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MÉTODOS DE

INTERPRETAÇÃO DA
BÍBLIA
Prof.ª Mariana Venâncio
A exegese católica não procura se diferenciar por um método
científico particular. Ela reconhece que um dos aspectos dos textos
bíblicos é o de ser a obra de autores humanos, que se serviram de suas
próprias capacidades de expressão e meios que a época e o ambiente
deles colocavam-lhes à disposição. Consequentemente, ela utiliza sem
subentendidos todos os métodos e abordagens científicos que
permitem melhor apreender o sentido dos textos no contexto
linguístico, literário, sócio-cultural, religioso e histórico deles,
iluminando-os também pelo estudo de suas fontes e levando em conta
a personalidade de cada autor. Ela contribui ativamente ao
desenvolvimento dos métodos e ao progresso da pesquisa.

Pontifícia Comissão Bíblica, A interpretação da Bíblia na Igreja, 1998


Quem pode, portanto, interpretar a Escritura?
Catecismo da Igreja Católica

85. O encargo de interpretar autenticamente a Palavra de Deus, escrita ou contida na Tradição, foi
confiado só ao Magistério vivo da Igreja, cuja autoridade é exercida em nome de Jesus Cristo, isto é,
aos bispos em comunhão com o sucessor de Pedro, o bispo de Roma.
86. Todavia, este Magistério não está acima da Palavra de Deus, mas sim ao seu serviço, ensinando
apenas o que foi transmitido, enquanto, por mandato divino e com a assistência do Espírito Santo, a
ouve piamente, a guarda religiosamente e a expõe fielmente, haurindo deste depósito único da fé
tudo quanto propõe à fé como divinamente revelado.
87. Os fiéis, lembrando-se da palavra de Cristo aos Apóstolos: «Quem vos escuta escuta-me a
Mim» (Lc 10, 16), recebem com docilidade os ensinamentos e as diretrizes que os seus pastores lhes
dão, sob diferentes formas.
Este mesmo Concilio ensina que todos os batizados, quando tomam
parte, na fé ao Cristo, da celebração da Eucaristia, reconhecem a
presença do Cristo também em sua palavra, «pois é ele mesmo que
fala quando as Santas Escrituras são lidas na igreja (Sacrosanctum
Concilium, 7). A esta escuta da palavra eles contribuem com o «sentido
da fé (sensus fidei) que caracteriza o Povo (de Deus) inteiro. (...) Graças
a esse sentido da fé que é desperta do e sustentado pelo Espírito de
verdade, o Povo de Deus, sob direção do magistério sagrado, que ele
segue fielmente, recebe, não uma palavra humana, mas
verdadeiramente a Palavra de Deus (...). Assim, todos os membros da
Igreja têm um papel na interpretação das Escrituras.

Pontifícia Comissão Bíblica, A interpretação da Bíblia na Igreja


São diversos os métodos de leitura e interpretação da
Escritura
Métodos científicos Métodos populares
• O que normalmente chamamos “exegese” • Leitura pessoal e comunitária da Bíblia
• Ensinados nos seminários e institutos • Embora não siga um método científico, precisa
teológicos e bíblicos; não nas homilias e ser orientada pelas balizas oferecidas pelo
Catequese método científico, para evitar interpretações
• Oferece as bases e fontes que orientam a totalmente desconectadas do que o texto
leitura popular realmente transmite.
• Não precisam ser aprendidos por quem lê a • Daí a importância de que os líderes religiosos
Bíblia para si e em comunidade, mas sua sejam bem formados, segundo os resultados
pesquisa tem em vista a divulgação que ofereça apresentados pelos métodos científicos, e de
um suporte a quem deseja conhecer a Bíblia que cada um busque uma formação bíblica (ao
menos) básica.
Autor

Contexto
Linguagem Mensagem
histórico

Leitor
(científicos) 1. Métodos histórico-
Autor crítico (MHC)
• Consideram que a linguagem é um meio de acesso
à história. A finalidade da pesquisa bíblica é chegar
à história transmitida pelo texto, portanto.
• Conceito de verdade: o que é demonstrável
Contexto historicamente.
Linguagem Mensagem
histórico
• A crítica das fontes é um exemplo, mas também
temos a crítica da redação e da constituição, por
exemplo.
• LIMITES: Percebidos quando, por exemplo, os
textos bíblicos não oferecem acesso à história dos
fatos, como em Gn 1-3. Então o MHC se torna uma
Leitor
ferramenta, não uma finalidade. Seus resultados
contribuem para que outros métodos ajudem a
avançar na interpretação do texto.
(científicos) 2. Métodos
Autor estruturalistas (MEst)
• A linguagem existe por si mesma, não para
dar acesso a outra coisa.
• Não se interessam pela intenção do autor,
Contexto mas pelas estruturas que fizeram o texto
Linguagem Mensagem
histórico ser como é (como fios que podem ser
tecidos formando peças distintas, mas até
certo limite).
• IMPORTANTE: Para a análise estrutural,
não há um único significado possível na
Leitor interpretação de um texto.
(científicos)
Autor
3. Análise literária
• Para analisar um texto, deve-se levar em
conta a intenção do texto e sua recepção (o
que ele consegue comunicar aos seus
Contexto leitores).
Linguagem Mensagem
histórico • Essas análises são feitas a partir dos
resultados já obtidos pelos métodos
históricos e estruturalistas.

Leitor
Exemplo comparativo: Jo 4,1-42
Método histórico-crítico

- O samaritanos consideravam apenas a Torah


como Livro Sagrado (excluindo os livros
proféticos e os escritos, pertencentes à fé dos
judeus). Por isso, Jesus fala em 5 maridos e
exclui a fidelidade.
- Além disso, no Templo da Samaria, haviam sido
incluídos 5 deuses diferentes do SENHOR. Por
isso, também, os 5 maridos.
Exemplo comparativo: Jo 4,1-42
Método estruturalista

- A construção “era preciso passar pela


Samaria” (v. 4) indica a intenção teológica do
texto. O caminho da Judeia para a Galileia não
inclui a passagem necessária pela Samaria,
mas a palavra preciso indica a necessidade.
Ela se relaciona, portanto, à intenção de Jesus
de estabelecer um contato com os
Samaritanos.
Exemplo comparativo: Jo 4,1-42
Análise literária
- Há outras cenas cujo padrão narrativo é o
mesmo de João: os casamentos de Isaac (Gn
24), Jacó (Gn 29) e Moisés (Ex 2). O que a
utilização de um padrão de cena de
casamento nos permite inferir sobre esta
cena de encontro entre Jesus e a Samaritana?
E se consideramos que, nos Profetas, o
casamento é símbolo para a Aliança entre
Deus e a humanidade?
Exemplo comparativo: Ap 14,1-13
Método histórico-crítico
Crítica das tradições: o texto combina a tradição do
AT, a tradição cristã dos Evangelhos e a tradição
apocalíptica de combate aos poderes mundanos. A
percepção do AT como fonte permite compreender
o v. 8, portanto. As características opressoras da
Babilônia são a imagem da opressão do presente da
comunidade, exercida por parte de Roma. Os
romanos são condenados, portanto, em oposição
aos que – também segundo as imagens do AT –
permanecem fiéis a Deus. São essas pessoas as
virgens do v. 4.
Exemplo comparativo: Ap 14,1-13
Método histórico-crítico

- O v.12 apresenta uma relação de


intertextualidade com Mt 5. Só o compreendem
os conhecedores do Evangelho de Mateus, que
anuncia a salvação para aqueles que sofrem
perseguições aqui, neste mundo. Os mortos
bem-aventurados, portanto, não são quaisquer
pessoas, mas os discípulos que, ouvindo Jesus,
suportaram as perseguições.
(populares)
5. Leitura popular (ex.: Círculos bíblicos)
Sua particularidade é a consideração de que a Palavra de Deus é viva (Hb 4,12) e
continua a se comunicar e construir, com o auxílio do Espírito. Assim, a Leitura
Popular tem por objetivo ler a Bíblia para com ela iluminar a vida, mas também
recuperar elementos da vida para iluminar a leitura da Bíblia.

Vida Daí vem a ideia de Animação Bíblica da


Pastoral (ABP): a leitura da Bíblia preenche
de ânimo toda a vida pastoral da Igreja,
especialmente a partir das experiências
Palavra de concretas das pequenas comunidades,
Deus
chamadas, no Brasil, de Comunidades
Eclesiais Missionárias.
(populares)
6. A leitura litúrgica da Bíblia
Com frequência, dizemos que a Homilia, em uma Missa, não é lugar para que o
padre dê uma aula sobre os textos bíblicos meditados na liturgia do dia. Isso
porque a forma como se lê e interpreta a Escritura na Liturgia também é própria.
Ela visa explicitar a conexão existente entre o Mistério celebrado e a vida de quem
o celebra, sempre sob a luz do Mistério que se celebra. Assim, quando o bispo,
padre, diácono ou ministro faz uma homilia ou uma reflexão, ele deve encontrar o
fio condutor que há entre as leituras e que possibilita à assembleia compreender o
Mistério que se celebra naquela liturgia. Muitas outras coisas ele poderia dizer
sobre cada leitura, mas não é esse o objetivo. Uma particularidade dessa
interpretação é que o Antigo Testamento é sempre lido à luz do Novo
Testamento, o que não se costuma fazer em métodos científicos, por exemplo.
Exemplo: Is 53,1-6
Método histórico-crítico Leitura litúrgica
- O servo sofredor é a personificação do - Jesus é o servo fiel do Pai que expia os
povo de Israel, que acaba de retornar do pecados de todo o povo com o seu
Exílio na Babilônia, e precisa dar sentido a sofrimento. É por suas chagas,
todo sofrimento que passou. verdadeiras, não meramente simbólicas,
- Assim, é como se o Profeta contasse o que fomos salvos.
sofrimento do povo como o de uma - Ainda que a leitura litúrgica permita um
pessoa. Como um servo fiel ao Senhor, o COMPARATIVO entre Jesus e o Servo
povo foi castigado com o Exílio por causa sofredor, não é correto dizer que Isaías
de seus crimes. Mas esse castigo expiou falava de Jesus – o profeta não prevê o
seus pecados e eles puderam retornar. futuro.
4. Lectio divina (populares)

Com origens na vida monástica, a Lectio Divina é um método de leitura orante


da Bíblia que pode ser praticada individualmente ou em grupos. É um método
que favorece o diálogo com o Senhor. Primeiro, se escuta o que Ele diz, depois
se responde com a oração e um propósito. Indicado para os encontros
catequéticos.

“Nos documentos que prepararam e acompanharam o Sínodo, falou-se dos


vários métodos para se abeirar, com fruto e na fé, das Sagradas Escrituras.
Todavia prestou-se maior atenção à lectio divina, que ‘é verdadeiramente
capaz não só de desvendar ao fiel o tesouro da Palavra de Deus, mas também
de criar o encontro com Cristo, Palavra divina viva’”.
Bento XVI, Verbum Domini, n. 86
(populares)
4. Lectio divina
0. Invocação do Espírito Santo

1. Leitura: lê-se o texto claramente, pode-se repetir a leitura ou trechos, pode-se também fazer uma
partilha com o objetivo de esclarecer o texto: quais são as personagens? O que está acontecendo? O
que motivou o acontecimento? Qual o desfecho?

2. Meditação: a partir do texto lido, medita-se a mensagem dele para a vida de quem o lê. O que
Deus diz a mim por meio do texto? Em grupos, pode-se fazer também uma partilha.

3. Oração: quem medita transforma em oração a Deus aquilo que meditou. Pode ser agradecimento,
súplica, louvor, adoração, pedidos.

4. Contemplação: é a busca de uma forma de contemplar, na vida, a Palavra meditada. Assim, os que
meditam devem escolher um propósito que tenha a ver com o que foi rezado: uma mudança, uma
atitude, um hábito, a atenção a alguma circunstância...
Exemplo: Dt 8,1-6

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