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Pontifícia Universidade Católica de São Paulo PUC-SP

Resenha da obra: Escatologia: breve tratado teológico-pastoral


de Frei Clodovis Boff, OSM.

Por Elenilson Ferreira

Escatologia, palavra difícil e bastante ausente em nossos círculos pastorais.


Não que não se discuta aquilo que ela abrange, é certo que falamos muito dela,
porém de outros modos, com uma linguagem mais simples.

Não é distante da devoção popular pedir uma missa por seu falecido, rezar
um terço pelas almas e tantas outras devoções de piedade. Se na devoção esse
assunto é bem desenvolvido, não posso dizer o mesmo no sentido doutrinal, vez
ou outra aparece alguém inquieto com relação a reencarnação, tentando
entender o purgatório ou então o mais comum – o inferno é realmente para
sempre?

São muitas as questões, e se buscássemos assentar esse assunto no chão de


nossa realidade levaria muito tempo, fiz essa introdução na intenção de mostrar
o quão atual e necessário é um livro como esse que temos na mão. Frei Clodovis
se propõe a escrever um tratado teológico-pastoral e cumpre com maestria. Em
cada página notamos que ele domina o assunto e fala como quem sabe, ainda
assim o texto é leve e carregado de poesia, realmente pastoral!

Logo na primeira frase da apresentação ele nos traz uma palavra que é um
baluarte para o estudo – esperança – o estuda da escatologia não deve ser algo
permeado de trevas, ou então algo usado para colocar medo nas pessoas. Qual
seria a resposta do povo a um ousado padre que um seu púlpito ousasse dizer
que o reino está próximo e que o julgamento de Deus se aproxima. Creio que
muitos se abalariam, haveria clima de medo, insegurança..., mas será que
realmente esses sentimentos deveriam aflorar com o anúncio?

Se professamos a fé em um Deus que ama tal como o Pai das misericórdias


não deveríamos imbuirmos de tais sentimentos. Aqui o autor é genial! Ele
mostra que está escrevendo para esse mundo real, refletindo sobre a morte nos
mostra que o apego materialista moderno, faz do homem um inimigo da morte,
tanto mais o homem seja “realizado” materialmente, mais odiara a ideia da
morte.

Digo ideia da morte e deixo transparecer no texto um pouco do real, também


no livro o autor vai nos dizer que costumamos ter a morte como um tabu, uma
ideia, até o dia em que é a nossa morte ou então de alguém querido, aí a morte
assume outra conotação.

O que realmente é a morte? É o momento em que nossa realidade dual,


corpo-alma, vê a realidade biológica entrar em seu ocaso, é a separação do
corpo e da alma. O homem do paraíso que em um primeiro momento por dom
preternatural não sofria tal realidade, e agora o vê, como fruto do pecado.
Contudo o pecado nunca tem a última palavra, e como nosso Deus é bom e
sempre faz superabundar sua graça, fez como sua morte e ressureição um novo
caminho, onde a morte já não é desgraça, mas benção “felizes os mortos que
morrem no Senhor” (Ap 14,13).

No capítulo seguinte retomando alguns termos muito conhecido da teologia


latino-americana ele explora a questão do “já e ainda-não” na questão
escatológica. De um lado surgem aqueles que defendem a parte do “tudo já”,
ou seja, logo após a morte a pessoa já viveria a ressurreição por inteiro, integral.
De outro lado estão aqueles que defendem o ainda não, no sentido que a
ressurreição não acontece de forma imediata.

Outra questão que surge nesse capítulo é a forma que se dá o julgamento, ou


até mesmo quem nos julga. Segundo o autor após a morte nos apresentaremos
diante de Deus, Ele nos iluminara com sua luz e nos julgaremos dignos ou não
de estar com Deus por toda a eternidade.

Quando olhamos o julgamento por essa ótica surge de imediato outra


questão, se aqueles que nutriram durante a vida uma antipatia por Deus, se não
se abrirem a uma graça especial não verão outra escolha senão a da
condenação eterna, mas também existem aqueles que não são inimigos de
Deus, porém na busca de fazer o bem nem sempre tiveram sucessos e por vezes
até mesmo caíram no erro, certamente esses não chegaram totalmente
alvejados diante do Cordeiro Santo, qual o próximo passo para esses?

Diante dessa questão a Igreja afirmou o dogma do Purgatório, situação na


qual aqueles que ainda não estão aptos para gozar as realidades celestes são
purificados para depois estar com Deus. Por muito tempo se reforçou o caráter
doloroso desse momento, contudo o autor mostra que é um momento querido
pelas almas que querem oferecer-se limpas a Deus.

Aqueles que querem evitar esse momento em sua existência tem o período
de vida para se dedicar a caridade e penitência que muito ajudam nessa
purificação.

Decerto que não é muito nova essa fala sobre a purgatório, apesar de ir na
linha contraria a daqueles que apostam em um a fala mais “radical” e focada no
emocional. Do mesmo modo podemos dizer que ele trás essa “nova” visão
sobre o inferno.

Aqui não se explora apenas o fogo como realidade física em um ponto até
mesmo se afirma que para as almas seria preferível o sofrimento físico ao
sofrimento psíquico pelo qual passam. O inferno é a condenação ao egoísmo, se
o céu é poder desfrutar e fruir em Deus em quem nos realizamos, o inferno é o
fechamento em si, é nunca se realizar, é desejar e não possuir, dentre os
exemplos do autor um chama bastante atenção, ele diz que é como desejar
abraçar e não ter braços, é uma situação extremamente angustiante.

Mas como conciliar uma realidade tão ruim com a proposta de um Deus
bom, qualquer resposta simplista dessa questão é digna de escarnio porque
aqui a questão é muito séria e toca em Deus e no homem.

Se do lado divino perguntamos pela bondade, do lado humano devemos nos


perguntar pela liberdade. Se o ser humano não pudesse escolher entre estar ou
não com Deus, ele ainda seria livre? Aqui pode se ver como a questão é
complexa, aqueles que negam o inferno pensando que favorecem o homem
estão apenas negando a realidade e desmembrando o ser humano.

Nessa reflexão o mais famoso foi Origenes com a Apocatástases que defendia
uma anistia geral no fim dos tempos, essa teoria foi condenada pela igreja, mas
hoje existe o que podemos chamar de neoapokatastases, em se transfere da
realidade estritamente teológica para a realidade espiritual. Já não se diz que o
inferno não existe, e sim que o inferno existe, mas tomara que esteja vazio. Aqui
tem foco a esperança e a oração.

Até aqui já falamos de morte (separação do corpo e alma), julgamento


particular (estar diante de Deus e reconhecer a verdade), purgatório (situação
passageira de purificação) e inferno (afastamento total de Deus, entrega ao
próprio ego em uma situação eterna de irrealização). Apesar de aplicar-se a
todos os seres humanos ainda nos inquieta a questão, então viver é isso e será
sempre assim?

Gosto bastante da tese de Victor Frankl acerca do sentido, ele diz que o homem
que vive uma vida com sentido é aquele que realmente vive bem, se aceitarmos
que o homem é um microcosmos e reflete aquilo que acontece no macro
podemos pensar também em um sentido para o todo, para o mundo.

A isso chamamos de juízo universal, precedido por diversos acontecimentos que


apesar de serem sinais dos tempos, não possibilitam que alguém diga: - será
agora. Afinal apenas o Pai sabe o dia e a hora. Após esses acontecimentos o
Senhor virá em sua glória acompanhado dos anjos e julgará a todos.

Aqui a alma que já gozava da visão beatifica em Deus, mas ainda desejava um
corpo para si, terá novamente seu corpo, agora já glorificado. Esse momento é
eternizado na fé da Igreja que por meio do credo professa – creio na
ressurreição da carne.

Outro termo interessante é Evo(aiôn), quando pensamos que paralisar por toda a
eternidade em algo, nos surge a questão – não seria essa uma realidade
tediosa? A princípio parece que a resposta é sim, mas quando aceitamos que
não eternidade o tempo é evo, onde apesar de ser eterno tem alguma
passagem onde tudo que é bom existira e em Deus desfrutaremos de tudo isso
da melhor forma, descartamos a ideia de tédio e renovamos em nós o desejo.

Concluímos essa reflexão voltando a palavra que citávamos no início, esperança,


o livro cumpriu com sua proposta a leitura nos imerge e imbui da realidade
eterna, ao mesmo tempo que é teológico (formativo doutrinal) é pastoral
(linguagem simples e fácil aplicação no dia-dia). Ao mesmo tempo que nos
exorta sobre a seriedade da vida nos enche de esperança de um dia
ressuscitados estarmos com Aquele que primeiro ressuscitou.

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