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Aula 1 - 04/08
Que é a Revelação?
“Por mais que a Igreja encare o Espírito Santo como autor genuíno, as pessoas que
escreveram partes da Bíblia em tempos diferentes e condições diversas, são verdadeiros
autores. Diga-se logo que o conceito de ‘autor’ pode ser aplicado ao compilador ou ao
revisor duma obra composta de várias partes. Em Teologia, o autor humano é intitulado
hagiógrafo”
Às vezes imaginamos que o autor humano foi apenas um instrumento passivo nas mãos da
ação do Espírito Santo. Que a inspiração seria uma ação de Deus que anularia a liberdade,
os condicionamentos e as limitações do redator humano, como se a Bíblia tivesse sido
apenas “ditada” por Deus ao hagiógrafo, sem a necessidade de um esforço deste.
Entretanto, esse não é o modo pelo qual a Igreja entende as relações entre o autor humano
e divino. Para entendermos a correta maneira de compreender essa questão comparemos
dois quadros de Caravaggio, que retrata a inspiração de São Mateus para escrever o seu
Evangelho. O primeiro deles retrata a inspiração como um ato que não requer muito esforço
humano, como se Deus ditasse o livro:
Reparem que o S. Mateus não está tendo dificuldades em escrever. Apenas vira o
rosto para ouvir o que o anjo tem a lhe dizer. Entretanto, creio que esse quadro não retrate
da melhor forma o que é a inspiração. O quadro seguinte, também de Caravaggio, mostra
um S. Mateus rude, com extremas dificuldades de escrever, que sua, que quase nem
percebe a ação do anjo que, gentilmente, segura com ele a pena. Vemos nesse quadro o
que de fato é a inspiração: ela não anula o trabalho do homem, não tira o estilo e as
limitações de cada autor humano. Ela é uma ação do Espírito muitas vezes imperceptível,
da qual o autor humano, frequentemente, nem tem consciência:
O autor humano imprimia à sua obra o seu próprio estilo. Vemos, por exemplo, que
o estilo de Lucas é o de um homem culto, versado no grego; enquanto o grego de Marcos e
Mateus é muito mais rude.Cada autor, também, usou de uma forma literária para exprimir o
que queria: uns escreveram poemas, outros escreveram histórias; outros ainda exortações,
etc. Assim, para compreender o que Deus quis dizer é necessário compreender o que
o homem quis dizer, porque Deus fala por meio, e não apesar, do autor humano. Para
compreender melhor a mensagem de Deus, precisamos compreender a cultura, a história e
o estilo de cada autor humano:
“Partindo nas suas investigações do princípio que o hagiógrafo ao escrever o livro sagrado
é órgão ou instrumento do Espírito Santo, mas instrumento vivo e racional, observam
justamente que ele sob a moção divina usa das suas faculdades e energias de tal modo,
que todos podem facilmente reconhecer do livro por ele composto "qual a sua índole
própria, e como que as feições e traços característicos da sua fisionomia". (Pio XII, Divino
Afflante Spritu)
“Como a Palavra substancial de Deus se fez semelhante aos homens em tudo, exceto no
pecado, assim também a palavra de Deus, expressa em linguagem humana, se
assemelhou em tudo à linguagem humana, exceto no erro”.
1. As línguas da Bíblia
A Bíblia fala três línguas: o hebraico, o aramaico e o grego. Em hebraico foi escrito quase
todo o AT . Algumas seções e livros, nas edições hebraicas da Bíblia, foram escritos em
aramaico; precisamente: Esd 4,8-6,18; 7,12-26; Dn 2,4-7.28; duas palavras em Gn 31,47 e
uma frase em Jr 10,11.
Em grego foram escritos originariamente Sabedoria e 2 Macabeus. Além disto, existem
livros, ou partes de livros, cujos textos originais - provavelmente em hebraico - se perderam
ou só chegaram a nós em antigas versões gregas: 1 Macabeus, Judite, Tobias, algumas
seções de Daniel (Dn 3,24-90;13-14) e os acréscimos gregos de Ester (no início, antes de
1,1; depois 3,13; depois 4,17; nos primeiros dois versículos do capítulo 5; depois 8,12 e no
fim do texto hebraico, depois de 10,3). Numa situação particular encontra-se o livro do
Eclesiástico (chamado também livro de JESUS ben-Sirac ou Sirac), que se apresenta a si
mesmo como versão grega do hebraico (cf. Prólogo do livro). O texto original hebraico, que
se perdeu desde os tempos de São Jerônimo, foi reencontrado em dois terços em 1896 e
em 1931 na Geniza do Cairo; outros fragmentos do original hebraico foram encontrados em
Qumran e em Massada. Também em Qumran vieram à luz pequenos fragmentos de um
manuscrito em hebraico e de três manuscritos em aramaico do livro de Tobias. Todo o Novo
Testamento foi escrito em grego.
2. As formas literárias
Quando entramos numa biblioteca moderna, vemos que os livros são ali classificados
segundo o tipo literário de cada um: romances e novelas, poesia, história, biografias, obras
de teatro etc. A Bíblia, produção literária de uma cultura que durou cerca de dois mil anos,
assemelha-se um pouco a uma pequena biblioteca: contém 46 livros do AT e 27 do NT, e
sobretudo abraça uma infinidade de formas literárias. Um reconhecimento implícito das
diversas formas literárias na Bíblia já estava na base da divisão hebraica do AT em «Lei,
Profetas e Escritos», e daquela cristã em «Livros históricos, proféticos e sapienciais» (AT),
em «Evangelhos, Atos dos Apóstolos, Cartas e Apocalipse» (NT). Todavia, esta distinção
revelou-se extremamente sumária. Uma análise literária dos textos mais atenta, e ainda
mais a descoberta das literaturas dos povos contemporâneos ao mundo bíblico, permitiram
identificar no conjunto dos livros da Bíblia uma quantidade notavelmente mais rica de tipos
literários.
Tal pesquisa é chamada pela moderna ciência bíblica crítica das formas. Quem a introduziu
no estudo da Bíblia e deu um contributo decisivo ao estudo dos gêneros literários no AT foi
H. Gunkel (1862-1932), professor de AT em Giessen e em Halle. Sobretudo em sua
«Einleitung in die Psalmen» (introdução aos Salmos), Gunkel expôs os princípios e os
critérios para reconhecer um gênero literário que ele vê caracterizado por: uma série de
idéias e emoções dominantes; fórmulas estilísticas e formas sintéticas particulares; um
vocabulário típico, facilmente perceptível; uma situação vital comum (em alemão «Sitz im
Leben»), da qual o gênero literário provém e na qual se repete. Daqui a definição ou melhor
a descrição de «gêneros literários» que hoje em geral se dá: Os gêneros literários são «as
várias formas ou maneiras de escrever usadas comumente entre os homens de uma
determinada época e região e colocadas em relação constante com determinados
conteúdos».
Assim, para compreendermos qualquer texto da Bíblia, precisamos saber a que gênero
literário ele pertence.
DEI Verbum:
“Para descobrir a intenção dos hagiógrafos, deve-se levar em conta, entre outras coisas,
também os gêneros literários. Pois a verdade é apresentada e expressa de maneiras bem
diferentes nos textos de um modo ou outro históricos, ou proféticos, ou poéticos, bem como
em outras modalidades de expressão. Ora, é preciso que o intérprete pesquise o sentido
que, em determinadas circunstâncias, o hagiógrafo, conforme a situação de seu tempo e de
sua cultura, quis exprimir e exprimiu por meio de gêneros literários então em uso. Pois, para
corretamente entender aquilo que o autor sacro haja intencionado afirmar por escrito, é
necessário levar devidamente em conta tanto as nossas maneiras comuns e espontâneas
de pensar, falar e contar, as quais já eram correntes no tempo do hagiógrafo, como as que
costumavam empregar-se no intercâmbio humano daquelas eras”