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CURSO
TEOLOGIA
SISTEMÁTICA I
PLANO DE ENSINO

INSTITUIÇÃO: Seminário Teológico Batista Independente


CURSO: Avançado em Teologia
DISCIPLINA: Teologia Sistemática I
CARGA HORÁRIA: 4 créditos
ULTIMA REVISÃO: 2021

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OBJETIVOS GERAIS:
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Levar o vocacionado ao conhecimento das
Pleasecristãs
doutrinas keep this
deslide
formafor attribution.
acadêmica.
Introdução – as doutrina bíblicas
1. Bibliologia
2. A doutrina sobre Deus
3. A doutrina sobre o homem
CONTEÚDO
4. A doutrina sobre o pecado
PROGRAMÁTICO 5. Cristologia – A doutrina acerca da pessoa de Cristo
6. Eclesiologia – A doutrina sobre a igreja
7. Soteriologia
8. Pneumatologia
9. Escatologia – A doutrina sobre as últimas coisas
Bibliografia
INTRODUÇÃO
AS DOUTRINAS BÍBLICAS
A palavra doutrina significa, basicamente, ciência ou teoria. Segundo o dicionário brasileiro Aurélio, “Doutrina” é um conjunto
de princípios que servem de base a um sistema religioso, político ou filosófico. Portanto, a palavra doutrina não é exclusivamente
um conjunto de princípios bíblicos ou espirituais. Por isso usamos a expressão Doutrinas Bíblicas.

O assunto acerca das doutrinas cristãs é um dos setores de estudo da Teologia que procura estabelecer as várias doutrinas
do cristianismo, definindo seu significado particular e em suas relações entre si. Para quê? Para tornar claro, a nós e aos outros, o
significado dos princípios bíblicos a serem aplicados em nossa vida cristã, bem como a razão da nossa fé. (1 Pe 3.15).

Basicamente, as doutrinas fundamentais são: a Bíblia, Deus, Jesus Cristo, o Espírito Santo, o homem, o pecado, a salvação,
a Igreja, as últimas coisas.

06
A Bíblia é a palavra viva de Deus e deve ser vivida em nossas experiências. O resultado de viver o que estudamos e pregamos
é que nos tornamos testemunhas eficazes e idôneas da Palavra de Deus; consequentemente teremos uma vida cristã frutífera,
demonstrada na salvação de almas. É impossível sermos vitoriosos se não conhecermos o que cremos. Como ser um bom discípulo,
se não conhecermos as instruções do Mestre? Como cumprir Mateus 28.18-20 (a Grande Comissão), se não conhecermos a
revelação do evangelho transformador?

O mundo está vivendo uma nova era, momento extremamente místico; o homem, cansado de um capitalismo crescente e
esmagador, de uma política corrupta, da opressão e da luta pela sobrevivência, começa a procurar uma luz no fim do túnel. Quer
comunicar-se com o universo que o cerca (Internet, comunicação virtual, comunicação com seres extraterrestres). Resultado desta
situação: o surgimento de muitas “religiões”, “seitas”, “teorias” acerca do sobrenatural e desconhecido. Homens aproveitadores e
diabólicos, supostamente detentores das revelações divinas, e autodenominados verdadeiras “milícias de Deus”, mas, na realidade,
enganadores e fraudadores da Palavra de Deus. É hora, mais do que nunca, de um verdadeiro despertar para o estudo da Bíblia e
suas doutrinas, e de tê-las como única regra de fé e prática (Jo 5.3), fazendo com que Jesus seja a luz no fim do túnel para os que
se encontram na escuridão (Jo 8.12).

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01
BIBLIOLOGIA
AS DOUTRINAS SOBRE AS
ESCRITURAS
“... achei também um altar em que estava escrito ao
Deus desconhecido. Esse pois que vós honrais não o
conhecendo, é o que eu vos anuncio”.

—Atos 17.23

09
INTRODUÇÃO

Quanto à terminologia, observemos:

a) Bíblia: derivado de biblion (do grego βίβλιον), que significa livrinho, passando pelo latim “bíblia” (plural), que significa coleção,
biblioteca;

b) Escrituras: termo usado no Novo Testamento para descrever os livros do Antigo Testamento, que eram considerados inspirados
por Deus (Rm 3.2). Também é usado no NT para porções do Novo Testamento (2 Pe3.16);

c) Palavra de Deus: termo usado em relação a ambos os testamentos em sua forma escrita (Mt. 15.6; Jo. 10.35 e Hb.4.l2).

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ATITUDES EM RELAÇÃO À BÍBLIA

a) Racionalismo: em sua forma mais extrema, nega a possibilidade de qualquer revelação sobrenatural. De uma forma moderada,
admite a possibilidade de uma revelação divina, mas alega que essa revelação se restringe ao juízo final da raça humana;
b) Romanismo: a Bíblia é um produto da Igreja; sendo assim, ela não é única em autoridade;
c) Misticismo: a experiência pessoal tem a mesma autoridade da Bíblia;
d) Neo-ortodoxia: a Bíblia é uma testemunha falível da revelação de Deus na Palavra, que é Cristo;
e) Seitas: a Bíblia e os escritos do líder ou fundador de cada seita possuem igual autoridade;
f) Ortodoxia: a Bíblia é a única base de autoridade.

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A UNIDADE DA BÍBLIA

a) Sua formação: a Bíblia é uma unidade perfeita, embora tenha sido escrita por cerca de 40 homens de épocas, lugares e
posições sociais diferentes (fazendeiros, pastores, fabricantes de tendas, médico, governadores, reis etc.). Os livros
da Bíblia abrangem um período de mais ou menos 1500 anos e uma área que vai da Babilônia até Roma. Inclui história,
poesia, filosofia, profecias, ciências, sociologia;

b) Sua preservação: os autores dos livros que formam a Bíblia não sabiam que seus escritos iriam algum dia ser reunidos
num só livro. Foi depois do ano 300 d.C. que os livros foram reunidos e encadernados num só volume com o nome de
Bíblia.

REVELAÇÃO

Definição: podemos definir revelação como a comunicação da mensagem divina ao homem; Deus se revelou ao ser humano,
porque o homem, sozinho, não pode chegar a um conhecimento perfeito do Criador.

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Meios de Revelação:

a) Pela natureza (Rm 1.18-21; SI 19);

b) Pela providência (Rm 8.28; At 14.15-17);

c) Pela preservação do universo (Cl 1.7);

d) Através de milagres (Jo 2.11);

e) Por comunicação direta (At 22.17-21);

f) Através de Cristo (Jo 1.14);

g) Através da Bíblia (1 Jo 5.9-12).

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INSPIRAÇÃO

“Inspiração é a ação supervisionadora de Deus sobre os autores humanos da Bíblia, para que pudessem
compor e registrar, sem erro, as palavras de Sua revelação ao homem, usando suas próprias personalidades e
estilos.” (Charles C. Ryrie, 1925)

Vemos que, apesar da diversidade de assuntos que aparecem na Bíblia, há uma unidade em seu
propósito. Como é possível isto? O Espírito de Deus capacitou homens a dar testemunho escrito da revelação
que receberam, e assim foi conservada, para as gerações seguintes, a revelação que Deus fez de si mesmo
através de Jesus Cristo.
Jesus não é uma figura que ficou no passado; Ele é o Filho do Deus vivo, que vive e atua ainda hoje. As
coisas feitas e faladas por Ele, e aquilo que precisamos conhecer acerca de Deus e seus propósitos para nós –
tudo isto está registrado na Bíblia. Devemos nos conscientizar da importância do estudo da Bíblia para nossa
vida, pois, através dele, Deus se revela.

“... E são as Escrituras que testemunham a meu respeito;” (Jo 5.39).

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TEORIAS SOBRE A INSPIRAÇÃO

a) Natural: não há qualquer elemento sobrenatural envolvido na inspiração. A Bíblia foi escrita por homens de grande
talento;
b) Mística: (ou também chamada teoria da iluminação). Os autores bíblicos foram cheios do Espírito Santo como
qualquer crente pode ser hoje;
c) Mecânica: (ou teoria do ditado). Os autores bíblicos foram apenas instrumentos passivos na mão de Deus; “máquinas
de escrever” com as quais Ele teria escrito;
d) Parcial: apenas aquilo que não era conhecido é que foi inspirado. Exemplos: a criação ou os conceitos espirituais. É
defendida por aqueles que acham que a Bíblia contém a Palavra de Deus, mas não é a Palavra de Deus. Partes da Bíblia não
foram inspiradas por Deus e, portanto, estão sujeitas a erros;
e) Conceitual: os conceitos é que foram inspirados e não as palavras;
f) Gradual: os autores bíblicos se diferem de outros autores, no sentido de terem sido gradualmente mais inspirados;

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g) Neo-ortodoxa: autores humanos não podem escrever registros infalíveis;
h) Inspiração falível: a Bíblia é inspirada, mas não isenta de erros (teoria esta que a cada ano vem ganhando
mais popularidade);
i) Verbal: Deus inspirou sua mensagem palavra por palavra. O escritor bíblico funcionou como um
“taquigrafo” ou secretário que escreve o que lhe é ditado;
j) Plenária: Deus inspirou apenas as ideias, e ao escritor bíblico ficou o trabalho de expressá-las em suas
próprias palavras. O Espírito Santo impediu que os autores cometessem erros quando escreveram aquilo
que Deus quis revelar.

Obs. Nossa linha denominacional aceita inteiramente a Bíblia como Palavra de Deus.

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REFERENCIAS BÍBLICAS À INERRÂNCIA NA INSPIRAÇÃO

1. “Toda a Escritura é inspirada por Deus e útil para o ensino, para a repreensão, para a correção, para a educação na
justiça” (2Tm 3:16);

A. Theopneustos (qeόπνευστος), do original grego “soprado por Deus”. Afirma que Deus é o autor das Escrituras e que estas são
o produto de seu sopro criador. “Sabendo primeiramente isto, que nenhuma profecia da Escritura provém de particular
elucidação; porque nunca jamais profecia foi dada por vontade humana, entretanto, homens santos falaram da parte de Deus,
movidos pelo Espírito Santo” (2Pe 1.20-21). Este versículo nos mostra “como” ocorreu a inspiração: homens “movidos” pelo
Espírito Santo, literalmente, no original, “carregados”;
B. “Não penseis que vim revogar a Lei e os profetas; não vim para revogar, vim para cumprir” (Mt 5.17). Jesus e os apóstolos
citaram o Antigo Testamento (Mt 15.4; Jo 10.35 e At 28.25 e 26);
C. O Novo Testamento designa partes do Antigo Testamento e do próprio NT como Escritura (1Tm 5.18; 2Pe 3.16 e Mt 5.17);
D. “Disto também falamos, não em palavras ensinadas pela sabedoria humana, mas ensinadas pelo Espírito, conferindo coisas
espirituais com espirituais” (1Co 2.13);
E. Os autores bíblicos tinham consciência de estarem escrevendo a Palavra de Deus (1Pe 1.11-12);
F. “Deus não é homem para que minta; nem filho do homem, para que se arrependa. Porventura, tendo Ele prometido não o fará?
Ou tendo falado, não o cumprirá?” (Nm 23.19);
G. Em toda Bíblia vemos, de um modo marcante e imperativo, a fidedignidade do caráter de Deus (Jo 17.3 e Rm 3.1-4).

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CANONICIDADE
A. Considerações negativas:
A Bíblia é auto autenticável, isto é, dá
testemunho de si mesma; os concílios eclesiásticos a) Não contradizem quaisquer fatos científicos bem
somente reconheceram a autoridade inerente aos estabelecidos;
próprios livros. Sem dúvida podemos afirmar que Deus b) Não contradizem as conclusões filosóficas geralmente
guiou os concílios de modo que o cânon fosse apoiadas e concernentes aos fatos do universo.
reconhecido.
B. Considerações positivas:
SUA VERACIDADE
a) Possui integridade topográfica e geográfica;
A veracidade das afirmações bíblicas pode ser b) Possui integridade etnológica ou racial (raças e povos);
(e tem sido) testada mediante fatos descobertos pela c) Possui integridade cronológica;
investigação científica e pela pesquisa histórica. Essa d) Possui integridade histórica;
veracidade está estabelecida tanto por considerações e) Possui integridade canônica.
negativas quanto positivas.

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ILUMINAÇÃO

“As Sagradas Escrituras constituem o livro mais notável jamais visto no mundo. São de longa antiguidade. Contém o registro
de acontecimentos do mais profundo interesse. A história de sua influência é a história da civilização. Os melhores homens e os
maiores sábios têm testemunhado de seu poder como instrumento de iluminação e santidade, e percebido que foram preparadas
por homens que falaram da parte de Deus movidos pelo Espírito Santo, a fim de revelar o único Deus verdadeiro e Jesus Cristo a
quem Ele enviou; elas possuem por isso os mais fortes direitos a nossa consideração atenciosa e reverente” (Joseph Angus (1816-
1902) revisor Samuel G. Green, História, Doutrina e Interpretação da Bíblia, Casa Publicadora Batista, Rio de Janeiro, 1951).

Observe-se:

a) Em relação aos não-salvos, a Bíblia apresenta-lhes sua necessidade de salvação (1 Co 2.14 e 2 Co 4.4) e mostra com clareza o
ministério do Espírito Santo (Jo 16.7-11), convencendo-os do pecado, da justiça e do juízo de Deus;
b) Em relação aos crentes, a Bíblia mostra-lhes sua necessidade de crescimento (1 Co 3.2 ); sua “natividade espiritual”, operada
pelo novo nascimento (1 Co 2.10-12 ) e também o ministério do Espírito (Jo 16.13-15 ), que vivifica a vida do crente, pois Ele
“dirá o que tiver ouvido, e vos anunciará as coisas vindouras; Ele me glorificará porque receberá do que é meu; e vo-lo
anunciará”. (Jo 16.13-14).

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INTERPRETAÇÃO

A Bíblia é um livro de autoridade, é a Palavra autorizada de Deus (Mt 5.17-19). É um livro exato e, embora não seja um livro
de ciência, é cientificamente correto. Entretanto, acima de tudo, a Bíblia é um livro cuja autoridade é comprovada pela experiência. A
atuação inegável do Espírito Santo na vida dos homens atesta a autoridade da Bíblia.

PRINCÍPIOS DA INTERPRETAÇÃO

A Bíblia deve ser interpretada:

a) Historicamente (períodos, datas, épocas, povo, etc...);


b) Gramaticalmente (tempos verbais, o uso de figuras de linguagem, etc...);
c) Contextualmente (de acordo com os contextos - imediato e mais amplo);
d) De acordo com a regra áurea da Hermenêutica: em harmonia com toda a Bíblia, comparando Escritura com Escritura (“a
Bíblia é o seu próprio intérprete”).

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PRINCIPAIS ASSUNTOS DA BÍBLIA

Os assuntos principais da Bíblia são:

a) Redenção – o objetivo da Bíblia é fazer com que os pecadores voltem para Deus. Portanto, trata da criação e queda do
homem, apontando-lhe a restauração e a volta à comunhão com Deus. Fala de Cristo, o Cordeiro de Deus sacrificado pelo mundo,
propiciando redenção ao homem. Fala do amor de Deus ao homem pecador, mas seu “ódio” ao pecado (Rm 1.18; GI 1. 3-4). Fala do
Espírito Santo de Deus, que dirige e dinamiza a missão redentora de Deus (Lc 24.49; At 1.8);

b) Juízo – a Bíblia fala de julgamento, do Gênesis ao Apocalipse. Embora a Bíblia simpatize com o pecador, declara o juízo de
Deus contra o pecado. A Bíblia fala de um julgamento final que virá para toda criatura humana (Ap 20.11-15), quando todo homem
deverá comparecer ante o tribunal de Cristo (Rm 14.10);

c) Deveres – a Bíblia fala dos deveres cristãos. Ela é “lâmpada para os pés e luz para o caminho” (SI 119.105); a Bíblia diz ao
homem salvo como viver a vida cristã, de modo que possa, com triunfo e vitória, chegar ao fim da carreira e guardar a fé (2 Tm 4.7).

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CONCLUSÂO

A Bíblia deve ser a palavra final na vida do crente. Ela é o livro-fonte da fé cristã e é diferente de todos os outros livros; o que
a torna diferente é o fato de ser a revelação de Deus aos homens. Por isso, nenhum livro pode substituir a palavra de Deus como
orientação para a vida espiritual.
Se a Bíblia não fosse a Palavra de Deus, há muito tempo teria desaparecido da terra, por causa das perseguições violentas
que tem sofrido ao longo dos tempos. A despeito de toda fúria da incredulidade humana, ela tem sobrevivido. Ninguém pode ler a
Bíblia sem ver nela a mão divina. Sem dúvida, o Espírito Santo, que a inspirou, decisivamente operou para sua sobrevivência.
A Bíblia, como já foi dito antes, não pretende ser um livro de história, ciência ou literatura. Ela não tem tudo o que os
homens querem saber (mistérios de Deus), mas contém tudo o que eles precisam saber.

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02
A DOUTRINA
SOBRE DEUS
“Deus é Espírito Pessoal, perfeitamente Bom,
que em Santo amor, cria, dirige, sustenta e
governa tudo”

—(Alva Bee Langston, Esboço da Teologia Sistemática, 6ª Edição. JUERP. 1930).

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DEFINIÇÃO

A maior e mais importante verdade é o fato de que Deus existe. Deus existe e é soberano sobre o universo, a sua criação: “O
Deus que fez o mundo e tudo o que nele há, sendo Ele Senhor do céu e da terra ...” (At 17.24). Deus é único (em espécie), diferente
de tudo (demais espécies) e elevado sobre tudo.

Como então conhecer a Deus? O conhecimento de Deus é possível apenas pela revelação. Ele se fez conhecido na criação,
pelos seus atos na história e, especialmente e sobremaneira, se revelou em Jesus, seu Filho. Na Bíblia temos o registro de todas as
nuanças de sua revelação; portanto, nela é que encontramos também a doutrina sobre o próprio Deus.

A EXISTÊNCIA DE DEUS

“Porque o que de Deus se pode conhecer é manifesto entre eles, porque Deus lhes manifestou. Porque as suas coisas
invisíveis, desde a criação do mundo, tanto o seu eterno poder, como a sua divindade, entendem-se e claramente se vêem pelas
coisas que são criadas, para que eles fiquem Inescusáveis; porquanto lendo conhecido a Deus. não o glorificaram como Deus, nem
lhe deram graças, antes em seus discursos se desvaneceram, e o seu coração insensato se obscureceu “ (Rm 1.19-21).

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Na Bíblia, o fato de existir Deus é evidente, inexplicável, subentendido. Os autores bíblicos, inspirados por Deus, não têm a
preocupação de provar a existência divina, e a Bíblia começa diretamente com as palavras “No princípio criou Deus...” (Gn 1.1). Deus
não pode ser provado cientificamente. Ele é elevado acima do tempo, do espaço físico e das limitações humanas. Ele é aquele que é
perfeito, eterno e imutável (Ex 3.14). Apenas os néscios dizem que não há Deus (SI 14.1); a fé em Deus é tão segura como um
fundamento (Hb 11.1-2), e somente ela é o caminho para uma experiência pessoal com Deus, que, sendo espírito, não pertence à
categoria da matéria e, portanto, não pode ser descoberto por investigações naturais ou materiais.

Na história da Igreja cristã, a existência de Deus tem sido assunto de estudos vastos, e muitos teólogos se esforçaram
para formular provas da existência divina. Surgiram as chamadas “provas da existência de Deus”. Cada uma delas tem alguma
fraqueza, mas formam um conjunto de raciocínio lógico e de valor prático.

a) A prova cosmológica: a prova da causa e do efeito. Da palavra grega kósmos (κόσμος) mundo, universo. Tudo tem
uma origem. Nada existe por si mesmo. Tudo que existe é ou foi feito por alguém: o relógio, a mesa, a casa etc. O universo e a
natureza não existiriam por si mesmo, mas exigem um criador; o universo é um efeito que exige uma causa adequada; e a única
causa suficiente é Deus (SI 19.1).

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b) A prova teológica (ou prova teleológica): a prova das causas finais. Da palavra grega telos (τέλος), fim (de finalidade). Tudo que
existe é feito segundo certo propósito e para certa finalidade. Nada existe por acaso. Atrás de tudo que existe há uma ideia, um
propósito, um alvo e um pensamento. O universo é como um grande relógio que revela um grande intelecto e onde tudo tem uma
finalidade. Há um propósito observável no universo, que indica a existência de Deus como seu planejador (Rm 1.18-22).

c) A prova ontológica: a prova da mente ou da consciência. Da palavra grega onto (όντος), o ser. O homem tem em si uma ideia da
eternidade e da perfeição; está em busca de algo que seja melhor que a realidade que conhece. O homem nutre o desejo de
alcançar a perfeição, mas seria um absurdo aceitar este desejo, sem que haja também uma realidade que corresponda a este
desejo. A ideia de um mundo perfeito só pode vir de um Deus perfeito.

d) A prova antropológica: da palavra grega anthrópos (άνθρωπος), homem, ser humano. O homem é um ser moral e intelectual;
deve existir um criador que também seja moral e inteligente (At 17.29). A natureza moral, os instintos religiosos, a consciência
e a natureza emocional do homem, argumentam em favor da existência de Deus.

e) A prova moral: a prova da consciência. O homem tem em si mesmo certa consciência moral, expressa através da noção do bem
e do mal. Sua consciência o acusa quando transgride ou peca. Esta consciência moral não poderia existir no homem se não
fosse dada por Deus.

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f) A prova da correlação: tudo que existe tem uma correlação. Por exemplo: dia e noite, pecado e justiça, fome e comida, chave
e buraco da fechadura, etc. Existe uma íntima correlação entre a fé e a existência de Deus. O desejo profundo do homem de falar,
encontrar, viver com Deus, “prova” a existência de Deus. Se não há Deus, de onde vem o desejo de encontrar Deus?

g) A prova da história da religião: não existe nenhum povo ou grupo étnico que não tenha uma religião natural ou alguma ideia
da existência de Deus. Nunca se encontrou uma raça ou tribo sem ideias religiosas. Isto prova que os homens possuem algo que os
animais não têm - o sentido religioso. Isto só pode vir de Deus, que criou o homem à sua imagem, colocando em sua mente a ideia
de eternidade (Ec 3. 11).

DEUS E A CRIAÇÃO

“No princípio criou Deus os céus e a terra” (Gn 1.1).

Uns dos grandes temam de estudo da humanidade, no decorrer de sua história, tem sido a origem do universo, e o enigma de
sua origem, o centro de muitas teorias e especulações; e ainda hoje se procura entender como a terra e todo o universo tiveram um
começo.

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Enquanto a humanidade busca respostas satisfatórias, a Palavra de Deus nos declara de um modo incisivo: Deus é a origem
do universo! Ele criou o universo, sustenta e dirige sua criação. Como Espírito livre e transcendente de sua criação, Deus tem poder
para mover-se no curso da história e agir com liberdade dentro e fora das leis do universo. De um modo direto, Deus governa todo o
universo, com exceção da parte referente aos seres morais (o homem foi criado com o livre arbítrio).

O universo, em seus primórdios, não é o mesmo de hoje, pois houve uma evolução (desenvolvimento) na própria ordem da
criação. E, nesta progressividade, podemos perceber que o universo de hoje não será o mesmo de amanhã, pois a Bíblia nos mostra
que Deus está trabalhando para a sua perfeição (Rm 8.22).

Podemos nos perguntar: tem Deus, ainda, um propósito com o universo? Sim, Deus tem um propósito espiritual para com o
universo, um propósito que visa à glória de Deus e a salvação do homem, visto que Ele é o Criador.

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A NATUREZA DE DEUS

a) Deus é Espírito (Jo 4.24) – um espírito é caracterizado por não ser possuidor de carne e ossos (Lc 24.34). Deus é invisível:
ninguém jamais o viu (Jo 1.18). Como espírito, Deus não é limitado pelo tempo ou espaço; por ser Ele invisível, não possui
imagem visível (Ex 20. 4-5), mas pode se revelar em formas visíveis: as teofanias (Gn 32.24-28 e Jo 1.32);

b) Deus é um Ser pessoal – religião, segundo alguns estudiosos, quer dizer “religar”, no caso, religar o homem com Deus. Para que
haja essa comunhão, faz-se necessário que ambos sejam seres pessoais. Deus é uma pessoa, uma personalidade, um ser
autoconsciente e não apenas uma influência, um poder. Personalidade existe onde há inteligência, mente, vontade, senso,
individualidade, autoconsciência e autodeterminação. Deus é descrito como uma pessoa (Jo 17. 3-26);

c) Ele possui sentimentos – pode: arrepender-se e entristecer-se (Gn 6. 5-6); indignar-se (1 Rs 8.9); irar-se e ser zeloso (Dt 6.15);
amar e castigar (Ap 3.19); perdoar (Mt 6.15);

d) Deus é Um – Ele é único (Dt 6.4); além Dele não há outro Deus (1 Co 8.4-6); Deus é o Deus dos deuses (Dn 2.47).

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DEUS É TRINO

A palavra trindade não se encontra explicitamente na Bíblia, ela está subentendida. Mas existem referências bíblicas a essa
realidade. No Antigo Testamento, o próprio nome Elohim ( )‫םיהלא‬é plural (Gn 1.26). Já na criação estava Deus (que ordenou), o
Espírito (que gerou) e o Verbo-Cristo (pelo qual tudo foi feito – leia em Jo 1.1-3). A doutrina da Trindade aparece na bênção
sacerdotal (Nm 6.24-26) e no louvor celestial (Is 6.3 e Ap 4.8).

No NT, a doutrina da Trindade aparece no batismo de Jesus (Mt 3.16-17), na “Grande Comissão” (Mt 28.19), no ensino de
Jesus (Jo 14.16 e 17.11-21) e na bênção apostólica (2Co 13.14). Deus é uma unidade composta, e nesta unidade há realmente
três pessoas distintas: o Pai, o Filho e o Espírito Santo. Não há três deuses, mas um só Deus em três pessoas distintas. Podemos
definir a doutrina da Trindade como a tríplice manifestação de Deus, o tríplice modo da existência de Deus.

Podemos ilustrar a Trindade da seguinte forma:

a) A natureza: a água é conhecida sob três formas (liquida, sólida, gasosa) ou o sol se manifesta de três formas (luz, calor, fogo);

b) A personalidade humana: o homem é constituído de corpo, alma, espírito e foi feito à imagem e semelhança de Deus;

c) Nos sistemas de governo humano: um só governo, porém constituído de três poderes – Legislativo, Executivo, Judiciário;

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Sem dúvida nenhuma podemos dizer que a doutrina da Trindade é um grande mistério de Deus, ainda velado a nós, devido a
nossa humanidade. Mas, quando formos como Ele é (1 Co 13.12) e o virmos face a face, então as coisas encobertas serão
entendidas.

OS ATRIBUTOS NATURAIS DE DEUS

Um atributo é uma propriedade que está diretamente ligada ao seu sujeito, pela qual pode ser distinguido e identificado.

a) A Onisciência de Deus: Deus é perfeito em seu conhecimento e sabedoria. Deus conhece todas as coisas reais e possíveis (Jo
37.16 e 1 Jo 3.20). Deus conhece tudo acerca das pessoas (SI 139.1-6);

b) A Onipotência de Deus: Deus é EI Shaddai (‫)ידש לא‬, o Todo-Poderoso, (Gn 17.1). Ele pode todas as coisas sem que alguém o
impeça (Jó 42.2); para Deus nada é impossível (Mt 19. 26) e para Ele não há limites de poder (Gn 18.14);

c) A Onipresença de Deus: Deus está presente em todos os lugares (At 7. 48-49). Assim como está em todo o universo (SI 139.7-
12) Ele está sempre próximo de todos os seus (At 17.27);

d) A Onividência de Deus: Deus não apenas sabe tudo, está em todo lugar, pode todas as coisas, como também vê tudo. Os olhos
do Senhor passam por toda a terra (2 Cr. 16.9). Ele vê todos os caminhos do homem (Jr 32.1) e vê até as coisas que estão
ocultas (Mt 6.4-6);

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e) A Eternidade de Deus: significa que Deus não está sujeito à sucessão do tempo. Ele reconhece a continuidade dos
acontecimentos – passados, presentes e futuros. E são para Ele igualmente vívidos, pois é o “Eterno” (Gn 21.33; SI 90.2), Ele
é o mesmo no passado, no presente e no futuro (SI 102. 24-27);

f) A Imutabilidade de Deus: Deus é imutável em natureza e prática (Tg 1.17), isto é, Deus não muda (Ml 3.6). Claro que uma
pergunta pode ser inevitável aqui: Será que realmente Deus não muda de idéia ou se arrepende? De nossa perspectiva
humana, mudanças de idéias acontecem a toda hora. Do ponto de vista divino, jamais. Imutabilidade é uma característica
inerente a Deus. E o que dizer de textos como: “Arrependo-me de haver posto a Saul como rei, porquanto deixou de me seguir,
e não executou as minhas palavras” (1 Sm. 15.11).Seria uma grande antítese, pensarmos que Deus muda (pois aparece
descrito o verbo “arrependeu-se”), enquanto a própria Palavra de Deus, em seu contexto, nos mostra que Deus é imutável. Na
realidade, a palavra “arrependeu-se” está descrita de uma maneira antropomórfica, isto é atribuindo a Deus semelhança
humana para que pudéssemos entender. A Bíblia foi inspirada por Deus, mas escrita por homens, na linguagem do homem.

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OS ATRIBUTOS MORAIS DE DEUS

a) Santidade: Deus é santo e absolutamente puro (Is 6.3; Is 57.l5 e 1 Jo 3.3). O seu nome é santo, pois corresponde ao que Deus é
(Mt 6.9). O caminho de Deus é santidade (Sl 77.13); Ele não erra, porque é diferente do homem, que é sua criação (Jó 33.12; Jó
34.10-12 e Jó 37.23);

b) Justiça: Deus é sempre justo. Mesmo que às vezes não entendamos as situações que vivenciamos, ainda assim, Deus é justo e
não pode negar-se a si mesmo, pois é perfeito em justiça (Sl 116.5; Dt 32.4 e Rm 3.5);

c) Fidelidade: porque Ele não muda, é cumpridor de suas promessas. A fidelidade de Deus não tem fim, e por isso podemos confiar
e esperar em Deus (1 Ts 5.24 e Lm 3.22-26);

d) Amor: Deus é amor (1 Jo 3.1) Seu amor nunca se acaba (1 Co 13.4-8), e porque ama, valoriza, pois o amor está intimamente
ligado a valor. Porque se importou com a humanidade e a “amou de tal maneira”, deu a maior prova de seu amor a todo o homem,
revelando-se em Jesus Cristo (Rm 5.8 e 1 Jo 3.13).

34
OS NOMES DE DEUS

Deus tem se revelado dentro da história da humanidade através de vários nomes, que representam diferentes aspectos da
natureza e do caráter de Deus. Eis alguns:

a) Elohim )‫) םיאלה‬: significa Deus. Este nome aparece na Bíblia para designar Deus como o Soberano Criador. Notemos que o nome
Elohim é uma forma plural, o que uso nos mostra a plenitude do poder de Deus e a idéia de Trindade que já aparece no primeiro
versículo da Bíblia (Gn 1.1);

b) Jeová (Yahweh = ‫ )הוהי‬este nome tem origem no verbo “ser” e inclui os três tempos verbais: passado, presente e futuro. O
significado então é “o Auto-Existente”, “Eu sou o que sou” (Ec 3.14), Aquele que era, é, e sempre será. Convém salientar que a
pronúncia mais correta, conforme eminentes estudiosos da língua hebraica seria “Javé”, forma já dicionarizada em português.
Vemos, através dos nomes compostos, no AT, o relacionamento de Javé com seu povo peculiar.

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c) Encontramos na bíblia este nome seguido de diversos adjetivos:

• Jeová (Javé) rafah (‫ )הפר הוהי‬- “O Senhor que cura” (Ex 15.26);
• Jeová (Javé) nissi - “O Senhor nossa bandeira” (Ex 17.15);
• Jeová (Javé) shalom (‫ )םולש הוהי‬- “O Senhor nossa Paz” (Jz 6.24);
• Jeova (Javé) jireh - “O Senhor que provê” (Gn 22.14);
• Jeová (Javé) raah (‫ )העד הוהי‬- “O Senhor é meu Pastor” (SI 23.1);
• Jeová (Javé) tsidkenu - “O Senhor justiça nossa” (Jr 23.6);
• Jeová (Javé) shammah (‫ )המש הוהי‬- “O Senhor que está presente” (Ez 48.35);
• Jeová (Javé) sabbaoth - “O Senhor dos Exércitos” (1 Sm 1.3);
• Jeová (Javé) naked - “O Senhor que fere” (Ez 7.9);
• Jeová (Javé) el-gmolah - “O Senhor que recompensa” (Jr 51.26);
• Jeová (Javé) maccadeshkem - “O Senhor que santifica” (Ex 31.13).

d) Adonai (‫)יהוה‬: traduzido “Senhor”, transmite a idéia de domínio (Ex 23.17) e do relacionamento o Senhor e o servo;

• El (‫)אל‬: Deus, usado em combinações, formando nomes compostos:


• El-Elyon ( ‫ )ןוילע לא‬- “Deus Altissimo” (Gn 14.18; Gn 14.18, Is 14.14);
• El-Shaddai (‫ )ידש אל‬- “Deus Todo-Poderoso” (Ex 6.3, Gn 17. 1-20);
• El-Olam - “Deus o Eterno” (ls 40.28);
• El-Roi - “Deus, o Forte que Vê”(Gn 16.13); “Pois em ti está o manancial da vida; na tua luz vemos a luz” (Sl 36.9)

36
03
A DOUTRINA
SOBRE O HOMEM
“Então formou o Senhor Deus ao homem, do pó
da terra, e lhe soprou nas narinas o fôlego da
vida, e o homem passou a ser alma vivente.”

—Genesis 2.7

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O HOMEM – UM SER CRIADO POR DEUS

Veio o homem a existir por um processo de evolução ou por um ato criador de Deus? Qual é a origem do homem? O mistério
da origem da vida tem ocupado a mente humana e despertado a curiosidade de estudiosos e estudantes, cientistas, filósofos etc.
Em todo indivíduo normal há um desejo íntimo de conhecer algo sobre a origem de seus antepassados.

Onde está a verdadeira resposta sobre a origem da vida? Na evolução, como ensinou Charles R. Darwin (teoria defendida em
1859) e os evolucionistas contemporâneos, ou na criação especial de Deus como ensinam a Escrituras?

O QUE A “TEORIA DA EVOLUÇÃO” DIZ SOBRE O HOMEM

Diz-se que a evolução, no sentido em que se aplica às plantas, aos animais e ao homem, é a transformação de uma espécie
de vida em outra espécie. Certo escritor a definiu do seguinte modo:

“A evolução, em termos muito simples, significa que a vida progrediu de organismos unicelulares para o seu estado mais
elevado, o ser humano, por meio de uma série de transformações biológicas ocorridas durante milhões de anos”.

39
Em outras palavras, os evolucionistas ensinam que o homem evoluiu de um simples protozoário, o qual, após milhões de
anos, tornou-se larva, depois, peixe (decorridos sempre alguns milhões de anos entre uma evolução e outra); a seguir tornou-se
pássaro, chegando a ser macaco e finalmente homem, isto é, passando de um ser irracional (esta foi a parte mais difícil) para um
ser racional, com personalidade própria e poder de decisão. Em seu livro “A Origem Do Homem”, Charles R. Darwin escreve: “Não
sabemos se o homem descende de alguma espécie pequena como a dos chimpanzés, ou se procede de uma espécie tão poderosa
quanto a dos gorilas” citação de Harold Hill em seu livro (Harod Hill, Darwin e Sua Macacada, 1980, pg. 20).

Embora a teoria da evolução não constitua um fato científico e não seja reconhecida pela verdadeira ciência, ela continua
sendo ensinada nas escolas como a última verdade sobre a origem das espécies, e, hoje, qualquer pessoa que pensa diferente ou
crê na declaração bíblica, é tida como antiquada, fora de moda, etc.

40
Algumas perguntas para reflexão sobre essa teoria:

• Qual o primeiro homem que descobriu que não era macaco?


• A Bíblia ensina que Deus criou o homem do pó da terra e a mulher de uma costela do homem. O que ensina a teoria da evolução a
respeito da origem da mulher, uma vez que, no inicio de tudo, havia apenas um solitário protozoário?
• O que realmente pretende a teoria da evolução provar: que não existe um Deus Criador? Então, como surgiu o mundo, os outros
animais e o protozoário?
• Se há, na verdade, evolução (de uma espécie para outra), por que são as espécies de animais tão bem definidas, isto é, a família
dos felinos, dos equinos, dos bovinos, dos suínos, etc.?
• Se as espécies derivam de outras espécies, por que não encontramos os elos de ligação entre as inúmeras formas de transição?

41
O QUE DIZEM AS SAGRADAS ESCRITURAS

O homem é um ser criado por Deus

Segundo a Bíblia, a Palavra de Deus, o homem veio a existir por uma decisão premeditada do Deus Trino, o qual disse:
“Façamos o homem” (Gn 1.26). Esta decisão resultou no seu ato criador (Gn 1.27), realizado no sexto dia, logo após haver Ele
criado todos os animais da terra (Gn 1.24-25). O homem foi a última criação de Deus, é a coroa desta e tem autoridade sobre toda a
criação, isto é, plantas, aves, peixes, répteis, animais da terra (Gn 1.28-30). Tendo recebido o nome “Adão”, também foi o primeiro
de todos os homens (Gn 2.5; 5.2 e 1 Co 15.45-49) e é o pai de toda a raça humana (At 17.26).

Ao criar o homem, com ele o Senhor se envolve numa relação íntima, diferente de sua ação com as demais criaturas. Estas
passaram a existir por meio da ordenação do Todo-Poderoso, isto é, receberam o seu ser por meio da palavra divina. O homem,
entretanto, foi moldado pelas mãos divinas (Gn 2.7), recebendo o sopro do Espírito, que marcou o seu relacionamento com Deus. Ao
compreender a grandiosidade da ação divina na formação do homem, o salmista exclamou: “...que preciosos para mim Senhor, são
os teus pensamentos” (SI 139.17).

42
O homem é um ser superior às demais criaturas

Todos os animais são seres irracionais, isto é, sem razão. Não pensam, não falam (linguagem consciente), não têm
discernimento e agem exclusivamente pelo instinto de preservação. O homem, todavia, é um ser inteligente, racional e capaz (Gn
1.28-30). A diferença básica entre o homem e as demais criaturas está no fato de que todos os animais, aves e peixes, Deus os
criou “... segundo as suas espécies” (Gn 1.21-25), enquanto o homem foi criado “... segundo a imagem de Deus” (Gn 1.27).

O homem nada é ante a soberania, o poder e a santidade divina (Hb 2.6-8), mas está acima de todas as coisas criadas. É,
pois, errada, antibíblica e anticientífica a afirmação dos evolucionistas que “o macaco é nosso ancestral mais próximo”. Há um
abismo intransponível entre os irracionais e o homem. Não há qualquer possibilidade de o homem ser descendente do macaco, pois,
como diz a Escritura, “Nem toda a carne é a mesma; uma é a carne dos homens, outra a dos animais, outra a das aves e outra a dos
peixes” (1Co 15.39).

Nenhum animal pode relacionar-se com Deus e nem mesmo inventar coisas ou usar linguagem consciente. O macaco mais
inteligente não passa de um irracional, enquanto a espécime mais degradado do homem continua sempre homem. A teoria da
evolução não pode admitir que Deus criou o homem porque não admite a existência de um Criador. Muitos estudiosos afirmam que
não podem aceitar a declaração bíblica sobre a origem do homem, porque não há prova científica da existência de Deus e nem
mesmo meios de provar, através do registro bíblico, a origem do homem.

43
Pergunta-se: o que é mais difícil provar cientificamente – que há um ser sobrenatural que criou o universo, todo o nosso
sistema solar, as galáxias, o homem, enfim, tudo por um ato soberano de sua vontade; ou que tudo isso surgiu por acaso, de uma
explosão de átomos e consequente fusão de moléculas, dando origem à vida e dispondo tudo, por puro acaso, na ordem correta do
universo?

O que é mais fácil provar cientificamente: que Deus criou a vida do nada, tanto a vegetal como a animal, ou que tudo se
originou de uma ameba, evoluindo por bilhões de anos?

O que é mais difícil provar: que o homem foi formado do pó da terra pelas mãos de um Criador a quem chamamos Deus, ou
que ele é descendente do macaco?

A NATUREZA DO HOMEM

“Graças te dou, visto que por modo assombrosamente maravilhoso me formaste; as tuas obras são admiráveis e a minha
alma o sabe muito bem” (Sl 139.14).

O que é o homem? Como é sua estrutura, sua natureza? Precisamos admitir que não temos um conhecimento adequado,
completo, do homem, assim como não podemos ter um conhecimento completo de Deus. Nossa mente questiona, investiga,
opina, contudo não há resposta satisfatória e definitiva, visto que as opiniões divergem diante deste grande mistério da criação
de Deus. Conforme nosso texto-base, somente Deus tem um conhecimento completo do homem.

44
Existem duas teorias a respeito da constituição do homem:

a) Uma diz que o homem é constituído de duas partes - corpo e alma (dicotomia);
b) Outra afirma que o homem é constituído de três partes – corpo, alma e espírito (tricotomia);

C.I. Scofield explica sua idéia de tricotomia, dizendo que: “Sendo o homem espírito, é dotado da capacidade de ter
conhecimento de Deus e comunhão com Ele; sendo alma, ele tem conhecimento de si próprio; sendo corpo, tem, através dos
sentidos, conhecimento do mundo”. (Cyrus Ingerson Scofield (1843-1921), Manejando Bem a Palavra da Verdade, Editora
Depósito da Literatura Cristã).

Leia os textos de Ec 12.7; Ap 6.9; Mt 10.28; Tg 2.26; Hb 4.12 e 1 Ts 5.23 e reflita sobre as seguintes questões:

a) É o homem composto de duas partes, uma material (corpo) e uma imaterial (alma e espírito)?;
b) Seriam a alma e o espírito simplesmente duas maneiras diferentes de se refletir a mesma coisa, sendo então o homem
apenas, corpo e alma ou corpo e espírito? Ou, são ambos, alma e espírito tão entrosados entre si, que algumas vezes se
confundem?

45
O HOMEM É UM SER TRANSITÓRIO, SUJEITO À TERRA

Deus fez o corpo do homem do pó da terra, soprou nas suas narinas o fôlego da vida e o homem passou a ser alma
vivente.

O nome dado ao homem, “Adam” (Adão), tem duplo significado: ele é em primeiro lugar um nome próprio, mas também é
aquele que procede do termo hebraico adamah, da terra; um ser fraco, efêmero, transitório. O homem natural não pensa nas
coisas lá do alto, apenas nas da terra, pois aquelas lhe são loucura.

a) O homem foi criado para ter domínio sobre a criação – embora o escritor de Eclesiastes afirme que o homem é como os
animais, isto é, todos têm um fôlego de vida e retornam ao pó (Ec 3.19-20), não foi dado ao animal poder para dominar sobre a
terra. O homem ocupa um lugar supremo no contexto de toda criação. Só ele tem capacidade para raciocinar, decidir e mandar.
Ele não foi apenas a obra final da criação de Deus, mas é nele que toda obra de Deus encontra significado e cumprimento, por
isso ele domina sobre tudo (SI 8.6);

b) O homem é por natureza um ser religioso - ele precisa ter algo ou alguém em que possa crer. Por ter ele recebido “o sopro”
divino, tendo sido feito pelas “mãos” divinas, tendo contato diário com Deus na viração do dia, podemos compreender sua relação
espiritual com o Todo Poderoso.

A queda originou a separação da presença divina, trazendo ao coração do homem um vazio muito grande, que somente
Deus poderá preencher novamente. Todavia, a religiosidade continua e o homem procura preencher este vazio com outras
expressões de religiosidade, adorando, muitas vezes, a criatura em lugar do Criador.

46
A ESTRUTURA DO HOMEM

Tanto para a AT quanto para o NT, não há preocupação em dividir o homem em partes, como: corpo, alma. espírito etc. O
homem é sempre visto como um todo, e dai a dificuldade para definições a respeito de suas partes.

A relação entre alma e corpo


O homem foi feito alma vivente, isto é, um ser completo que expressa sua vida, seus pensamentos, através do corpo.

O homem só existe na medida em que recebe o sopro divino (Jó 33.4). Vindo ambos de Deus, o corpo e o sopro de vida,
não são elementos que possam ser dissociados ou isolados. No AT, a alma (nephesh em hebraico, ‫ )שפנ‬designa um ser vivente
em suas diferentes formas de expressão, podendo significar o ser humano, a pessoa, o eu (Gn 46.16). Para o NT, algumas vezes a
alma é apresentada como uma parte separada do corpo (Mt 10.28), por isso o homem é exortado a tomar cuidados especiais
também com seu corpo (Rm 12.1). Na verdade, o corpo é a expressão indispensável da realidade imaterial. Um homem não existe
sem o seu corpo, assim como não existe sem alma.

Relação entre alma e espírito


Ás vezes, espírito (ruach em hebraico, ‫ )אלתים‬designa uma realidade mais psicológica, que freqüentemente se confunde
com nephesh (Ec 12.7 e Tg 2.26). Paulo fala do homem como espírito, alma e corpo (1 Ts 5.23), mas não parece possível fazer
essa separação lógica, ficando unicamente nas mãos de Deus a capacidade da distinção (Hb 4.12). O espírito é a parte
(dimensão) do homem que se comunica com Deus (Jo 4.24; Rm 8.16 e Pv 20.27).

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No entanto, para o salmista, é a alma que tem sede de Deus (SI 42.1); é o espírito que faz o homem diferente das demais
criaturas (Jó 32.8), em distinção dos animais (1 Co 2.11-12).

A relação entre alma, espírito e coração

O coração é o centro da vida, do desejo, da vontade e do juízo (SI 14.1). O pensamento, a vontade e a decisão são
atributos da mente humana, mas é no coração que os pensamentos encontram significado. Uma pessoa que age somente
baseada na razão é considerada “sem coração”. É do coração que procedem as saídas da vida (Mt 15.18-20 e Pv 4.23). Sendo o
homem mente, vontade e emoções, o coração é também o centro da vida emocional. No coração se encontram as correntes da
vida espiritual e da alma. O coração sente dor, angústia (SI 109.22), alegria e gozo (Is 65.14 e SI 45.1).

O coração é também o centro da vida moral. É o lugar onde foi originalmente escrita a lei de Deus (Rm 2.15) e onde esta
lei é renovada pelo Espírito Santo. Com o coração o homem crê (Rm 10.10) ou descrê (Hb 3.12). É a morada de Cristo (Ef 3.17 e
Cl 3.15-16) e do Espírito Santo (2 Co 1.22). O coração é o receptáculo do amor de Deus (Rm 5.5) e é uma grande profundidade
misteriosa que somente Deus pode sondar (Jr 17.9).

Portanto, com a palavra “coração”, as Escrituras referem-se a um verdadeiro complexo mental, emocional e espiritual,
diferentemente dos conceitos modernos ocidentais.
Relação entre alma, corpo/carne

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A expressão “carne” (sarx em grego, sarx) indica a transitoriedade do corpo humano (SI 78.39) e é usada para definir o
homem natural em sua totalidade, com todos os seus característicos de fraqueza, falta de poder, isto é, o homem em sua estrita
solidariedade com o pecado (2 Co 1.12 e Rm 6.19).

O HOMEM – UM SER SEMELHANTE A DEUS

“Portanto, sede vós perfeitos como perfeito é vosso pai celeste” (Mt 5.48).

Deus criou o mundo e todo o universo do nada, apenas pela palavra do seu poder. “Haja!”, e houve. Depois, criou as aves,
peixes e animais pela palavra: “produza!”. Mas o homem, Deus o fez com suas próprias mãos, do pó da terra (Gn 2.7), conforme
sua imagem e semelhança (Gn 1.26-27).

A doutrina escolástica interpreta os termos imagem (imago ou eikon = είκων) como sendo aquilo que pertencia ao
homem por natureza (livre arbítrio, raciocínio e domínio) e não podia ser perdido na “queda”; e semelhança (similitude), como
sendo um presente sobrenatural dado por Deus na criação (justiça original e perfeita autodeterminação perante Deus), que foi
perdido na queda. Ao que tudo indica, porém, estas duas palavras são simples sinônimos (compare Gn 1.26 com Gn 5.1e3),
usadas para estabelecer a diferença entre os irracionais e o homem.

Embora a queda tenha realmente mutilado a imagem original do homem, este, de alguma forma, se assemelha com o
Criador. Em que consiste esta semelhança?

49
A SEMELHANÇA DE DEUS NO HOMEM É INTELECTUAL

Deus deu um corpo físico ao homem, todavia é difícil pensarmos que esta imagem ou semelhança a Deus, no homem, seja
corporal ou física, pois o ensino geral da Bíblia é que Deus é espírito (Jo 4.24), portanto, não tem corpo físico. Por outro lado, esta
declaração bíblica (de que Deus é espírito) não impede que Deus possa eventualmente assumir a forma humana (Gn 19.1-5 e Gn
32.24-28), pois também Jesus assumiu a semelhança de homens e foi reconhecido em figura humana (Fp 2.7).

Sabemos que Deus se comunicava com o homem no jardim do Éden, todos os dias ao cair da tarde (Gn 3.8); mas não
sabemos se, nesses momentos, Ele assumia a forma humana de Adão. Mesmo dizendo que Deus possa assumir a forma humana,
isso não significa afirmar que Deus possui um corpo físico. Temos tudo para crer, segundo o contexto geral da Bíblia, que a alma
do homem é a sede da imagem divina e não o corpo. A vida, o raciocínio e o idioma brotaram no homem após o sopro divino (Gn
2.7), e ele passou a ser alma vivente, isto é, recebeu, naquele momento, da própria essência de Deus, a personalidade divina e,
portanto, uma natureza capaz de conhecer, amar e servir a Deus. O homem tem capacidade de pensar, raciocinar, falar, tirar
conclusões e tomar decisões (Gn 2.19,20).

50
A SEMELHANÇA DE DEUS NO HOMEM É MORAL

De onde vem o sentimento de culpa na mente ou coração humano quando o indivíduo comete um erro? E o sentimento de
realização pessoal quando ele realiza um ato correto ou construtivo, de valorização ou ajuda a um semelhante?
Certamente, do caráter moral que ele recebeu pelo sopro do Todo-Poderoso. Este reconhecimento do bem e do mal
pertence somente ao homem (não aos animais). Embora esteja decaído por causa do pecado, o princípio moral de Deus ainda
está ativo na mente do individuo; seu coração abriga a norma moral que é capaz de acionar os pensamentos a qualquer momento,
acusando-se ou defendendo-se mutuamente, isto é, reagindo diante de cada atitude, boa ou má (Rm 2.15).
As Escrituras ensinam claramente que o homem foi criado natural e moralmente semelhante a Deus (Ec 7.29). Ele foi
criado bom e todas as suas tendências eram boas. Conforme foi originalmente criado, o homem era perfeito (Gn 1.31) e, pelo seu
intelecto não depravado; conhecia a Deus e as coisas divinas e sua vontade só queria o que era a vontade de Deus. Todos os
sentimentos do seu coração inclinavam-se para Deus, e nisto consistia sua semelhança moral com Ele. Conforme diz R.
Pendleton:
“O homem foi criado como um ser santo e esta foi a principal glória com que ele foi coroado. Foi uma grande glória ter sido
feito semelhante a Deus em suas excelências intelectuais, mas a maior glória do homem foi ter sido criado semelhante a Ele em
suas perfeições morais” (Revilo Pendleton Oliver, 1908-1994).
Esta semelhança moral é tão forte que, em qualquer momento que o homem estiver preparado para fazer algo errado, a
voz da consciência o adverte instantaneamente (Is 30.2 1).

51
04
A DOUTRINA
SOBRE O PECADO
A DOUTRINA DO PECADO

A SEMELHANÇA DE DEUS NO HOMEM FOI MUTILADA COM A QUEDA

O estado original do homem era de completa e real felicidade, pois:

a) Sua alma era santa (Gn 2.25), isto é, o homem era inocente, não possuía o conhecimento do bem e do mal (Gn 2.16 e Gn
3. 7-9);

b) Seu corpo estava isento de sofrimento e morte (Gn 2.17 e Gn 3.16-19). Originalmente, o homem não precisava morrer.
Poderia comer de todas as árvores do jardim, inclusive da árvore da vida (Gn 2.9 e Gn 3.22), a qual tomou-se uma séria ameaça
após o pecado;

c) Suas condições de vida eram as mais felizes (Gn 2.8-9), pois Deus plantou para o homem um jardim no Éden, com todos
os recursos para uma vida feliz e frutífera, onde ele poderia criar sua família (Gn 1.28).

53
No entanto, a queda trouxe a perda da inocência original e da integridade moral, a morte física e o sofrimento. No
momento em que o homem deixou de ouvir a voz de Deus para ouvir outra voz, perdeu a perfeição, deixando toda a criação em
pânico (os animais reagindo ferozmente) e a própria natureza geme e suporta angústia até agora, aguardando o dia da redenção
(Rm 8.20-22).

Contudo, embora o homem não mais seja perfeito, continua sendo criação de Deus trazendo sua imagem. A semelhança
foi mutilada, mas não completamente obliterada. O homem continua tendo algo em comum com Deus, e é exatamente isto que
lhe dá dignidade e grandeza. Por mais que os escritores da Bíblia tenham frisado o estado decaído do homem, nunca perderam de
vista o fato de que ele é a coroa da obra criativa de Deus em todo o universo (SI 8).

O homem continua sendo chamado para o seu estado original diante de Deus, isto é, para a semelhança moral do Criador
(Lv 19.2). Quando Deus o expulsou do Jardim, não foi para castigá-lo, mas para preservá-lo para o dia da redenção. Deus não
queria que o homem, naquele estado de rebelião, comesse da “árvore da vida” e dessa maneira ficasse eternamente no pecado
(Gn 3.22). O plano de Deus é que nós sejamos conforme a imagem do seu Filho (Rm 8.29).

54
A QUEDA DO HOMEM

O fato

“Portanto, assim como por um só homem entrou o pecado no mundo, e pelo pecado a morte, assim também a morte
passou a todos os homens porque todos pecaram” (Rm 5.12).

O homem não foi criado numa condição moral neutra (Gn 2.15-17). Sua provação foi absolutamente essencial a fim de
capacitá-lo à completa expressão e exercício de sua liberdade intelectual e moral. Ele não foi criado pecador, ao contrário, Deus
fez o homem bom, sem pecado e capaz de obedecer. O pecado entrou no mundo através de Satanás. Adão e Eva, os primeiros
membros da raça humana, caíram na tentação de Satanás, pecando contra Deus, através de sua própria escolha consciente e
voluntária.

QUAL FOI O PECADO DO HOMEM?

Frequentemente, à luz de Gn 3.7, tem sido considerado que o fruto era uma maçã e que o pecado foi o despertamento
sexual. Além do fato de que estudos arqueológicos afirmam que na região que se supõe fosse o paraíso não havia este tipo de
fruto, é improvável que o pecado de Adão e Eva fosse sexual, pois, conforme Gn 1.28. “Deus os abençoou e lhes disse: Sejam
férteis e multipliquem-se! Encham e subjuguem a terra!...”.

55
Seria absurdo pensar que o homem precisava pecar para descobrir sua capacidade para o sexo, e que Deus inventou isso
para depois expulsá-lo do jardim cobrindo-o de castigos. Certamente não foi esse o pecado do casal. Adão e Eva viviam em estado
de inocência e não tinham vergonha, nem do sexo nem da sua nudez. No entanto, não sabemos que fruto era, e isso certamente
não vem ao caso. O fato é que o homem transgrediu uma ordem de Deus e cometeu um pecado.

A questão que fica é esta: o pecado do homem foi simplesmente sua desobediência ou consistiu em querer tornar-se igual
a Deus? O fato é que, comendo do fruto da árvore do conhecimento do bem e do mal, o homem deu ouvidos a outra voz que não a
de Deus, aceitando outra autoridade para sua vida, passando, nesse momento, a duvidar de Deus e a crer no Diabo.

COMO FOI A TENTAÇÃO?

A tentação veio do exterior para o homem; não teve sua iniciativa dentro da esfera do seu próprio ser. A serpente (criatura
brilhante) foi o animal que Satanás usou para se comunicar e tentar a mulher. Ele escolheu o momento em que Eva estava só,
desprotegida e próxima do lugar proibido. Ao se aproximar, usou algumas táticas muito sutis para enganar a mulher:

56
a) Lançou dúvidas sobre a Palavra e Bondade de Deus (Gn 3.1). O tentador começa com uma sugestão usando um tom de
incredulidade, semeando a dúvida e procurando impingir a falsa ideia de que a Palavra de Deus está sujeita ao nosso
julgamento. Ele (Satanás) ampliou a proibição única e reduziu as extensas permissões de Deus, atraindo Eva para a
discussão em seus termos;

b) Acusou Deus de mentiroso, egoísta e invejoso (Gn 3.4-5). Para Satanás, Deus mentiu quando disse “certamente morrerás”, foi
egoísta por desejar ser a única autoridade e invejoso por não querer que o homem se igualasse a Ele. “É certo que não
morrereis!” (Gn 3.4) É a palavra da serpente contra a Palavra de Deus. Astuciosamente apresenta Deus como um rival e
inimigo do homem, estimulando a ambição da mulher, dando como perspectiva o “ser igual a Deus”, sendo igualmente
capazes de conhecer o bem e o mal;

c) Desviou os olhos da mulher de todas as coisas boas que Deus fez (Gn 3.1-4). A árvore do conhecimento do bem e do mal se
tornou tão atraente (v.6) que Eva esqueceu totalmente, não apenas a ordem de Deus, mas também sua liberdade de comer de
todas as outras árvores do jardim. Naquele momento, Deus pareceu mau, e Satanás conseguiu que a mulher ignorasse todas
as consequências do pecado.

57
COMO FOI A QUEDA

Eva foi seduzida pela serpente (Gn 3.13), tendo passado a ver o mundo com os olhos do Diabo e não mais com os olhos
de Deus. Satanás sempre ambicionara ser igual a Deus e por isso caiu. Agora tenta o ser humano, incutindo-lhe no coração seus
próprios sentimentos. Algumas coisas contribuíram para que a mulher cedesse à tentação, levando também o homem pelo
caminho da desobediência.

Na verdade, o homem é o maior responsável pela queda, pois a mulher foi enganada pela serpente, mas o homem
transgrediu de olhos abertos, isto é, por sua livre e espontânea vontade. Ele poderia ter repreendido a mulher, levando-a a pedir
perdão. Poderia também ter expulsado a serpente, pois tinha autoridade para isso; todavia alguns fatores contribuíram para a
queda:

a) Quando foi tentada, a mulher estava próxima da área proibida (Gn 3.1). Fica a lição de que não devemos subestimar o inimigo
e nem mesmo confiar demasiado em nossas próprias forças. Nosso ponto forte pode ser o nosso ponto fraco;

b) Eva aceitou o diálogo com Satanás (Gn 3.2). Porque era inocente e não astuciosa, rapidamente ficou sem argumentos diante
do apelo para o orgulho e do tom perturbador e lisonjeiro da serpente;

58
c) Eva alterou a Palavra de Deus (Gn 3.2-3). Omitiu palavras importantes que Deus disse: “todas” e “livremente”, e acrescentou
algo que Ele não falou: “nem toqueis nele”. Aumentou o rigor de Deus, pensando que assim estaria se protegendo melhor da
investida do inimigo. A Palavra de Deus basta a si mesma, tanto para nossa orientação como para nossa defesa. Uma regra
humana enfraquece a Palavra e não a fortalece como pensam muitos;

d) Eva creu no tentador (Gn 3.6). Ela viu que a árvore era boa para se comer, aceitou a proposta do Diabo e cedeu ao desejo de
“ser igual a Deus”, tomou do fruto da árvore e comeu, ofereceu ao seu marido (Gn 3.6) e ele comeu, transferindo assim sua
obediência para o tentador.

Estimulada a ambição de conseguir divindade, Satanás vendeu ao homem e à mulher uma falsa idéia do mal como se
fosse uma coisa que está além do bem. Cedo descobriram o seu erro e, então, já era tarde demais. A mulher, por sua vez, ao invés
de agarrar-se às palavras exatas de Deus, acrescenta suas próprias palavras e, com isso, colocou em dúvida aquilo que o Senhor
dissera, abrindo a porta à desobediência e dando vantagem ao inimigo. Lendo Mt 4.1-11, podemos ver como Jesus reagiu ao
tentador e, de sua atitude, tirar exemplo para nossa vida.

59
CONSEQUENCIAS DA QUEDA

“Porque o salário do pecado é a morte, mas o dom gratuito de Deus é a vida eterna em Cristo Jesus” (Rm 6. 23).

Satanás enganou a mulher dizendo-lhe: “... os vossos olhos se abrirão e sereis como Deus, conhecedores do bem e do
mal.” (Gn 3.4). No entanto, deixou de fora uma dupla verdade – que conheceriam o bem sem poder para fazê-lo; e conheceriam o
mal sem poder para evitá-lo (Rm 7.18). As palavras da serpente cumpriram-se, porém o conhecimento adquirido foi diferente do
imaginado, pois, em vez de serem semelhantes a Deus, sentiram-se separados, distantes, degradados, miseráveis e nus. Esta
experiência foi o anticlímax de seu sonho de iluminação e seus resultados afetaram tanto o casal do Éden quanto a raça humana
em geral (Rm 5.12).

60
Consequências para Adão e Eva

a) “... perceberam que estavam nus” (Gn 3.7) – Esta expressão retrata um triplo sentimento: vergonha, culpa e medo. Eles
sempre estiveram nus (Gn 2.25) e não se envergonhavam. Que aconteceu agora? Conheceram o mal e compreenderam que se
rompeu um elo importante na comunhão com Deus. A frase “Abriram-se-lhes os olhos ...” (Gn 3.7) pode significar
esclarecimento milagroso ou repentino (Gn 21.19 e 2 Rs 6.17). Alguns escritores acreditam que Adão e Eva eram vestidos por
um halo de luz que os livrava da aparência e consciência da nudez. Ao desobedecer, esta proteção se perdeu (Rm 3.23) e eles,
repentinamente sentiram que haviam cometido um erro e que por isso estavam numa posição de inferioridade, escravos de
Satanás e que não poderiam encarar o Criador na sua visita diária ao jardim, pela viração do dia (Gn 3.8).

É assim que trabalha a consciência culpada: deixa o homem com medo e vergonha e o leva a esconder-se de Deus. Cria
também um obstáculo no relacionamento humano. Adão e Eva já não se sentiam à vontade juntos sem se cobrirem, e esta parece
ser a atitude que tem acompanhado o ser humano: procurar esconder, cobrir o erro;

61
b) Foram expulsos do jardim – Isto equivale dizer, da presença de Deus. Perder o direito de viver no jardim, com todas as suas
delicias e serrem condenados a comer o pão com suor (embora nada indique, no texto bíblico, que não devesse trabalhar; na
verdade foi-lhe dito que deveria cultivar a terra). Foi um castigo duro, mas justo e merecido. A atitude do homem de se
esconder, cobrir-se e reconhecer sua situação decaída (Gn 3.10) não viera acompanhada de arrependimento; pelo contrário,
produzia a autojustificação e consequente atribuição de culpa de seu pecado a Deus, dizendo: “Foi a mulher que me deste... “
(Gn 3 12).

A expulsão não foi um ato arbitrário de Deus para com o homem, mas uma simples aplicação da justiça divina. Todavia,
pelo relato de Gn 3.22, descobrimos que a expulsão não teve como fim primário a punição do homem, sendo antes uma
demonstração da infinita misericórdia de Deus, pois, se o homem, em sua forma degradada comesse da árvore da vida,
permaneceria eternamente na morte. Tanto a expulsão do jardim como o anjo guardando a entrada da árvore da vida, era, na
verdade, uma providência divina para a salvação do homem.

62
CONSEQUÊNCIAS PARA A RAÇA HUMANA EM GERAL

a) Por um homem entrou o pecado no mundo (Rm 5.12) –A ação de Adão, como cabeça da raça humana, foi representativa (Rm
5.12-19). Seu pecado, além de individual, foi ao mesmo tempo racial e seus resultados caíram sobre toda raça humana. Adão
era a raça, e a raça era Adão; por conseguinte, o primeiro pecado, foi da raça. Como consequência somos, por natureza, filhos
da ira (Ef 2.3), pois nascemos com a natureza pecaminosa (SI 51.5).

O pecado da raça é também o nosso, porém não somos participantes dos demais pecados de Adão, pois estes apenas
confirmam seu estado decaído. Por outro lado, todos nós cometemos pecados individuais (SI 32.3 e Sl 51.1-4;) pelos quais
somos responsáveis. O pecado da raça nos separa de Deus e os pecados pessoais nos mantêm separados Dele (Rm 3.23);

b) Através do pecado entrou a morte (1 Co 15.21). – A Palavra de Deus em Gênesis 2.16-17 não era uma ameaça com o objetivo
de assustar o homem, mas uma declaração de algo que aconteceria inevitavelmente. Adão e Eva não morreram no dia de sua
transgressão, mas ficaram imediatamente sujeitos à lei da mortalidade, sendo neles implantada a semente da morte. A morte
física do casal culpado se tornou tão certa quanto pecaram, como se tivesse ocorrido enquanto ainda comiam o fruto fatal. E,
assim como o pecado atingiu toda a raça humana, também a morte passou para todos os homens (Rm 5:12).

63
Não apenas a morte natural é focalizada aqui, mas também a espiritual, e este é um resultado mais temível que a morte
corporal. A morte espiritual é Deus abandonando o homem; é o rompimento da comunhão com Deus, sendo isso uma calamidade
tão grande que a designação mais apropriada é “morte”. A consumação da morte espiritual é a morte eterna, a qual somente
poderá ser abolida por Aquele que pode nos ressuscitar e dar a vida eterna, pois Ele já esmagou a cabeça da serpente (1 Co
15:21-22);

c) A criação suporta angústias até agora (Rm 8.19-23) – Conforme Gênesis 3.17-19, a terra foi Literalmente amaldiçoada, não
produz mais apenas o que é bom, mas também cardos e abrolhos.

Esta maldição também trouxe consequências para toda a humanidade, pois, desde a queda, o trabalho passou a ser
penoso para o homem. Não só a morte, mas também o sofrimento (Gn 3.16) e a condenação vieram sobre a humanidade, de modo
que toda a criação, a um só tempo, geme e suporta angústias até agora, aguardando ser redimida do cativeiro. A raça humana foi
vendida à escravidão do pecado (Rm 7.14), ficando seu prisioneiro (Rm 7.23), impossibilitada de fazer o bem que deseja. O
pecado tem cobrado seu preço (Rm 6.23) levando o homem a degradar-se e tornar-se cada vez mais servo de Satanás (Rm 6.16-
21).

Por um ato de desobediência, o homem caiu de seu estado de inocência e, assim, trouxe tristeza, dor e morte contra si e
contra a sua posteridade. Desobedecer a lei divina foi a pior das infidelidades, pois ele decidiu dar crédito antes ao Diabo do que a
Deus. Seu descontentamento e inveja levaram-no a pensar que Deus lhe havia negado aquilo que era essencial para a sua
felicidade, e seu orgulho imenso levou-o a desejar ser igual a Deus.

64
05
CRISTOLOGIA
DOUTRINA A CERCA DA PESSOA
DE JESUS CRISTO
INTRODUÇÃO

A Palavra de Deus, em Isaías 9.2, declara: “O povo que andava em trevas viu uma grande luz, e sobre os que habitavam na
região da sombra da morte, resplandeceu a luz”. O Antigo Testamento mostra-nos com clareza o advento do Messias prometido. O
mundo foi preparado para este extraordinário acontecimento e, na plenitude dos tempos, Jesus Cristo, a maior revelação de Deus,
entra no curso da história para trazer salvação ao homem caído.

Cristologia é o estudo da pessoa de Cristo, sua obra redentora e o cumprimento de seu ofício em favor da raça humana.

SUA PRE-EXISTÊNCIA

O prefixo pré significa “antes”. Dizemos que Jesus foi pré-existente em virtude de sua existência antes da encarnação.
“No principio era o verbo, e o verbo estava com Deus, e o verbo era Deus. Ele estava no principio com Deus” (Jo 1.1-2). A doutrina
da pré-existência de Cristo tem sua comprovação:

66
a) No AT – sua pré-existência desde o princípio aparece no nome Elohim ( ‫םיהלא‬em hebraico), que é uma forma plural do
nome de Deus. Também sua pessoa e obra encontram-se prefiguradas no Antigo Testamento: a rocha no deserto (Ex 17.6);
a serpente de bronze (Nm 21.8); a arca de Noé; o cordeiro da Páscoa; Melquisedeque, o rei de Salém (Gn 14.18); o bode
emissário; José do Egito e muitas outras. Também as manifestações em formas visíveis (Gn 32.24-28; Dn 3.24-25) e as
aparições do Anjo do Senhor, que pode indicar ser este personagem uma aparição do Cristo pré-encarnado (Ex 3.2-4; Zc
1.12; Ex 32.34; Jz 6.14 e 2Sm 24.16);
b) No NT – “... antes que Abraão existisse, Eu Sou” (Jo 8.58). Cristo existe desde antes da fundação do mundo (Jo 17.5) Ele é
o primogênito de toda a criação (Cl 1.15-16; Jo 8.56-58; Jo 17.24; Fp 2.6; Hb 1.2 e Ap 1.8).

SUA ENCARNAÇÃO

Encarnar significa “estar em carne”, “tornar-se carne”. O nascimento sobrenatural de Jesus é um grande mistério divino e
aconteceu como havia sido predito pelos profetas: nasceu de uma virgem (Is 7.14) e foi gerado pelo Espírito Santo (Mt 1.20 e Lc
1.34-35). O Filho de Deus tornou-se Filho do homem, significando que Deus se revelou, em nível humano, para poder proporcionar
Salvação ao homem caído.

67
A encarnação de Jesus teve propósitos que deveriam ser (e foram) cumpridos em seu ministério: revelar Deus aos
homens (Jo 1.18);

a) Prover um exemplo de vida aos seus seguidores (1 Pe 2.21);


b) Ser o Sumo Sacerdote misericordioso (Hb 10.1-10);
c) Cumprir a aliança davídica (Lc 1. 31-33);
d) Ser exaltado sobremaneira (Fp 2.9).

SUA HUMANIDADE

Após seu nascimento sobrenatural, Jesus cresceu, foi infante, adolescente, enfim, se desenvolveu como qualquer outra
pessoa. No NT encontramos muitas expressões que mostram as limitações de Jesus, tipicamente humanas: sentiu cansaço (Jo
4.6), teve tome (Mt 21.18), dormiu (Mt 8.20-24), sentiu dores (Is 53.3), e grande angústia (Mt 26.38), chorou (Lc 19.41 e Jo
11.35), morreu na cruz. Como homem, foi tentado, mas não pecou (Hb 4.15).

SUA DIVINDADE

A Bíblia declara que todos os salvos são filhos de Deus (Jo 1.12), mas Jesus é o unigênito do Pai, isto é, possuía uma
relação com o Pai que nenhuma criatura podia e pode ter. Estavam sempre em perfeita comunhão, em perfeita unidade (Jo 10.29-
30).

68
Em seus atos sobrenaturais, tais como: curar enfermos, dar vista aos cegos, expulsar demônios, perdoar pecados, andar
sobre as águas, acalmar o vento – demonstrou o poder e a autoridade de Deus que estavam nele, ou seja, revelou sua Deidade.
Muitos de seus títulos indicam esta sua Deidade: Alfa e Ômega, Emanuel, Rei dos Reis, Senhor dos Senhores, O Santo, Filho de
Deus. Jesus era a imagem do Deus invisível (Cl 1.15), o resplendor da glória de Deus (Hb 1.1-3) e nele habitava a plenitude de
Deus (Cl 2.9).

A DUPLA NATUREZA DE CRISTO

A esta altura surge a pergunta: afinal, Jesus foi homem ou Deus? Poderia ter sido divino e humano em uma só pessoa?
Uma natureza não teria anulado a outra? Qual a porcentagem de humano? Qual a porcentagem de divino?

“Para que todos sejam um, como tu, ó Pai, o és em mim, e eu em ti” (Jo 17.21).

Desde o início do cristianismo, este assunto tem levantado muito debate e discussão. Uns negam sua divindade, outros,
sua humanidade. A Bíblia registra aquilo que podemos chamar de a “dupla natureza” de Cristo. Isto é, Jesus Cristo,
verdadeiramente Deus e verdadeiramente homem.

Jesus de Nazaré, o filho de José e Maria, andando e vivendo entre seu povo; dormindo, comendo, ensinando. Tendo as
mesmas experiências de um homem (menos as que incluem o pecado). “... Jesus Nazareno, homem aprovado por Deus ...” (At
2.22). Ele chamava a si mesmo de Filho do homem (Mc 8.38); em sua natureza humana, igualou-se à raça humana.

69
Jesus Cristo, o Filho de Deus, fazendo milagres, ressuscitando dos mortos e indo ficar “à destra (direita) do Pai nos céus”
(Cl 3.1). “... Quem vê a mim, vê o Pai. ... “ (Jo 14.9).

Em sua natureza divina, atuando com poder, revelando e demonstrando sua Deidade e Divindade. Embora nos pareça
difícil entender este mistério divino, negar uma destas naturezas é heresia, pois estaríamos negando o testemunho da própria
Palavra de Deus.

OS OFÍCIOS DE CRISTO

No Antigo Testamento, Deus escolhia e ungia mediadores (profetas, sacerdotes e reis), por meio dos quais se comunicava
com seu povo. E eles realizariam a vontade daquele que os ungiu para o ministério. Israel falhou, seus representantes também. A
Bíblia, porém, apresenta Jesus Cristo exercendo estes três ministérios gloriosos, sendo Ele o único mediador entre Deus e os
homens na Nova Aliança. Observemos:

a) O ofício de profeta – o profeta era um representante de Deus na terra, recebendo palavras de Deus para serem entregues ao
povo. Os profetas de Israel falaram de um novo tempo para Israel e para toda a humanidade. De igual modo, Jesus, como
profeta, veio trazer a mensagem de Deus e estabelecer o próprio reino entre os homens (Mt 12. 28).

70
Sua obra como profeta foi a de fazer os homens conhecerem a vontade de Deus em suas vidas: ensinando o povo,
predizendo acontecimentos, operando maravilhas. Como os demais profetas do AT, Jesus predisse acontecimentos
escatológicos: fim dos tempos, sua segunda vinda, o juízo final, a vitória do reino de Deus;

b) O ofício de sacerdote – no Antigo Testamento, o sacerdote era alguém escolhido, ungido e consagrado por Deus para
representar o homem diante Dele, através da oferta de sacrifícios (Hb 8.3). Ele entrava uma vez por ano no Santo dos Santos
e intercedia por todo o Israel, para obter perdão para todo o povo, através de sacrifícios de animais imaculados.

Cristo, de uma vez por todas, ofereceu-se por nós, sendo Ele mesmo o sumo sacerdote e o sacrifício. Deu a sua vida para,
através do derramamento de seu sangue, resgatar o homem, que, pelo pecado, estava condenado à morte. A carta aos Hebreus é
um profundo estudo acerca desse ofício de Cristo e seu sacrifício ímpar, bem como do ofício dos sacerdotes e do sacrifício por
eles oferecido;

c) O ofício de rei – nome que se dá ao chefe que governa um reino. Observamos que os profetas do Antigo Testamento falaram à
respeito do Messias prometido, que seria um grande rei da casa de Davi (Zc 9.9; Sf 3.15 e Am 9.11). Jesus mesmo disse ser
esse Rei (Jo 18.36), mas o seu Reino não é deste mundo. Jesus veio anunciando o Reino dos céus (Mt 4.17), falou do reino,
do seu trono de glória e do seu julgamento (Mt 19. 28 e Lc 22.28-30).

Cristo há de reinar sobre todas as coisas, no céu e na terra (Ap 7.14; 19. 13-16). Sua morte foi o passaporte para o reino
celestial e, ao ressuscitar, provou ser Ele o Rei dos Reis e Senhor dos Senhores.

71
NOMES DE CRISTO

a) Jesus – deriva do nome grego Iêsous (Ιησους). O nome hebraico é Josué (Yehoshua ou ‫)עשוהי‬, que significa “Deus é
Salvador”. “Seu nome será Jesus pois Ele salvará o povo de seus pecados” (Mt 1.21);

b) Cristo – É a forma grega que o NT usa para o nome “Messias” das profecias do Antigo Testamento. Significa o “ungido”;

c) Verbo – É o “Logos” de Deus; isto é, como o verbo de Deus, Ele é o veículo pelo qual Deus se comunica com os homens. Como
as palavras são usadas para expressão de nossos sentimentos e pensamentos, as palavras de Deus são o meio pelo qual Ele
comunica seu poder e a sua vontade;

d) Senhor – O titulo de Senhor, aplicado a Cristo, indica sua Deidade, exaltação e soberania. Mesmo tornando-se homem, e
estando sujeito às limitações humanas, em tudo foi tentado, mas não pecou. Como resultado desta vitória sobre o pecado,
temos o reconhecimento do senhorio de Cristo;

e) Filho do Homem – Jesus mesmo usou este termo aplicado a sua pessoa, baseado no que está escrito em Dn 7.13. Ao
identificar-se como Filho do Homem, Jesus declara sua humanidade e seu caráter messiânico (Filho do Homem é um título
messiânico). Como homem, padeceu necessidades e pode, então, entender o homem e suas necessidades.

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f) Filho de Davi - Isto é, da linhagem real. Pelo milagre do nascimento virginal, Jesus nasceu de Deus e de Maria. Como nascido
de Deus, Jesus é Senhor da humanidade e também de Davi; como nascido de Maria, Jesus tornou-se humano e Filho de Davi,
através da linhagem real (Mt 1.1-17);

g) Filho de Deus - Ele é o Filho de Deus, pois é nascido de Deus; seu nascimento aconteceu a partir de uma intervenção
sobrenatural do Espírito Santo (Lc 1.35). Ele é a segunda pessoa da Trindade (Mt 11.27). Sua descendência divina é
declarada pelo próprio Jesus. Quando o sumo sacerdote perguntou a Ele: “...És tu o Cristo, o Filho do Deus Bendito?”, Ele
respondeu: “Eu Sou...” (Mc 14.61- 62).

A VIDA DE JESUS CRISTO

Sua existência humana

Já estudamos acerca de seu nascimento sobrenatural através de Maria; isso o tornou completamente humano. É
importante observarmos esta verdade bíblica de que Jesus veio em carne, pois assim a Bíblia afirma, e desde tempos remotos
esta verdade vem sendo distorcida (1Jo 4.2).

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Jesus tinha uma existência física completamente identificada com o homem. Em Lucas 2.52, lemos acerca de seu
crescimento em sabedoria e estatura, isto é, física-, mental- e espiritualmente. Embora muitos afirmem o contrário, é impossível
negar a existência histórica de Jesus de Nazaré, o filho de José, o carpinteiro, nascido em Belém. A própria história secular afirma
sua existência, conforme vários historiadores: Tácito (115 d.C.), Suetonio (120 d.C.), Joséfo (100 d.C.) e o governador Plínio (110
d.C.).

Sua vida espiritual

Desde pequeno, Jesus teve consciência de seu relacionamento com o Pai (Lc 2.49), mantendo com Ele uma intima
comunhão: “Eu e o Pai somos um” (Jo 10.30). Através de sua intensa vida de oração, nos ensinou a orar (Lc 6.12; Lc 22.41-44 e
Lc 23.46).

Seu ministério

Sabemos que Jesus iniciou seu ministério público aos 30 anos (Lc 3. 23), depois de seu batismo no rio Jordão. Após
chamar seus discípulos, operou o primeiro milagre em Caná da Galiléia (Jo 2.1-11). A maior parte de seu ministério teve lugar na
Galiléia, mas também visitou algumas vezes outras regiões: a terra dos Gadarenos, Samaria, Jerusalém e Fenícia. Seu ministério
caracterizou-se pela operação de muitas maravilhas e milagres (curas, libertação demoníaca, ressurreição de mortos,
intervenção na natureza. etc.).

74
Seus ensinamentos

Havia muitos mestres em Israel, mas Jesus ensinava diferente deles. As multidões o seguiam, pois Ele ensinava com
autoridade e poder “Assim está escrito, Eu, porém vos digo...”. (Mt 5.43-44). Ele falava usando uma autoridade maior que a Lei.

Seus ensinos jamais envelheceram ou saíram de moda, pois são espírito e vida; neles os simples acham conforto e
entendimento; os sábios, a profundeza do saber. Seus ensinos são variados e completos, atingindo a vida social, moral e
espiritual do homem.

A OBRA EXPIATÓRIA DE CRISTO

A morte de Jesus

“... humilhou-se a si mesmo, sendo obediente até à morte, e morte de cruz” (Fp 2.8).

A morte de cruz era a mais humilhante forma de morte, reservada aos piores assassinos (Dt 21.23). Para reconciliar o
homem com Deus, Jesus deixou os Céus, “esvaziou-se de sua forma” e veio humilhar-se até a morte. Cristo morreu por nossos
pecados (1 Co 15.3), e ao fazê-lo, removeu a barreira que separava o homem de Deus, levando no madeiro os nossos pecados,
Cristo abriu o caminho da salvação.

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Sua morte foi vitoriosa (entrou na morte e venceu aquele que tinha o poder da morte: o Diabo); sua morte foi real (os
soldados confirmaram-na, seus amigos e inimigos concordaram que estava morto, o corpo foi sepultado após os preparativos,
etc.); sua morte foi expiatória (na cruz pagou a divida dos homens e se fez pecado pelo homem); sua morte foi substitutiva
(morreu no lugar do homem) e sua morte foi propiciatória (a justiça de Deus foi “satisfeita” com a morte de Cristo – leia em 1 Jo
2.2).

Ele é o Salvador do mundo, o único mediador entre Deus e os homens (1 Tm 2.5-6), e em nenhum outro há salvação.

A ressurreição de Jesus

“Por que buscais o que vive entre os mortos? Ele não está aqui, mas ressuscitou” (Lc 24.5-6).

O milagre da ressurreição de Cristo é ponto vital como base do cristianismo e de toda a fé cristã. Muitas tentativas têm
sido feitas para superar o fator ressurreição ou para diminuí-lo. Porém a Bíblia é clara ao afirmar que Cristo ressuscitou, e
apresenta evidências do fato:

a) O túmulo vazio e a pedra removida;


b) O corpo jamais foi encontrado;
c) Os soldados foram testemunhas;

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d) As aparições: a Maria Madalena (Jo 20.11-17); a outras mulheres (Mt 28.9-10); a Pedro (1 Co 15.5); aos discípulos no
caminho de Emaús (Lc 24. 13-35); aos dez discípulos (Lc 24.36-43); aos onze discípulos (Jo 20.26-29); a sete discípulos
junto ao mar da Galiléia (Jo 21.1-23); a mais de 500 pessoas (1 Co 15.5); aos onze em sua ascensão (Mt 28.16-20); por
derradeiro, a Paulo (1 Co 1.8);
e) O anjo no sepulcro;
f) Os lençóis e panos do sepultamento, que se encontravam no sepulcro, intactos;
g) A mudança operada nos discípulos;
h) A fundação da igreja, o dia de Pentecoste, o estabelecimento do dia do Senhor (o culto de sábado foi mudado para o domingo,
o dia da ressurreição).

Jesus mesmo falou acerca de sua ressurreição (Mt 26.32) usando figuras para exemplificá-la: (Jonas, 3 dias no ventre do
peixe; o templo, derrubado e levantado em 3 dias).

O SIGNIFICADO DA RESSURREIÇÃO

Para Cristo

a) Provou que Ele era o “Filho de Deus” (ao ressuscitá-lo. Deus mostra que Cristo cumpriu na sua pessoa as exigências da Lei –
Fp 2.9);
b) Confirmou a veracidade de suas Palavras (Mt 28.6);
c) Tornou-o “Cabeça da Igreja” (Ef 1.19-22);
d) Simbolizou a justificação, regeneração e ressurreição final dos homens (1 Co 6.14).

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Para os crentes
a) Dá certeza de aceitação perante Deus (Rm 4. 25);

b) Dá certeza de justificação, regeneração e ressurreição final a todos os crentes (Ef 1 .20);

c) Capacita com poder para a vida cristã;

d) Garante um sumo sacerdote misericordioso para o homem (Hb 4.14-16);

e) Providencia Cristo, o único mediador entre Deus e os homens.

A ASCENÇÃO DE CRISTO
A Ascensão de Cristo completou a sua ressurreição. Subindo ao céu, foi exaltado, terminando assim o período de
limitação a que Cristo havia se sujeitado, por amor ao homem. Sua ascensão também revela fatos importantes:

a) Ao voltar para os céus, Cristo começa sua obra de intercessão pelo homem, sendo Ele agora o sumo sacerdote de seu povo; o
único mediador entre Deus e os homens (Hb 4.14);

b) Ao voltar para os céus, Jesus começou a preparação de um lugar para os seus (Jo 14.2); Com Cristo, já estamos assentados
nos lugares celestiais (Ef 2.6);

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c) Ao voltar para os céus, Cristo torna-se exaltado e, assentado à “destra de Deus”, exerce seu Senhorio sobre a Igreja (Cl
1.18);

d) Ao voltar para os céus, Cristo espera o momento estabelecido pelo próprio Pai para sua segunda vinda. Cristo voltará
como juiz para julgar a todos; seu retorno será visível – “ Eis que vem com as nuvens, e todo olho o verá até mesmo os que o
transpassaram” (Ap 1.7); somente os preparados subirão.

A OBRA DE CRISTO EM RELAÇÃO AO HOMEM PECADOR

a) Expiação – “Cobrir, purificar, quitar, reconciliar”. Desde a queda, ficou evidente o pecado do homem e a necessidade de
perdão. Cristo pagou a devida penalidade do pecado (Rm 3.25-26) e fez, através de sua morte, expiação pelos pecados da
humanidade (isto é, o cancelamento do pecado);

b) Propiciação – “desviar a ira, juntar, perto de”. Através de seu sacrifício voluntário, Cristo desviou a ira de Deus para com o
homem pecador, efetuando a reconciliação entre este e Deus. Assim, o acesso do homem à presença de Deus é restabelecida;

c) Substituição – Cristo morreu, por amor, no lugar do homem, que estava caído e à mercê da ira divina. Não tendo pecado,
Cristo se fez pecado tornando-se, Ele próprio, o cordeiro para o sacrifício;

d) Reconciliação – “ter comunhão”; Cristo foi o motivo da quebra da inimizade entre Deus e o homem (Ef 2.16) e pela cruz
reconciliar ambos com Deus em um só corpo, tendo por ela matado a inimizade;

79
06
ECLESIOLOGIA
A DOUTRINA SOBRE A IGREJA
DEFINIÇÃO

Estudo sobre a Igreja, isto é, a doutrina da Igreja. Estudo de aspectos tais como: 1) origem da Igreja no Novo Testamento;
2) sua organização; 3) seu governo e sua missão.

O vocábulo igreja é a tradução para o português da palavra grega ekklesia (êκκλησία), e esta palavra aparece 119 vezes
no NT grego. A sua significação, porém, não é sempre a mesma. Este fato se deve a dois fatores atuantes no uso histórico do
termo ekklesia como igreja, e qahal (‫חג "ל‬ou originalmente kahal ‫ )לחכ‬como congregação.

Ekklesia significa “convocação”, “assembléia” (ou chamados para fora). O seu significado, originalmente, é mais aplicado
a uma convocação para reuniões políticas, quando o povo era convocado através de um arauto, No Antigo Testamento
encontramos a palavra qahal, que foi traduzida como ekklesia na Septuaginta (Antigo Testamento grego). O povo de Deus se
reunia para receber Suas ordens, ouvir sua Palavra e receber Suas bênçãos (Ex 12.6; Nm 14.5;).

81
No Novo Testamento encontramos a palavra Ekklesia com os seguintes significados:

a) designa um grupo de cristãos em certo lugar, portanto a igreja local (At 5.11; 1 Co 11.18 e Rm 16.4);

b) designa, em outros textos, o que podemos chamar de “Igreja doméstica” (Rm 16.23 e 1 Co 16.19);

c) designa, também, a totalidade de crentes considerados como Igreja Universal (Ef 1.22 e Cl 1.18).

Observação: O termo aparece 114 vezes, no Novo Testamento, aplicado à Igreja, e 5 referem-se à assembleia cívica e não
religiosa (At 19.39).

A NATUREZA DA IGREJA SEGUNDO O NOVO TESTAMENTO

1) A Igreja tem uma origem divina. No pensamento de Deus, ela já era um plano definido antes da fundação do mundo (Ef
1.4). Notemos: já no princípio da Igreja, isto é, em sua origem, está primeiramente uma decisão divina, antes mesmo de qualquer
decisão humana (Rm 8.30, Ef 1. 5-11). Este povo de Deus é constituído à medida que, individualmente, cada pessoa se decide
em relação ao chamado da graça através do Evangelho. Aqui cabe uma pergunta:

82
Quando começou a Igreja?

a) Ela está, por assim dizer, pré-constituída no circulo dos primeiros discípulos, o pequeno rebanho (Lc 12.32);

b) No verdadeiro sentido, a Igreja do Novo Testamento é constituída somente a partir da morte e ressurreição de Cristo (At
20.28; 4.10-11; Ef 2.19-22 e Ap 5.9-10);

c) No dia de Pentecoste encontramos a Igreja em sua verdadeira apresentação: uma comunhão de salvos, crentes cheios do
Espírito Santo (At 2.37-47).
2) Segundo a sua natureza, a Igreja do Novo Testamento não é essencialmente uma organização, mas um organismo vivo.
Paulo usa a figura do corpo (Ef 1.22-23), e esta expressa duas grandes verdades:

a) A estreita comunhão entre a Igreja e Cristo: Ele é a cabeça e O cabeça;

b) A estreita comunhão entre os membros que a compõem. Isto significa que os crentes pertencem a Cristo e também
pertencem uns aos outros (1 Co 12.25-27).

83
3) A Igreja do Novo Testamento é, essencialmente, Cristocêntrica. A Sua pessoa, obra e ministério determinam a
estrutura e a vida da Igreja.

a) Jesus veio para servir (Mc 10. 43-45). Por isso a Igreja é uma diaconia. Todos os crentes devem ser aperfeiçoados para a obra
do ministério da edificação do corpo de Cristo (Ef 4.11-12). Na Igreja encontramos: amor fraternal; admoestação e
encorajamento; socorros e ajuda financeira; curas e milagres; visitação aos enfermos e encarcerados, etc.;

b) Jesus Cristo é Pastor e Rei. Por isso a Igreja se exercita na missão pastoral.

Notemos:

Toda a igreja deve praticar admoestação, aconselhamento, ajuda (1Ts 5.11-15; Hb 10.24 e CI 3.16);

a) Todos são responsáveis no sentido de reabilitar o irmão errado e levantar o irmão caído (Tg 5.19-20 e Gl 6.1,2);

b) Na igreja sempre existem “crianças” no sentido espiritual, e é preciso haver “pais” e “mães” que se preocupem com elas (1 Co
4.14-15). A verdadeira função dos líderes é fazer das ovelhas novos pastores;

84
d) Jesus Cristo é profeta e apóstolo, por isso a igreja é uma comunidade missionária. Convém notar que a Igreja não tem missão;
a igreja é missão e faz missões através de todas as funções e ministérios – pela Palavra e pela ação. O testemunho do
cristão é levar Cristo a todas as nações: At 1.8; Rm 10.14; 1 Pe 2.9; Mt 5.13-14 e Mt 24.14;

e) Jesus Cristo é Sacerdote, por isso a Igreja é um sacerdócio. O serviço sacerdotal de Cristo é continuado pelo Seu corpo - a
Igreja. Em 1 Pe 2.4,5 temos a função do sacerdote no Novo Testamento, que é oferecer sacrifícios espirituais. Toda Igreja é
um sacerdócio. Os sacrifícios espirituais incluem:

➢ adoração, louvores e orações; inclui, também, atos de beneficência;

➢ donativos, zelo evangelístico e uma vida consagrada a Deus (Hb 13.15-16; Rm 12.1; Rm 15.16 e Fp 4.18). A Igreja existe
para interceder.

85
A IGREJA E SUAS ORDENANÇAS

Segundo o Novo Testamento, duas são as ordenanças deixadas por Cristo a Sua Igreja: Batismo e Ceia. Outras
Denominações usam o termo “sacramentos”, isto é, algo com poder salvífico. Na verdade, a palavra sacramento não é encontrada
no Novo Testamento.

O batismo

É um ato público, através do qual o crente, após a conversão, expressa sua identificação com Cristo.

A. O significado do batismo
a) É sepultamento e ressurreição. João Batista ministrou um batismo de arrependimento, mediante a confissão dos
pecados. Jesus, que não tinha pecado, submeteu-se ao batismo de João tornando-se igual aos pecadores,
simbolizando que morreria e ressuscitaria para eles. Em Romanos 6.4, Paulo apresenta esse significado do batismo;

b) É uma união com Cristo (Rm 6.5). No batismo, o crente expressa que realmente está ligado a Cristo. Compare com
João 15.1-8;

86
c) É um revestimento (Gl 3.26-27). Na antiguidade, em geral, os convidados para uma festa real recebiam, do próprio rei,
as vestes festivas após terem tomado um banho. Assim, no batismo, o crente expressa que está largando suas
vestes antigas, isto é, estará se revestindo do próprio Cristo (2 Co 5.15 e Cl 3.9-11);

d) É uma integração no Corpo de Cristo (Igreja). Em 1 Co 12.12-14 lemos que todos aqueles que têm a mesma fé (não
importando as diferentes classes sociais ou raças), podem cultuar o mesmo Senhor, servindo uns aos outros num
espírito cooperativo (1 Co 12.25-27). Fundamental é que tenham experimentado a salvação em Cristo Jesus;

e) É um compromisso de fé. “Uma boa consciência diante de Deus” (1 Pe 3.21). Conforme Marcos 16.15, é um ato de
obediência à Palavra de Deus, uma resposta à fé. É um compromisso que a pessoa faz diante de Deus para servi-lo
até o fim, mesmo com risco da própria vida. A decisão pessoal de seguir Jesus é expressa na aceitação por fé e no
batismo.

Nota: o batismo não é um sacramento porque, em si mesmo, não pode salvar. É um ato da pessoa que creu em Jesus
como seu Salvador pessoal em obediência ao mandamento do Senhor. Não é um meio para alcançar a salvação, mas uma prática
daquele que já é salvo.

87
B. Formas de batismo

A forma batismal, que realmente corresponde ao significado referido na Escritura, é a imersão. Este é o significado do
termo grego baptizo (βαπίζω), que significa “mergulhar”.

Como cristãos, aceitamos a ordem de Jesus conforme Mateus 28.19, que o batismo deve ser realizado em nome do Pai,
do Filho e do Espírito Santo; e não em nome de Jesus somente. Enfatizamos também que o batismo por aspersão é estranho às
Escrituras, pois o próprio Jesus foi batizado no rio Jordão. As referências ao batismo, no Novo Testamento, revelam pessoas
entrando e saindo da água (At 8.36-39).
a) O batismo infantil – não é uma prática do Novo Testamento. A ordem que encontramos na Bíblia é esta:
pregação, fé, aceitação, arrependimento e batismo. Os que ouviram, creram e aceitaram a Palavra foram
batizados (Atos 2.41). Crianças na idade infantil, incapazes de crer e aceitar, conscientemente, a Palavra,
portanto não deverão ser batizadas.

Pelo testemunho histórico, o batismo infantil começou a ser praticado a partir da segunda metade do 2° século d.C.
Tertuliano, um dos chamados “pais da Igreja latina” (150-223 d.C.), combateu fortemente o batismo de crianças. Já Orígenes
(185-254) afirma que o batismo infantil é de origem apostólica, sem, todavia, prová-lo pelas Escrituras. Um fato histórico a
destacar é que, mesmo em famílias de pais cristãos, nos primeiros séculos, costumava-se deixar o batismo para a idade adulta.
Por exemplo: Ambrósio (340-397), com 34 anos; Jerônimo (340 - 420), com 20 anos: Gregório de Nazianzo (filho da famosa mãe
Nonna), com 30 anos; Agostinho (354 - 430), com 33 anos;

88
b) A fórmula do batismo – de Jesus temos a ordem: “Batizando-os em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo”
(Mt 28.19). Em Atos encontramos a recomendação de que cada um seja batizado em nome de Jesus. (At 2.38;
At 8.16 e At 10.48, etc.). Certamente, tendo em vista o uso das diferentes preposições usadas no contexto da
frase, isto quer dizer: na autoridade de Jesus, na íntima relação com Ele e confessando seu Nome. A variedade
de expressões usadas pelos apóstolos indica que não estavam presos a uma única formula; mas, de modo
algum estariam desprezando o ensino de Cristo, que, neste sentido, foi muito claro: Ele ordenou que os
discípulos batizassem em nome da Trindade!

A Ceia do Senhor

Esta é a outra ordenança do Senhor, cuja instituição temos relatada nos Evangelhos sinóticos e na primeira carta de
Paulo aos Coríntios, capítulo 11. Há diversas interpretações sobre a Ceia do Senhor. Segundo a Escritura, podemos afirmar
acerca da Ceia do Senhor:

a) É uma Ceia memorial (Lc 22.19-20 e 1 Co 11.23-25). É um ato de profunda meditação sobre a obra redentora de Cristo na
cruz;

89
b) É um ato que expressa comunhão com o Senhor (1 Co 10.16 e Jo 6.56) e comunhão uns com os outros (1 Co 10.17);

c) É um ato de pregação (1 Co 11.26).

As pessoas admitidas à Ceia do Senhor

O contexto bíblico deixa claro que a Ceia do Senhor é para a Igreja, os crentes. Está sendo muito discutida a seguinte
questão: comunhão fechada ou comunhão aberta? O ensino do Novo Testamento permite a seguinte colocação: a Ceia é para os
crentes. Nas igrejas evangélicas participam da ceia os crentes batizados e em plena comunhão. Mesmo os crentes, só devem
dela participar sob a condição de se examinarem a si mesmos (1 Co 11.28). Participar da mesa do Senhor é benção para o crente!

90
07
SOTERIOLOGIA
1.1 CONSIDERAÇÕES PRELIMINARES

Soteriologia é o termo criado pela teologia, no século XIX, para referir-se à doutrina da salvação. O termo é
formado por duas palavras gregas: soter - salvação; e lógos - tratado ou estudo. Significa, portanto, o tratado ou estudo
da salvação. Assim, passou a representar a parte da teologia que estuda a salvação do pecador, a restauração de sua
condição ao favor divino, bem como a consequente comunhão deste com Deus.

Este é um dos mais importantes tratados da teologia. De certa forma, a soteriologia tem sido uma das
reflexões mais produtivas entre os estudiosos das Escrituras. É certo, também, que aqui residem as convergências e
as divergências entre os cristãos. No entanto, tais divergências não geraram apenas várias escolas de pensamento,
mas também uma maior clarificação nos diferentes pontos de vista, o que contribuiu, e em muito, com o
aprofundamento da doutrina.

92
O estudo da soteriologia tem sido dividido em duas Estudaremos a soteriologia tendo alguns
partes: a soteriologia objetiva, que trata da obra redentora pressupostos, que podem ser enumerados como
de Cristo, aquilo que historicamente foi realizado e
segue:
colocado a disposição do pecador como uma possibilidade
para o indivíduo; a soteriologia subjetiva, que aborda a  O governo soberano de Deus. Isto significa que
aplicação da obra redentora de Cristo pelo Espírito Santo Deus como criador, governador e salvador é a
no indivíduo, concretizando aquilo que foi historicamente fonte de todas as provisões da salvação.
realizado por Cristo na vida do pecador. Muito embora haja
uma proximidade entre a soteriologia e a cristologia, uma  O homem é responsável perante o criador, e é
não deve ser confundida com a outra. Enquanto a primeira capaz para o bem e para o mal, para o gozo e o
estuda sobre a obra salvadora de Cristo, a segunda estuda sofrimento.
sobre a pessoa de Cristo.

Como disciplina teológica, a soteriologia estuda  A queda do homem trouxe consigo a condenação
sobre temas como o propósito de Deus para salvar; a e a sentença à morte, o pecado original e a
aplicação da redenção mediante a operação do Espírito corrupção de sua natureza, tornando-o incapaz
Santo; as operações da graça divina e o destino final dos de salvar- se a si mesmo.
salvos.

93
Uma das questões que se levanta é a relação da salvação com o tempo. Tem sido proposto algo que ficou
conhecido como “os três tempos da salvação”. Há os que pensam na salvação como um ato único e completo. Estes
costumam dizer: “fomos salvos”; pensamento diverso é sustentado por aqueles que pensam na salvação como um
processo contínuo, os quais costumam dizer: “estamos sendo salvos”. Há ainda aqueles que veem a salvação como
algo a se realizar no futuro, os quais afirmam: “seremos salvos”. No entanto, a questão não precisa ser colocada de
forma excludente, pois há razões suficientes para se pensar na salvação como um processo em três tempos: passado
presente e futuro. Neste caso, deveríamos falar: fomos salvos, estamos sendo salvos e seremos salvos, pois, estes
diferentes aspectos correspondem à justificação, à santificação e à glorificação, e são partes de um mesmo e único
processo de salvação sendo realizado em nós.

1.2 GRAÇA

Com a queda, o homem perdeu o benefício do relacionamento especial com Deus. As exigências da justiça divina
não permitiram que o homem continuasse no gozo dos mesmos privilégios de antes da queda. No entanto, todas as
coisas existem em Deus, e dele dependem. Para que o universo continuasse funcionando, fazia-se necessário que Deus
continuasse a dispensar sua graça e seu favor. A questão é: como pode Deus continuar a dar bênçãos a pecadores que
(só) merecem unicamente a morte?

94
Ele o fará através da outorga da graça comum. Quando dizemos “Graça Comum”, estamos falando da graça de
Deus pela qual ele dá às pessoas bênçãos incontáveis, mas que, no entanto, não fazem parte da salvação.
Naturalmente, ela é comum somente no sentido de que é universal, e não no de sua qualidade. Sendo graça de Deus,
necessariamente carrega sua qualidade e excelência. É comum no sentido de que contempla não somente aqueles que
serão salvos, mas a todos. Chamamo-la graça comum somente para fazer distinção do que chamamos de “Graça
Salvífica”. A graça comum é diferente da graça salvífica apenas nos resultados que produz; ela não conduz
necessariamente à salvação, mas é dada a todos, e não somente aos que são salvos. Em sua origem ambas procedem
de Deus.

A graça comum torna-se visível no fato de que todas as pessoas desfrutam dos mesmos benefícios na
existência humana. Não há diferença física entre salvos e não salvos; ambos podem desfrutar da abundância e
diversidade de alimentos, abrigo e recursos materiais, pois “Vosso Pai celeste… faz nascer o seu sol sobre maus e bons
e vir chuvas sobre justos e injustos” (Mt 5.44-45). Textos bíblicos poderiam ser multiplicados, mas não será
necessário. Apenas lembramos a beleza gratuita da própria natureza: ela é uma manifestação da graça comum de Deus.

95
Uma manifestação da graça comum pode ser vista na capacidade intelectual dos seres humanos. Embora a condição
atual do homem seja de depravação, ele é abençoado com capacidades excepcionais. Embora Deus não conceda sua salvação
indistintamente, à parte da conversão do homem, ele atua no sentido de iluminá-lo para o que é bom e útil na natureza. As
próprias revelações de Deus (como as Escrituras e o próprio Cristo) contribuíram para trazer um aumento de consciência de
certo e errado a todos os homens, ainda que nem todos cheguem à salvação. Também a ciência e o desenvolvimento
tecnológico são uma capacitação intelectual concedida por Deus aos homens.

Talvez seja importante mencionar que a própria noção de certo e errado, instalado no ser do homem, fruto do que
chamamos de revelação geral, é um importante manifestar da graça de Deus. O homem, conquanto viva num mundo caído,
habitado por forças malignas, mostra “a norma da lei gravada no seu coração, testemunhando-lhes também a consciência e os
pensamentos, mutuamente acusando-se ou defendendo-se”, Rm 2.14-15.

96
Apesar da importância da graça comum, é preciso dizer que ela não salva as pessoas, pois (ela) não conduz ao
arrependimento e à fé. É verdade que ela pode servir como uma preparação, inclinando as pessoas para a aceitação do
Evangelho, mas não necessariamente. Como veremos, a salvação é um processo em que outras operações estão em jogo, e
delas depende. No entanto, sua manifestação demonstra a bondade e misericórdia de Deus para com todos; fala da justiça de
Deus e demonstra a sua glória. Além disso, a graça comum é um apelo a que amemos todas as pessoas pelo fato de que são
amadas por Deus; e, que sejamos cautelosos em rejeitar as boas coisas, mesmo aquelas que procedem de incrédulos, como se
fossem más em si mesmas. Elas não o são: “Toda boa dádiva, todo dom perfeito vem do alto…”, Tg 1.17.

Na sequência queremos nos aprofundar um pouco mais em alguns detalhes da graça, entendemos que abordar esse
assunto é um desafio, mas precisamos avançar mesmo com as dificuldades decorrentes de um assunto com diversas linhas de
interpretação.

1.2.1 O que é graça?

A graça é um conceito peculiar, claramente demostrado pelas palavras bíblicas hesed, hen e charis, seus sentidos
demonstram a existência de um Deus gracioso o que é próprio da fé judaico-cristã. Tais palavras também são aplicadas na
perspectiva do homem para com o homem, segue abaixo a descrição de cada uma dessas palavras:

97
HESED: usada no Antigo Testamento cerca de 240 vezes, traduzida na maioria das vezes por misericórdia e em alguns
casos como bondade. Hesed é a raiz mais próxima de dom gratuito e favor imerecido. Outros significados dessa mesma palavra:

• quando relacionado ao homem: na perspectiva do homem essa palavra é usada para destacar uma relação que
eticamente vincula parentes, hospedes, aliados, amigos e governantes. Um exemplo de Hesed na perspectiva do homem
podemos encontrar em 2 Samuel 9:7, referindo a relação de Davi com Mefibosete, o texto diz:

“E disse-lhe Davi: Não temas, porque decerto usarei contigo de benevolência por amor de Jônatas, teu pai, e te
restituirei todas as terras de Saul, teu pai, e tu sempre comerás pão à minha mesa.”

• Quando relacionada a Deus: é uma palavra que implica amor, é um tipo de amor que inclui misericórdia quando o
objeto está em uma condição lastimável. O texto onde mais se compreende esse significado é no Salmos 136.

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HEN: usada no sentido da ação de um superior em favor de um inferior, detona o mais forte que vem ao socorro do mais
fraco.

• Em relação ao homem: é um favor sem mérito, caracterizado pela expressão popular “achar graça aos olhos de
alguém”. Ex: José para com Potifar, Rute para com Boas, Davi para Saul e Jonatas.

• Em relação a Deus: a proteção e o auxílio de Deus aos mais fracos, a manifestação de seus atos benevolentes. Ex: A
proteção de Deus a José, enquanto esse estava cativo. Gn 39:2.

CHARIS: Ela aparece 170 vezes no Novo Testamento, ela é a tradução grega para a palavra “hen”, utilizada no sentido
especialmente como referência ao favor divino. Esse favor divino, em seu caráter salvífico, é recebido, ou não, mediante a fé.

1.2.2 Descrições teológicas das operações da graça

Vale ressaltar que não há uma fragmentação de graça, mas sim de uma graça com seus diversos modos de operação
segundo certas linhas teológicas, sendo que algumas não possuem uma base bíblica solida.

99
Graça atual: atua capacitando a pessoa a evitar o pecado ou a realizar um ato a direção a sua salvação (pertence
ao contesto teológico católico romano)

Graça habitual: opera para santificar a pessoa, já que sem a ação divina ninguém pode ser tornar santo.

Graça irresistível: doutrina calvinista segundo a qual os predestinados para a vida eterna acabarão por ceder,
mais cedo ou mais tarde, aos reclamos da graça de Deus. Os Arminianos Clássicos têm a graça irresistível em dois
momentos.
a) A graça Preveniente não pode ser resistida no sentido que ninguém pode evitar ser alvo dela.
b) uma vez impactado pela graça o homem tem o seu livre arbítrio liberto, para receber ou não (resistir ou não)
a Cristo.

Graça Geral: doutrina que diz que a graça de Deus é tão poderosa que pode capacitar todos os homens, de todos
os lugares, em todos os tempos, a reagirem favoravelmente ao evangelho contando que a vontade deles concorde com
isso.

100
Graça preveniente: segundo o arminianismo clássico a graça preveniente é uma graça preparatória para outras
manifestações da graça, é ainda a única e eficiente causa de todo o bem espiritual e habilita o homem a crer e se
arrepender.

Graça santificadora: é graça de Deus operando na alma humana afim de transformá-la metafisicamente a imagem
de Cristo. Essa operação da graça cria hábitos e novas atitudes na vida do crente.

Graça comum: abordamos essa questão anteriormente, ela é estendida a todos os homens. Andrade a descreve
da seguinte forma, “favores administrados por Deus a toda a raça humana, visando a preservação da vida na terra.

Graça evanescente: uma graça temporária derramada sobre o não eleito a tal ponto que este é dotado de uma fé
semelhante a fé do eleito chegando ao ponto de praticamente não existir diferença entre eles. Esse conceito é
abordado dentro do calvinismo para tentar explicar a questão da apostasia e é problemático, pois em palavras simples
pode ser explicado como o sentimento que o homem tem em relação a certeza de sua salvação, que para o sistema
calvinista não fica claro, pois pode ser que o individuo tenha sido alcançado pela graça irresistível, ou apenas a graça
evanescente. Neste caso, na visão calvinista, alguém pode viver uma vida de piedade, ser um pastor, missionário, e ter
uma vida de busca a Deus, mas ser um réprobo (reprovado, não eleito).

Essas são algumas das diversas descrições sobre a operacionalidade da graça.

101
1.2.3 Considerações sobre a graça no pensamento de Jacó Armínio

Pode-se notar, que a doutrina da graça possui extrema importância no pensamento teológico de Jacó Armínio, por isso
recebe em suas obras um lugar de destaque.

Percepções de Armínio sobre a graça:


A graça é uma pessoa.
A salvação é pela graça e não pelas obras.
A graça restaura o livre-arbítrio
Em todo o processo da redenção do homem, ele nada pode fazer sem a
graça de Deus.
Armínio atribui à graça o começo, a continuação e a consumação de todo o
bem.
A graça começa a salvação, aperfeiçoa e a consuma.
A graça é absolutamente necessária para iluminar a mente.
A graça infunde bons pensamentos
Quadro elaborado por Zwinglio Rodrigues: RODRIGUES, 2016, pag. 39.

Os críticos de Armínio o acusam de negar o poder salvífico da graça, porém é errônea tal afirmação. Vejamos o que
Armínio pensava a respeito da graça.

102
1.2.4 A graça na ordem de salvação

Para Arminio, o amor a bondade e a graça são atributos que estão sob a vontade de Deus.

Rodrigues ao citar Armínio diz: que o amor é um afeto de união em Deus, do qual o homem também é objeto desse amor,
esse amor é unido com a bondade de Deus, pela qual Ele transmite o seu bem ao homem.

Ditas essas coisas, Arminio revela seu pensamento sobre o papel da graça na salvação da seguinte forma:

A graça é uma auxiliar da bondade e do amor, pela qual se indica que Deus é levado a transmitir o seu
próprio bem e a amar as criaturas, não por mérito ou dívida, não por alguma causa externa, nem por
alguma coisa que pudesse ser acrescentada ao próprio Deus, mas para que fosse bom aquela a quem o
bem é concedido e que é amado [..](RODRIGUES, 2016, p. 41).

Não existe nada em nós que motive Deus a oferecer seu amor e bondade, esses nos são oferecidos não por mérito, mas pela
maravilhosa graça divina.

103
1.2.5 Graça de Deus

A graça é um amor que Deus nos oferece de forma totalmente gratuita, esse amor vem em nossa direção e nos oferece
tudo o que ele possui, esse amor justificou os nossos pecados em Cristo Jesus e por causa dessa justificação ele nos adotou
como filhos. Rodrigues cita o que Arminio disse em sua Declaração e Sentimento:

É uma afeição gratuita pela qual Deus, tocado pelo amor, vai em direção a um pecador miserável e, em
primeiro lugar, dá o seu Filho, “para que aquele que crê... tenha a vida eterna” e, depois, ele justifica em
Cristo Jesus e por causa dele, o adota, concedendo-lhe direito dos filhos, para a salvação. (RODRIGUES,
2016, p. 42)

Armínio entende a graça como universal em seu alcance, ou seja, Deus deseja salvar a todos, porém essa graça não é
universalmente aplicada, pois apenas as pessoas que atenderem ao chamado (não resistirem), serão salvas.

104
1.2.6 A universalidade da graça de Deus

A linha contraria ao arminianismo interpreta como se a morte de Cristo fosse para um grupo seleto de pessoas, ou seja,
a graça não é para todos. Na visão de Arminio essa interpretação desconsidera todas as referências bíblicas que assinalam que
Cristo morreu por todos. 1 João 2:2 nos diz que: “e ele (Jesus Cristo) é a propiciação pelos nossos pecados e não somente
pelos nossos próprios, mas ainda pelos do mundo inteiro” (ênfase do grupo). A respeito dessas escrituras Armínio diz:

Portanto, aquele que fala assim, fala de acordo com as escrituras; ao passo que aquele que rejeita essa
fraseologia é um homem ousado, que julga as escrituras e não as interpreta. Mas aquele que explica
essas passagens conforme a analogia da fé cumpre o dever de um bom intérprete e profeta [ou
pregador] na igreja de Deus. (RODRIGUES, 2016, p. 43)

Em seu livro Teologia Sistemática, vol. 02, o autor Norman Geiler diz que a vida de Cristo foi tão excelente e sem
manchas que seu sacrifício proporciona a satisfação dos pecados do mundo inteiro e infinitamente mais.

De tal forma, a graça tem seu alcance ilimitado, ou seja, todos os seres humanos são alcançados por ela, porém só os
que não a resistem, poderão ter a salvação aplicada em suas vidas.

105
1.2.7 Graça e livre-arbítrio

Armínio define livre-arbítrio da seguinte maneira:

A palavra Arbitrium, ‘escolha’ ou “livre-arbítrio”, significa tanto a faculdade mental ou o entendimento


pelo qual a mente pode julgar sobre qualquer coisa a ela proposta, quanto ao julgamento propriamente
dito, formando pela mente de acordo com aquela faculdade. (RODRIGUES, 2016, p. 44).

O homem se encontra em um estado afastado de Deus, possui uma mente entenebrecida e um coração distante da
verdade, justiça e santidade. Armínio se refere a esse estado dizendo:

O livre-arbítrio do homem para o que é bom não somente está ferido, aleijado, enfermo, distorcido e
enfraquecido; ele também está aprisionado, destruídos e perdido. E seus poderes não estão somente
debilitados e são inúteis (a menos que seja assistido pela graça), mas está totalmente privado de
poder, exceto aqueles poderes dados pela graça divina. (RODRIGUES, 2016, p. 44).

Dado o estado de destruição do livre-arbítrio, é impossível ao homem realizar qualquer bem espiritual e abraçar
aquilo que é bom, santo e justo. Essa foi a necessária conclusão de Armínio. Toda a resposta do homem as exigências
espirituais de Deus é obra da graça. E essa graça que age inicialmente, restaurando o livre arbítrio do homem é o que
chamamos de Graça Preveniente.

106
1.2.8 Graça Preveniente

Esse termo, assim como outros que aparecem nesta apostila, não aparece na bíblia, mas sim, é uma categoria
teológica criada para capturar o motivo central em um sistema teológico.

Graça Preveniente é uma ação de Deus para a humanidade, apesar de Adão ter pecado e ter se afastado da presença de
Deus, mas Ele ainda nos convida para reconciliação.

Podemos dizer que Deus deu o primeiro passo ou teve a primeira iniciativa de reconciliar com o homem, mas o homem
decide se aceita ou não. Jesus veio para todos, mas nem todos os aceitaram.

Deus nos convida para reconciliarmos com Ele. A graça de Deus nos convida, convence, capacita e coopera para uma
vida gloriosa com Ele na eternidade.

A Graça Preveniente convida, corteja e busca convencer o homem caído, não por força e nem por violência, mas sim pelo
amor.

107
A Graça Preveniente convida: no sentido de chamar os homens ao arrependimento, para estar com Cristo e
desfrutar as bênçãos divinas.

“Ah! Todos vós, os que tendes sede, vinde às águas; e vós, os que não tendes dinheiro, vinde, comprai e comei; sim,
vinde e comprai, sem dinheiro e sem preço, vinho e leite.” Isaías 55:1
“Vinde a mim, todos os que estais cansados e sobrecarregados, e eu vos aliviarei.” Mateus 11:28

“Vinde, benditos de meu Pai! Entrai na posse do reino que vos está preparado desde a fundação do mundo.” Mateus
25:34

Sendo assim, ninguém recebe a salvação sem que antes receba o chamado divino. A salvação não é auto
convidativa, e sim o honroso convite que Deus oferece ao homem caído.

A Graça Preveniente convence: o homem não pode convencer-se que é um pecador sem a ação da graça,
somente o Espírito Santo de Deus é quem convence o homem do pecado, da justiça e do juízo.
“Quando ele vier, convencerá o mundo do pecado, da justiça e do juízo.” João 16:8
Archer diz que Graça Preveniente é o movimento imerecido e compassivo de Deus para a humanidade, que
permite que os seres humanos respondam a chamada do Espírito para a salvação.

108
A Graça Preveniente capacita: ela habilita o homem para se entregar a Cristo, fortalecendo sua vontade. Pela
primeira vez o homem tem a capacidade de exercer uma boa vontade para com Deus em arrependimento e fé. Sendo o
homem incapaz de buscar a Deus, devido a depravação total causada pelo pecado, somente após ser alcançado por
essa ele terá seu livre-arbítrio restaurado, podendo agora escolher (resistir ou não) a graça divina.

A Graça Preveniente coopera: é uma ação conjunta, que mais tarde será tratada, com a vontade humana, sem
excluir a sua responsabilidade, pois a graça jamais é imposta, ela só pode ser por Deus oferecida e pelo homem
recebida ou recusada. Deus jamais impõem sua vontade, mas coopera para que o homem que assim desejar, possa
desfrutar da Salvação.

Após a ação da Graça Preveniente, o homem tem as seguintes opções: recusar ou aceitar a graça divina. Esse
fato nos leva a doutrina arminiana da Graça Resistível.

109
1.2.9 Graça Resistível

Entendemos que o processo inicial parte de Deus, ele vem até nós e restaura nosso livre-arbítrio, podendo assim o
homem, que antes estava totalmente inclinado para o mal, agora escolher resistir ou não a graça de Deus

O que é a doutrina da graça resistível?

Entende-se com graça resistível o fato de uma pessoa poder resistir a graça divina em sua operação, sendo assim,
Deus não passa por cima da vontade humana, mas busca convencer o homem do pecado.

Norman Geisler nos diz o seguinte:

Diante da onibenevolência de Deus, concluímos que a graça não pode ser irresistível contra a vontade
do homem, pois um Deus que é todo amor não pode forçar ninguém a agir contra a sua própria vontade.
(GEISLER, 2010, p. 166)

Norman também cita C.S Lewis, que comenta sobre essa questão com maestria:

O irresistível e o incontestável são as duas armas cuja própria natureza do seu plano o proíbe de fazer
uso. O mero desprezo da vontade humana [...] ser-lhe-ia inútil. (GEISLER, 2010, p.166)

110
O fato de a graça divina poder ser resistida, não menospreza a soberania divina, visto que Ele decidiu nos conceder a
liberdade de escolha, consequentemente, a soberania divina é exaltada e equilibrada ao amor divino, pois Deus não nos vê como
escravos ou fantoches, mas sim como filhos, e um Pai mesmo descordando, respeita a decisão do filho.

A doutrina da Graça Resistível implica em uma salvação determinada pelo homem?

Uma das acusações feitas a doutrina da graça resistível é que se a graça pode ser resistida, logo, o homem determina
sua salvação. Tal afirmação é sem cabimento, pois se a Salvação dependesse do homem, ele nunca seria salvo, visto que o ser
humano, devido a seu estado de depravação, é incapaz de buscar a Deus (Rm 3:11).
Quem dá o primeiro passo para salvação não é o homem em direção a Deus, mas Deus em direção ao homem. Dessa
forma, o homem, que é incapaz de buscar a Deus, é alcançado por ele (Graça Preveniente); a graça divina restaura no homem
seu livre-arbítrio, e ele, que antes só podia fazer o mal diante de Deus, possa agora escolher. Mas em todo esse processo de
redenção do homem, este nada pode fazer sem a graça de Deus.

111
Zwinglio Rodrigues disse o seguinte em seu livro Graça Resistível:
A salvação é de Deus! Ao homem cabe apenas não resistir à Sua graça [...] é evidente que o fato de não
resistir a graça implica no assentimento humano. Todavia, em hipótese alguma, isso faz do homem seu
próprio salvador.E Armínio disse:Atribuo à graça o início, a continuidade e a consumação de todo o bem,
de tal forma elevo sua influência, que um homem, embora regenerado, não pode receber, desejar, fazer
qualquer bem, resistir ao mal, sem esta graça preveniente e estimulante, seguinte e cooperante.
(RODRIGUES, op. cit., 2016, p. 60)

Sendo assim, o arminianismo clássico confessa e expõe claramente uma teologia de solo gratia. Não há na doutrina da
graça resistível qualquer indício de que o homem possa determinar sua própria salvação; ela depende inteiramente de Deus, o
homem coopera apenas resistindo ou não a graça.
Sendo a graça resistível, a salvação seria por obras?
Alegar que a doutrina da graça resistível, implica uma salvação pelas obras, é um atentado a lógica. Em Deus a salvação
começa, é promovida, aperfeiçoada e consumada, a doutrina da graça resistível em nada muda esse fato. A salvação é um dom
gratuito de Deus, não podemos comprá-la nem ao menos consegui-la por meio de obras ou méritos, pois o preço já foi pago por
Cristo.

112
No livro Graça Resistível, Zwinglio Rodrigues cita John Wesley que se pronunciou da seguinte maneira referente a
salvação: Não depende dos seus esforços, dos seus bons sentimentos, bons desejos, bons propósitos ou intenções, pois todos
esses fluem da graça gratuita de Deus, são apenas correntes, não a fonte.

Norman Geisler comentou da seguinte forma:


Aquilo pelo qual trabalhamos é considerado nossa conquista, mas aquilo pelo qual não trabalhamos, não
é considerado nossa conquista. Como a salvação vem até nós sem a necessidade de qualquer tipo de
obra da nossa parte, concluímos que não nos cabe qualquer mérito nela. (GEISLER, 2010, p. 158)
A salvação é fruto da graça gratuita de Deus e ela não depende de poder, obra ou mérito algum do homem.
SINERGISMO: a cooperação entre a graça e vontade humana
A salvação não depende do homem, ele não pode salvar a si mesmo, toda a obra da salvação parte diretamente de Deus,
pois pela graça somos salvos, mas ao agente livre, o homem, cabe apenas decidir aceitar ou não (resistir ou não) a graça
divina.
Após o homem ter seu livre-arbítrio libertado ou restaurado, cabe ao homem escolher abraçar a graça oferecida por Deus
ou rejeitá-la. Essa cooperação do homem é chamada de Sinergismo.

113
Tomás de Aquino, disse:Ninguém se torna pecador senão por si próprio, e ninguém se torna justo se não pela operação
de Deus e por cooperação própria” (RODRIGUES, op. cit., 2016, p. 66)
Segundo Zwinglio (2016), uma das acusações mais comuns feita pelos calvinistas ao sinergismo é que em última
análise, a vontade humana é o fator determinante para a salvação, ou seja, a salvação é dependente da vontade humana, dessa
forma, a graça seria criada da senhora vontade humana, o homem seria seu próprio salvador.
No entanto, a vontade humana só pode ser expressa, após a ação da graça na vida do homem.
“Na soteriologia sinergistica arminiana, a vontade humana apenas resiste, ou não, à graça que oferta
uma salvação pronta e acabada, onde nada pode ser acrescentado ou retirado dela. Essa salvação é
exógena ao homem, não foi pensada por ele, não tem suas digitais, realiza-se pelo poder do Espírito
Santo, é fruto da graça de Deus. A graça é a causa eficiente da salvação! O homem apenas a recebe
como um presente do Pai [...]. Essa é a maneira adequada de entender a conjunta atuação divina e
humana. (RODRIGUES, 2016, p. 68)
O sinergismo quando claramente exposto, enfatiza que o pecador nada mais é do que: um pecador
sem mérito, que depende da graça divina para ser capacitado a cooperar com a mesma.

114
Homem algum tem acesso a salvação como quem pode salvar-se a si mesmo, pois a salvação está concretizada única e
suficientemente em Cristo Jesus. A participação humana, limita-se apenas a receber de bom grado fazendo uso de seu livre-
arbítrio libertado pelo auxílio da graça preveniente.
De tal modo a graça não é serva da senhora vontade humana, mas a vontade humana só existe devido a atuação da
Graça Divina.

Base Bíblica da Graça Resistível

Isaías 1:18-20: “Vinde, pois, e arrazoemos, diz o SENHOR; ainda que os vossos pecados sejam como a escarlata, eles se
tornarão brancos como a neve; ainda que sejam vermelhos como o carmesim, se tornarão como a lã. Se quiserdes e me
ouvirdes, comereis o melhor desta terra. Mas, se recusardes e fordes rebeldes, sereis devorados à espada; porque a boca do
SENHOR o disse.”
A palavra hebraica traduzida com recusardes é ma’an. A palavra é usada para descrever a recusa em obedecer a Deus.
No trecho podemos notar claramente o convite de Deus ao povo para o arrependimento, porém, o mesmo não obedecia nem
questionava, mas franca e abertamente resistia ao Senhor e rejeitava seu convite, como podemos ver em outros textos em que
a palavra ma’an, é usada, tais como:

115
“Então, disse o SENHOR a Moisés: Até quando recusareis guardar os meus mandamentos e as minhas leis?” Êxodo
16:28
“Recusaram ouvir-te e não se lembraram das tuas maravilhas, que lhes fizeste; endureceram a sua cerviz e na sua
rebelião levantaram um chefe, com o propósito de voltarem para a sua servidão no Egito.” Neemias 9:17A
“Não guardaram a aliança de Deus, não quiseram andar na sua lei;” Salmos 78:10
“Mas, porque clamei, e vós recusastes; porque estendi a mão, e não houve quem atendesse; antes, rejeitastes todo o
meu conselho e não quisestes a minha repreensão;” Provérbios 1:24,25
“Este povo maligno, que se recusa a ouvir as minhas palavras, que caminha segundo a dureza do seu coração” Jeremias
13:10ª
“Mas isto lhes ordenei, dizendo: Dai ouvidos à minha voz, e eu serei o vosso Deus, e vós sereis o meu povo; andai em
todo o caminho que eu vos ordeno, para que vos vá bem.

“Mas não deram ouvidos, nem atenderam, porém andaram nos seus próprios conselhos e na dureza do seu coração
maligno; andaram para trás e não para diante.” Jeremias 7: 23, 24.

116
“Quando Israel era menino, eu o amei; e do Egito chamei o meu filho. Quanto mais eu os chamava, tanto mais se iam da
minha presença; sacrificavam a baalins e queimavam incenso às imagens de escultura. Todavia, eu ensinei a andar a Efraim;
tomei-os nos meus braços, mas não atinaram que eu os curava. Atraí-os com cordas humanas, com laços de amor; fui para eles
como quem alivia o jugo de sobre as suas queixadas e me inclinei para dar-lhes de comer. Não voltarão para a terra do Egito,
mas o assírio será seu rei, porque recusam converter-se.” Oséias 11:1-5

Todos os textos acima relatam um pouco da história do povo de Israel,ao longo do Antigo Testamento, marcada pela
resistência à graça de Deus, que convida o povo ao arrependimento.

Mateus 23:37: “Jerusalém, Jerusalém, que matas os profetas e apedrejas os que te foram enviados! Quantas vezes quis
eu reunir os teus filhos, como a galinha ajunta os seus pintinhos debaixo das asas, e vós não o quisestes!”
Também Jesus a chamou de cidade do grande rei. Contudo, ele precisa receber ainda outro nome:
assassina de profetas. Com resistência teimosa, ela afasta a todos que vêm a ela com uma
incumbência divina. Jesus diz que investiu muito amor nessa cidade e se esforçou muitas vezes para
reunir seus filhos junto dele. Ele poderia ter sido a proteção deles contra culpa e juízo e lhes teria
trazido paz. Porem ele não pode mudar a força a sua vontade obstinada, antes está amarrado a regra
de justiça divina, que preserva a vontade da pessoa. (RODRIGUES, 2016, op. cit., p. 79)

117
A insistência de Jesus demonstra seu interesse em restaurar o seu povo, mas este, não quis em várias ocasiões.
Nenhuma doutrina de Predeterminação pode sobreviver entre o “eu quis” de Jesus e o “não quiseste” de Jerusalém. Jesus
queria redimi-los, mas o povo resistiu ao chamado dele.

Podemos concluir que a doutrina da Graça Resistível, por mais que seja atacada e até mesmo acusada de insinuar uma
salvação por obras, está completamente de acordo com a Solo Scriptura. Em nenhum momento a doutrina da Graça Resistível
insinua uma salvação por méritos humanos, mas sim, demonstra com clareza a perfeição de Deus, com todos os seus atributos
em um esplêndido equilíbrio.
Um Deus que ama incondicionalmente, mas em sua justiça e soberania impõe uma condição para a salvação, crer em
Jesus. Deus que oferece a todos a oportunidade de salvação e até mesmo os ajuda na caminhada, no entanto, não força
ninguém, não obriga ninguém, pelo contrário, respeita a decisão do homem de aceitar ou não a Cristo (resistir ou não a graça).
Deus nos oferece, do ponto de vista de seu plano eterno, uma salvação pronta e acabada; não a merecemos, muito
menos podemos comprá-la. O que nos resta fazer é apenas responder a seu chamado. Deus se aproximou de nós, nos libertou e
nos chama para cearmos com Ele.

118
1.3 ELEIÇÃO E REPROVAÇÃO
Não há dúvida de que entre todas as doutrinas bíblicas, o assunto referente à ELEIÇÃO tem gerado as maiores
controvérsias, considerando-se o universo semântico do conceito eleição/predestinação/reprovação. Apesar das
concordâncias, são muitas as discordâncias.

Há os que entendem que insistir na controvérsia é perda de tempo, manifestando um claro cansaço quanto às
divergências; outros, no entanto, compreendem que a doutrina está claramente mencionada na Escritura, não podendo ser
ignorada, e que um esforço por entendê-la é necessário, se quisermos ser honestos em relação à Palavra.

Ainda sobre essas diferentes escolas: Calvinismo e Arminianismo é preciso dizer que os batistas em geral também se
dividem na compreensão deste tópico. Em sua origem (Inglaterra), encontramos forte influência calvinista. Saindo da Inglaterra,
no entanto, as opiniões se dividem. Parece que a teologia batista é predominantemente arminiana, posição claramente seguida
pelos Batistas Independentes no Brasil. Assim, preserva-se, entre os batistas, o mais considerável dos princípios da reforma
protestante: O livre exame das Escrituras.

Os Batistas Independentes em seu escrito “Princípios da Nossa Fé” (2014, p.23) deixam bem claro que creem que a Graça
salvadora é oferecida por Deus a todos os homens e que diante da realidade da eleição, o homem permanece livre e responsável
quanto a sua decisão pessoal, aceitando, livre e responsavelmente a oferta da salvação.

119
Sobre a eleição e predestinação cremos que “deve ser considerado levando-se em consideração o pre-conhecimento
(presciência) de Deus”. Devemos notar que este conhecimento não significa previsão, pois Deus não está na mesma linha de
tempo do que nós, mas está ao mesmo tempo no passado, presente e futuro e sabe tudo ao mesmo tempo. Ele nos elegeu
desde a fundação do mundo, pois é eterno, e sabe tudo. O mesmo livreto Princípios Da Nossa Fé continua:

Ele já sabe de tudo ao mesmo tempo. Deus nos elegeu antes da fundação do mundo porque Ele está
presente em toda a eternidade. Ele já sabe a resposta de cada pessoa em relação ao seu plano de
salvação em Jesus Cristo. Assim é que deve ser entendido o pre-conhecimento de Deus nos textos
acima, sobre a eleição. É também neste sentido que devem ser entendidos os textos de indivíduos
escolhidos para certas funções como são os casos de Judas (João 17.22) e Faraó (Romanos 9.17 e
18). Em Romanos 9.6-16, embora pareça que esteja falando de eleição individual, na verdade o texto
está falando de eleição de nações representadas por Jacó e Esaú. Fala da descendência de Abraão
perpetuada em Jacó. No fim essa descendência fica reduzida em um – Jesus Cristo e todos que estão
em Cristo são eleitos nele, Efésios 1.4. (PRINCÍPIOS DA NOSSA FÉ, 2014, p.24)

120
1.3.1 Calvinismo

O pensamento calvinista acerca da eleição é mais bem caracterizado quando abordado usando seu próprio sistema de
raciocínio. Para isso, alguns enunciados têm sido usados para resumi-lo, baseado num acróstico, o Tulip, que tem sua origem
na língua inglesa e significa: Depravação Total (Total Depravity), Eleição Incondicional (Unconditional Election), Expiação
Limitada (Limited Atonement), Graça Irresistível (Irresistible Grace) e Perseverança dos Santos (Perseverance of the Saints).

Para os calvinistas, a raça humana está perdida no pecado. E isto significa que está totalmente depravada, ao ponto de
ser incapaz de responder a qualquer oferta da graça de Deus. A depravação total implica em incapacidade moral, e todos os
homens começam a vida assim (pecado original), portanto, incapazes de fazer o bem: inclusive se “converter” a Deus. Textos
como Jo 6.44; Rm 3.1-23; 2Co 4.3,4 e Ef 2.1-3 são usados como fundamento bíblico para essa afirmação.

121
Um segundo conceito é extremamente importante para o calvinismo: a soberania de Deus. Ele é soberano em seus atos,
e não deve nenhuma satisfação a ninguém; é livre para fazer o que desejar, e os homens não estão em condição de julgá-lo. A
parábola dos trabalhadores da vinha é o fundamento básico para afirmar isto, onde o senhor tem o poder de fazer o que quer:
“porventura, não me é lícito fazer o que quero com o que é meu?” (Mt 20.13-15). Outro argumento forte procede da passagem
de Paulo, onde a resposta a quem reclama da injustiça de Deus é: “Quem és tu, ó homem, para discutires com Deus?!
Porventura, pode o objeto perguntar a quem o fez: Por que me fizeste assim? Ou não tem o oleiro direito sobre a massa, para do
mesmo barro fazer um vaso para honra e outro, para desonra?” (Rm 9.20,21).

A eleição, para o calvinismo, é a escolha que Deus faz de certas pessoas para o seu favor especial, para receberem a
vida eterna. Esta escolha contempla alguns indivíduos e depende exclusivamente “do beneplácito de sua vontade”. É uma
iniciativa divina absoluta e incondicional, pois “Terei misericórdia de quem me aprouver ter misericórdia e compadecer-me-ei de
quem me aprouver ter compaixão”; logo, “não depende de quem quer ou de quem corre, mas de usar Deus a sua misericórdia”,
Rm 9.15,16.

122
Erickson resume as características da eleição segundo o calvinismo da seguinte forma:

A eleição é uma expressão da vontade soberana ou do beneplácito de Deus. Ela não se baseia em
algum mérito do eleito, também não se baseia na previsão de que a pessoa virá a crer. É a causa, não o
resultado, da fé. A segunda é que a eleição é eficaz. Os que foram escolhidos por Deus com certeza
virão a crer nele e, também, perseverarão nessa fé até o fim. Todos os eleitos serão, com certeza,
salvos. A terceira é que a eleição foi feita desde a eternidade. Não é uma decisão tomada em algum
ponto do tempo em que o indivíduo já existe. Trata-se do que Deus sempre se propôs fazer. A quarta é
a eleição incondicional. Ela não exige que os seres humanos realizem atos específicos ou preencham
certas condições ou ordens de Deus. Não é que Deus deseja salvar as pessoas, caso façam algumas
coisas. Ele simplesmente deseja salvá-las e o faz. Por fim, a eleição é imutável. Deus não muda de
ideia. A eleição vem desde a eternidade e brota da misericórdia infinita de Deus; ele não tem motivos
nem ocasião para mudar de ideia (ERICKSON, 1997, p.384).

Em relação ao livre arbítrio, os calvinistas não o negam simplesmente, somente não o aceitam como os arminianos o
fazem. A ênfase é que o pecado retirou do homem a capacidade de exercer devidamente sua liberdade, Deus realiza tal salvação
independente de qualquer iniciativa humana.

123
1.3.2 Arminianismo

De certa forma, o arminianismo é uma escola de pensamento ampla, que abriga um grande número de posições. Ela
partiu das concepções de Jacó Armínio (1560-1609), pastor em Amsterdã e professor de Teologia na universidade de Leyden,
Holanda, que contestou a tese calvinista da dupla predestinação e defendeu o livre arbítrio, colocando a bondade de Deus como
princípio na aplicação da salvação disponibilizada pela obra da redenção.

De acordo com o arminianismo, a eleição é geral e não pessoal. O decreto da eleição não se refere a indivíduos, mas ao
propósito de Deus em salvar aos que crerem. O ponto de partida do arminianismo é que Deus deseja que todos sejam salvos,
“não querendo que nenhum pereça, senão que todos cheguem ao arrependimento”, 2Pe 3.9. Tanto no Antigo como no Novo
Testamento, os convites para que o homem se volte para Deus são convites de caráter universais, Is 55.1; Mt 11.28. Se a
despeito de tais convites Deus não deseja salvar a todos, isto implicaria que Deus estaria sendo insincero em sua oferta.

124
Outra implicação da universalidade dos convites, é que todos os homens devem ser capazes de crer
para serem salvos, e não como postula o calvinismo: que somente os eleitos são aptos a crer. É óbvio que o
arminianismo se opõe radicalmente à ideia de expiação com efeito limitado, contemplando apenas aqueles
que previamente haviam sido eleitos para a salvação. A redenção deve ser plena, incluindo a possibilidade de
salvar a todos, incluindo inclusive a redenção da própria natureza, como Romanos 8 prevê. O calvinismo
lança mão do conceito de “graça preveniente”, segundo o qual Deus concedeu sua graça para contra-atacar
os efeitos do pecado, tornando o homem capaz de aceitar a oferta da salvação, fruto de sua graça especial.
O homem, portanto, conta com os auxílios prévios da graça comum, que, apesar de não salvar, neutraliza os
efeitos do pecado original, possibilitando ao homem o uso de seu livre arbítrio na aceitação da salvação.
Naturalmente que aceitação humana não torna a salvação obra humana, continua sendo exclusiva obra de
Deus, apenas a acolhida é humana. Com isso, Deus continua sendo Deus: soberano em salvar; e o homem,
humano: livre em escolher a salvação.

No Arminianismo também há um acrostico chamado de FACTS, igualmente de origem na língua


inglesa, que significa: freed by grace to believe (liberto pela graça para crer); atonement for all (expiação para
todos); conditional election (eleição condicional); total depravity (depravação total); e security in
Christ (segurança em Cristo). Mariano (2015, p.13) comenta:

125
O arminianismo defende a depravação total, a ideia de que o homem, após a queda de Adão e Eva, nasce
em pecado e que, sem a ajuda de Deus, o homem não pode salvar-se. Defende ainda que, através da
graça preveniente de Deus, o homem é liberto para crer, mas que a graça de Deus é resistível; advoga,
ainda, a expiação ilimitada, que nada mais é que a crença de que Deus enviou seu filho, Jesus Cristo,
para morrer por todos e por cada um dos homens; que a eleição é condicional, ou seja, a condição para
que a pessoa seja eleita é que ela creia, que deposite a sua fé em Deus; e, por fim, que temos
segurança em Cristo, a ideia de que estamos seguros enquanto permanecermos em Cristo, mas que é
possível que um verdadeiro cristão cometa apostasia, isto é, que venha perder a sua salvação.
(MARIANO, 2015, p.13)

Assim, é preciso dizer que o arminianismo não nega termos como “eleição” e “predestinação”. Eles são acolhidos, porém
com sentido diferente daquele atribuído pelo calvinismo. Os referidos termos não significam que Deus escolhe alguns para a
salvação, enquanto escolhe outros para a perdição eterna. A predestinação, no sentido arminiano, está estreitamente ligada à
presciência de Deus (ideia veementemente negada pelo calvinismo). Em Seu conhecimento prévio a respeito das decisões das
pessoas, elas são preordenadas à salvação. O texto que fortalece esse argumento é Rm 8.29: “Portanto aos que de antemão
conheceu, também predestinou para serem conformes à imagem de seu Filho, a fim de que ele seja o primogênito entre
muitos”, apoiado por 1Pe 1.1,2 onde Pedro menciona os “eleitos segundo a presciência de Deus”.

126
As maiores objeções arminianas, em relação às posições calvinistas, residem na acusação de que o calvinismo, com
suas ideias de predestinação incondicional e absoluta, é fatalista, pois não deixa qualquer espaço para que as atitudes
humanas possam fazer qualquer diferença. Se seremos salvos de qualquer maneira, então o comportamento ético torna-se
irrelevante, já que a salvação não depende das ações do homem. Além disso, tal fé arranca todo sentido do impulso
evangelístico e missionário, pois a salvação já não depende da pregação do evangelho, porque a soberania divina, para ser
soberania, tem que ser capaz de operá-la independente de qualquer ação humana. Uma última objeção é que ela atenta contra a
liberdade humana. As ações do homem já não são de fato suas. Uma vez que foram determinadas, o homem apenas representa
um script que lhe é apresentado, o que implica que ele já não é verdadeiramente humano e sim um autômato. No calvinismo
parece que há um desequilíbrio entre os atributos divinos, supervalorizando a soberania em detrimento a justiça, bondade e
amor de Deus.

127
1.3.3 Quanto à reprovação

O arminianismo não se vê na obrigação de se pronunciar acerca da reprovação, pois, segundo ele, Deus deseja
salvar a todos, e não assume nenhuma ação no sentido de reprovar outros. Já o calvinismo, necessariamente precisa se
pronunciar acerca da reprovação, pois afirma que Deus escolheu alguns para a salvação. Neste caso, é preciso responder
qual a atitude de Deus em relação aos outros não eleitos para a salvação. Grudem introduz o tema com estas palavras:

Quando entendemos a eleição como ação soberana da parte de Deus de escolher algumas pessoas para
serem salvas, há então necessariamente outro aspecto dessa escolha, a saber, a decisão soberana de
Deus de não levar em conta outras e não salvá-las. Essa decisão de Deus na eternidade passada é
chamada de reprovação. Reprovação é a decisão de Deus, antes da criação, de não levar em conta
algumas pessoas, decidindo em tristeza não salvá-las e puni-las por seus pecados, manifestando por
meio disso sua justiça (GRUDEM, 1999, p.573).

O próprio Grudem defendendo a posição calvinista, admite ser essa a doutrina mais difícil de entender e de
aceitar, especialmente por causa do amor demonstrado, ensinado e exigido por Deus em favor de outros seres humanos.

128
Na visão calvinista, a soberania de Deus é responsável pela eleição dos que serão salvos, mas a condenação dos
pecadores é de responsabilidades dos próprios pecadores, mesmo que estranhamente, os mesmos nunca tiveram a
opção de optar pelo certo ou errado. Termos como “decidiu condenar alguns” são evitados pelos defensores desta
posição. Usam em preferência expressões como “não levar em conta”, dando uma ideia de que Deus simplesmente deu
livre curso ao que já estava determinado, em função da desobediência do próprio homem. A justiça de Deus exige que
todos sejam punidos. A misericórdia e a graça de Deus fundamentam a salvação de alguns, enquanto a justiça de Deus
fundamenta a condenação de todos. Deus não é injusto quando deixa que a justiça opere sobre aqueles que são
condenados, mas é misericordioso quando, em sua graça, salva alguns, que igualmente mereciam a condenação. A
aplicação desta doutrina não causa nenhum prazer a Deus, e é com tristeza que ele o faz, pois nem todas as coisas
necessárias são prazerosas de realizá-las.

129
No entanto, é preciso saber que, mesmo custando-lhe tristeza no coração, manifestará a sua glória, pois os
vasos de ira servem para mostrar a grandeza da misericórdia de Deus para conosco: Deus fez isso “a fim de que também
desse a conhecer as riquezas de sua glória em vasos de misericórdia”, Rm 9.23. Para o arminianismo, essa posição é
estranha, pois pode se questionar, por exemplo, porque Deus tendo o poder de salvar a todos, sendo amoroso,
simplesmente se nega a fazê-lo? Na prática, usando um exemplo apenas, é como se um vigilante, ao ver o fogo se
aproximando de uma sala cheia de pessoas, que ali desconhecem o perigo, chama apenas pequena parte do grupo de
maneira aleatória e condicional, e depois deixa que os demais sejam consumidos pelo fogo. Ao justificar sua atitude, o
mesmo diz que ele é justo e amoroso, pois na prática todos iriam morrer igual, mas pela sua misericórdia, decidiu salvar
alguns, pois afinal, não precisava ter salvo ninguém. A pergunta, neste caso, não seria, este vigilante justamente não era
frio, conivente com o mal, negligente e estranhamente mal? Essa linha teológica é no mínimo estranha para os leitores
da Bíblia.

Não resta dúvida de que é profundamente difícil aos arminianos aceitar esta explicação, mas ela se torna
necessária aos calvinistas como implicação daquilo que creem. Dentro de sua própria lógica de raciocínio já é indigesta, e
na lógica arminiana é simplesmente intragável. Não é para menos que esta doutrina tem em sua história séculos de
controvérsias no meio protestante.

130
1.4 O CHAMADO EFICAZ

O homem, em seu estado atual, vive uma realidade de escravidão ao pecado. Nesta condição, é-lhe impossível por
si mesmo se voltar a Deus. Diante disso, é preciso algum ato de interferência de Deus, no sentido de atraí-lo para a
salvação e “essa atividade de Deus é denominada chamado especial ou eficaz” (Erickson, p. 392). Erickson acentua que,
por chamado eficaz, devemos entender a ação de Deus dando ao homem condições de reagir com arrependimento e fé.
Tal obra é operada pelo Espírito Santo dando capacidade para a compreensão do evangelho, At 16.14.

Uma simples leitura do evangelho é suficiente para se perceber que, de fato, ele encerra um chamado da parte de
Deus. Inúmeros textos o enfatizam, bem como a necessidade do homem em respondê-lo. Uma lista interminável poderia
ser apresentada, mas listaremos apenas alguns representativos: Rm 8.29,30; 1Pe 2.9; 1Co 1.9; 1Ts 2.12; 1Pe 5.10; Rm
1.6,7; 1Co 1.2; 7.15; Cl 3.15…

131
Calvinistas e arminianos reconhecem a presença deste chamado na Escritura, discordando apenas no
entendimento do mesmo. Para os calvinistas, o chamado eficaz é dirigido somente aos eleitos, que pelos efeitos da
graça irresistível, infalivelmente responderão positivamente ao mesmo. Ele é eficaz pelo fato de levar, invariavelmente,
os eleitos à salvação. Para estes, o chamado eficaz difere do chamado geral do evangelho justamente por não ser
universal e nem poder ser resistido. De outro lado, os arminianos reconhecem a eficácia deste chamado, mas resguardam
a possibilidade de ser resistido. Esta possibilidade deve existir necessariamente. Caso contrário, o livre arbítrio é violado,
coisa que os arminianos não estão dispostos a aceitar. Uma vez que ele pode ser resistido, torna-se possível explicar por
que tantas pessoas o rejeitam, pois, para os arminianos, assim como a eleição, também o chamado eficaz é universal em
seu alcance.

132
1.5 A CONVERSÃO
A conversão é o ato inicial, aquele que marca o início da caminhada cristã. Ele consiste no ato de deixar o pecado
em arrependimento e voltar-se para Cristo em fé. A palavra conversão significa “volta”. Mais especificamente meia volta,
convergindo do pecado em direção a Cristo. Esse voltar-se do pecado é identificado como o arrependimento, e o voltar-se
para Cristo é identificado com a fé: dois aspectos distintos, mas inseparáveis da conversão, sendo respectivamente o
aspecto negativo e o positivo do mesmo acontecimento. Grudem define a conversão como segue: “Conversão é nossa
resposta espontânea ao chamado do evangelho, pela qual sinceramente nos arrependemos dos nossos pecados e
colocamos nossa confiança em Cristo para receber a salvação” (GRUDEM, 1999, p.592).

O que vem primeiro: arrependimento ou fé? A resposta a esta pergunta é que eles devem acontecer juntos. Não há
como separá-los, pois, um depende do outro. É impossível determinar um modus operandi em relação à conversão, pois ela
pode acontecer de forma diversa. Em alguns casos ela será uma experiência de crise, a exemplo do que aconteceu com
Paulo; em outros, de forma calma, como parece ter acontecido com Timóteo. No entanto, a qualidade da operação deve
ser sempre a mesma, pois conversão que não carregue consigo a regeneração ou novo nascimento, não é verdadeira
conversão a Cristo. A conversão pode ser a culminância de um processo gradual de entendimento e consciência; no
entanto, ela acontece em um momento quando, à luz da revelação do evangelho, o homem decide voltar-se e confiar em
Cristo para a sua salvação. Neste sentido, é como afirma Erickson: “podem ocorrer muitas conversões na vida cristã, mas
apenas uma Conversão” (ERICKSON, 1997, p.395).

133
1.5.1 O arrependimento

O arrependimento pode ser definido como “uma sincera tristeza por causa do pecado, é renunciá-lo e
comprometer-se sinceramente a abandoná-lo, e prosseguir obedecendo a Cristo” (GRUDEM, 1999, p.596). No Antigo
Testamento, duas palavras são usadas para expressar a ideia de arrependimento. Uma delas é mais usada tendo Deus
como sujeito; a outra (shûv) é frequentemente usada pelos profetas, e carrega a expectativa de uma mudança moral
consciente.

No Novo testamento também encontramos dois termos para arrependimento. O termo metamelomai significa “ter
um sentimento de cuidado, preocupação ou pesar”. Este termo é usado em Mt 21.30, na parábola dos dois filhos do dono
da vinha: o segundo filho disse “não quero; depois, arrependido, foi”; também é usado para descrever o remorso de Judas
por haver traído a Jesus, Mt 27.3. O termo inclui algum sentimento emocional de remorso, que até pode implicar em
mudança de atitude, como no caso do segundo filho. Sentido diverso, porém, apresenta o termo metanoeo, cujo
significado é: “pensar de forma diferente sobre algo ou mudar de ideia”. O termo expressava uma preocupação constante
na pregação da igreja primitiva, que instava: “Arrependei-vos, e cada um de vós seja batizado em nome de Jesus Cristo
para remissão dos vossos pecados, e recebereis o dom do Espírito Santo”, At 2.38.

134
1.5.2 A fé

É de consenso dos intérpretes da Bíblia que fé, no sentido bíblico, é crença em algo tanto como confiança em
alguém. Neste sentido, não basta apenas conhecer como verdadeiros os fatos do evangelho, ou mesmo aprová-los como
verdadeiros; é preciso decidir depender de Jesus para a salvação. É crer em que, e crer em quem! A fé salvífica é, portanto,
“confiança em Jesus Cristo como uma pessoa viva visando ao perdão dos pecados e à vida eterna com Deus” (GRUDEM,
1999, p.593).

1.6 A REGENERAÇÃO
A regeneração é o outro lado da conversão. Muito embora o homem seja chamado a crer e arrepender-se, na
regeneração ele nada pode fazer. É um ato de Deus. É a transformação que Deus opera naqueles que creem, concedendo-
lhes nova vida espiritual. Aqueles a quem foi dado poder serem feitos filhos de Deus, “não nasceram do sangue, nem da
vontade da carne, nem da vontade do homem, mas de Deus”, Jo 1.13. Fica, pois, evidente que o homem nada pode fazer
quanto à regeneração ou ao novo nascimento. Textos como Jo 3.8; Ef 2.5; Cl 2.13; Tg 1.17,18 e 1Pe 1.3 nos levam a
concluir que esta obra é realizada por Deus Pai e Deus Espírito Santo. Ênfase especial é dada, em textos como 1Pe
1.23,25 e Tg 1.18, que tal obra está intimamente ligada ao chamado eficaz, sendo operada mediante a proclamação do
evangelho.

135
A regeneração é tanto um mistério quanto um milagre de Deus em nós. Não há como descrever como acontece,
mas acontece, e de tal maneira que verdadeiramente nascemos de novo. Isto é tão enfático nas Escrituras que ela chega
a dizer que antes dela estávamos mortos e “ele nos deu vida”, e “se alguém está em Cristo é nova criatura; as coisas
antigas já passaram; eis que se fizeram novas”, 2Co 5.17. O novo nascimento é algo tal que reverte as tendências gerais
da natureza humana. Apesar de não sabermos exatamente quando a regeneração ocorre, os resultados da regeneração, no
entanto, são claros e imediatos: confiança sincera em Cristo, certeza de salvação, garantia de que seus pecados foram
perdoados, desejo de ler a Bíblia e orar, desejo de reunir-se com outros cristãos, desejo de obedecer à Palavra de Deus e
vontade de testemunhar de Cristo aos outros. O que é claro nas Escrituras é que o novo nascimento é instantâneo, um ato
único. Não há indicação de que ele seja um processo pelo qual o salvo esteja passando. Ela sempre fala dele como algo
acontecido.

Alguma divergência existe entre calvinistas e evangélicos de influência arminiana quanto ao que vem primeiro: a fé
ou a regeneração? Enquanto os calvinistas entendem que a regeneração vem primeiro, como obra exclusiva de Deus que
nos capacita a crer, e que somente cremos por causa desta obra inicial de Deus, os de influência arminiana, afirmam que é
necessário crer para que a obra da regeneração seja realizada por Deus mediante a fé do crente. No que diz respeito à
natureza e ao significado da regeneração, calvinistas e arminianos estão de acordo.

136
1.7 A JUSTIFICAÇÃO

Quando o pecador se converte a Cristo tem ainda de lidar com um problema: a culpa por não ter cumprido as
expectativas de Deus. A operação divina que apazigua o coração do salvo é chamada, na bíblia, de justificação. “A
justificação é o ato de Deus declarar que, aos seus olhos, os pecadores são justos” (ERICKSON, 1997, p.408). Para isto,
no entanto, é exigido que a justiça seja feita, pois Deus não pode ser injusto. Deus é juiz, santo e justo. Então, como um
pecador pode ser aceito por um juiz santo e justo?

Precisamos entender o significado de justificação: “A justificação é a restauração do indivíduo ao estado de


justiça” (idem). Ele se torna justo quando age de conformidade com aquilo que se espera dele. O Antigo Testamento usa o
temo “Tsãdaq”, cujo significado é conformar-se com dada norma. Agir com justiça é agir de acordo com os padrões
estabelecidos para cada situação.

Ainda segundo o Antigo Testamento, “justificar implica em certificar que a pessoa é inocente e depois, declarar o
que de fato é a verdade: que ela é justa, ou seja, que cumpriu a lei” (ERICKSON, 1997, p.409).

137
Como compreender o fato de Deus justificar um pecador, já que ele é pecador justamente porque não conseguiu
cumprir com a norma estabelecida (a Lei)? Para compreender isto precisamos do significado de justificação segundo o
Novo Testamento, onde “a justificação é o ato declaratório de Deus, pelo qual, em razão da suficiência da morte expiatória
de Cristo, ele afirma que os crentes cumpriram todos os requisitos da lei que lhes diz respeito”. Mas, como Deus pode
fazer isto sem ser injusto, já que o pecador de fato não cumpriu a lei? A resposta é que “a justificação é um ato forense de
imputação da justiça de Cristo ao crente; não é de fato uma infusão de santidade no indivíduo” (ERICKSON, 1997, p.409).
A justificação é, pois, um ato instantâneo de Deus pelo qual ele considera perdoado os nossos pecados, bem como a
justiça de Cristo como pertencendo a nós e, consequentemente, declara-nos justos diante de seus olhos (GRUDEM, 1999,
p.604).

O próximo passo no processo de se nos aplicar a redenção é que Deus tem de responder à nossa fé e fazer o que
prometeu, isto é, realmente declarar que nossos pecados foram perdoados. Esta tem que ser uma declaração legal
concernente à nossa comunhão com as leis de Deus, segundo a qual estamos completamente perdoados e não mais
sujeitos à punição (GRUDEM, 1999, p.603).

138
É preciso dizer que o que está em jogo são os méritos de Cristo. Fomos unidos a ele, e esta união significa que
nossos pecados foram assumidos por ele, e sua justiça foi imputada (atribuída) a nós. “A justificação é algo
completamente imerecido. Não é uma conquista. É uma obtenção, não uma aquisição”, conforme Ef 2.8,9 (ERICKSON,
1997, p.411). A fé reformada é enfática em afirmar que a justificação é imputada, enquanto a fé Católica Romana afirma
ser a justificação uma justiça infundida. A diferença é que justiça imputada não requer mudança interior naquele que é
favorecido; já a justificação infundida é justiça posta no crente gerando transformação no caráter. Na justificação
imputada, a justiça é de Cristo; na justificação infundida, a justiça é do crente. Neste caso já se entrou pelo caminho do
mérito, abandonando a confiança total e exclusiva na graça de Deus. Somos declarados justos por causa do que Cristo fez
por nós, e não porque algo aconteceu dentro de nós. A nossa justificação não é declarada por causa de uma mudança
interior, ou porque nossas obras mudaram, pois “ninguém será justificado diante dele por obras da lei”, mas “justificados
gratuitamente, por sua graça, mediante a redenção que há em Cristo Jesus”, Rm 3.20,23,24.

Segundo Grudem, “a justificação vem depois da nossa fé e como resposta de Deus a ela” (GRUDEM, 1997, p.604).

Qual o alcance da justificação? É plena, em relação à eternidade. No entanto, as consequências do pecado


persistem, mesmo depois que o pecado é perdoado e o pecador justificado. As consequências eternas do pecado são
canceladas, mas não as temporais. O pecador já não será punido pelos pecados dos quais foi declarado inocente, mas
terá que conviver ainda com possíveis consequências de seus antigos atos.

139
1.8 A ADOÇÃO
A justificação não somente cancela o julgamento contra nós, como também nos restaura a uma posição de favor
em relação a Deus. A mudança de um estado de hostilidade para um estado de aceitação diante de Deus é chamada, nas
Escrituras, de adoção.

A adoção é concomitante à conversão, regeneração, justificação e nossa união com Cristo. Ela implica em uma
alteração de nossa condição diante de Deus: tornamo-nos filhos de Deus e somos recebidos em sua família (Jo 1.12), em
contraste com os “filhos da ira” (Ef 2.2) e os “filhos da desobediência”, Ef 2.2; 5.6. Aos judeus que rejeitavam a Jesus e
reivindicavam serem filhos de Deus, Jesus lhes diz: “Se Deus fosse, de fato, vosso pai, certamente, me havíeis de amar
{…}. Vós sois do diabo, que é vosso pai, e quereis satisfazer-lhes os desejos”, Jo 8.42-44. Por meio da adoção somos
restaurados a um tipo privilegiado de relacionamento com Deus: “Vede que grande amor nos tem concedido o Pai, a ponto
de sermos chamados filhos de Deus; e de fato, somos filhos de Deus. Por esta razão, o mundo não nos conhece, porquanto
não o conheceu a ele mesmo”, 1Jo 3.1.

O mais significativo dos textos bíblicos referentes a essa verdade, certamente, é Rm 8.14-17. Os filhos de Deus
receberam o seu Espírito, e por ele são guiados; já não sentem nenhum temor (medo) de Deus, pois lhe chamam de papai.
O Espírito de Deus testifica em seu interior que são de fato Filhos de Deus, e também seus herdeiros juntamente com
Cristo: o Unigênito (único gerado), que na ressurreição se tornou o Primogênito (Primeiro gerado). Afirmação muito
semelhante encontramos também em Gl 4.4-7.

140
São muitos os benefícios concedidos pela adoção, já neste tempo presente: perdão, reconciliação, liberdade,
cuidado paterno, disciplina paterna, boa vontade do pai. A adoção já nos fez filhos de Deus, no entanto, em algum sentido,
nossa filiação revelará futuros benefícios, os quais desconhecemos agora. Parece ser este o sentido do que João insinua,
ao dizer que agora somos filhos de Deus, mas ainda não nos foi revelado o que havemos de ser na revelação de Jesus
Cristo; também Paulo espera maiores benefícios da adoção em Rm 8.23: “Porque sabemos que toda a criação, a um só
tempo, geme e suporta angústias até agora. E não somente ela, mas também nós, que temos as primícias do Espírito,
igualmente gememos em nosso íntimo, aguardando a adoção de filhos, a redenção do nosso corpo”.

1.9 A SANTIFICAÇÃO
A santificação tem dois sentidos. Por um lado, ela significa o ato de separar para pertencer com exclusividade a
Deus. Neste sentido encontramos pessoas, objetos e lugares que foram santificados, no sentido de ser consagrado e
passar a pertencer. É neste sentido que os crentes em geral, independentemente de seu grau de santidade são chamados
de santos. Por outro lado, santificação refere-se ao processo de tornar-se cada vez mais santo, processo contínuo
durante toda a vida. Ele se caracteriza pela transformação do caráter e um crescimento em qualidade moral e da condição
da pessoa.

141
Neste sentido, a santificação difere da regeneração, bem como da justificação, pois ambas se caracterizam por
um ato instantâneo, enquanto a santificação é processo. Além disso, alguém é ou não é regenerado, bem como
justificado; já a santificação pode apresentar diferença quantitativa. A pessoa pode crescer em santidade, se tornar mais
ou menos santa. Grudem apresenta uma tabela significativa das diferenças entre justificação e santificação (GRUDEM,
1999, p.662):

Justificação Santificação
Posição legal Condição interna
De uma vez por todas Continua por toda a vida
Obra inteiramente de Deus Nós cooperamos
Perfeita nesta vida Não perfeita nesta vida
A mesma em todos os cristãos Maior em alguns do que em outros

Não devemos imaginar a santificação como reforma moral, algo que realizamos com esforços pessoais. Ela é obra
sobrenatural, realizada pelo Espírito Santo. Afirmar isto, no entanto, não significa que o crente seja completamente
passivo: “Desenvolvei a vossa salvação com temor e tremor; porque Deus é quem efetua em vós tanto o querer como o
realizar, segundo a sua boa vontade”, Fp 2.12,13.

142
Uma importante questão tem sido levantada recorrentemente: será que é possível alcançar uma santificação
plena ou completa? As opiniões se dividem, pois parece que encontramos fundamento bíblico para ambas as opiniões.

Os perfeccionistas sustentam que deve ser possível chegar a um estado em que o crente não peca. Caso contrário
seria incoerência as Escrituras instarem para que sejam perfeitos, se santifiquem em tudo e se tornem irrepreensíveis, tal
como em Mt 5.48; 1Ts 5.23; Ef 4.13; Hb 13.20,21, textos que parecem oferecer provas de que é possível a santidade
total.

Por outro lado, um número bem maior sustenta que este é apenas o ideal, aquilo que deveremos buscar
incessantemente, mesmo sabendo que não alcançaremos tal perfeição, pois “se dissermos que não cometemos pecado
nenhum, a nós mesmos nos enganamos, e a verdade não está em nós…”, 1Jo 1.8-10. A libertação total do pecado é o
padrão a ser buscado e almejado, sabendo, no entanto, que só alcançaremos esse alvo quando deixarmos esse corpo. De
forma alguma isto deve ser licença para sermos complacentes com o pecado, pois “todo aquele que permanece nele não
vive pecando; todo aquele que vive pecando não o viu, nem o conheceu, 1Jo 3.6.

143
1.10 A PERSEVERANÇA
A perseverança dos salvos tem sido outra questão em que cristãos de origem protestante divergem. A questão
fundamental é: será que um crente genuinamente regenerado, justificado e adotado por Deus, portanto tendo sido unido
com Jesus Cristo, poderá vir a se afastar definitivamente dele, ao ponto de vir a perder sua salvação? A salvação é
definitiva e, uma vez salvo, o crente irá perseverar neste relacionamento com Deus para sempre? Se não há garantia de
que a salvação seja permanente, como saber se ainda estou salvo? Se a salvação é absolutamente segura, isto não
poderá levar o crente a relaxar em sua vida espiritual?

Há pontos em que normalmente existem concordâncias. De um modo geral, os protestantes creem que a salvação
não é obtida, e nem mantida por obras humanas; há concordância em que o Espírito Santo atua em todos os crentes;
também concordam que a salvação providenciada por Deus é plena e suficiente, e o crente pode de fato saber se possui a
salvação. Apesar das concordâncias, há divergências significativas entre calvinistas e arminianos.

144
1.10.1 Calvinistas

Para os calvinistas, a doutrina da perseverança dos crentes é uma necessidade, e isto em função do que creem
sobre a Eleição. Se Deus elegeu alguns entre todas as pessoas, logo, para que essa eleição tenha de fato efeito, é preciso
que haja alguma garantia de que a salvação efetuada em decorrência da eleição seja definitiva. Se isto não for mantido, é
necessário concluir que a eleição não foi incondicional, coisa que o calvinismo não está disposto a admitir. Portanto, a
perseverança dos crentes é uma implicação natural da eleição incondicional e soberana de Deus; se os crentes pudessem
perder sua salvação a eleição não teria sido eficaz.

O calvinista encontra apoio bíblico para sustentar a doutrina da perseverança em inúmeros textos bíblicos. Dentre
eles salientamos 1Pe 1.3-5: “Bendito o Deus e Pai de nosso Senhor Jesus Cristo, que, segundo a sua muita misericórdia,
nos regenerou para uma viva esperança, mediante a ressurreição de Jesus Cristo dentre os mortos, para uma herança
incorruptível, sem mácula, imarcescível, reservada nos céus para vós outros que sois guardados pelo poder de Deus,
mediante a fé, para a salvação preparada para revelar-se no último tempo”. Fundamental, porém, é a promessa do próprio
Senhor Jesus: “As minhas ovelhas ouvem a minha voz; eu as conheço, e elas me seguem. Eu lhes dou a vida eterna; jamais
perecerão, e ninguém as arrebatará da minha mão. Aquilo que meu Pai me deu é maior do que tudo; e da mão do Pai
ninguém pode arrebatar. Eu e o Pai somos um”, Jo 10.27-30. O calvinismo pode resumir a doutrina com o seguinte
enunciado: todos os que verdadeiramente nasceram de novo permanecerão até o fim; somente aqueles que perseverarem
até o fim, verdadeiramente nasceram de novo.

145
A perseverança dos crentes é também uma inferência da doutrina da regeneração. Caso alguém regenerado
perdesse sua salvação, deveria haver um retrocesso anulando a regeneração e o novo nascimento; a nossa união com
Cristo é comparada ao matrimônio: ato que torna os dois uma só carne. Fomos unidos a Cristo e somos um com ele, e
esta operação não dá para ser revertida.

146
1.10.2 Arminianos

Outra é a argumentação arminiana quanto à perseverança dos crentes. A maior objeção por eles levantada é
quanto aos alertas contra a apostasia. É difícil explicar os alertas de Jesus em Mt 24.2-14 se a possibilidade de
apostatar da fé não existir. Por que tais alertas se não fosse possível alguém vir a perder sua salvação? De outro lado, o
que dizer do alerta paulino do caráter condicional da salvação: “E a vós outros também que, outrora, éreis estranhos e
inimigos no entendimento pelas vossas obras malignas, agora, porém, vos reconciliou no corpo da sua carne, mediante a
sua morte, para apresentar-vos perante ele santos, inculpáveis e irrepreensíveis, se é que permaneceis na fé, alicerçados
e firmes, não vos deixando afastar da esperança do evangelho que ouvistes”, Cl 1.21-23. Textos como Hb 2,1; 3.12-14 são
citados como exemplos de alertas para que o crente não se desvie da fé. Enquanto alguns versículos em 1 Pe 1.3-5 são
utilizados pelos calvinistas, todo o capitulo 2 de 2ª Pedro fala de pessoas que conheciam a verdade, mas se afastaram
dela, e “Porque melhor lhes fora não conhecerem o caminho da justiça, do que, conhecendo-o, desviarem-se do santo
mandamento que lhes fora dado;”(v.21) assim, tornaram verdadeiro o ditado: “O cão voltou ao seu próprio vômito, e a
porca lavada ao espojadouro de lama” (v.22). Texto fundamental para os arminianos é Hb 6.4.6, pois aparentemente afirma
que pessoas que de fato provaram o dom celestial e se tornaram participantes do Espírito Santo, ainda assim vieram a
cair: “é impossível, pois, que aqueles que uma vez foram iluminados, e provaram o dom celestial, e se tornaram
participantes do Espírito Santo, e provaram a boa palavra de Deus e os poderes do mundo vindouro, e caíram, sim, é
impossível outra vez renová-los para arrependimento, visto que, de novo, estão crucificando para si mesmos o Filho de
Deus e expondo-o a ignomínia”. Outro texto semelhante a este, e igualmente enfático, é Hb 10.26,27.

147
A concepção arminiana menciona também os exemplos de pessoas que aparentemente apostataram da fé.
Desprezando casos do Antigo Testamento, aponta o caso de Judas. Considerando que Jesus o escolheu para o
apostolado, certamente houve um momento em sua vida em que Judas era um genuíno crente. Portanto, trata-se de um
caso de apostasia. E o que dizer de Ananias e Safira, At 5.1-11; e o caso de Himeneu e Alexandre, que “tendo rejeitado a
boa consciência, vieram a naufragar na fé…”, (1Tm 1.19,20; Himeneu e Fileto, 2Tm 2.16,18; Demas. 2Tm 4.10; e os falsos
mestres, 2Pe 2.1,2. Todos estes são exemplos bíblicos de pessoas que havendo se desviado da verdade do evangelho
vieram a se desviar da verdadeira fé, perdendo sua salvação. Ainda assim, há nesse ponto, o que chamamos de arminianos
de quatro pontos, ou seja, muitos arminianos que concordam com os demais pontos do arminianismo, mas não com a
perda da salvação.

148
1.10.3 Algumas considerações

A primeira consideração a ser feita é que ambas as posições têm forte argumentação e fundamentação bíblica.
Textos não faltam para sustentar ambas as ideias. Portanto, a solução deve ser procurada, não na rejeição sistemática
desta ou daquela, mas numa melhor interpretação dos textos bíblicos. Eles não se explicam pela simples rejeição do
pensamento oposto. Nesta questão se requer humildade dos calvinistas e dos arminianos, especialmente em reconhecer
que precisamos aprofundar a reflexão da Escritura. Ambas as escolas apareceram tardiamente na história da igreja.
Portanto, nenhuma deve pensar acerca de si mesma como a última palavra e, sim, buscar clarificar sempre e de novo o
significado da Palavra de Deus acerca da doutrina.

Outra consideração é que, já que esta instituição de ensino teológico se entende como arminiana, uma palavra
deve ser dita: não se deve entender a possibilidade de o crente vir a perder a sua salvação, ou a cair do seu estado de
graça como algo que deixe o crente o tempo todo na corda bamba. Não pode ser assim, absolutamente! Um alto grau de
segurança na salvação deve existir. A possibilidade de apostasia deve ser vista como algo extremo, e não como uma
constante insegurança, deixando o crente sempre confuso acerca da sua salvação, pois “nenhuma condenação há para os
que estão em Cristo”. Certamente que há segurança em Cristo para o salvo, pois o próprio Deus disponibilizou todos os
recursos de que o crente precisa para perseverar em sua salvação: “… juntamente com a tentação, vos proverá
livramento, de sorte que a possais suportar”, 1Co 10.13. Qualquer arminiano, com um mínimo de lucidez bíblica, sabe que
o crente não vive perdendo a salvação a cada vez que peca, e que a possibilidade de perdê-la só existe mediante uma
contumaz permanência no pecado, e uma atitude de desprezo sistemático às admoestações da parte de Deus.

149
Outra consideração é que o fato de o crente ter certeza da salvação jamais o deveria levar a relaxar em sua vida
espiritual. Todo crente regenerado recebe o desejo de obedecer e agradar a Deus. Aquele que não apresenta tal desejo é
duvidoso que realmente tenha nascido de novo. Portanto, o fato de que estamos salvos para sempre só pode trazer maior
segurança e estabilidade na fé, e nunca o desejo de negligenciar a fidelidade a Deus.

1.11 A GLORIFICAÇÃO
“A glorificação é o ponto em que a doutrina da salvação e a doutrina das últimas coisas se entrelaçam, pois olha
para além desta vida, para o mundo vindouro” (ERICKSON, 1997, p.430).

Esta doutrina tem recebido pouca atenção nos manuais de teologia, apesar de sua grande implicação prática. É
ela que trata dos resultados de todas as demais doutrinas. Desprezá-la, é não considerar aquilo que a nossa eterna
salvação irá realizar. O descaso com esta doutrina é o resultado de conceitos centrados nesta vida terrena; o crente não
pode deixar-se seduzir pelo materialismo e por uma teologia voltada apenas para o aqui e o agora. É preciso atentar para a
totalidade do ensino das Escrituras, e para ela, não está tudo encerrado com o funeral. A esperança cristã reserva um
aperfeiçoamento da obra redentora, que só se completará depois da morte.

150
Na obra da redenção, toda a pessoa foi redimida. Como a perfeição não será alcançada nesta vida, a morte nos
inicia na obra da glorificação. Fomos salvos, porém nosso corpo não foi livre da corrupção da carne, por isso, “aguardamos
a redenção do nosso corpo”, Rm 8.23; pois haverá um dia em que “com ele (Cristo) seremos glorificados”, Rm 8.17; pois
ele não somente predestinou, chamou, justificou, mas também, glorificou, Rm 8.30.

Afinal, o que é glorificação, do ponto de vista bíblico?

Glorificação é o passo final da aplicação da redenção. Ocorrerá quando Cristo voltar e levantar dentre os mortos o
corpo de todos os cristãos que morreram, de todas as épocas, reunindo-o com a alma de cada um, e mudar o corpo de
todos os cristãos que estiverem vivos, dando assim, ao mesmo tempo, a todos os cristãos um corpo ressurreto como o
seu (GRUDEM, 1999, p.695).

151
Paulo inclui neste processo a transformação de toda a criação, Rm 8.18-25.

É certo que na glorificação se completará toda a expressão da obra de Cristo no salvo. Haverá um
aperfeiçoamento moral e espiritual jamais alcançado neste corpo, pois a glorificação inclui o recebimento de um novo
corpo, igualmente glorificado, além da suspensão da jurisdição do pecado e da tentação. Esta é a razão do porquê de uma
existência perfeita na eternidade, pois nossa semelhança com Cristo será completada, inclusive pela recepção de um
corpo semelhante ao dele, Cl 1.22; Ef 1.4; 1Co 1.8.

Paulo reconhece o caráter provisório de todas as coisas nesta dispensação, mas prevê um conhecimento pleno
que terá lugar na consumação de todas as coisas.

Visto que uma apreciação mais detalhada é feita no estudo da doutrina das últimas coisas, por hora nos
limitaremos ao aqui exposto.

152
08
PNEUMATOLOGIA
O Espírito Santo é a pessoa através da qual a Trindade Divina se torna pessoal àquele que crê. E isto porque ele é
ativo dentro daqueles que creem. O ensino do Novo Testamento é que ele reside em nós. Esta é a grande novidade do
cristianismo: Deus habita no crente. Por meio do Espírito Santo toda a Trindade reside e atua em nós. Isto, no entanto,
nem sempre foi assim. No Antigo Testamento o Espírito Santo esteve presente, atuando, mas não residindo no crente. Ele
vinha e o capacitava para determinada realização, após o que se afastava dele. Sua vinda definitiva se deu depois que
Jesus foi assunto aos céus.

Ele havia instruído seus discípulos a que permanecessem em Jerusalém aguardando o revestimento de poder: “Eis
que envio sobre vós a promessa de meu Pai; permanecei, pois, na cidade, até que do alto sejais revestidos de poder” (Lc
24.49). Em Atos 1.8 a Promessa do Pai, e o revestimento de poder, são claramente relacionados com o Espírito Santo:
“Mas recebereis poder, ao descer sobre vós o Espírito Santo…”. Eles permaneceram na cidade, em obediência à instrução
que receberam. Depois de alguns dias de oração, no dia de Pentecoste (Pentecoste era uma festa judaica que se
comemorava cinquenta dias após a Páscoa), cumpriu-se a promessa, consoante ao que estava predito pelo profeta Joel:
o Espírito foi derramado sobre toda a carne: “… veio do céu um som, como de um vento impetuoso, e encheu toda a casa
onde estavam assentados… todos foram cheios do Espírito Santo e passaram a falar em outras línguas, segundo o
Espírito lhes concedia que falassem” (At 22.4).

154
Este evento extraordinário foi a vinda histórica do Espírito Santo, inaugurando uma nova dispensação na história
da igreja. Desde então o Espírito Santo não mais visita os crentes, mas habita neles. O que resultou deste acontecimento
histórico, e irrepetível, é que “o Espírito vem ocupando o centro da cena desde o tempo do Pentecostes” (ERICKSON,
1997, p.344).

Qual a importância do estudo desta doutrina, para a igreja atual? É que, apesar de este evento ser irrepetível,
como evento histórico, ele se atualiza em nível individual em cada crente. Isto é importante, especialmente, porque
vivemos num tempo em que a cultura valoriza a experiência, e é por meio dele, de uma experiência através do Espírito
Santo, que experimentamos Deus hoje.

Apesar da importância de conhecermos melhor esta doutrina, temos uma compreensão confusa dela, quando
comparada a outras doutrinas da Bíblia. Uma razão para isto, talvez, seja o fato de que ele (o Espírito Santo) não fala de si
mesmo: seu ministério é glorificar o Pai e o Filho. Outra possível razão é que o Pai e o Filho contam com a figura de
linguagem relacionada com a família para falar deles, o que facilita a compreensão. O Espírito é intangível, difícil de
imaginar. O resultado é que mantemos um conceito de que o Espírito é inferior em essência ao Pai e ao Filho. A Bíblia
ensina que tanto o Filho quanto o Espírito Santo são subordinados ao Pai, mas não inferior em essência. O governo
pertence ao Pai como função e papel, mas as pessoas da Trindade Divina são iguais em essência.

155
A divisão do protestantismo, em pentecostais e não pentecostais, pode ter contribuído para que não
aprofundássemos uma melhor compreensão da doutrina. O medo de possíveis divisões no Corpo de Cristo nos deixou
cautelosos, evitando um maior debate sobre as implicações desta doutrina.

No entanto, não é possível simplesmente ignorar esta doutrina, em nome das dificuldades. Especialmente porque
o Espírito Santo exerce funções específicas na vida dos cristãos e de sua igreja. Entre elas:

• Condenação do pecado: o Espírito Santo age para convencer os não penitentes tanto da pecaminosidade
de seus atos quanto de sua posição moral como pecadores perante Deus.

• Conversão: a ação do Espírito Santo é vista como essencial para trazer alguém para a fé cristã. Do novo
crente é dito "nascido novamente do Espírito".

• Habilita a vida cristã: acredita-se que Espírito Santo habite o fiel individualmente e o habilita a viver uma
vida correta e crente.

• É o Confortador (o Paráclito): aquele que intercede, apoia ou age como um advogado, particularmente em
tempos de tribulação.

• É Inspirador, aquele que permite interpretar as Escrituras: o Espírito Santo tanto "inspira" os autores da
Escritura, quanto as "interpreta" para os cristãos e para a igreja.

156
2.1 A DIVINDADE DO ESPÍRITO SANTO
Ao longo da história da igreja, algumas controvérsias têm surgido quanto ao entendimento do lugar do Espírito
Santo na Trindade Divina. Interpretações diversas têm sido propostas, desde uma posição subordinada, quanto à de que
ele seja apenas a força ou poder ativo de Deus, sem lhe conceder o estatuto de existir como pessoa. O que as Escrituras
revelam quanto a isto?

Primeiramente, é preciso dizer que um exame simples do texto bíblico revela referências intercambiáveis entre o
Espírito Santo e Deus. Em Atos 5.1-11 temos o relato sobre Ananias e Safira, um casal que, tendo vendido sua
propriedade, depositou parte do valor aos pés dos apóstolos, como sendo o valor total. Pedro lança lhes uma censura
pública, com estas palavras: “Ananias, por que encheu Satanás teu coração, para que mentisses ao Espírito Santo,
reservando parte do valor do campo? Conservando-o, porventura, não seria teu? E, vendido, não estaria em teu poder?
Como, pois, assentaste este desígnio? Não mentiste aos homens, mas a Deus”, At 5.3,4. Para o apóstolo Pedro, mentir ao
Espírito Santo era o mesmo que mentir a Deus, o que só pode ser possível se o Espírito Santo for Deus.

Situação semelhante pode ser encontrada em 1Co 3.16: “Não sabeis que sois santuário de Deus e que o Espírito
de Deus habita em vós?” o nosso corpo é santuário de Deus e é o Espírito que habita nele, porque ser habitado pelo
Espírito é ser habitado por Deus.

157
Em segundo lugar, o Espírito Santo possui atributos ou qualidades de Deus. Em 1Co 2.10-11, Paulo atribuí
onisciência ao Espírito Santo: “… porque o Espírito a todas as cousas perscruta, até mesmo as profundezas de Deus.
Porque qual dos homens sabe as cousas do homem, senão o seu próprio espírito, que nele está? Assim, também as
cousas de Deus, ninguém as conhece, senão o Espírito de Deus”.

Em Lucas 1.35, o “Espírito Santo” e “o poder do Altíssimo” são mencionados em paralelo; a descida de um põe em
ação o outro, porque o Espírito Santo é o Espírito do Altíssimo Deus, cujo poder estará em ação no corpo de Maria.

Em Hebreus 9.14, ele é “o Espírito eterno”. Se fosse mera criatura, não seria eterno, atributo exclusivo da
divindade nas Escrituras.

Obras divinas são atribuídas ao Espírito Santo, como a própria criação, que é obra essencialmente de Deus Pai; as
Escrituras são inspiradas pelo Espírito e reconhecidas como Palavra de Deus. E nas fórmulas batismal (Mt 28.19) e da
bênção apostólica (1Co 13.14), ele é colocado em associação com o Pai e o Filho, em aparente igualdade.

É impossível acolher a Bíblia como Palavra inerrante de Deus e, ainda assim, negar a divindade do Espírito Santo:
ou ele é Deus, ou a Escritura não pode ser verdadeira: ela afirma isto o tempo todo.

158
2.2 A PERSONALIDADE DO ESPÍRITO SANTO
O Espírito Santo não é uma força impessoal. É uma pessoa, e possui todos os marcos distintivos da
personalidade. Esta questão se reveste de importância especialmente diante da tendência crescente de se imantar
realidades meramente físicas. O panteísmo (e também o animismo) se apresenta como um perigo bem atual, patrocinado
pelas religiosidades orientais, sempre dispostas a dissolver a barreira existente entre a realidade física e a pessoal.

A Escritura continua sendo a base onde fundamentamos a pessoalidade do Espírito Santo. O Novo Testamento faz
uso do termo Pneuma para referir-se a ele. Há uma peculiaridade no uso que o NT faz deste termo, pois “Pneuma” é uma
palavra grega neutra, porém João a usa com pronome masculino, Jo 16.13.14. Já que o pronome tem que concordar em
pessoa, gênero e número, o normal, gramaticalmente, seria usar um pronome neutro. No entanto, deliberadamente, João
usa um pronome masculino, querendo indicar que Jesus se referia a uma pessoa.

João fala repetidamente do Espírito Santo como o “Paraklétos”: conselheiro, advogado ou seja: um agente
pessoal. De especial importância neste contexto é João 14.16, onde Jesus promete a vinda de “outro paraklétos”, cujo
significado é “outro da mesma espécie”. O que naturalmente se depreende deste texto é que aquele que virá para
substituí-lo é “outro da mesma espécie”, portanto: um ser pessoal como Jesus o era.

159
O Espírito Santo aparece, várias vezes, ao lado do Pai e do Filho (Mt 28.19; 2Co 13,14; Jd 20,21). O fato de que
ambos (Pai e Filho) são reconhecidos como pessoais exige que o Espírito Santo também o seja, já que não há nenhuma
distinção ao referir-se a ele juntamente com o Pai e o Filho.

Características consideradas fundamentais que formam uma pessoa são atribuídas a Ele: inteligência, vontade e
emoções (Jo 14.26; 1Co 12.11; Ef 4.30). Além disso, a Bíblia fala da possibilidade de mentir ao Espírito Santo, Atos 5.3,4;
entristecer, Efésios 4.30; apagar, 1Tessalonissenses 5.19; resistir, Atos 7.51. É possível resistir a uma mera força física,
mas não é possível mentir ou entristecer a algo que não seja pessoal; blasfêmia contra o Espírito Santo, Mateus 12.31.
Com certeza, trata-se de algo que não pode ser cometido contra algo impessoal.

O Espírito participa de ações que só podem ser atribuídas a um ser pessoal: ensino, regeneração, perscrutação,
fala, intercessão, comando, testificação, direção, iluminação e revelação. Atos como os narrados em Romanos 8.26:
“também o Espírito, semelhantemente, nos assiste em nossa fraqueza”, e em João 16.8: “Quando ele vier, convencerá o
mundo do pecado, da justiça e do juízo”, só podem ser atribuídos a um ser pessoal.

160
2.3 A OBRA DO ESPÍRITO SANTO
O objeto das maiores controvérsias nesta doutrina se relaciona com a ação prática do Espírito Santo na vida do
crente, ou seja: a sua obra. Não há consenso quanto à atualidade de algumas operações do Espírito, e há discordâncias
quanto ao que significa certas operações do Espírito. O fato de não se conseguir unanimidade no discurso sobre o Espírito
Santo não deve nos levar a ignorar o estudo das suas atividades, até porque a atividade do Espírito é a atividade de Deus
em e através do crente.

2.3.1 A obra do Espírito Santo no Antigo Testamento

Ao pesquisar sobre o Espírito Santo no Antigo Testamento, é preciso considerar que ele (o Antigo Testamento)
corresponde a um estágio em que a revelação está incompleta. É com o Novo Testamento que a temos completa.
Erickson lembra que o termo “Espírito Santo” é raramente empregado no Antigo Testamento, sendo mais constantemente
usada a expressão “Espírito de Deus”. No entanto, o Novo Testamento relaciona as duas expressões, como é o caso em
Atos 2.16-21, onde o cumprimento da promessa de Jesus acerca da descida do Espírito Santo é dito como o cumprimento
da profecia de Joel, onde fora dada a promessa de que Deus derramaria do seu Espírito sobre toda a carne, Joel 2.28.
Neste exemplo fica claro que o “Espírito de Deus” do Antigo Testamento é sinônimo de Espírito Santo no Novo
Testamento.

161
No Antigo Testamento, o Espírito está em ação na criação (Gn 1.2; Jó 26.13). Ele está ativo no ministério dos
profetas, cuja palavra inspirada é atribuída ao próprio Deus. A exemplo do que acontece no NT, ele concede habilidades
para certas tarefas práticas, como a habilidade artística (Êx 31.3-5) e administrativa (Gn 41.38). Os reis em Israel eram
vistos como sendo especialmente ungidos pelo Espírito para a tarefa de governar (1Sm 16.13). Ele era quem produzia
qualidades morais de santidade na pessoa que era vista como ungida.

O próprio AT reconhece um tempo em que o Espírito seria derramado em plenitude, um tempo em que o ministério
seria mais completo sob sua unção. É o caso do já citado texto de Joel 2.28, quando todos seriam capacitados a ministrar
com eficiência. Grande era a expectativa com relação ao Messias, alguém que seria especialmente “O Ungido do Senhor”,
sobre quem o Espírito do Senhor repousaria de forma especial, conforme Isaías 61.

162
2.3.2 A obra do Espírito Santo na vida de Jesus

O Espírito Santo esteve ativo principalmente durante a vida de Jesus Cristo, dando-lhe condições para realizar sua
obra na terra. Ações em particular do Espírito incluem:

• Concepção de Jesus: de acordo com os relatos dos evangelhos, Jesus não foi concebido por um pai
terrestre, mas pelo Espírito Santo e nasceu da Virgem Maria. O "início de Sua existência encarnada" se deu por
conta do Espírito Santo.

• Unção no batismo de Jesus: No batismo de Jesus houve uma manifestação visível da descida do Espírito
Santo sobre Jesus.

Ainda durante o Seu Ministério: logo após o seu batismo, é dito que Jesus estava cheio do Espírito, e que ele foi
conduzido pelo poder do Espírito Santo. Os relatos de seu ministério dão a entender que ele permaneceu assim até o fim.
Não encontramos evidência de que esse enchimento do Espírito em Jesus tenha oscilado durante seu ministério, Lucas
4.14. Não somente seu ensino e os milagres miraculosos eram realizados pelo poder do Espírito, como também expulsava
os demônios “pelo Espírito de Deus” (Mt 12.28). “Até suas emoções eram no Espírito Santo” (ERICKSON, 1997, p.355),
pois em Lucas 10.21 é dito que “Naquela hora exultou Jesus no Espírito Santo”. Curiosamente, nenhum relato há de Jesus
vivenciando qualquer manifestação semelhante às dos dons espirituais, como narrado em Atos e nas epístolas.

163
2.3.3 A obra do Espírito Santo na vida do cristão

O Espírito Santo é fundamental desde o início da obra de Deus no crente. A própria conversão não pode acontecer
senão pela ação do Espírito, pois o próprio Jesus a condicionou à sua ação: “Quando ele (O Consolador) vier, convencerá o
mundo do pecado, da justiça e do juízo…”, João 16.8. Sem esta obra de convencimento do Espírito não poderá haver
qualquer movimento humano para Deus. A regeneração, como obra interior que opera o novo nascimento, é totalmente
dependente da ação do Espírito. Ela é uma ação sobrenatural produzida pelo Espírito santo, João 3.5,6.

Durante toda a vida cristã o crente estará dependente do Espírito, pois é ele que concede o poder para a vida na
fé. Antes que algo fosse realizado, os cristãos deveriam aguardar pela descida o Espírito, que lhes daria o poder para
realizar as mesmas obras que Jesus havia realizado. A grande diferença da Nova Aliança é que o Espírito habitaria dentro
dos crentes. Ele os guiaria a toda a verdade, os ensinaria e faria lembrar as coisas que Jesus havia dito. Os crentes
seriam iluminados, recebendo capacidade de entenderem as Escrituras. Não menos importante é a obra da intercessão do
Espírito. Nada é mais encorajador do que saber que o Espírito intercede por nós, e ainda nos ensina a orar, pois “não
sabemos orar como convém” (Rm 8.26).

164
Uma obra especial na vida do cristão é a santificação. Na justificação somos vistos de modo diferente por Deus;
na santificação, o Espírito opera para nos transformar, levando-nos a sermos COMO olhos de Deus nos querem ver.
Enquanto a justificação é instantânea, a santificação é obra contínua, transformando o caráter moral e espiritual do
crente. O desejo de Deus é que os crentes vivam no Espírito. Ele deseja que seja produzido “o fruto” do Espírito, uma lista
de virtudes que tornam o crente espiritual; também lhe concede os “dons do Espírito”, uma lista de habilidades para o
exercício dos ministérios no corpo de Cristo. O fruto o torna espiritual, alterando seu caráter; os dons o tornam eficiente,
alterando sua habilidade para o serviço. Acerca dos dons espirituais reservamos uma discussão à parte, pois aí residem
muitas divergências entre os intérpretes da Escritura.

165
2.4 OS DONS DO ESPÍRITO SANTO
De acordo com a Escritura, o Espírito Santo concede "dons" aos cristãos, que seriam habilidades específicas. Eles
são também conhecidos pela palavra grega para dádiva ou graça, Charisma, de onde o termo carisma deriva. O que são os
dons espirituais e qual o seu propósito? Os dons espirituais são dados para equipar a igreja a fim de que desenvolva seu
ministério até que Cristo volte. Neste sentido, eles não são o resultado da santidade do cristão, mas uma graça especial,
uma ferramenta dada por Deus, com vista à eficiência no serviço. A igreja de Corinto era abundante em dons, no entanto,
Paulo os chama de carnais, ignorantes e meninos em Cristo. O fruto é o resultado da santificação; já o dom é dádiva da
soberania do Espírito que “realiza todas estas coisas, distribuindo-as, como lhe apraz, a cada um, individualmente” (1Co
12.14), e está relacionado ao desempenho de seu serviço, e da edificação do corpo de Cristo.

Quantos dons existem? O Novo Testamento provê três diferentes listas de tais dons (em 1Co 12, Rm 12 e Ef 4),
que abrangem do sobrenatural (cura, profecia, falar em línguas) até os que se associam com diferentes vocações
esperadas de todos os cristãos em algum grau (fé). Muitos consideram que estas listas não são exaustivas, mas apenas
representativas, e uma quarta lista poderia ser acrescentada descrita em 1Pedro 4.10,11. As listas são diferentes, e
parecem incluir conceitos diferentes sobre o que chamam de “dons”. No caso de Efésios 4, trata-se de pessoas com
habilidades especiais que são dados como dons especiais de Deus à igreja; Romanos parece entender os dons como
habilidades especiais, mas diferentes da lista de 1Coríntios, onde são incluídos dons miraculosos, que parecem incluir
uma experiência de êxtase, em algum grau.

166
Grudem alista um grande número de dons baseado nos textos referidos, os quais alistamos abaixo
(GRUDEM,1999, p.863):
1Coríntios 12.8-10, 28 Efésios 4.11 Romanos 12.6-8 1Pedro 4.11
Apóstolo Apostolo Profecia Falar - vários dons
Profeta Profeta Serviço Servir - vários dons
Mestre Evangelista Ensino
Milagres Pastor mestre Encorajamento
Dons de curar Contribuição
Socorros Liderança
Administração Misericórdia
Línguas
Palavra de sabedoria
Palavra do conhecimento

Discernimento de espíritos 1 Coríntios 7.7
Línguas Casamento
Interpretação de línguas Celibato

167
É justamente sobre a natureza e a ocorrência destes dons, particularmente dos sobrenaturais (por vezes
chamados de "carismáticos"), que residem as maiores diferenças entre os cristãos, no que diz respeito ao Espírito Santo.

Os dons continuam atuando hoje na igreja, ou teriam desaparecido? Uma visão é que os dons sobrenaturais são
uma forma especial de exceção concedida na era apostólica, justamente por causa das condições únicas da igreja
naquela época, e esses dons são muito raramente concedidos atualmente. Esta é a visão da Igreja Católica e de muitos
outros grupos que compõem a maioria dos cristãos. Teologicamente é conhecida como “cessacionismo”. Paulo parece
falar de um desaparecimento de certos dons; no entanto, tal desaparecimento será “quando vier o que é perfeito” (1Co
13.8-10). Até a vinda de Cristo, portanto, parece certo de que tais dons estarão em vigor para a edificação da igreja.
Nossa linha denominacional batista independente não é cessacionista, ao contrário, ensina que a Igreja precisa desses
dons espirituais, que devem ser exercidos no temor do Senhor, sem exibicionismo e sem pretensão de apresentar um nível
de espiritualidade mais elevada!

A visão alternativa, desposada principalmente pelas denominações pentecostais e pelo Movimento Carismático, é
a de que a ausência de dons sobrenaturais se deu por se ter negligenciado o Espírito Santo durante boa parte da história
da igreja. Embora alguns grupos, como os montanistas e outros considerados heterodoxos, tenham pregado a prática dos
dons sobrenaturais, ela é muito rara até o surgimento do pentecostalismo no final do século XIX e início do século XX.

168
2.5 – O BATISMO COM O ESPÍRITO SANTO
Muitos cristãos alegam haver alcançado uma nova experiência com o Espírito Santo, e que ela lhes deu uma nova
dinâmica de vida, bem como receberam novos dons. Esta posição alega que os discípulos já eram nascidos de novo (Jo
20.22), mas precisavam ser revestidos de poder: “sereis batizados com o Espírito Santo, não muito depois destes dias”
(At 1.5).

No dia de Pentecoste, línguas de fogo pousaram sobre eles e “todos ficaram cheios do Espírito Santo e passaram
a falar em outras línguas, segundo o Espírito lhes concedia que falassem” (At 2.4). Os pentecostais referem-se a esse
evento como “batismo com o Espírito Santo”, e argumentam que ele aconteceu posteriormente à conversão. Os cristãos,
hoje, devem buscar e receber esse batismo, o qual lhes dará grande capacitação para o ministério, e também o acesso
aos dons espirituais, especialmente o de falar em outras línguas.

Em apoio a esse modus operandi do Espírito Santo são invocados eventos que parecem seguir o mesmo padrão,
como em Samaria (At 8). Os crentes ali haviam crido mediante a pregação de Filipe, mas só receberam o Espírito Santo
quando Pedro e João oraram por eles (At 8.14-17). Atos 19 também é usado como apoio, pois os convertidos de Apolo só
receberam o Espírito Santo quando “impondo-lhes Paulo as mãos, veio sobre eles o Espírito Santo; e tanto falavam em
línguas como profetizavam” (At 19.6).

169
2.5.1 O significado de “batismo com o Espírito Santo”

Encontramos somente sete passagens no Novo Testamento que se referem a um “batismo com o Espírito Santo”.
Quatro delas provém de João Batista, sinalizando Jesus como aquele que batizaria com o Espírito Santo, diferenciando-o
de seu próprio batismo em água. Destas passagens nada ficamos sabendo sobre o que significa o “batismo com o Espírito
Santo”, apenas que é Jesus quem batiza com o Espírito.

Outras duas passagens provêm de Atos dos Apóstolos, e referem-se ao que aconteceu no dia de Pentecostes:

“João, na verdade, batizou com água, mas vós sereis batizados com o Espírito Santo, não muito depois destes
dias” (At 1.5).

“Então me lembrei da palavra do Senhor, quando disse: João na verdade, batizou com água, mas vós sereis
batizados com o Espírito Santo” (At 11.16).

170
Muito embora estes textos não sejam didáticos, mas relatos, eles lançam luz ao entendimento do que seja o
“batismo com o Espírito Santo”. É óbvio que ele aconteceu no dia de Pentecostes conforme narrado em Atos 2, quando os
discípulos ficaram cheios do poder de Deus e falaram em outras línguas. Até aqui parece que tudo legitima o ensino
pentecostal mais tradicional: o “batismo com o Espírito Santo” acontece depois da conversão, com a evidência do falar
em línguas. Contudo, precisamos ainda considerar outros aspectos da Escritura.

A sétima passagem encontra-se em 1Corintios 12.13. De todas, esta é a única que tem um caráter didático. “Pois
em um só corpo todos nós fomos batizados em um único Espírito: quer judeus, quer gregos, quer escravos, quer livres. E a
todos nós foi dado beber de um único Espírito”.

É de reconhecer que este texto de Paulo, acima referido, se considerado isoladamente, parece favorecer o
entendimento de que todo crente, ao ser inserido no corpo de Cristo, por sua conversão e regeneração, é “batizado com o
Espírito Santo”. Mas não convém esquecer que a experiência dos discípulos, de serem cheios do Espírito Santo no dia de
Pentecoste, é equivalente a ser “batizado com o Espírito Santo”, conforme as palavras de Pedro (At 11.15-16). Os
intérpretes da linha pentecostal apontam para o fato de que, nesse texto de 1 Coríntios, Paulo possivelmente esteja se
referindo a dois aspectos de uma experiência que tem a mesma fonte: a) na regeneração, pelo Espírito Santo, o crente é
batizado no corpo de Cristo (que é a Igreja), uma experiência sobrenatural e da qual o batismo nas águas é símbolo (At
2.38; Cl 2.12); b) no batismo com o Espírito Santo, o crente é cheio do Espírito (At 1.8; 4.31; Ef 5.18, entre outros textos).

171
O que parece estar claro no Novo Testamento é que, tendo recebido o Espírito Santo quando da conversão,
experiência que Paulo chama de “selo do Espírito (Ef 1.13-14; 4.30), o crente ainda deve buscar o enchimento com esse
mesmo Espírito (Ef 5.18). Trata-se de uma experiência que se repete ao longo da vida cristã, enquanto o “selo” indica,
naturalmente, uma experiência não repetitiva. Reconhece-se que, aqui, temos uma questão de terminologia. Vários
eruditos do Novo Testamento insistem que aquela primeira experiência (a de ser “selado”) deve ser chamada de “batismo
com o Espírito Santo”. Seja como for, o que não pode ser negado, à luz do Novo Testamento, é que todo crente deve
buscar uma vida cheia do Espírito, experiência que também pode ser chamada de “batismo no Espírito Santo”, conforme
as palavras do próprio apóstolo Pedro ao explicar o que aconteceu no dia de Pentecoste (At 11.15-16).

Ilustres professores da Bíblia, tais como A.H. Strong (teólogo batista), A. J. Gordon (pastor batista); R. A. Torrey
(avivalista do século XIX) compartilharam a mesma ideia: ser batizado com o Espírito é ser cheio do Espírito. Nossa
Denominação Batista Independente, a partir dos ensinos postulados por John Ongman, fundador da Missão de Örebro
(Suécia), adota essa mesma linha doutrinária, conforme consta dos “Princípios da nossa Fé”. Nesse manual lemos:

172
“O batismo com o Espírito Santo é uma experiência perfeitamente normal na vida cristã e sumamente
importante (At 1.4-8). É uma experiência para todos os salvos, como indicam claramente as seguintes
passagens: Lucas 24.49; Atos 2.4; 8.15-17; 10.44-46; 19.2-6; 1Coríntios 12.13; Hebreus 2.4, sendo uma
experiência definida, da qual cada crente pode ter certeza. Trata-se de uma operação do Espírito Santo,
inclusive buscando os dons espirituais – que devem ser usados para o seu próprio fortalecimento
espiritual e, principalmente, para a edificação de toda a Igreja (Ef 5.18; 1Co 12.4-11; 14. 1-40). E
especificamente com relação ao dom de línguas – assunto ainda hoje tão polêmico – por causa da
questão se é ou não a evidência do batismo no Espírito Santo –, nossa linha doutrinaria não reconhece
esse dom em tal posição. Basta citar o texto de 1ª Coríntios 12. 29-30. Além da expressão batismo com o
Espírito Santo, o Novo Testamento usa outras figuras para referir-se à mesma experiência, tais como: “ser
ungido” 1Co 1.21; “beber do Espírito”, Jo 7.37-39; 1Co 12.13; “receber virtude ao vir” o Espírito Santo e
“vinda” do Espírito sobre as pessoas, At 1.8; o Espírito Santo “caiu”, At.11.15 (Princípios da nossa Fé, p.
20).

Com respeito à afirmação de alguns, de que o falar em línguas estranhas é a evidência do batismo no Espírito
Santo, não se pode dizer que tal afirmação tenha suficiente base bíblica. Sobre o assunto escreveu o Pastor José Tomaz
R. Lima em seu livreto “Os Dons do Espírito”:

173
Sendo um assunto bastante polêmico, ainda em nossos dias, convém observar a respeito desse dom:

• Nem todos falam em línguas (1Co 12.20-30);

• É um dom concedido pelo Espírito Santo, especialmente para edificação pessoal (1Co 14.1-4);

• Sendo um dom do Espírito, ninguém pode ensinar uma pessoa a falar em línguas, através de repetições de
palavras, como aqui e ali às vezes é praticado por alguns pregadores. “É o Espírito Santo que confere a
cada um o dom que lhe aprouver” (LIMA, 2014).

Com certeza, pode-se dizer que a experiência de ser cheio do Espírito Santo, como no livro de Atos, resulta
numa capacitação sobrenatural, podendo haver manifestação de diversos dons miraculosos, inclusive o de
falar em línguas.

174
2.6 A BLASFÊMIA CONTRA O ESPÍRITO SANTO OU O PECADO IMPERDOÁVEL
Queremos dizer uma palavra sobre uma inquietante questão, que sempre é levantada no estudo desta doutrina: o
que é a blasfêmia contra o Espírito Santo, ou o pecado imperdoável? Fomos atrás de uma resposta sucinta e bem
elaborada à esta pergunta, e a encontramos no site do “gotquestions”, cujo linck colocaremos na bibliografia do final do
texto.

A questão da “blasfêmia contra o Espírito” no Novo Testamento é mencionada em Marcos 3:22-30 e


Mateus 12:22-32. O termo blasfêmia pode ser geralmente definido como “irreverência desafiante”.
Aplicaríamos o termo a pecados como amaldiçoar a Deus, ou, propositadamente, degradar coisas relativas
a Deus. Também o é atribuir mal a Deus, ou negar atribuir-lhe algum bem devido. Este caso de blasfêmia,
entretanto, é específico, chamado de “A Blasfêmia contra o Espírito Santo” em Mateus 12.31. Em Mateus
12.31-32, os Fariseus, tendo testemunhado provas irrefutáveis que Jesus fazia milagres no poder do
Espírito Santo, afirmaram que, ao contrário, o Senhor estava possuído pelo demônio “Belzebu” (Mateus
12:24). Note que em Marcos 3.30 Jesus é muito específico a respeito do que exatamente eles fizeram
para cometer a “blasfêmia contra o Espírito Santo”.

175
Esta blasfêmia tem a ver com alguém acusando Jesus Cristo de ser possuído por demônios ao invés de
estar cheio do Espírito. Há outras maneiras de blasfemar contra o Espírito Santo, mas esta foi “A”
blasfêmia imperdoável”. Como resultado, a blasfêmia contra o Espírito Santo não pode acontecer hoje.
Jesus Cristo não está sobre a terra, mas assentado ao lado direito de Deus. Ninguém pode testemunhar
que Jesus Cristo esteja fazendo um milagre e atribuir este poder a Satanás ao invés do Espírito. Apesar de
não haver blasfêmia contra o Espírito Santo hoje, nos termos literais como registrada na época de Jesus,
devemos sempre lembrar que há um estado de existência imperdoável: o estado de incredulidade. Não há
perdão para alguém que morre em incredulidade.

176
09
ESCATOLOGIA
A DOUTRINA SOBRE AS ÚLTIMAS
COISAS
"Eles o venceram pelo sangue do cordeiro e pela
palavra do seu testemunho: e não amaram as
suas vidas até a morte”
—Apocalipse 12.11

178
DEFINIÇÃO

Escatologia é a doutrina das coisas que vão acontecer no fim dos tempos. A palavra escatologia deriva de duas palavras
gregas: eschatos (εσχατος), que quer dizer último, posterior, e logia, que quer dizer estudo, conhecimento, doutrina ou tratado. A
Escatologia não apenas estuda os fatos que vão acontecer, mas sua finalidade principal é a de preparar o crente para a volta de
Jesus.

ASSUNTOS LIGADOS À ESCATOLOGIA

a) a morte do homem;
b) o estado intermediário;
c) a segunda vinda do Senhor;
d) o milênio;
e) a ressurreição dos mortos;
f) o arrebatamento dos salvos;
g) o juízo final;
h) a glorificação.

179
A morte do homem

A morte física é a paralisação de todas as atividades do corpo. É também a separação entre o espírito e o corpo. Ela,
porém, não é o fim da existência, porque o homem é imortal (Ec 3.18-22; Hb 9.27; 1 Co 15.55 e Gn 6.17). É chamada de “a
primeira morte”.

A morte espiritual também é uma realidade: é a separação entre Deus e o homem pela ação do pecado (Ef 2.1 e Cl 2.13).
Se o homem não se converter a Cristo e, portanto continuar nesse estado de morte espiritual, ficará eternamente separado de
Deus. A isso a Bíblia chama de “segunda morte” (Ap 21.8). A morte de Cristo nos trouxe a verdadeira vida; através dela, o crente
já não é mais um morto espiritual (Jo 6. 40).

O “estado intermediário”

Com a morte, a alma humana passa a uma forma de existência incorpórea. Por isso chamamos de “estado intermediário”
a essa existência espiritual (existência do espírito sem o corpo) que a pessoa experimenta no período entre sua morte (física) e
o dia da ressurreição final; portanto, vai da morte até a ressurreição.

Existem muitas ideias e controvérsias acerca deste assunto, visto que a Bíblia não nos dá todas as respostas
pertinentes; mas os textos bíblicos referentes ao assunto são suficientemente claros para entendermos a importância desta
doutrina. Há pelo menos três linhas diferentes, três posições teológicas sobre esta questão:

180
a) “O sono da alma” – durante o século XVI, muitos crentes piedosos, entre eles os Anabatistas, parecem que defendiam essa
idéia. Provavelmente porque as Escrituras usam a simbologia do sono para referir à morte (ex.: Estevão em At 7.60 e Davi em
At 13.36). Paulo usa essa figura em 1 Coríntios 15 e em 1 Tessalonicenses 4. O próprio Senhor Jesus usou essa linguagem
(Jo 11.11). Entretanto, a palavra de Jesus ao ladrão arrependido (Lc 23.43); a declaração de Estevão, ao morrer, de que
entregava seu espírito a Deus (At 7.49) – tudo isso cria uma dificuldade muito grande para os que mantêm essa idéia do sono
da alma. O que parece mais correto é entender essas expressões “dormir”, “adormecer”, aplicadas à morte, como sendo uma
maneira mais branda de registrar o falecimento de uma pessoa. A isso a gramática chama de eufemismo;

b) O purgatório – trata-se de uma doutrina do catolicismo romano, sem real apoio bíblico, pelo menos sem apoio nos livros
chamados canônicos, isto é, reconhecidos como inspirados. O texto de Hebreus 9.27, além de outros, é irresistível: “depois da
morte vem o juízo”.

c) O estado Intermediário – isto quer dizer: entre a morte e a ressurreição há um estado em que o crente já experimenta a
presença de Deus, enquanto o incrédulo, a Sua ausência. Sobre este tópico, convém notar:

i. É possível fazer diferença entre Hades e Geena. Hades é o lugar onde os incrédulos aguardam a ressurreição; Geena
é o lugar de tormento eterno (Mc 9.43-48);
ii. Há textos no NT que indicam que os crentes, ao morrerem, não descem ao Hades (Mt16. 18,19; At 2.31);
iii. Os crentes são recebidos no “paraíso” (também chamado “seio de Abraão”, Lc 16.23);

181
Segundo o apóstolo Paulo, estar ausente do corpo equivale a estar na presença do Senhor (2 Co 5.1-10 e Fp 1.19-26). É
de se notar que, com referência a esse estado intermediário, não devemos estar preocupados com o conceito de lugar. O
importante é saber que o crente, após a morte, está com Cristo! Sobre a condição do ímpio, entre a morte e a ressurreição para o
juízo final, o NT não fornece muitas informações. O que se pode dizer, à luz das Escrituras, é que os incrédulos, que morreram sem
Cristo, estão num estado de condenação (e de tormento), e não há nenhum texto bíblico que lhes garanta uma segunda chance. O
tempo para a salvação é o dia que se chama hoje. Não há, segundo o ensino de Jesus, possibilidade de mudanças após a morte.
(Lc 16.23-26 e Hb 3.12,13).

Portanto, duas verdades bíblicas parecem bem claras:

1°- para o cristão, cuja vida está escondida em Cristo, a morte não tem o aspecto de terror e nem de separação final. Na
verdade, é a passagem para uma vida muito melhor (Fp 1.23);

2° - para o incrédulo, a morte é dolorosa, pois não lhe restam esperanças para uma vida eterna com Deus.

182
A SEGUNDA VINDA DO SENHOR

"Esse Jesus que dentre vós foi recebido em cima no céu, há de vir, assim como para o céu o vistes ir" (At 1.11).
Cremos que Jesus, nosso Salvador, breve voltará. Temos a promessa de sua vinda tanto no Antigo como no Novo
Testamento: Is 11.4; Dn 7.13-17; Zc 14.3-5; At 1.11,1 Ts 4.15,16; 1 Jo 3.2 e Ap 19.11-21.
Por que Jesus voltará?
Ele virá para levar-nos com Ele (leia Jo 3.14);
Ele virá para julgar cada um segundo o que tiver feito (leia Mt 16.27).

O MILÊNIO
A ideia do Milênio (período de mil anos em que Cristo reinará na terra com os seus santos) é baseada em Apocalipse 20.1-
7, onde João descreve que os santos, após ressuscitados, serão sacerdotes de Deus e de Cristo, e reinarão com Ele mil anos.
Este texto tem motivado muitas discussões. Enquanto um grupo o aceita literalmente, isto é, trata-se realmente de mil anos,
outro grupo entende que essa expressão indica um período indefinidamente longo, isto é, trata-se de linguagem figurada e não
literal.
Ainda não tem sido encontrada uma conclusão que agrade e seja aceitável por todos acerca do milênio. O que se pode
dizer é que, em havendo um Milênio, não importando sua duração, isto acontecerá depois da vinda de Cristo, quando Satanás será
amarrado, e o Anticristo já tenha sido derrotado pelo Senhor, o que acontecerá por ocasião da sua gloriosa vinda (2 Ts 2.1-11).

183
A RESSURREIÇÃO DOS MORTOS

A Bíblia ensina esta doutrina, a ressurreição dos mortos. No principio da criação, Deus teve poder para, do pó, formar o
homem; no dia da ressurreição final, o mesmo poder atuará para fazer com que todos os corpos, que um dia viveram sobre a face
da terra, voltem a viver através do espírito de vida que virá sobre eles outra vez – "E muitos dos que dormem no pó da terra
ressuscitarão, uns para a vida eterna e outros para vergonha e desprezo eterno” (Dn 12.2). Entenda-se que, conforme o texto de
Apocalipse capítulo 20 só os crentes em Cristo ressuscitarão por ocasião da vinda do Senhor. Os demais (os que morreram na
incredulidade) somente hão de ressuscitar após o milênio, para o Juízo Final. Leia os seguintes textos: Jo 19. 25-27; SI 16.9-11;
Ez 37.1-17; Mc 12.18-27; Jo 11.23-26; Jo 5. 21-29 e Jo 6. 40-44).

O ARREBATAMENTO DOS SALVOS

Embora muitos estudiosos da Bíblia falem de que a vinda de Cristo se dará em duas fases distintas, a primeira chamada
de arrebatamento (e somente para os salvos que esperam o Senhor para a salvação); e a segunda, que seria a volta visível e
gloriosa de Cristo, os textos bíblicos que falam sobre o assunto dão uma ideia bastante clara de que se trata de um só evento. Ao
que tudo indica, conforme os textos pertinentes, Cristo voltará com poder e glória, visivelmente, e arrebatará os crentes para com
Ele se encontrarem nos ares e ficarem a Ele ligados para sempre, independentemente do que acontecerá após esse grande
evento. Leia os seguintes textos: 1 Co 15.51-52; Mt 24.42-44; 1 Ts 4.17; Ap 19.7-9; Mt 24.21; Mt 24.30; Ap 1.7 e Zc 14.4.

184
Observação: A linha interpretativa, que ensina a vinda de Cristo em 2 fases, é conhecida como dispensacionalismo, e tem
sido defendida por muitos piedosos expositores da Bíblia. É conveniente não ser dogmático nesse assunto, mas o problema
dessa linha de interpretação é que ela não resiste a uma exegese coerente e sadia do NT. Parece que tal interpretação baseia-se
mais em inferências do que em afirmações claras do NT a respeito dessa questão (o aluno, lendo os textos referidos, tirará suas
próprias conclusões). Nosso manual Batista Independente “Princípios de Nossa Fé” (revisado), não contempla esses detalhes,
justamente por causa das várias interpretações.

O JUÍZO FINAL

“Porquanto estabeleceu um dia em que há de julgar o mundo com justiça por meio de um varão que destinou e acreditou
diante de todos, ressuscitando-o dentre os mortos” (At 17.31).

A Palavra de Deus avisa ao homem que haverá um dia de Juízo Final sobre a humanidade; neste dia, todos serão julgados
"Porque todos devemos comparecer diante do tribunal de Cristo, para que cada um receba o que fez por meio do corpo, segundo o
que praticou, o bem ou o mal " (2 Co 5.10).

185
A GLORIFICAÇÃO

“E aos que predestinou, a estes também chamou, e, aos que chamou, a estes também santificou; e aos que santificou, a
estes também glorificou" (Rm 8.30).

A glorificação é o estágio final do processo da salvação e trata-se de algo que acontecerá no mundo vindouro. Segundo o
ensino do NT, todos os verdadeiros crentes serão glorificados, e isso inclui também a glorificação do corpo, que ocorrerá na
segunda vinda de Cristo, conforme Paulo escreve em sua carta aos Filipenses: “Pois a nossa cidadania, porém, está nos céus, de
onde esperamos ansiosamente o Salvador, o Senhor Jesus Cristo. Pelo poder que o capacita a colocar todas as coisas debaixo do
seu domínio, ele transformará os nossos corpos humilhados, tornando-os semelhantes ao seu corpo glorioso” (Fp 3.20-21).

O crente glorificado (com novo corpo, novo nome) estará no Céu, descrito como lugar de perfeita paz e harmonia, gozando
das bênçãos de ter vencido. O gozo dos salvos no Céu será eterno: Ap 21.1; Ap 22.5; Mt 25. 46; Ap 21:3 e Ap 22.4.

186
REFERÊNCIA BIBLIOGRAFICA

As Últimas Coisas; 2ª Ed., São Paulo, Novas Edições Líderes Evangélicos, 1983.

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BERGSTÉN, Eurico.Teologia Sistemática. 1ª Ed., Rio de Janeiro, CPAD, 1980.

Bíblia Sagrada, Nova Versão Internacional, São Paulo, 1993, (Nota; todas as passagens bíblicas, mencionadas textualmente,
foram extraídas desta)

CONCEIÇÃO, Eurípides da. Soteriologia: uma abordagem Teológica sobre a obra da salvação. Rio de Janeiro: STPRJ, 2000.
<<Monergismo.com>> acessado em 13/03/2010.

CONNER, Walter Thomas. Revelação e Deus. 2ª Ed., Rio de Janeiro, JUERP, 1979.

ERICKSON, Millard J. Introdução à Teologia Sistemática. São Paulo: Vida Nova, 1997.

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REFERÊNCIA BIBLIOGRAFICA

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GRUDEM, Wayne. Teologia Sistemática. São Paulo: Vida Nova, 1999.

GUTZKE,Manford G.Manual de Doutrina. 2ª Ed. Vida Nova, 1990.

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LIMA, José Tomaz R. Os dons do Espírito. Porto Alegre, 2014.

MARIANO, Wellington. O que é Teologia Arminiana? São Paulo: Reflexão, 2015.

NASCIMENTO, Valmir. Graça Preveniente: Um estudo sobre o gracioso agir de Deus para a salvação humana. 1ª ed. São Paulo:
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O que é a blasfêmia contra o Espírito Santo? Disponível em: http://www.gotquestions.org/Portugues/blasfemia-Espirito-


Santo.html#ixzz3JTcDSBlq>> acessado em 18/11/2014.

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REFERÊNCIA BIBLIOGRAFICA

RODRIGUES, Zwinglio. Graça Resistível. 1ª ed. São Paulo: Reflexão, 2016

SCHNEIDER, Theodor (Org.). Manual de Dogmática, vol. I e II. Petrópolis, RJ: Vozes, 2008.

Wikipedia Foundation Inc / Califórnia - USA – Informações e datas sobre os autores ou terminologia grega e hebraica, foram
extraídas dos respectivos sites desta.

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FIM DO CURSO
PARABÉNS, DEUS ABENÇOE!

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