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FACULDADE CATÓLICA DE BELÉM

CURSO DE TEOLOGIA

JEFERSON VIEIRA FELIX


WESLEY OLIVEIRA DA SILVA

O MISTÉRIO DA INSPIRAÇÃO BÍBLICA

Ananindeua – PA
2020
JEFERSON VIEIRA FELIX
WESLEY OLIVEIRA DA SILVA

O MISTÉRIO DA INSPIRAÇÃO BÍBLICA

Atividade apresentada ao curso de teologia da


Faculdade Católica de Belém, para a avaliação
da disciplina de Introdução à Sagrada
Escritura, ministrada pelo Profº. Dr. Pe. Carlos
Josué Costa do Nascimento.

Ananindeua – PA
2020
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O MISTÉRIO DA INSPIRAÇÃO BÍBLICA

Este texto tem o objetivo de esclarecer alguns pontos referentes à Inspiração Bíblica.
Busca-se explicar como a Bíblia pode ser considerada Palavra de Deus e Palavra humana ao
mesmo tempo, apresentar questões abertas e contraditórias na Sagrada Escritura, os
documentos oficiais da Igreja que tratam do tema da inspiração bíblica e, por fim, explicar se
a inspiração pode ser considerada um mistério e por quê.
A Bíblia pode ser considerada Palavra de Deus e Palavra Humana ao mesmo tempo.
Ela é Palavra de Deus porque foi escrita por inspiração do Espírito Santo, por isso tem a Deus
por autor primordial, uma vez que o Espírito Santo ilumina a inteligência dos hagiógrafos
(autor secundário), impelindo-o, para que pusessem por escrito tudo aquilo e somente aquilo
que ele quisesse. Não obstante, a Bíblia também é Palavra humana, uma vez que o hagiógrafo
é autêntico autor, pois Deus não usa o homem como se fosse um simples objeto mecânico,
mas ele se usa das suas faculdades e capacidades para que agindo nele e por meio dele seja
escrita a mensagem de salvação. Não há uma exclusão da estrutura antropológica, mas o
produto da inspiração divina com a colaboração humana. Por isso, a Sagrada Escritura é
Palavra de Deus enquanto inspirada pelo Espírito Santo, porém em linguagem humana, isto é,
nas palavras humanas (que trazem uma bagagem cultural, linguística, geográficas, histórica,
costumes religiosos) há no seu núcleo uma força divina, pois apesar dos limites da linguagem
humana é precisamente nela e por meio dela que Deus fala.
Mas isso não significa que nas Sagradas Escrituras não existam algumas problemáticas
que não foram solucionadas. Pelo contrário, nela há problemas abertos e contraditórios que
ainda estão em discussão acerca da história e da natureza da inspiração bíblica quando são
confrontados com os dados das ciências bíblicas modernas. Por isso, serão apresentadas
algumas pistas de reflexões. O primeiro problema é acerca da inspiração, pois muitos livros
da Bíblia não foram escritos por um só autor, mas teve a contribuição de diversas pessoas,
muitas até anônimas, por isso diz-se que não há só um, mas diversos autores inspirados na
medida de sua colaboração na formação de um livro, com isso, a inspiração se caracterizaria
enquanto a obra era ordenada por Deus.
Outro problema é que a inspiração bíblica não é um carisma isolado, mas está inserido
organicamente no conjunto de carismas referente ao anúncio e à conservação da Palavra de
Deus. Por isso, o carisma escriturístico está enxertado em um carisma já existente,
necessitando se promover como um carisma especial “[...] para que aqueles livros cheguem a
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possuir uma autoridade análoga àquela da própria palavra profética ou apostólica”


(MANNUCCI, 1985, p. 186).
Além disso, há uma dimensão comunitária da inspiração, mas não uma inspiração
coletiva, pois os livros da Bíblia foram redigidos por indivíduos, mesmo que em alguns sejam
numerosos e até desconhecidos. Contudo, há uma real interação entre o indivíduo e a
comunidade, porque o autor continua condicionado pela língua de sua comunidade, pelas
formas literárias de seu grupo que estão relacionadas com as situações sociais (Sitz im Leben),
de tal forma que ele se trona intérprete e porta-voz de sua comunidade.
Uma questão contraditória e que precisa aprofundar é a autoria divina e humana da
Bíblia, pois a atividade de Deus como autor não pode ser colocada no mesmo plano da que é
realizada pelo hagiógrafo, uma vez que a mesma, se considerada a partir do mesmo aspecto,
só poderá ter uma única causa.
Há ainda muitas outras questões. Uma delas é que a inspiração bíblica não se refere
somente aos hagiógrafos, mas também à sua obra literária, isto é, não somente autor
inspirado, mas também obra inspirada. Outra é a afirmação de que Bíblia é Palavra de Deus,
porém muitos concebiam essa afirmação como se Deus tivesse inspirado diretamente os
escritores sagrados ditando tudo o que deviam escrever, assim equiparando a Sagrada
Escritura com a Palavra de Deus, contudo, a Bíblia é um livro profundamente humano que
não nos oferece “[...] diretamente a divina Palavra, mas o seu mais autorizado testemunho [...]
Apesar disso a Igreja considera objeto de fé e da própria convicção que a Escritura é Palavra
de Deus [...]” (MANNUCCI, 1985, p. 196).
Por fim, há também a discursão em torno dos livros sagrados das grandes religiões
cujo significado e valor tem consequências para o cristianismo que vivem em contato com
outras religiões (como na Índia e na África). Pois, do ponto de vista cristão católico, “em que
termos, se pode falar de ‘Inspiração’ com referência aos livros sagrados das outras religiões”
(MANNUCCI, 1985, p. 210), uma vez que há uma vontade salvífica universal de Deus e que
ele se autocomunica tendo a sua completa Revelação em Jesus de Nazaré, que não exclui as
revelações naturais que originam as grandes religiões não-cristãs.
Além do mais, os autênticos elementos de revelação e experiências religiosas destas
religiões tendem na intenção de Deus e à Revelação completa bíblico-cristã, tendo, portanto,
valores positivos nos respectivos livros sagrados. Por esse motivo, a Igreja Católica não
rejeita o que há de verdadeiro e santo nestas religiões, mas reconhece os elementos ou os raios
daquela verdade que ilumina todos os homens. Além do mais, o que há de bom nos homens,
nas culturas e ritos não são perdidos, mas purificado, elevado e consumado.
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Tendo em vista todas essas questões, houve por parte da Igreja a elaboração de
Documentos Oficiais que tratam sobre a Inspiração Bíblica. O primeiro documento
Magisterial que tem a intenção de dizer algo sobre a inspiração é a Encíclica
Providentissimus Deus do Papa Leão XIII em 1893, cujo objetivo era salvaguardar a autoria
divina das escrituras e sua inerrância, mas também descreve a natureza da inspiração por meio
de uma análise da psicologia do escritor sagrado nas dimensões intelectiva, volitiva e
operativa.
Outra Encíclica que trata sobre este assunto é Spiritus Paraclitus do Papa Bento XV
elaborada em 1920, devido ao XV centenário da morte de São Jerônimo. Ela destaca que a
influência da inspiração, embora impeça que o hagiógrafo ensine o erro, não cria obstáculo à
expressão própria de seu gênio e de sua cultura.
Outro documento é a Encíclica Divino Afflante Spiritu do Papa Pio XII em 1943, cuja
preocupação é “proteger a interpretação católica da Bíblia daqueles que querem opor-se ao
uso dos meios científicos de interpretação da mesma” (MENDES; SANTOS, p. 548),
assinalando o caráter de simultaneidade de autoria divina e humana presente na Sagrada
Escritura.
Por fim, há a Constituição Dogmática Dei Verbum do Concílio Vaticano II em 1965.
Trata propriamente sobre a Revelação e ratifica e explicita o que já estava presenta na Divino
Afflante Spiritu, de que a Sagrada Escritura é Palavra Divina e humana.
Sendo assim, podemos dizer que a Inspiração trata-se de um Mistério de Deus que se
revela ao ser humano em linguagens acessíveis a ele no decorrer do processo histórico, e de
alguma forma o escritor sagrado faz essa mediação, para que a Palavra de Deus seja
transmitida e chegue a todos e em todas as épocas. Além disso, essa transmissão não se reduz
a uma pura função informativa, mas expressa Deus que em sua bondade e sabedoria se
autocomunica, e comunica a graça ao homem para conhecê-lo. No entanto, a visão de Palavra
de Deus somente como livro é ainda fragmentada. Pois sabemos que o ápice da palavra de
Deus está na manifestação da plenitude dos tempos que é a vinda de Jesus Cristo ao mundo.
Ele é a Palavra de Deus encarnada: “Depois de falar muitas vezes e de muitos modos pelos
profetas, Deus ‘nos falou agora pelo filho’ (Hb 1,1s). enviou seu Filho, Verbo Eterno, que
ilumina todos os seres humanos, para morar entre nós e falar-nos da vida de Deus (cf. Jo 1,1-
18).” (VATICANO II, 1998, p.346)
Segundo o Evangelho de João em seu prólogo a palavra se fez carne e não livro. O
Cristianismo não se reduz a uma religião do Livro, mas da palavra salvífica de Deus que é a
pessoa de Jesus. Em Jesus está tudo o que Deus nos queria dizer e sendo assim, Cristo
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constituiu seu o corpo místico que é a Igreja na qual ela é o corpo que Jesus deixou na história
para propagar a Boa-Nova da Salvação até o fim dos tempos (cf. Mt 28, 20).
Mediante o que foi apresentado, podemos, portanto, constatar que a Bíblia sempre foi
um dos livros mais notáveis e que recebeu maior destaque na civilização Ocidental. E apesar
de ser um dos livros mais antigos, sua atualidade e importância se revela cada vez mais
crescente no mundo contemporâneo. O patrimônio literário de todos os tempos. A arqueologia
e a exegese buscam constantemente mais informações detalhadas sobre quem, como e porque
a escreveu. Sabemos que o conjunto de livros que formam a Sagrada Escritura é Palavra de
Deus e também palavra humana. Sendo assim, tanto Deus, como o homem são os autores da
sagrada escritura, sendo Deus o Autor primário que garante inerrância, ou seja, as Sagradas
Letras não erra na verdade salvífica. Mas pode-se encontrar nela alguns equívocos de
linguagem, geografia, aspectos sociológicos, etc. pela limitação do autor secundário, isto é, o
hagiógrafo. Mas deve-se levar em consideração que o homem não é um instrumento mecânico
e sua colaboração não foi imposta por Deus, mas foi uma escolha livre. Sendo assim, a
história da salvação é constituída e escrita de forma Teândrica, ou seja, Deus e o homem,
linguagem humano-divino, dois abismos que se unem. E que o Magistério da Igreja, diante
das exigências da razão humana, buscam constantemente esclarecer ou ter maior compreensão
desse mistério, da Palavra escrita e da Palavra Encarnada ao longo da história.
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REFERÊNCIAS

CONCÍLIO ECUMÊNICO VATICANO II. Constituição dogmática Dei verbum sobre a


revelação divina. Compêndio do Concílio Vaticano II. São Paulo: Paulinas, 1998.

Mannucci, Valerio. Bíblia, Palavra de Deus: curso de introdução à Sagrada Escritura. São
Paulo: Ed. Paulinas, 1985.

TEOCOMUNICAÇÃO. Considerações sobre Inspiração Bíblica. Porto Alegre, v. 37, n.


158, p.537-551, dez. 2007.

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