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Objetivos de Aprendizagem
Plano de Estudo
Vamos nos atentar para a relevância dessa afirmação para se pensar nas
possibilidades do conhecimento histórico em um curso de educação física. Em
primeiro lugar, Bloch (2001) nos evidencia que, aos estudarmos dimensões da
vida societária, a precisão comumente associada à ciência não é nem possível
e nem desejável. Ele afirma, inclusive, que nem nos limites das ciências que se
aproximam do tradicional cânone das ciências exatas e das ciências biológicas,
isso já não vinha acontecendo em sua época. Ao observar isso para o campo da
história e com isso justificar sua importância intelectual para se evitar o “horror
das responsabilidades” (BLOCH, 2001, p. 46), ou seja, para se querer impactar
positivamente a vida que se vive, Bloch gera outro impacto para quem pensa na
formação em educação física: mais um estímulo para se reconhecer que as já
citadas tradições formativas no campo da educação física, aproximadas às tais
ciências exatas e biológicas, podem ser entendidas e superadas naquilo em que
elas são limitadas. Trazer para a educação física os “perpétuos
arrependimentos” do conhecimento histórico e dos historiadores será um passo
gigantesco para todos aqueles, cientistas, historiadores e professores de
educação física, possam de “maneira mais segura”, “orientar racionalmente seus
esforços” (BLOCH, 2001, p. 49).
Perpetuamente arrepender-se do conhecimento que produz, ou seja,
justificar, renovadamente, a relevância e o limite da reflexão histórica, é uma
postura muito rica, necessária e recorrente nos pesquisadores da história da
educação física. Em muitas oportunidades eles se voltam a essa questão,
estimulando-nos e, com certeza, buscando estímulos para eles mesmos, na
tarefa de “orientar racionalmente seus esforços” (BLOCH, 2001, p. 49). Melo
(1999), ao introduzir um livro ao qual recorreremos com frequência no
desenvolvimento de nossas reflexões, endossa o valor da reflexão sobre a
importância da história, quando pensada em curso de formação inicial em
educação física:
É importante repetir que tanto a redação deste livro quando a sua leitura
é uma tentativa de colaborar na valorização dessa impregnação instintiva que
nos leva a querer conhecer o passado desde que nos percebemos como seres
humanos. Todavia, trata-se de se buscar uma maneira que nos capacite a fazê-
lo por meio de uma observação voluntária e controlada, ou seja, lendo e
pesquisando sistematicamente historiadores que versam sobre dimensões da tal
“humanidade do homem” que nos interessam.
Em nosso caso, sabemos que o interesse está calcado em investigarmos
a educação física, historicamente. Então, conforme o que foi discutido
anteriormente, é importante que você tenha claro que, na imensidão de assuntos
a serem estudados pelos historiadores, este livro e os estudos de história da
educação física abarcam uma parcela bem específica da vida social e cultural.
Antes de seguir em frente, uma lembrança deve ser feita. O título deste
livro, história da educação física, foi dado em razão de ser esse o título da
disciplina na qual você irá estudá-lo. Porém, é crucial que não se perca de vista
o termo “educação física” tem uma acepção larga para englobar práticas que
recebem outras denominações. Para ilustrarmos os assuntos que são estudados
sobre a denominação “história da educação física”, lanço mão da existência de
um evento específico, dedicado a esse estudo. Trata-se do Congresso Brasileiro
de História do Esporte, Lazer e Educação Física. No ano de 2016, sua décima
quarta edição aconteceu em Campinas e teve como tema central “Esporte e a
Educação na História”. Quando os eventos acadêmicos acontecem, eles reúnem
pesquisadores de uma determinada área do conhecimento para debaterem
temas, ao mesmo tempo, específicos, mas que possam interessar a todos os
especialistas de algum modo. No caso da história da educação física, o tema
“Esporte e Educação na História” norteia a preferência por determinados tipos
de trabalhos e estudos que se aproximem daquilo que é o alvo da discussão do
congresso. Para que a comunidade de pesquisadores, professores e alunos
tenha ciência do eixo reflexivo das discussões, é redigida uma apresentação,
que oferece uma descrição e explicação do assunto e de sua relevância para o
avanço da pesquisa. Convido você a ler um trecho dessa apresentação para que
possamos discuti-la nos parágrafos seguintes:
Para ilustrar a forma como a história era abordada nessa fase, vale a pena
nos determos à obra “A poesia do corpo ou a gymnastica escolar: sua história e
seu valor”, publicada em 1915 e escrita por Fernando de Azevedo. Verifica-se
que no título a história recebe uma grande atenção, embora no livro os
apontamentos efetivamente históricos resumam-se a sete páginas, das 215 que
possui a obra. Nas páginas em que fala da “gymnastica através do tempo”,
Azevedo (1915, p. 24) inicia uma exposição com a história egípcia, passando
pela China, Grécia, Roma, Idade Média e Renascimento. O autor estuda o
desenvolvimento de métodos ginásticos no século XVIII e XIX para afirmar que,
no momento em que ele vivia, a “gymnastica (era) na prática uma das maiores
aspirações, como na teoria um dos problemas mais estudados na idade
contemporânea” (AZEVEDO, 1915, p. 30). É fundamental que seja
compreendido que a ida a “outras civilizações” serviu para endossar aquilo que
Azevedo via como verdade em sua época, deixando-nos a vívida impressão que
o uso da história teve o objetivo de endossar algo que ele queria argumentar
como incontestável: o valor da ginástica.
O marco utilizado para definir a existência de uma segunda fase na
produção historiográfica da educação física é a obra de Inezil Penna Marinho
(1915-1985). A quantidade de livros, textos, artigos produzida por Marinho, bem
como a qualidade teórica de suas reflexões, o colocam não apenas como o
“maior estudioso da história da educação física e do esporte no Brasil” (MELO,
1999, p. 35), mas como um de seus “maiores intelectuais (DALBEN, 2011, p.
59). Nos últimos anos, a trajetória de Inezil Penna Marinho tem recebido bastante
atenção de pesquisadores interessados no desenvolvimento histórico da
educação física, em virtude da sua prolífica atuação como professor, escritor e
pesquisador com foco dirigido à cultura física.
No que diz respeito à análise histórica realizada por Marinho, Melo (1999)
nota que pela primeira vez a pesquisa em história sobre a educação física
assumiu a característica de não ser mera compiladora de reflexões ou opiniões
de terceiros. Marinho empreendeu uma rotina de levantamento de documentos,
rotina essa bastante aproximada ao que se presumia ser a produção do
conhecimento histórico sustentada “no levantamento de fatos, datas, nomes,
sem a preocupação de análise crítica do material encontrado” (MELO, 1999, p.
36). A existência de uma reflexão historiográfica bastante aprimorada em Inezil
Penna Marinho podemos verificar em um discurso por ele pronunciado,
publicado em 1958, onde o professor preocupa-se com a relação entre ensino e
pesquisa na formação dos professores de educação física:
HOBSBAWN, E. Sobre história. 2. ed. São Paulo: Companhia das Letras, 2007.
2 Em:
<http://www.acervodigital.unesp.br/bitstream/123456789/41549/1/01d19t03.pdf
>. Acesso em: 06 out 2016.
Objetivos de Aprendizagem
Plano de Estudo
Isso pode ser ainda mais facilmente percebido na escola. Nela, os lugares,
os tempos e os modos, alternadamente, voltam a atenção ora ao pensamento,
ora ao corpo, conforme boa parte das rotinas que caracterizam essa instituição.
Sabemos que o corpo ocupa um lugar, merece atenção, ou seja, tem alguma
importância. Todavia, esse valor deve ser pensado, pois ele se realiza na
alternância entre momentos corporais e momentos mentais. Olhemos,
historicamente, o corpo. A percepção atenta ao corpo é tão arraigada em nosso
cotidiano que, aparentemente, ela não deveria gerar o trabalho de entendê-la,
para além de vivê-la.
Nesta unidade, ao estudar o corpo na história, pretendo convencer você
a pensar o contrário. Teremos como ponto de partida um duplo entendimento:
em primeiro lugar, esse valor atribuído ao corpo no mundo contemporâneo não
está isento de contradições e limites no que tange à consideração da dimensão
corpórea dos homens e das mulheres. Em segundo lugar, a partir do conjunto
dessas contradições que hoje vivemos em relação a nossa condição corporal,
pode-se verificar na história que, em muitos aspectos, o corpo recebeu diferentes
olhares e mobilizou variadas práticas, com modos e intensidade também
dessemelhantes. Bons estudos! FIM DA INTRODUÇÃO.
Você percebeu que já estamos dando um olhar mais histórico àquilo que
assumíamos como imutável: o nosso corpo. Há muitas controvérsias e debates
sobre isso. Um aprofundamento em tal assunto escapa ao objetivo deste livro. A
utilidade de mencioná-lo é outra: evidenciar que a abordagem histórica que
fazemos no âmbito dos cursos de educação física é mais aproximada do estudo
das maneiras como esses “limites anatômicos” são vistos, utilizados, entendidos
e percebidos pelas pessoas em diferentes épocas.
Essa nascente dualidade, por sua vez, não deve ser concebida como uma
simples relação de desprezo em relação ao corpo, algo que foi muito marcante
nos séculos que se sucederam à construção do domínio da Igreja Católica e que
se consolidou a partir do século IV d.C.. É interessante observar que,
diferentemente do que ocorrera durante a Idade Média, a Antiguidade Clássica
sustentou-se em uma “complementaridade, mais do que sobre a oposição do
inteligível e do sensível” (BRAUSTEIN; PÉPIN, 1999, p. 23). Com efeito,
entendemos que o lugar do corpo e sua relação com o pensamento não é fácil.
Platão, em um de seus diálogos, afirma que o corpo é o “túmulo” da alma. Mesmo
assim, há elementos na história grega que nos permitem afirmar um
relacionamento entre elementos estéticos, eróticos e intelectuais.
A intenção é fazer que fique claro para você, querido(a) aluno(a), que o
nascimento de uma sociedade política baseada na reflexão e argumentação
racional dos problemas da pólis colocou em evidência a dimensão corporal do
homem. Esse destaque se deu pela negação dessa dimensão em nome da
inteligência e do discurso, do mesmo modo que levou muitos a defenderem como
incontornável e necessária a reflexão sobre o corpo para se aprimorar a
capacidade de se conhecer a verdade e tomar boas decisões conectadas a
aspectos estéticos e eróticos da vida. Desse ponto de vista, a sociedade grega
clássica é um alvo de reflexões muito importante para pensarmos na história do
corpo e das práticas educacionais a ele associadas. No momento em que as
bases intelectuais ocidentais se formavam, podemos ver nesse mesmo processo
de formação que o corpo fornecia muitos dos motivos que levaram à empreitada
filosófica e política. Mais uma vez, Braustein e Pépin (1999) nos explicam o valor
que possuía o corpo para os gregos:
INÍCIO DO SAIBA MAIS: Estudar historicamente o corpo é uma postura que não
deixa intocada, nem mesmo, uma de nossas mais certas percepções: as
diferenças anatômicas que nos capacitam a afirmar a existências dos sexos.
Thomas Laqueur (2001) ao falar sobre a invenção do sexo, explica que até o
século XVIII não havia a concepção que afirmava haver uma diferença entre
homens e mulheres. Até então, assumia-se que as mulheres seriam aquelas que
teriam ficado no meio do caminho do processo de desenvolvimento que levava
ao desenvolvimento total do ser humano, materializado na conformação
anatômica masculina. Nesse ponto também, o desenvolvimento da anatomia, da
medicina e da obstetrícia foi fundamental para afirmar que homens e mulheres
são diferentes. Há que se reconhecer a positividade dessa constatação. Todavia,
não deve ser posto de lado que ela fortaleceu muitos discursos pseudo-
científicos a atribuir às mulheres uma “condição natural” ligada à maternidade.
Tudo isso endossa a constatação de que o entendimento que se tem sobre o
corpo é histórico e não pode ser reduzido ao aspecto científico. Afinal, nesse
aspecto também, penetram muitas compreensões culturais e políticas que
caracterizam uma determinada sociedade que vê e avalia o corpo humano a
partir dessas compreensões. Fonte: o autor, baseado em Laqueur (2001). FIM
DO SAIBA MAIS. FIM DO TÓPICO 2.
Aos que desprezam o corpo quero dizer a minha opinião. O que devem
fazer não é mudar de preceito, mas simplesmente despedirem-se do
seu próprio corpo, e por conseguinte, ficarem mudos. “Eu sou corpo e
alma” - assim fala a criança. - E por que se não há de falar como as
crianças? Mas o que está desperto e atento diz: - “Tudo é corpo e nada
mais; a alma é apenas nome de qualquer coisa do corpo”. O corpo é
uma razão em ponto grande, uma multiplicidade com um só sentido,
uma guerra e uma paz, um rebanho e um pastor (NIETZSCHE, 2012,
p. 43).
Trata-se de uma afirmação contundente que pretende ter o efeito de
colocar em destaque algo visto como, habitualmente, posto em segundo ou até
terceiro lugar. Entretanto, essa luta entre posicionar algo em posição primária ou
secundária, na pior das hipóteses, é um endosso daquilo que se procura
esconder. Por essa razão, em meados do século XX, Adorno e Horkheimer
(1985, p. 215) afirmaram: “Sob a história conhecida da Europa corre,
subterrânea, uma outra história”. Eles diagnosticam na história da civilização o
lugar dos “instintos e paixões humanas” que manifesta-se no “interesse pelo
corpo”, que eles caracterizam pela díade “amor-ódio”. Foi essa caracterização
que levou à estrutura da reflexão deste item. Afinal, ela tem uma importância
inegável na hora de entendermos o corpo tanto em sua história quanto na
atualidade na qual vivemos e pensamos.
Os dois filósofos alemães viveram em uma sociedade em que o corpo já
contava com uma gama de práticas e olhares que assumiram como necessários
os cuidados que levaram o século XX a vivenciar uma “revolução somática”
(JENSEN, 2013). Ou seja, Adorno e Horkheimer conseguiram captar que na
história os diferentes modos com que se pensa e se percebe o corpo são
ambíguos. Essa ambiguidade é também perceptível em contextos muito
preocupados com o corpo e suas práticas, tal como é nosso próprio contexto.
Em ponderações que nos ajudam a pensar nossas atuais dificuldades de
entendermos o lugar do corpo em diferentes esferas sociais, Adorno e
Horkheimer (1985, p. 217) reconhecem: “Na civilização ocidental e
provavelmente em toda a civilização, o corpo é tabu, objeto de atração e
repulsão”. Nessa reflexão, o já mencionado “interesse pelo corpo” é resultado do
“auto-rebaixamento do homem ao corpus”, ao cadáver, tornando-o “objeto de
dominação, de matéria bruta” (ADORNO e HORKHEIMER, 1985, p. 217), algo
que já vimos como paralelo à ampliação da capacidade científica de entender o
corpo.
A sociedade na qual vivemos ainda é passível de ser pensada por essa
tensão entre amor e ódio, no que diz respeito ao corpo. Conseguiríamos, depois
dessas análises, afirmar que a mencionada “revolução somática” na qual
passamos a viver no século XX é uma expressão de interesse pelo corpo,
finalmente liberada a atenção sempre dada a ele pelos “deprezadores do corpo”
criticados por Nietzsche. Por outro lado, o cultivo do corpo, tão alardeado em
nosso cotidiano, já não seria um indício de que passamos a vê-lo como relevante
para a construção de uma vida com mais significado? Reconhecer essa
ambiguidade, na ausência de respostas contundentes para ela, já é um avanço.
Ao lidar com tal ambiguidade, conhecer um pouco da história relacionada ao
corpo é um dos procedimentos que nos possibilitam perspectivar uma lida mais
clara com os dilemas que emanam do fato de, ao mesmo tempo, termos e
sermos corpo. FIM DO TÓPICO 4.
A intimidade com que nos relacionamos com o nosso próprio corpo e com
o corpo dos outros coloca alguns desafios quando ambicionamos pensar esse
conjunto de relações. Como pensar algo tão pessoal, tão íntimo, de um modo a
conseguir estabelecer um diálogo interessante e produtor de novos
entendimentos partilhados com vistas a esclarecer assuntos e resolver
problemas que afligem uma época? Dito de outro modo, como é possível uma
história do corpo? Esse desafio não tem impedido muitos historiadores de se
ocuparem da questão. O empenho desses historiadores, como você já sabe,
sustenta-se no fato de o corpo ser uma questão de grande importância nos dias
de hoje, gerando o ímpeto de pensá-la em outras épocas.
Realizar esse ímpeto, ir àqueles que muito escreveram sobre muitas
coisas e perceber que o corpo era uma de suas preocupações a ladear outras,
é um ato muito interessante para percebermos a historicidade do corpo,
superando a recorrente visão que o associa a uma imutável natureza. Esta
unidade pretende ter evidenciado alguns resultados que podemos extrair de tal
reflexão. As diferentes maneiras de valorizarmos ou odiarmos o corpo, pensá-lo
como inextricavelmente ligado às conquistas espirituais da humanidade, ou
posto como obstáculo a essas conquistas, partícipe das variadas formas com
que homens e mulheres entenderam-se a si mesmo em outras sociedades,
geradora de práticas voltadas ao seu cuidado, enfim, estudar o corpo sob um
ponto de vista histórico é um esforço relevante, sobretudo para quem pretende
atuar profissionalmente com aspectos pedagógicos ligados às igualmente
numerosas práticas voltadas a esses cuidados. É para algumas dessas práticas
que voltaremos nossa atenção na próxima unidade. FIM DAS
CONSIDERAÇÕES FINAIS.
KINGDON, J. Lowly origin: where, when, and why our ancestors first stood up.
Oxford: Princeton University Press, 2003.
KUPER, D. The chosen primate: human nature and cultural diversity. Harvard:
Harvard University Press, 1996.
INÍCIO DO GABARITO
Objetivos de Aprendizagem
Plano de Estudo
Entretanto, essa quase obviedade nem sempre foi assim percebida. Ela
foi construída em um processo bastante interessante de ser estudado. Afinal, ao
nos debruçarmos nesse estudo, mais uma vez temos a possibilidade de perceber
um fato corriqueiro em sua complexidade, enxergando nos automatismos que
simbolizam sua importância o resultado de um movimento histórico que
evidenciou a importância do corpo, das práticas corporais e da reflexão sobre
elas para a sociedade.
Peço que você dê mais um pouco de atenção a esse ponto: o livro do qual
a passagem foi retirada foi escrito no final da década de 1930, um dos momentos
mais dramáticos da história humana, que desembocou na morte de milhões de
pessoas. Huizinga (2010) enxerga no jogo, na dimensão lúdica das relações, o
traço mais marcante da humanidade: mais que pensar (lembremos da ciência e
da filosofia), mais que fazer (lembremos do trabalho, da grande indústria e
economia que se internacionalizava), é pelo jogo que “a civilização surge e se
desenvolve” (HUIZINGA, 2010, p. 1). Como podemos caracterizar esse elemento
tão importante? Kishimoto (2015), ao estudar o pensamento de Huizinga (2010),
define o jogo da seguinte maneira:
Com isso, essas práticas tornam-se sport, agora “concebido como uma
escola de coragem e de virilidade” (BOURDIEU, 2002, p. 179). A importância
desse processo é imensa para o assunto que estamos discutindo. Afinal,
podemos enxergá-lo em muitas realidades, inclusive no Brasil. Em que pese as
necessárias advertências contra a consideração que avalia o nascimento do
esporte como um fenômeno globalizado (SOARES e VAZ, 2009), não há como
negar que esse processo de esportivização da sociedade tocou muitas
realidades diferentes entre si em questões culturais e religiosas, mas que viram
no esporte uma prática importante em muitos aspectos. Destes aspectos, a
análise aqui feita endossa uma predominância das preocupações educacionais.
O mesmo ocorre no Brasil. A expansão dos esportes ocorreu de um modo
intenso, sobretudo no fim do século XIX e primeiras décadas do século XX.
Linhales (2009, p. 341), ao estudar a história esportiva no início do século XX,
constata que a “popularização do esporte e sua extensão às massas puseram
em relevo as preocupações com a mocidade e a infância”.
Quais práticas encarnavam esse conjunto de valores? Melo (2010) nos
mostra que foram Rugby, Boxe, Remo, passando pelo desenvolvimento dos
esportes coletivos e culminando no fato de se ter inventado o país do futebol
(HELAL, SOARES e LOVISOLO, 2001) que deram início ao que poderíamos
chamar de esportivização da sociedade. De qualquer modo, no momento em
que ser esportivo dava seus primeiros passos, o discurso educacional
preponderava sobre o espetáculo. Não é a isso que assistimos atualmente, não
é?
Outro meio que nos fez ter bastante contato com o mundo das lutas e das
artes marciais foi o cinema. Sobretudo, com a popularização de filmes de kung-
fu e de figuras emblemáticas, como Bruce Lee. Desde a década de 1970, as
narrativas envolvendo alunos, professores, lutadores e atletas de artes marciais
tornaram-se uma dos produtos da cultura pop mais característicos do mundo
contemporâneo. Diferentemente do que ocorre nos dias de hoje, o vínculo dessa
narrativa não se dava apenas pelo esporte, embora competições de artes
marciais e lutas sejam o palco para o desfile do guerreiro e suas qualidades
técnicas e, sobretudo, morais. Além disso, mesmo que o tal guerreiro, em muitos
filmes, materialize esse espírito em lutas de boxe, outro traço inegável dessas
produções era a veiculação de uma certa ligação entre artes marciais e o mundo
oriental. Nessa vinculação, história, religião e a cultura de diferentes povos do
oriente foram instrumentais na ligação dessas práticas corporais com a
construção da obediência, da disciplina, da concentração e da precisão.
Minha intenção é que você perceba que, ao abordarmos a história das
lutas e das artes marciais, lidamos com um conjunto imenso de práticas que,
assim como o esporte, beneficiou-se da expansão técnica dos meios de
comunicação. Além disso, são práticas que também tiveram sua amplitude
aumentada pela expansão do esporte, confundindo-se com ele em muitos
momentos. Por outro lado, há que se reparar em alguns traços que
particularizam as lutas e as artes marciais em relação ao esporte.
Foi visto no tópico anterior que percebemos como o desenvolvimento
histórico do esporte esteve ligado à promoção da movimentação corporal com
finalidades formativas. Foi nesse processo que a palavra sport deixou de se
associar a diversão, passando a ter uma conotação ligada ao fomento de
características morais a serem desenvolvidas por meio de diferentes práticas.
Vimos, também, que com o desenvolvimento do esporte em todo o século XX e
sua transformação em um espetáculo altamente rentável e mobilizador de
subjetividades, esse caráter ainda permanece um tanto quanto presente, mas de
forma bem menos característica e marcante como a que ocorrera no início, nas
primeiras décadas do século XX. Hoje, é razoável um garoto ou uma garota
iniciar a prática em determinada modalidade ambicionando se tornar tão
famoso(a) quanto algum de seus ídolos, embora muitos deles tenham muita
fama e um longo histórico de problemas pessoais e até criminais.
Esse processo também passa a acontecer na atualidade das lutas e artes
marciais, se pensarmos na popularidade dos eventos de MMA. Ainda assim,
mesmo com essa popularidade e essa identificação de pessoas que procuram
academias para construírem a condição de se espelharem em seus ídolos
midiáticos (frequentemente possuidores de inquestionável competência técnica
ladeada por questionável índole), a associação das artes marciais e das lutas
com o cultivo do equilíbrio, da disciplina, do respeito e da tranquilidade é algo
notório. Essa notoriedade é facilmente constatável quando pais, alunos e
professores falam sobre a prática que abraçaram, remetendo-a a uma tradição
filosófica antiga longínqua, dando uma aura de respeito e profundidade que não
conseguimos encontrar quando se fala do futebol, do voleibol, da natação ou de
qualquer outra modalidade.
E é sobre isso que eu gostaria de chamar sua atenção: como podemos
entender esse vínculo mais estreito entre as lutas e as artes marciais com
aspectos educativos? Se esse vínculo entre lutas, artes marciais e fomento de
variadas virtudes é importante, por quais razões essas práticas estão distantes
da escola, se comparadas ao futebol, voleibol, basquetebol e outros esportes
que dão às aulas de educação seus principais (ou, pelo menos, mais
recorrentes) conteúdos?
Neste momento há muitas pesquisas acontecendo para determinar as
razões que explicariam o fato de práticas corporais tão aproximadas de aspectos
formativos terem dificuldade de serem também práticas escolares. E isso sem
nos esquecermos da forte presença cultural que essas práticas possuem em
muitas sociedades desde 1970 em um processo que hoje alcança um patamar
de reconhecimento que, possivelmente, nunca tenha sido imaginado como
possível.
Para pensarmos historicamente esse conjunto de problemática que cerca
a expansão da relevância das lutas e das artes marciais, vamos retomar o
pensamento de Felipe Awi (2012, p. 21), citado anteriormente. Ele explica que o
sucesso do MMA justifica-se por ele se aproximar da briga real, desenrolada
entre homens “dentro de uma jaula sem armas”. Ou seja, se em todos os
esportes a ideia de “embate”, de “luta” é metafórica, ao abordarmos as artes
marciais a “luta”, a “briga”, a “contenda” torna-se real.
Nesse sentido é interessante observarmos o nome dado a esse conjunto
de modalidades em que a luta corporal é momento maior de sua importância - o
nome do deus da guerra na mitologia romana. Aliás, Marte diferentemente de
Ares - deus da guerra na mitologia grega -, era admirado pela nobreza e justiça
das guerras que fazia acontecer. Já Ares está mais ligado à guerra bestial, que
aconteceria pela expressa vontade de ver o sangue correr, pela satisfação de
quem promovia o ferimento ou a morte de seu inimigo. E isso levanta mais outra
questão: como podem, práticas associadas à guerra (mesmo que as justas,
inspiradas por Marte), terem conotação educacional e formativa?
O relacionamento entre guerra e educação é algo que tem ocupado a
reflexão feita em diferentes sociedades. O nosso hábito de pensar nos países do
oriente quando ouvimos falar em artes marciais dificulta visualizar que no
ocidente a “marcialidade” tem sido uma questão. Afirmando-a em sua
necessidade ou a negando como algo prejudicial e estúpido, é importante
lembrar que a Ilíada de Homero, obra primicial na história da literatura ocidental,
é uma narrativa guerreira em que a bravura e justiça dos personagens realizam-
se na guerra. Igualmente relevante que apenas alguns decênios à frente do
período no qual se acredita que Homero tenha composto seus poemas, outra
obra muito importante, “O trabalho e os dias de Hesíodo”, tenha refutado a guerra
em nome do trabalho. A questão que subjaz esse debate é saber o papel a ser
desempenhado pela guerra e pelo guerreiro, no difícil relacionamento entre o
trabalho e o trabalhador que produz a riqueza a ser conquistada ou
reconquistada pelo braço forte do guerreiro.
Ehrenreich (2000), depois de estudar as explicações normalmente dadas
ao fato dos homens lutarem entre si e estudar o século XX, um dos mais
sangrentos da história, constata: “No século XX, a guerra - e a disposição para
a guerra, tão integrada ao sentimento nacionalista - tinha se tornado a forma
unificadora de Estados, oferecendo aos homens um sentimento transcendental”
(EHRENREICH, 2000, p. 25). Para nos fazer enxergar a presença da guerra em
nossa história e no nosso cotidiano, Ehrenreich (2000, p. 25) diz: “Hoje, até em
tempo de paz o aspecto religioso da guerra se manifesta em toda parte”.
A relevância da guerra em nossa história não deixou intocadas as
questões formativas. Afinal, em diferentes períodos existiram elites guerreiras
(EHRENREICH, 2000) que forneceram modelos pedagógicos a serem
alcançados, sobretudo pelos meninos, levando-os a suportarem ritos de
passagem que os fizessem sentir capazes de enfrentar os perigos. Enxergando-
se como uma estirpe, guerreiros e esforços formativos para formar guerreiros
encontraram práticas e justificativas que ajudaram a sacralizar a guerra: o
menino tornado guerreiro e seus professores “consideraram a guerra como uma
empreitada heroica e até religiosa” (EHRENREICH, 2000, p. 157).
Embora os problemas e os sofrimentos gerados pelos combates; embora
o incremento tecnológico a dispensar, de modo crescente, a necessidade de
formação específica para soldados; embora a potência dos armamentos
tornasse a guerra cada vez mais mortífera; a guerra torna-se, na virada do século
XX, um grande artefato pedagógico. O raciocínio é relativamente simples: em
um mundo que dispensa o esforço físico para a sobrevivência, seja no trabalho,
seja na guerra, é por essa última que as virtudes serão transmitidas à juventude.
William James (2012), em 1910, ao buscar um equivalente moral da guerra,
disse o seguinte:
DEL PRIORE, M.; MELO, V. A. de. (Orgs.). História do Esporte no Brasil. São
Paulo: Editora da Unesp, 2009.
HUIZINGA, J. Homo ludens: o jogo como elemento da cultura. 6. ed. São Paulo:
Perspectiva, 2010.
JAMES, W. The moral equivalent of war. Charles Rivers Editors, 2012. (Versão
Kobo).
INÍCIO DO GABARITO
1) Prática corporal é um desses conceitos, na medida em que se delimita o
vasto leque de ações humanas, que envolvem a dimensão corpórea,
reduzindo-a aos jogos, esporte, lutas, ginástica e dança. O fato de essas
práticas não se reduzirem ao elemento gestual, mas englobarem valores
e intencionalidades, leva-nos a enxergá-las como cultura corporal, o
segundo conceito fundamental para entendermos a educação física
historicamente.
FIM DO GABARITO.
Objetivos de Aprendizagem
Plano de Estudo
Tal naturalidade com esses dois momentos, todavia, não nos deve fazer
esquecer que problemas relacionados a eles também existem. Há críticos que
enxergam na atenção dada ao corpo um exagero, um sinal de decadência moral
e política da atualidade. Nessa ótica, o individualismo e a irresponsabilidade ética
poderiam ser explicados pelo culto ao corpo que, em casos extremos, leva à
problemas psicológicos bastante visíveis na atualidade.
O autor fala em “heleno antigo”, mas deve ser observado que nessa
categoria enquadrava-se apenas parcela reduzida daquelas sociedades. Afinal:
Nessa educação feminina que passava a ser alvo de grande inquietação, o papel
das práticas corporais como elemento educativo também foi uma problemática
abordada. Não dá para negar que muitas justificativas para essas práticas
educacionais ancoravam-se no fortalecimento dos tradicionais papéis sociais
que atrelavam a mulher ao âmbito do lar e da maternidade. Todavia, não se
duvida que, naquele momento, essa democratização da educação exerceu
muitos impactos nos avanços que hoje temos em relação à igualdade efetiva
entre homens e mulheres. Fonte: o autor, baseado em Antonovicz e Herold
Junior (2012). FIM DO SAIBA MAIS. FIM DO TÓPICO 1.
Deve ficar bastante claro a você, caro(a) aluno(a), que estamos lidando
com um momento muito importante da história educacional. Conforme vimos nos
parágrafos anteriores, nem a educação formal, nem as práticas formativas
sistemáticas atinentes ao corpo, eram pensadas e voltadas a todos os membros
da sociedade. Com o nascimento da sociedade moderna nos séculos XV e XVI,
sob a égide do capitalismo, ao mesmo tempo em que o fosso econômico entre
classes sociais se ampliou, do ponto de vista político, operaram-se
transformações que levaram a várias lutas pela construção de Estados
representativos, baseados na igualdade política entre cidadãos. A Revolução
Francesa de 1789 é o evento-chave desse processo.
Dito de outra maneira, você deve se esforçar para perceber que está
estudando um período em que muitas realidades culturais e econômicas
diferentes entre si estavam muito empenhadas em levar à escola rotinas
educacionais que tivessem o corpo como foco principal. FIM DO TÓPICO 2.
INÍCIO DO REFLITA: Essa escola, que nasceu e se expandiu nos séculos XVIII
e XIX, construiu em seu interior as bases pedagógicas do que hoje conhecemos
como educação física escolar. FIM DO REFLITA.
A relevância dessa discussão pode ser atestada pelo fato de ela ter
existido, praticamente, em todos os países do mundo que encontravam-se em
condição sócio-histórica de escolarizar seus cidadãos. Abordada a generalidade
desse processo, caminhamos para o encerramento de nosso passeio histórico
pela educação física, focalizando, de um modo mais detalhado, como a
construção da educação física escolar foi discutida e quais os desafios que ela
enfrentou no contexto brasileiro. FIM DAS CONSIDERAÇÕES FINAIS.
FARIA FILHO, L. M. de; et al. A cultura escolar como categoria de análise e como
campo de investigação na história da educação brasileira. Educação e
Pesquisa, São Paulo, v. 30, n. 1, p. 139-159, jan./abr. 2004.
HOBSBAWM, E. A era dos extremos. São Paulo: Companhia das Letras, 1994.
INÍCIO DO GABARITO
FIM DO GABARITO.
INÍCIO DA FOLHA DE ABERTURA
Objetivos de Aprendizagem
Plano de Estudo
Descrição: Fotografia em preto e branco de Rui Barbosa. Ele está com uma
camisa branca e um terno preto, seu cabelo e bigode são brancos e usa um
pequeno óculos com formato oval.
Fonte: DIAZ, [1923], on-line. Disponível em:
https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Rui_Barbosa.jpg?uselang=pt-br.
Acesso em: 17 out 2016.
Fim da descrição da imagem.
A tendência que esta (a criança) tem para opor-se à quietação, é uma força
latente que a natureza faz atuar em seu organismo com o fim de auxiliar o
desentorpecimento, o desembaraço, o crescimento harmônico e simultâneo
de todas as suas faculdades physicas e não physicas, e a natureza não
consente que se infrinjam impunemente suas leis. Se quisermos sopear
aquela força, condenando a puerícia à imobilidade, a natureza vinga-se,
vinga-se também a meninada (CONGRESSO DE INSTRUCÇÃO apud
HEROLD JUNIOR, 2005, p. 251).
Ao lermos apenas algumas das numerosas manifestações em defesa da
educação física na escola a ser frequentada por todos os cidadãos, tem-se a
impressão de que estamos lidando com um fato amplamente aceito por parte de
toda a sociedade e que teria sido implantado, imediatamente, naquele momento.
Porém, não é esse o cenário: mesmo com as defesas da escola e da educação
física em seu interior, a concretização plena desse ideário passou a se
concretizar de um modo mais visível apenas a partir de 1930. Até os anos 30,
prevaleceram diferentes procedimentos sobre a educação física escolar,
procedimentos esses criados, individualmente, em cada Estado, imprimindo a
essa dimensão educacional uma variedade de práticas e rotinas, muito longe,
portanto da ambicionada unidade em torno de uma verdade inquestionável.
Fernando de Azevedo (s.d.), em uma reedição de uma obra inicialmente
publicada em 1915, teceu um panorama que nos faz pensar nos problemas
enfrentados pela educação física escolar:
FIM DO TÓPICO 1.
INÍCIO DO TÓPICO 2: DISCUTINDO A PRESENÇA DAS PRÁTICAS
CORPORAIS NA ESCOLA BRASILEIRA: PLURALIDADE DE MODELOS
No caso da história da educação física essa reflexão tem seu valor, pois,
um dos grandes objetivos de estudá-la é verificar que o corpo, as práticas
corporais e a educação que delas surge são passíveis de serem entendidas por
terem acontecido em um determinado momento possuidor de valores
socioculturais, políticos e econômicos diferentes da época em que vivemos.
Todavia, para acessá-los e conhecê-los, obtendo, assim, condições para
entender melhor o assunto que estudamos, é fundamental nos atermos ao
pensamento de alguns personagens que desempenharam papel fundamental na
história que nos interessa. Esse é o caso de Fernando de Azevedo.
Castellani Filho (1988) mostra que o Centro Militar de Educação Física foi
importante. Afinal, ele tinha como objetivo adotar novos métodos de educação
física. Foi por intermédio desse centro que, em 1929, em um curso provisório,
os primeiros civis receberam formação em educação física, concretizando a
“presença marcante dos militares na formação dos primeiros professores civis
de Educação Física, em nosso meio…” (CASTELLANI FILHO, 1988, p. 34).
Importante nessa narrativa é você considerar que foi desse Centro que se
originou a Escola de Educação Física do Exército, em 1933, cuja
regulamentação permitia a frequência de civis. Ou seja, formar professores de
educação física e ser professor de educação física remetia a um perfil atitudinal
muito próximo da autoridade de um sargento a comandar seus soldados.
Feita essa exposição, vamos tentar costurar uma unidade em todo esse
conjunto de fatos e instituições, para que tenhamos o cerne da problemática com
a qual inicia-se a formação de professores de educação na história educacional
brasileira.
Para tanto, sublinho algo que já foi mencionado nas páginas e unidades
anteriores: as primeiras décadas do século XX caracterizam-se pela colocação
da educação obrigatória e da educação física em um lugar de destaque, se
considerados períodos históricos anteriores. Além disso, passou a existir maior
demanda tanto de professores em geral quanto de técnicos, especialistas e
professores de educação física.
Com efeito, é importante ponderar que havia não apenas no Brasil, mas
em muitos lugares do mundo, uma tentativa de separar a escola da caserna.
Essa presença militar nos meios educacionais foi alvo de muitas críticas. Se a
presença dos militares era, historicamente, importante no mundo educacional,
ela era mais incômoda quando consideramos a educação física brasileira. O fato
de os professores de educação física serem formados em escolas do exército -
além da presença dos militares nas primeiras escolas civis de formação em
educação física -, contribuiu, entre outras coisas, para que a formação do
professorado em geral trilhasse caminhos diferentes da formação dos
professores de educação física.
Para concluir este tópico, ao responder a pergunta título dele, (o que fica
dessa formação?) sublinho que essa ida aos primeiros processos de formação
profissional em educação física evidencia um dos desafios que hoje
enfrentamos: formar professores de educação física integrados aos saberes, aos
procedimentos e aos objetivos da educação básica brasileira. E, para tanto,
pedagogia, psicologia da educação, didática, políticas públicas educacionais,
filosofia da educação e... história da educação (e educação física) são tão
importantes quanto os também necessários conhecimentos a serem obtidos com
os estudos a serem feitos nas disciplinas da área de saúde. FIM DO TÓPICO 3.
Não deve ser perdido de vista que tal regulamentação tem importância
em um cenário histórico em que o estado teve grandes dificuldades de assumir
responsabilidades educacionais. Todavia, colocar a educação física escolar
como obrigatória, de modo uniforme, a todo o país teve pouca ressonância
prática, levando Beltrami (2006) a fazer a seguinte análise, depois de mostrar os
esforços havidos na década de 1960 para se instaurar, legalmente, a
obrigatoriedade da educação física:
Para pensar a forma como isso nos impacta na atualidade, vamos para a
última parte do livro, ponderando, então, os horizontes que se abrem e as
barreiras que se interpõem entre nós e aquilo que queremos alcançar. FIM DO
TÓPICO 4.
Essa dúvida foi sendo construída como importante para muitas gerações
de professores de educação física. Durante as décadas de 1980 e 1990, essa
problemática atingiu um nível de inquietude agudo, gerando um processo de
questionamentos e proposições pedagógicas que acabou nominado de “crise da
educação física”. Tentando sintetizar a intensidade desse período histórico para
a educação física, poderíamos entendê-lo como uma tentativa de se encontrar
justificativas pedagogicamente viáveis para explicar a importância dos
professores de educação física na escola. Se for lembrado o caminho histórico
que percorremos, esse esforço não existiu em outros períodos: o que houve
foram afirmações que sempre consideravam a educação física possuidora de
uma importância inquestionável.
Todavia, sobre essas abordagens, neste momento, creio que possa ser
considerado o seguinte: apesar da relevância desse conjunto de debates, de
investigações, propostas e avanços legais; apesar do empenho com que se tem
lutado para efetivar uma educação física escolar que se afaste da tradição
médica, militar e desportiva que marcou as práticas desse componente curricular
na história, os problemas persistem. Ao avaliarem a realidade pedagógica das
aulas de educação física a partir de meados dos anos 2000, alguns estudos têm
verificado que esse grande edifício intelectual e legal da educação física que
surgiu depois de sua notória crise ainda não teria impactado o cotidiano de
alunos e professores. Caparroz e Bracht (2007), ao fazerem essa constatação,
iniciam um artigo narrando a seguinte situação:
Temos nos deparado, com frequência cada vez maior, com
depoimentos e/ ou indagações sobre como realizar e organizar o
trabalho docente em educação física na escola. Ex-alunos da
licenciatura apontam dificuldades em relação ao trabalho que
desenvolvem. Recentemente, para citar um exemplo, uma professora
(ex-aluna do curso de educação física oferecido por nossa instituição)
comentava sobre a prova de um concurso público para seleção de
professores de educação física, dizendo que havia ido muito bem e que
estava feliz por tal, mas que, ao mesmo tempo, estava preocupada
com a materialização da sua prática pedagógica. Em seus dizeres: “Eu
sei tudo o que caiu no concurso, em relação às abordagens, mas não
sei como concretizar isso na minha prática pedagógica na escola”
(CAPARROZ; BRACHT, 2007, p. 22).
Para deixar a busca por respostas a essas questões ainda mais intrigante,
aponta-se que uma das maiores fontes de dificuldades para concretizar as
propostas existentes vem não apenas de muitos professores de educação física,
mas dos próprios alunos e dirigentes educacionais que, imersos em uma
tradição sobre o que é a educação física na escola, repudiam qualquer
intencionalidade pedagógica que não seja relacionada ao esporte
(principalmente, às modalidades coletivas comumente praticadas).
Por fim, depois de analisada essa trajetória, você pôde perceber que os desafios
ainda existem. Embora, se considerarmos a formação dos futuros professores e
a inserção legal da educação física no âmbito da educação brasileira, muitos
avanços foram conquistados, problemas didáticos e pedagógicos persistem:
como fazer com que no cotidiano escolar uma educação física se integre na
proposta pedagógica da escola efetivamente e não apenas legalmente? Mais
uma vez, como fizemos frequentemente neste livro, encerramos um conjunto de
reflexões históricas com condições de fazer perguntas importantes. Esta
questão, em particular, acompanhará você durante toda sua jornada formativa
neste curso. FIM DAS CONSIDERAÇÕES FINAIS.
2 Em:
<https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Familia_e_escravos_Brasil_1822.jpg?
uselang=pt-br>. Acesso em: 17 out 2016.
3 Em: <https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Rui_Barbosa.jpg?uselang=pt-
br>. Acesso em: 17 out 2016.
4<https://commons.wikimedia.org/wiki/File:EMAda3.jpg?uselang=pt-br>.
Acesso em: 17 out 2016.
5 Em:
<https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Em_modestino_gon%C3%A7alves.jp
g?uselang=pt-br>. Acesso em: 17 out 2016.
6Em: <https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Minerva_UFRJ.jpg?uselang=pt-
br>. Acesso em: 17 out 2016.
7Em: <https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Brazil-CopaAmerica-
1919.jpg?uselang=pt-br>. Acesso em: 17 out 2016.
8 Em:
<https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Pavilh%C3%A3o_de_regatas_na_Av
enida_Beira_Mar.jpg?uselang=pt-br>. Acesso em: 17 out 2016.
9 Em:
<https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Revolu%C3%A7%C3%A3o_de_1930.
jpg>. Acesso em: 17 out 2016.
Para isso demos cinco passos, em cada uma das unidades deste livro: 1)
conhecemos as particularidades do conhecimento histórico; 2) pensamos o
corpo humano como historicamente percebido, cuidado e educado; 3) vimos que
às diferentes práticas corporais ligam-se valores formativos de diferentes ordens;
4) por essa razão, a escolarização das sociedades contemporâneas se
caracterizou pela presença da educação física no interior da escola; 5) o mesmo
ocorrendo no Brasil, em um processo que se deu durante o século XX,
culminando no fato de a educação física se tornar um componente curricular da
educação básica.
Que a leitura deste livro tenha feito você experimentar, um pouco, dessa
atenção e desse ímpeto. De minha parte, redigi-lo acalentando essa
possibilidade foi um grande prazer! FIM DA CONCLUSÃO GERAL.