Você está na página 1de 42

A Palavra de Deus

como fonte geradora da fé


Prof.ª Mariana Aparecida Venâncio
Assessora da Comissão Episcopal Pastoral para a Animação Bíblico-Catequética da CNBB
Doutoranda em Estudos Literários pela Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF)
marianaavenancio@gmail.com
Quais as relações entre
Teologia Bíblica
e
Teologia Pastoral?
O que é a Palavra
de Deus e de que
forma ela está
presente na
Bíblia?

O que é a Bíblia?
Verbum Domini, 6
A novidade da revelação bíblica consiste no fato de Deus Se dar a conhecer no
diálogo, que deseja ter conosco. A Constituição dogmática Dei Verbum tinha
exposto esta realidade, reconhecendo que «Deus invisível na riqueza do seu amor
fala aos homens como a amigos e convive com eles, para os convidar e admitir à
comunhão com Ele» (...). Deus dá-Se-nos a conhecer como mistério de amor
infinito, no qual, desde toda a eternidade, o Pai exprime a sua Palavra no Espírito
Santo. Por isso o Verbo, que desde o princípio está junto de Deus e é Deus, revela-
nos o próprio Deus no diálogo de amor entre as Pessoas divinas e convida-nos a
participar nele. Portanto, feitos à imagem e semelhança de Deus amor, só nos
podemos compreender a nós mesmos no acolhimento do Verbo e na docilidade à
obra do Espírito Santo. É à luz da revelação feita pelo Verbo divino que se
esclarece definitivamente o enigma da condição humana.
A associação entre
Palavra de Deus e Bíblia
Divino Humano
Inspiração Criatividade
Revelação Linguagem
Espírito Santo Criação
Mistério de Interpretação
comunicação

A Bíblia é, portanto, parte da Palavra de Deus que se fixou pela escrita. Segundo
Jean Louis Ska, a Bíblia é Palavra de Deus nas narrativas dos homens. Assim, ela
também é uma expressão da kenosis divina.
Assim, para evitar problemas pastorais, é
importante compreender e formar para a
compreensão de que da Bíblia à Palavra
de Deus é necessária a contribuiçao da fé.
A Literatura não traduz objetivamete a
Revelação, mas exige a mediação da
interpretação.
No caso da Bíblia, estes três
âmbitos são responsáveis pelo
Assim, a fé, a partir da Palavra
processo de constituição da fé.
de Deus, vai sendo construída
Seus autores, por intermédio de
gradativamente, desde a sua
uma experiência, alcançaram a
escrita até a sua recepção. É
fé. Na escrita, registraram
pela fé que a Bíblia dá acesso à
como puderam e consideraram
Palavra de Deus.
importante, a fé professada. Na
Na Literatura, distinguimos três recepção, o mesmo texto
continua a despertar e a gerar a
âmbitos a partir dos quais os
fé, auxiliando também em seu
textos podem ser analisados:
processo de compreensão e
autoria, escrita e recepção.
aprofundamento teológico.
EXEMPLOS
A origem da Bíblia como Escritura
É no contexto do Exílio na Babilônia (séc. VI a.C.) que as
antigas tradições do Pentateuco são redigidas e que o
Judaísmo se converte, de uma tradição de oralidade para uma
religião do livro.

EXÍLIO
Antigas histórias são registradas, mas novas histórias são,
também, narradas. Essas novas histórias são, sobretudo,
respostas às literaturas babilônicas, que tinham seu próprio
deus, Marduk, como sujeito principal de ações que Israel
atribuía a Deus. Assim, a Literatura do exílio constrói a
imagem de Deus criador e libertador.

A literatura profética constrói o ideal da confiança em Deus.


Ele não é alguém que existe e reina, mas Deus que caminha
com o povo.
A origem da Bíblia como Escritura
[...] os exegetas puderam estabelecer que os relatos bíblicos
dependem dos relatos mesopotâmicos, neste caso, Enuma Elish
para Gn 1, a epopeia de Gilgamesh e a de Athrasis para o dilúvio.
Em poucas palavras, trata-se de um fenômeno conhecido em
muitas culturas: Israel apropriou-se de elementos importantes da
cultura dominante e os modificou e adaptou à própria ideologia

EXÍLIO – ou à própria teologia. Chamaria o princípio na base de


fenômeno de “também nós”. Em Israel se quer afirmar que
“também nós” temos um relato da criação e um relato do dilúvio.
Ademais, afirma-se que o verdadeiro criador do universo não é o
deus babilônio Marduk, mas o Deus da sua fé, o Deus que se
tornará o Deus de Israel [...]. Em particular, significa que Israel é
um povo autônomo: não depende de outra nação porque foi seu
Deus que criou o mundo, não o deus de uma nação estrangeira
(SKA, 2016, p. 30-31).
A construção da imagem de Jesus
nos Evangelhos
Os evangelhos narram a vida de Jesus, mas reconstituem as
memórias recebidas das testemunhas oculares de modo a
atenderem às suas próprias necessidades, especialmente às
necessidades de sua comunidade.

JESUS O primeiro evangelho, Marcos, insere uma segunda parte em


que Jesus desenvolve seu ministério fora da Galileia – ele
constrói, portanto, a ideia de que Jesus também traz sua
salvação para os gentios.

Mateus, para completar o projeto iniciado por Marcos,


evidencia como Jesus cumpre as expectativas messiânicas do
AT – para incluir a comunidade judaica que já estava entre
seus ouvintes.
A construção da imagem de Jesus
nos Evangelhos
Os evangelhos narram a vida de Jesus, mas reconstituem as
memórias recebidas das testemunhas oculares de modo a
atenderem às suas próprias necessidades, especialmente às
necessidades de sua comunidade.

JESUS Lucas trabalha as temáticas do poder e dos bens materiais,


por exemplo – porque falava a cristãos que lidavam com os
abusos de poder imperiais na capital romana.

João reconstrói as narrativas sobre Jesus inserindo elementos


que discutem temáticas aprofundadas, como serviço e aliança
– porque seus ouvintes já conheciam Jesus e necessitavam
um aprofundamento da fé.
O Apocalipse e a construção da
imagem celeste

O Apocalipse é obra joanina que surge ao fim do


primeiro século, quando a vocação histórica do
Reino de Jesus é perdida. Ele constrói, portanto, a
SALVAÇÃO certeza de que há algo para além deste mundo. Por
esse algo vale a pena oferecer a vida.

Toda a Literatura Apocalíptica partilha dessa


intuição.
Depois da escrita, a Bíblia se torna
a primeira fonte sobre a qual se
firmam a Tradição construída e o
Magistério. Mas é também a ela
que precisam sempre retornar, a
fim de que o dom da fé seja
resguardado. É fonte geradora,
como o dom oferecido à
Samaritana.
14”Aquele, porém, que beber da água que eu
lhe darei, nunca mais terá sede, mas a água
que lhe darei se tornará nele uma fonte que
jorra para a vida eterna” (Jo 4).

Por isso, a água oferecida por Jesus sacia a sede de modo definitivo. A
expressão grega que normalmente é traduzida por “jorrando para a vida
eterna” (v.14) é eis zôên aiônion, que tem sentido mais próximo de: dando vida
definitiva. É uma expressão consecutiva causativa: a água, que é vida
permanente, continua produzindo, por si mesma, a vida. Por isso é fonte
ininterrupta e definitiva.
Em sentido simbólico, o dom da água em Jo 4 pode
também ser entendido como o dom que a Palavra
de Deus é para a humanidade – mais ainda se
lembramos que, para João, é Jesus o próprio Verbo
que também se dá.

A narrativa de João 4 estrutura-se ao redor da


temática da Aliança que se estabelece pela
prerrogativa do conhecimento, que é intelecto e
também experiência.
Quais são os desafios
pós-modernos para a leitura
da Bíblia nas nossas
comunidades?
*
Depois da escrita, a Bíblia se torna
a primeira fonte sobre a qual se
firmam a Tradição construída e o
Magistério. Mas é também a ela
que precisam sempre retornar, a
fim de que o dom da fé seja
resguardado.
Assim, em toda a ação
evangelizadora, a Bíblia deve estar
sempre presente. Dela deve advir
todo o ânimo – o espírito que dá
vida – à Igreja. A missão, a Liturgia,
a Catequese, tudo deve partir do
centro que é a Escritura.
Esse centro irradiador que é o
lugar que a Bíblia deve ocupar gera
o que a Igreja tem denominado
Animação Bíblica da (vida e da)
Pastoral.
Questão fundamental: o que é
Animação Bíblica da Vida
e da Pastoral?
Verbum Domini, 73
Nesta linha, o Sínodo convidou a um esforço pastoral particular para que a
Palavra de Deus apareça em lugar central na vida da Igreja, recomendando
que «se incremente a “pastoral bíblica”, não em justaposição com outras
formas da pastoral mas como animação bíblica da pastoral inteira». Não se
trata simplesmente de acrescentar qualquer encontro na paróquia ou na
diocese, mas de verificar que, nas atividades habituais das comunidades
cristãs, nas paróquias, nas associações e nos movimentos, se tenha
realmente a peito o encontro pessoal com Cristo que Se comunica a nós na
sua Palavra. Dado que «a ignorância das Escrituras é a ignorância de Cristo»,
então podemos esperar que a animação bíblica de toda a pastoral ordinária
e extraordinária levará a um maior conhecimento da Pessoa de Cristo,
Revelador do Pai e plenitude da Revelação divina.
Verbum Domini, 73
Por isso exorto os pastores e os fiéis a terem em conta a importância desta
animação: será o modo melhor também de enfrentar alguns problemas
pastorais referidos durante a assembleia sinodal, ligados por exemplo à
proliferação de seitas, que difundem uma leitura deformada e
instrumentalizada da Sagrada Escritura. Quando não se formam os fiéis
num conhecimento da Bíblia conforme à fé da Igreja no sulco da sua
Tradição viva, deixa-se efetivamente um vazio pastoral, onde realidades
como as seitas podem encontrar fácil terreno para lançar raízes. Por isso é
necessário prover também a uma preparação adequada dos sacerdotes e
dos leigos, para poderem instruir o Povo de Deus na genuína abordagem das
Escrituras.
Verbum Domini, 73

Além disso, como foi sublinhado durante os trabalhos sinodais, é bom


que, na atividade pastoral, se favoreça também a difusão de pequenas
comunidades, «formadas por famílias ou radicadas nas paróquias ou
ainda ligadas aos diversos movimentos eclesiais e novas
comunidades», nas quais se promova a formação, a oração e o
conhecimento da Bíblia segundo a fé da Igreja.
Pastoral bíblica x Animação bíblica
da pastoral
2010 2012 2016 2021
Documento 97
Para o Documento 97 da CNBB,
a Animação Bíblica da Pastoral
acontece a partir de 3 eixos:

- Formação
- Oração
- Anúncio
CELAM
1. A Palavra de Deus, caminho e fundamento da
ABP
2. O povo peregrino, interlocutor da ABP
3. Conhecemos as Escrituras para conhecer a
Cristo
4. Compartilhamos nossa fé na Igreja, casa da
Palavra
5. Alimentamos nossa fé com o pão da Palavra
6. Os agentes da ABP levam a Palavra no
coração
7. Enviados pela comunidade, anunciamos a
Cristo na missão
Estudo 114
Capítulo 1 – A Palavra fala da Palavra
Capítulo 2 – É tempo de semear
Capítulo 3 – A Palavra de Deus e os desafios à
semeadura
Capítulo 4 – Semeadores à semelhança do
Bom Semeador
Capítulo 5 – A Palavra de Deus em diversos
tipos de terreno
Capítulo 6 – A Palavra de Deus: acolhida e
semeadura
Capítulo 7 – A Animação Bíblica da Pastoral e
sua implantação
Estudo 114
“Portanto, ao propor-se a Animação Bíblica da
Pastoral, a Igreja no Brasil não busca nenhuma
novidade. No entanto, reconhece-se que se quiser
evangelizar com alma, com paixão, se deseja que
a fonte da Palavra sempre jorre para seu povo,
não há caminho mais efetivo do que deixar-se
mover pela força da Palavra em todas as suas
ações e todos os seus projetos. ‘Quando não se
formam os fiéis num conhecimento da Bíblia
conforme a fé da Igreja, no sulco da Tradição
viva, deixa-se efetivamente um vazio pastoral (VD
73)” (24).
Estudo 114
“É urgente também saber falar ao coração das pessoas superando todas
as formas de intelectualismo. Deve-se Sempre buscar um caminho de
espiritualidade bíblica, centrada na pessoa de Jesus Cristo, que una fé e
vida, dimensão pessoal, eclesial, societária e cósmica estimule se uma
hermenêutica bíblica que consiga reconciliar a palavra de Deus com a
escritura; costurar palavra de Deus e Eucaristia; unir verdade, beleza e
bondade; integrar estudo, oração e pregação; coligar escuta, discernimento
e vivência; expressar a liberdade como dom e responsabilidade, a oblação
pobre de uma vida entregue e a fraternidade-amor de uma Comunidade
Missionária; unir, sem prejuízos, mística, justiça social e ecologia integral;
juntar conversão e ação de graças” (76).
Estudo 114
“Implantar a animação Bíblica da pastoral não se restringe a um tempo de
campanhas mas estabelecer um conjunto de ações que ajudem a que a
sagrada escritura se faça mais presente na vida de uma diocese, uma
paróquia, uma associação, uma Pastoral ou um movimento. Campanhas
tem começo meio e fim. Destinam-se a uma finalidade bem específica são
diferentes de processos, que, para serem desleixadas vírgulas necessitam
de adequação à realidade local, acompanhamento continuo, longa duração
e envolvimento de todas as forças evangelizadoras. Destinam-se a
mudança de mentalidade por isso, não podem ficar restritos a pequenos
períodos, mas, ao contrário, tendem a uma longa duração, acontecendo
em etapas bem planejadas e continuamente revisada sem ponto podem
envolver campanhas e outros momentos”. (251)
O que é Reconhecer

Animação Bíblica da o que já


realizamos

Pastoral (ABP)? Dar novo


impulso às
ações que já
realizamos
Não só “usar Formar
a Bíblia”, Conhecer a discípulos
mas tê-la Bíblia amantes da
como alma Escritura
Partir da Tomar
Formar Que pensar
Escritura decisões a
discípulos na Bíblia
para toda a partir da
servidores seja algo
ação eclesial Sagrada
da Escritura natural
Escritura
Encontrar Que a Bíblia
inspiração Rezar com a seja nosso
na Sagrada Bíblia ponto de
Escritura partida
Pensar o
Anunciar a que ainda
Palavra de podemos
Deus fazer
DISCUSSÃO

Em duplas, respondam à pergunta: Em nosso


cotidiano pastoral, o que é Animação Bíblica
da Pastoral? Quais ações são sua expressão?

Dica: pensar por eixos, formação – oração -


anúncio
Há que se ter em vista que, para
que se alcance uma verdadeira
Animação Bíblica da Vida e da
Pastoral, é necessário fortalecer o
protagonismo e a autonomia do
laicato, especialmente na leitura
bíblica.
Dei Verbum
25. Do mesmo modo, o sagrado Concílio exorta com ardor e insistência
todos os fiéis (...), a que aprendam “a sublime ciência de Jesus Cristo” (Fil.
3,8) com a leitura frequente das divinas Escrituras, porque “a ignorância
das Escrituras é ignorância de Cristo”. Debrucem-se, pois (...) sobre o texto
sagrado, quer através da sagrada Liturgia, rica de palavras divinas, quer
pela leitura espiritual, quer por outros meios que se vão espalhando tão
louvavelmente por toda a parte, com a aprovação e estímulo dos pastores
da Igreja. Lembrem-se, porém, que a leitura da Sagrada Escritura deve ser
acompanhada de oração para que seja possível o diálogo entre Deus e o
homem (...).
Verbum Domini
23. (...) Neste diálogo com Deus, compreendemo-nos a nós mesmos e
encontramos resposta para as perguntas mais profundas que habitam no
nosso coração. De fato, a Palavra de Deus não se contrapõe ao homem, nem
mortifica os seus anseios verdadeiros; pelo contrário, ilumina-os, purifica-os e
realiza-os. (...). Por conseguinte é decisivo, do ponto de vista pastoral,
apresentar a Palavra de Deus na sua capacidade de dialogar com os
problemas que o homem deve enfrentar na vida diária.
24. Deste modo, a palavra que o homem dirige a Deus torna-se também
Palavra de Deus, como confirmação do caráter dialógico de toda a revelação
cristã, e a existência inteira do homem torna-se um diálogo com Deus que fala
e escuta, que chama e dinamiza a nossa vida.
Evangelii Gaudium
121. (...) Certamente todos somos chamados a crescer como evangelizadores.
Devemos procurar simultaneamente uma melhor formação, um
aprofundamento do nosso amor e um testemunho mais claro do Evangelho.
Neste sentido, todos devemos deixar que os outros nos evangelizem
constantemente; isto não significa que devemos renunciar à missão
evangelizadora, mas encontrar o modo de comunicar Jesus que corresponda à
situação em que vivemos. Seja como for, todos somos chamados a dar aos
outros o testemunho explícito do amor salvífico do Senhor.
Por isso, estão frequentemente
associados à ABP os temas dos
Círculos Bíblicos (ou afins) e da
formação bíblica. Ambas ações
objetivam conferir segurança a
cada pessoa na leitura bíblica e em
seu manuseio.

Círculos Bíblicos
-Aproximam a Palavra do povo, não só de catequistas ou
agentes de Pastoral;
-Geram autonomia na leitura e na interpretação da Bíblia;
-Despertam novas interpretações, comunitárias;
-Desvinculam a Bíblia do conhecimento acadêmico ou do
ministério ordenado.
DISCUSSÃO
- O que leva a um distanciamento da Sagrada
Escritura?
- Quem se beneficia desse distanciamento?
- Na sua opinião, o que ajudaria as pessoas a se
familiarizarem com a Bíblia?
- Quais as transformações podemos esperar a
partir de uma familiaridade crescente com a
Escritura?

Você também pode gostar