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SOLENIDADE DE PENTECOSTES - ANO B

O ESPÍRITO SANTO COMO PRINCÍPIO DE ORDENAMENTO DO HOMEM


Quinta-Feira – 02/ junho/2022.

ASPECTOS INTRODUTÓRIOS
A Igreja em seu ofício divino de ensinar nos propõe a Solenidade de Pentecostes como objeto de nossa
meditação e com essa terminologia nos indica que deve ser celebrada com grande comemoração, de maneira
vibrante, intensa e solene dado o grande acontecimento que a incorpora, afinal, a descida do Espírito Santo
não poderia ter um espaço diferente deste. Por isso as quatro últimas reflexões do Tempo Pascal se dedicaram
a nos preparar para o momento que hoje está sendo vivido, de modo que a Liturgia da Ascensão lançou os
alicerces para Pentecostes: nela percebíamos que com a Ascensão o senhorio de Jesus é validado mediante a
ação do Espírito Santo. Hoje Paulo nos diz o porquê pois: “Ninguém pode dizer: Jesus é o Senhor a não ser
no Espírito Santo”. Pois essa afirmação necessita de unidade e de ordem, consigo e com Deus. Aqui já
percebemos a importância do Espírito divino.

ESTRUTURA PANORÂMICA.
A Primeira Leitura contém a centralidade do relato de Pentecostes evidenciando o momento que o
Santo Espírito desce como que por línguas de fogo, das quais possibilita que todos, independentes de suas
diferenças culturais e regionais, entendam-se mutuamente, pois “Todos ficaram cheios do Espírito Santo e
começaram a falar em outras línguas, conforme o Espírito os inspirava”. Nas palavras de Ratzinger, “A Igreja
já nasceu Universal, nasceu Católica”.
A Segunda Leitura, por meio de Paulo deixa essa afirmação ainda mais evidente por meio da teologia
paulina acerca de Cristo cabeça, que age por meio do Espírito Santo. Assim “Todos nós, judeus ou gregos,
escravos ou livres, fomos batizados num único Espírito, para formarmos um único corpo, e todos nós bebemos
de um único Espírito”.
O Evangelho, por sua vez, insere a consequência da ação unificadora do Espírito ao ponto que tendo
sido renovados e restituídos por ele, pelo “Sopro da vida que toda a face renova” somos chamados a levar
esse mesmo Espírito, pois como disse Jesus: “Assim como o Pai me enviou também eu vos envio: Recebei o
Espírito Santo!”.
É nítido, portanto, que todo esse percurso, seja do nascimento da Igreja até seu desenvolvimento, só
foi possível e se fará presente mediante a ação unificadora do Espírito Santo, capaz de aglutinar as diferenças,
independentes de quais sejam. E como estamos sedentos dessa unificação! E para este diagnóstico utilizaremos
da “Alegoria das línguas”: as da Torre de Babel e as de Fogo tendo como plano de fundo a paradigmática
provocação de Lévinas: “A alma é naturalmente ateia”.

DESENVOLVIMENTO
Pois bem, existe uma ordem de realidade que é conhecida pelo gênero humano, perceptível não
somente nas produções literárias, mas também nos símbolos pré-históricos na arqueologia. Utilizando de
Voegelin, podemos conceber a ordem como “a estrutura da realidade como experienciada pelo homem, bem
como a sintonia entre o homem e uma ordem não fabricada por ele, isto é, a ordem cósmica” Esta sintonia
entre o homem e mundo cósmico – e aqui podemos concebe-lo como mundo divino sem prejuízo algum – é
essencial, pois é por meio dela que o homem encontrará também a sintonia consigo mesmo, pois, do contrário,
percebemos um dos mais gritantes exemplos da desordem que tem tomado conta da sociedade atual sob a
espécie de um ceticismo radical em relação à ordem cósmica que conduz à um reducionismo desta ao âmbito
do indivíduo do qual, é evidente que não poderá ser encontrada. O que se encontra é um estado extremo de
alienação que ao se perceber preso nisto, o homem acaba que por encarar a morte como libertação dessa prisão.
Não é à toa que o número de suicídio, principalmente entre jovens, tem crescido largamente nos últimos dias,
uma vez que ela – a alienação – é um estado de retirada do próprio eu, o qual se constitui pela tensão entre o
homem e o plano divino da existência, ou seja, quando não há a correspondência entre o ser humano e a ordem
cósmica presente neste mundo cuja fonte é o Logos Eterno - o próprio Deus - o homem incorre em alienação
e desfruta dos prejuízos dela, vivendo em um círculo vicioso cuja libertação é extremamente difícil uma vez
que pelo uso da razão, a mesma se esvai, e por meio dela, se vive um círculo vicioso de aprisionamento, que
no início era pregado pela liberdade do homem. Percebam: a rejeição de Deus é o resultado da rejeição da
razão divina através da revolta egofânica do homem, que, por sua vez é o mais claro e gritante indício da
desordem social e cósmica que estamos inseridos.
É impossível não lembrar do ocorrido na Torre de Babel, pois é lá que a “alegoria das línguas” aparece
pela primeira vez, “quando os homens, decididos a construir com suas próprias mãos um caminho para o
céu, tinham acabado por destruir a sua capacidade de se compreenderem reciprocamente” (Joseph
Ratzinger). É nítido em nossos dias a multiplicidade de informações, ideologias e conceitos que, ao se
revestirem das múltiplas formas do homem, conduzem a uma verdadeira e profunda confusão do qual por
meio da “compreensão do outro” tem-se a confusão e a assimetria interna. Da união das diferenças se prega a
divisão e confronto das massas: todos falam, discutem e debatem, mas ninguém se entende. As múltiplas
“línguas” dos homens não o conduzem a outro lugar a não ser a confusão e assimetria: a sociedade atual é a
Torre de Babel do séc. XXI que a revolta egofânica do homem construiu. Com esta comparação, não quero
estabelecer um saudosismo à épocas passadas, mas diagnosticar que, assim como ocorrera naqueles tempos e
agora ocorre, toda vez que o homem escolhe trilhar seu caminho tendo como norte somente a si mesmo e seus
próprios passos mediante uma autossuficiência esquizofrênica, distancia-se de Deus, distancia-se da Verdade,
distancia-se de si mesmo.
Mas, existe uma caminho para solucionar isso? Sim, mas a solução, portanto, não é o retorno ao
passado, mas sim a vinda daquilo que é realmente perene: o Espírito Santo. Aqui nós temos a segunda faceta
da “alegoria das línguas”, não mais a dos homens, como em Babel, mas a do fogo em Pentecostes, pois
“apareceram línguas como de fogo que se repartiram e pousaram sobre cada um deles”. A 1ª leitura usa a
figura do fogo e do vento para expressar o Espírito Santo, mas a ação deste fogo é diferente, pois a chama do
Espírito Santo arde, mas não queima, contudo, deve consumir, queimar algo de muito profundo no homem:
as escolhas que o corrompem e obstaculizam suas relações com Deus e com o próximo. Essa chama deve
consumir essa revolta interior e restabelecer, novamente, a ordem desejada por Deus. Porém, esse efeito do
fogo divino nos assusta e nos espanta, assim como aquelas pessoas em Jerusalém, ao ouvirem o barulho e o
compreenderem, o assustaram, pois temos medo, o mesmo medo dos apóstolos no Evangelho de hoje, mas ao
contrário deles que tinham “medo dos judeus” nós, muitas vezes, temos medo que esse fogo divino nos queime
e preferimos, portanto, permanecer como somos, ancorando-nos muitas vezes, com nossos erros, pecados e
limitações na misericórdia divina.

FINALIZAÇÃO
“Creatio ex nihilo – A alma é naturalmente ateia”, Irá nos dizer o filósofo Lévinas e mesmo sendo
evidente que a gênese desta afirmação é totalmente anticristã, trazê-la à tona é necessária uma vez que toda
essa desordem social causada pela desconfiguração e desnaturalização do homem é motivada por esse
pensamento, ou seja, o mesmo é a síntese da nossa sociedade atual; é a síntese do locus theológicus pastoralis
que como ministros do Evangelho somos enviados. O próprio teólogo Mendonza Alvarez, Bultmann,
Moltmann e tantos outros já indicavam este cenário altamente desafiador: de em meio a turbulência é
necessário levar a Paz que emana do Espírito Santo como princípio de ordenamento e não de unificação; é um
erro pensar que a solução está em um pensamento único e centralizado movido apenas por egocentrismos que
alimentam apenas uma soberba narcisista. Ao contrário, o Espírito Santo motiva a humilde capacidade de
perceber que diferentes línguas, assim como no Evangelho, podem conduzir à um único destino
É preciso ter a coragem de suplicar: “Vem Espírito Santo e acendeis em nós o fogo do vosso amor!”,
deixar de repetir meras palavras e traze-las verdadeiramente para nossa vida, pois esta é uma oração audaz,
com a qual pedimos ser tocados pela chama de Deus, pelo Espírito Santo uma vez que esta chama – e somente
ela – tem o poder de nos salvar, pois: “Soprou sobre eles e disse: 'Recebei o Espírito Santo - Λάβετε Πνεῦμα
Ἅγιον -. A quem perdoardes os pecados, eles lhes serão perdoados; a quem os não perdoardes, eles lhes serão
retidos”. Necessitamos do fogo do Espírito Santo, pois só o amor nos redime, e somente por meio dele, a
ordem poderá ser restabelecida. É este o mistério de Pentecostes: O Espírito Santo ilumina o homem ao revelar
Cristo crucificado e Ressuscitado indicando assim o caminho para se tornar mais semelhante a Ele e ser
“expressão e instrumento do Amor que dele promana” (Deus caritas est, 33). Abramos as portas do nosso
coração para acolher esse fogo abrasador, permitindo que ele consuma nosso medo e confusão, restituindo a
Paz que emana do Cristo.
Certa vez, disse o Pe. Wagner Ruivo, que como síntese, esta frase utilizo “A túnica de Jesus,
inconsútil, era símbolo da Unidade da Igreja que é seu Corpo Místico! Vejamos que nem mesmo seus
algozes tiveram a coragem de dividi-la devido ao seu valor e beleza! Nem mesmo seus algozes! Não sejamos
nós, pois que com nossa vaidade e soberba egofânica, iremos dividir esta túnica esquartejando o Corpo
Místico com as nossas preferências, maledicências, ódio e falta de perdão”.

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Após um longo caminho de vivência com o Ressuscitado, é chegado a hora do derramamento do
Espírito Santo. Da efusão do Pneuma em nós.
Ao celebrar Pentecostes recordamos do princípio de unificação e ordenamento do ser humano,
consigo e com Deus, pois “Ninguém pode dizer: Jesus é o Senhor a não ser no Espírito Santo”.
Na 1ªLeitura temos a centralidade do relato de Pentecostes: o momento que o Santo Espírito desce
como que por línguas de fogo, das quais possibilita que todos, independentes de suas diferenças, entendam-
se mutuamente. Nas palavras de Ratzinger, “A Igreja já nasceu Universal, nasceu Católica”.
Mas para ela se manter assim é necessário a consciência de que todos nós fomos batizados e bebemos
de um único Espírito de modo que a consequência dessa ação unificadora é o nosso envio para levar esse
mesmo Espírito ao mundo.
O Espírito Santo está em nós e somos responsáveis por levá-lo aos mundo, por isso hoje a chama do
Círio Pascal se apaga para então ser acesa em nossos corações.

Sem. José Demétrio de Camargo


3º ano de Teologia.

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