, nem de Jesus, nem do homem» [9], deve-se
transformar numa «ação concreta de libertação [...] do marginalizado pela
sociedade moderna.» [10]
B) Raízes do problema
[...] uma noção central. Afirmar-se-á que Deus se fez história. Acrescentar-se-á
que não existe senão uma única história, na qual já não é preciso distinguir entre
história da salvação e história profana. Manter a distinção seria cair no "dualismo".
Semelhantes afirmações refletem um imanentismo historicista. Tende-se deste
modo a identificar o Reino de Deus e o seu advento com o movimento de
libertação humana e a fazer da mesma história o sujeito de seu próprio
desenvolvimento como processo da auto-redenção do homem por meio de luta
de classes. Esta identificação está em oposição com a fé da Igreja [...] [21].
C) Algumas consequências
Por ser luz do mundo e o sal da terra (cf. Mt 5, 13-16), todo cristão é chamado,
de um modo particular, a «trabalhar pela instauração [da] "civilização do amor"»
[29], para que Cristo reine no mundo e no coração de cada um de nós. Por isso,
são legítimos todos os empreendimentos que buscam combater, dentro dos
limites da atividade humana, quaisquer formas de escravidão política, econômica
ou social que impeçam a plena comunhão do gênero humano e dificultem a seu
modo o rumo de cada homem resgatado pelo sangue de Cristo à perfeição da
vida divina e à felicidade no Reino de Deus. O cristão deve ter presente, todavia,
que a verdadeira libertação, aquela que o Redentor nos veio trazer, é a
libertação de um «mal mais radical, do pecado e do poder da morte», sem a qual
não pode haver genuína liberdade [30]. Guiada, pois, pelo mandamento do
amor, a Igreja ensina que o Reino de Cristo, embora já iniciado aqui, não é, por
sua natureza mesma, deste mundo,
[...] cuja figura passa, e que seu crescimento próprio não se pode confundir com o
progresso da civilização, da ciência ou da técnica humanas, mas consiste em
conhecer cada vez mais profundamente as insondáveis riquezas de Cristo, em
esperar cada vez mais corajosamente os bens eternos, em responder cada vez
mais ardentemente ao amor de Deus e em difundir cada vez mais amplamente a
graça e a santidade entre os homens. Mas é este mesmo amor que leva a Igreja
a preocupar-se constantemente com o bem temporal dos homens. Não cessando
de lembrar a seus filhos que eles não têm aqui na terra uma morada permanente,
anima-os também a contribuir, cada qual segundo a sua vocação e os meios de
que dispõem, para o bem de sua cidade terrestre, a promover a justiça, a paz e a
fraternidade entre os homens, a prodigalizar-se na ajuda aos irmãos, sobretudo
aos mais pobres e mais infelizes. A intensa solicitude da Igreja, esposa de Cristo,
pelas necessidades dos homens, suas alegrias e esperanças, seus sofrimentos e
seus esforços, nada mais é do que seu grande desejo de lhes estar presente para
os iluminar com a luz de Cristo e reuni-los todos nele, seu único Salvador. Esta
solicitude não pode, em hipótese alguma, comportar que a própria Igreja se
conforme às coisas deste mundo, nem que diminua o ardor da espera pelo seu
Senhor e pelo Reino eterno [31].
Referências
5. V., por exemplo, Mircea Eliade, Mito e Realidade. Trad. port. de Pola Civelli. 5.ª
ed., São Paulo: Perspectiva (col. "Debates", n. 52), 2013, p. 158: «[...] Marx
retomou um dos grandes mitos escatológicos do mundo asiático-mediterrâneo: o
papel redentor do Justo (hoje, o proletariado), cujos sofrimentos são invocados
para modificar o status ontológico do mundo. [...] Marx enriqueceu esse mito
venerável de toda uma ideologia messiânica judeu-cristã: de um lado, o papel
profético e a função soteriológica que atribui ao proletariado; de outro lado, a
luta final entre o bem e o mal, que pode ser facilmente comparada ao conflito
apocalíptico entre Cristo e o Anticristo».
6. Cf. C. F. Zanini; M. Baccega; R. B. Zappia, «A Teologia da Libertação e a Opção
Preferencial pelos Pobres na América Latina», p. 66, in: História e Perspectiva,
Uberlândia, v. 24, n. 44 (jan./jun.), 2011. Disponível em (sítio):
<goo.gl/P2PDCP>. Acesso em: 29 de maio de 2015. V. Congregação para a
Doutrina da Fé, «Notificação sobre as Obras do P. João Sobrino, S.J.», de 26 de
nov. de 2006, n. 3. Disponível em (sítio): <goo.gl/VHc88p>. Acesso em: 29 de
maio de 2015.
9. Id., p. 292.
12. Clodovis Boff, Teoria do Método Teológico. Petrópolis: Vozes, 1998, p. 122.
18. Cf. Congregação para a Doutrina da Fé, «Instrução sobre Alguns Aspectos da
"Teologia da Libertação"», VI, n. 9.
31. Paulo VI, «Profissão de Fé do Povo de Deus», 30 de jun. de 1968 (AAS 60 443-
4).
Bibliografia
o ELIADE, Mircea. Mito e Realidade. Trad. port. de Pola Civelli. 5.ª ed., São
Paulo: Perspectiva (col. "Debates", n. 52), 2013.