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Movimentos eclesiais e Novas Comunidades: A resposta do Espírito Santo para o

desafio de Evangelização nos dias atuais

Cardeal Stanislaw Rylko, Bogotá, 2006

1. O maior desafio que enfrenta a Igreja no começo do novo milênio é a tarefa que
sempre lhe foi confiada: a Evangelização. A Igreja é chamada em cada época, e, portanto,
também na nossa, a abraçar de uma maneira nova o mandato missionário do Cristo
Ressuscitado: “Ide, portanto, e fazei discípulos em todas as nações, batizando-as em nome
do Pai, do Filho e do Espírito Santo, e ensinando-as a obedecer tudo que vos ensinei” (Mt
28, 19-20).
Para Mateus, fazer “discípulos” e fazer “cristãos” são a mesma coisa. “Fazer
discípulos” está no coração da contínua vocação e missão da Igreja. A Igreja, fundada por
Cristo, é enviada para evangelizar o mundo; ela vive num permanente estado de missão e
encontra sua verdadeira razão de existir nessa missão.
A evangelização do mundo de hoje - a nova evangelização era de grande interesse
e sempre comentada por São João Paulo II - é uma tarefa na qual a Igreja deposita grande
esperança; entretanto, a Igreja está muito ciente dos inumeráveis obstáculos que enfrenta
nesse trabalho, muito por causa das mudanças extraordinárias que acontecem no nível
pessoal e social e, acima de tudo, por causa de uma cultura pós-moderna que passa por
uma série crise.
O processo sempre crescente de secularização e uma verdadeira “ditadura do
relativismo” (Bento XVI) produziram uma ausência tremenda de valores em muitos de
nossos contemporâneos, ausência esta que é acompanhada por um alegre niilismo que
redunda numa erosão alarmante da fé, um tipo de “apostasia silenciosa” (João Paulo II) e
um “estranho esquecimento de Deus” (Bento XVI).
Essa situação, tristemente tão presente em países de antiga tradição cristã, é
contrastada com um tipo de “boom religioso” caracterizado pela sua ambivalência e
ambiguidade. O Santo Padre Bento XVI mencionou esse fenômeno em Colônia (Alemanha),
dizendo: “Eu não desejo desacreditar todas as coisas que se encaixam nesta descrição (...).
Mas, frequentemente, a religião torna-se um produto a ser consumido. Uma pessoa pega e
escolhe o que quer, e alguns até sabem como lucrar com isso”.
Considerem a invasão de seitas religiosas, a difusão de atitudes e estilos de vida da
New Age, e fenômenos pseudo-religiosos como a magia e o oculto. Na verdade, o mundo
globalizado tornou-se um território gigante de missão. Como o salmista diz de maneira tão
dramática: “O Senhor, ele se inclina lá dos céus sobre os filhos de Adão, para ver se resta
um homem de bom senso, que ainda busque a Deus” (Sl 13(14), 2). Hoje, é mais urgente
do que nunca pregar Cristo no grande e moderno areópago da cultura, da ciência, da
economia, da política e da mídia. A messe é grande e os trabalhadores são poucos (Mt 9,
37). Esse campo vital de ação para a Igreja requer uma radical mudança de mentalidade,
um autêntico e novo despertar de consciência em todos. Novos métodos são necessários,
como novas expressões e uma revitalizada coragem.
Desta forma São João Paulo II exortou a Igreja no começo do terceiro milênio: “Eu
frequentemente tenho repetido o chamado para uma nova evangelização durante estes
anos. Eu o repito novamente para enfatizar que devemos renovar aquele impulso original e
nos permitir ser preenchidos com o zelo da pregação apostólica depois de Pentecostes.
Devemos despertar em nós mesmos aqueles sentimento de São Paulo que exclamou: “Ai
de mim se eu não evangelizar!”” (1Co 9, 16).
Em suas palavras para os bispos alemães em Colônia, o Papa Bento XVI
manifestou um profundo desejo apostólico: “Devemos refletir seriamente em como podemos
empreender uma verdadeira evangelização, e não apenas uma nova evangelização, mas
frequentemente uma verdadeira primeira evangelização. As pessoas não conhecem Deus,
elas não conhecem Cristo. Um novo paganismo está presente, e não é suficiente apenas
manter a comunidade de fiéis, apesar de isso ser muito importante (...) Acredito que, juntos,
devemos encontrar novos caminhos para trazer o Evangelho ao mundo de hoje pregando
de uma maneira nova o Cristo e estabelecendo a fé”. As palavras desses dois papas
servirão para guiar nossa reflexão na conexão entre a evangelização do mundo de hoje e
os movimentos eclesiais e as novas comunidades.

2. Entre os muitos frutos produzidos para a vida da Igreja pelo Concílio Vaticano II, o
novo momento associativo dos fiéis leigos, sem dúvida, ocupa um lugar especial. Devido à
eclesiologia e a teologia dos leigos desenvolvidas pelo Concílio, muitos grupos referidos
hoje como “movimentos eclesiais” e “novas comunidades” surgiram ao lado de associações
tradicionais.
Novamente o Espírito interveio na história da Igreja, dando origem a novos carismas
que possuem uma dinamismo missionário extraordinário e que respondem de uma maneira
apropriada aos desafios de nosso tempo, grandes e dramáticos como são. São João Paulo
II, que acompanhou essas novas realidades eclesiais com uma atenção e cuidado pastoral
particulares, afirmou: “Um dos dons do Espírito para o nosso tempo é, verdadeiramente, o
florescimento de movimentos eclesiais que, desde o início de meu pontificado, vi e continuo
vendo como uma razão de esperança para a Igreja e para a sociedade”. O Papa estava
profundamente convencido que esses movimentos eclesiais eram uma manifestação de um
“novo advento missionário”, de uma grande “primavera cristã” preparada por Deus no limiar
do terceiro milênio da Redenção. Verdadeiramente esse foi um dos maiores momentos
proféticos de seu pontificado.
Os movimentos eclesiais e as novas comunidades contêm um potencial precioso de
evangelização desesperadamente necessário para a Igreja nos dias de hoje. Entretanto, a
sua riqueza ainda não foi completamente reconhecida ou valorizada. São João Paulo II
disse: “Frequentemente no mundo de hoje, dominado por uma cultura secular que propõe
modelos de vida sem Deus, a fé de muitos é particularmente testada e frequentemente
sufocada e extinta. Portanto, existe uma necessidade urgente de um forte testemunho e de
uma formação cristã sólida e profunda. Que grande necessidade existe hoje de
personalidade cristãs maduras, conscientes de sua identidade batismal, de seu chamado e
missão na Igreja e no mundo! É aqui que os movimentos eclesiais e as novas comunidades
aparecem: eles são a resposta fomentada pelo Espírito Santo para esse desafio dramático
no fim do milênio. Vocês são a resposta providencial!”.
Aqui o Papa salienta as duas prioridades fundamentais da evangelização, do “fazer
discípulos” de Jesus Cristo hoje: uma “sólida e profunda formação” e uma “forte
testemunho”. Essas são as duas áreas nas quais os movimentos eclesiais e as novas
comunidades estão produzindo frutos para a vida da Igreja. Esses grupos estão se tornando
em verdadeiros “laboratórios da fé” e em autênticas escolas de vida cristã, de santidade e
de missão para milhares de cristãos em todas as partes do mundo.

3. A primeira e maior prioridade é, portanto, a formação cristã. Aqui, tocamos em um


ponto central, já que, hoje em dia, os próprios fundamentos do processo educacional da
pessoa estão enfraquecendo-se. Como o Cardeal Ratzinger salientou, “uma ditadura do
relativismo está sendo criada, que não vê nada como definitivo, e cujo limite único é o
pessoal ‘Eu’ e seus caprichos”. A cultura dominante de nosso tempo tende a produzir
personalidades fragmentadas, fracas e inconsistentes.
Como um comentador nos alertou: “a habilidade mesma de uma geração inteira de
adultos de educar suas crianças está atualmente em crise. Por anos, foi pregado dos
“novos púlpitos” - as escolas, universidades, revistas e televisão - que a liberdade é a
ausência de história e de fundamentos; que alguém pode tornar-se grande sem pertencer a
nada nem a ninguém, mas, simplesmente, seguindo a sua escolha pessoal ou seu capricho.
Hoje, é a norma considerar que tudo é essencialmente a mesma coisa, que, em última
instância, nada tem valor exceto dinheiro, poder e posição social. Pessoas vivem como se a
verdade não existisse, como se o desejo por felicidade que está no coração da experiência
humana está destinado a permanecer sem resposta”.
Cristãos não estão isentos da influência da cultura atual. Ela produz indivíduos cuja
identidade cristã é fraca e confusa; a fé não é nada mais que uma prática rotineira
frequentemente influenciada por um perigoso sincretismo de superstição, magia e Nova
Era. Filiação à Igreja, normalmente superficial e distraída, é incapaz de impactar as suas
escolhas e comportamentos de maneira significativa. Hoje, somos testemunhas de uma
falta preocupante de ambientes educacionais não apenas fora da Igreja, mas mesmo dentro
da Igreja. A família cristã não é mais capaz de, por si mesma, passar a fé para a próxima
geração, e nem a paróquia, mesmo que ela permaneça sendo uma estrutura indispensável
da missão pastoral da Igreja em qualquer lugar.
As fronteiras paroquiais, especialmente em grandes centros urbanos, são
frequentemente muito extensas - e onde a paróquia nada mais é que uma cidade-dormitório
- para fomentar relações pessoais significativas que pudessem servir como um lugar de
uma verdadeira iniciação cristã. O que devemos fazer? Precisamente nesses casos, os
movimentos eclesiais aparecem como lugares para uma formação cristã sólida e profunda.
Os movimentos e novas comunidades são caracterizados por uma grande variedade de
métodos e abordagens educacionais de extraordinária efetividade. E qual é a motivação por
detrás de sua força pedagógica? O “segredo”, por assim dizer, é encontrado nos carismas
que os produziram e que constituem sua verdadeira alma. É o carisma que produz
“afinidade espiritual entre os indivíduos”, animando uma comunidade e um movimento.
E graças a esse carisma, a experiência original e fascinante da realidade cristã, do
qual cada fundador é testemunha, pode ser revivida e reproduzida nas vidas de muitas
pessoas e de muitas gerações de pessoas sem perder sua novidade e frescor. O carisma é,
também, a fonte do poder educacional extraordinário dos movimentos e das novas
comunidades. Aqui, eu me refiro a uma formação cujo ponto de partida é uma profunda
conversão de coração. Não é acidental que essas novas realidades eclesiais incluam
muitos convertidos, pessoal que “vem de longe”.
No começo desse processo de conversão, sempre há uma encontro pessoal com
Cristo que radicalmente transforma a vida; um encontro possibilitado pelas testemunhas
confiáveis que revivem no movimento a experiência única dos primeiros discípulos: “Vinde e
vede” (Jo 1, 46). Há sempre um “antes” e um “depois” nas vidas daqueles que pertencem a
esses movimentos e comunidades. Para alguns, a conversão de coração é frequentemente
um processo gradual que leva tempo. Para outros, a conversão é uma inesperada e
abrangente experiência como um “raio de luz”.
Mas em ambos os casos a conversão é vivida como um dom gratuito de Deus, um
dom que preenche o coração com alegria e beneficia espiritualmente toda a vida da pessoa.
Quantos membros de movimentos e novas comunidades podem repetir as palavras do
convertido André Frossard: “Deus existe, e eu o experimentei”.
A formação é o ambiente privilegiado em que os vários movimentos e comunidades
expressam os seus carismas. Cada grupo baseia o seu processo formativo da pessoa numa
abordagem pedagógica distinta e específica, que é tipicamente cristocêntrica. Essas
abordagens focam no que é verdadeiramente essencial, que é o despertar na pessoa de
sua vocação batismal ou na identidade que caracteriza o verdadeiro discipulado de Cristo.
Elas são radicais no sentido que se recusam a diluir o Evangelho, propondo a santidade
como o valor ideal a ser buscado. Desenvolvem-se em pequenas comunidades cristãs, que
servem como um ponto de referência e de suporte indispensável, em grande contraste com
a atual sociedade atomizada, na qual a solidão e relações despersonalizadas são a regra; e
essas abordagens são integrais no sentido de que todas as dimensões da vida são
abarcadas e desafiadas, criando no membro um sentimento pleno de pertencimento.
Entretanto, esse sentimento de “pertencimento” é distinto em relação a outros
grupos ou círculos religiosos (como as seitas, por exemplo). O membro de um movimento
ou de uma nova comunidade normalmente manifesta um sentimento forte de pertencimento
e de amor pela Igreja. Portanto, não há perigo em afirmar que esses novos movimentos e
comunidades são verdadeiras escolas para a formação de cristãos “adultos”. Como o
Cardeal Joseph Ratzinger escreveu alguns anos atrás, eles são “maneiras fortes de viver a
fé que estimulam indivíduos, dando-lhes alegria e vitalidade; a sua fé realmente significa
algo para o mundo”.
Nosso quadro não estaria completo sem mencionar o papel que esses grupos
podem exercer no contexto da Igreja na América Latina, onde a piedade popular é
profundamente enraizada e difundida. Os movimentos eclesiais e as novas comunidades
oferecem pedagogias de evangelização capazes de modelar essa religiosidade. Os
importantes aspectos de piedade popular podem ser assimilados e aprofundados, e seu
valor na vida das pessoas pode ser preservado.

4. Os movimentos e as novas comunidades respondem a uma segunda necessidade


urgente de grande importância, que é a necessidade de “um forte testemunho”. Toda
formação cristã deve possuir um elemento missionário, porque a vocação cristã é, por sua
natureza, um chamado para o apostolado. Uma projeção missionário ajuda os batizados a
descobrirem a plenitude de sua própria vocação; ela ajuda-os a superar a tentação do
egoísmo e o perigo sutil de conceber o movimento ou comunidade como um refúgio ou uma
forma de fugir dos problemas do mundo num ambiente de uma amizade calorosa.
Notável entre as características do comprometimento missionário nos movimentos
eclesiais e nas novas comunidades é a indubitável habilidade de despertar o entusiasmo
apostólico e a coragem missionária dos leigos. Eles sabem como tirar todo o potencial
espiritual dos leigos ajudando-os a derrubar as barreiras da timidez, do medo e dos falsos
complexos de inferioridade que o mundo secular de hoje fomenta nos corações de tantos
cristãos. Muitos dos membros experimentaram uma transformação interior profunda, às
vezes inesperadamente; de fato, muitos nunca imaginariam a si mesmos pregando o
Evangelho dessa forma ou participando de maneira tão ativa na missão da Igreja.
Os movimentos sabem como despertar o desejo de “fazer discípulos” de Jesus
Cristo, um desejo que frequentemente move indivíduos, casais e, mesmo famílias inteiras, a
deixar tudo para abraçar a missão. Os movimentos e as novas comunidades propõem não
apenas o exemplo pessoal, mas, também, o anúncio direto da mensagem cristã,
redescobrindo, portanto, o valor do kerigma como método de evangelização e catequese.
Dessa forma, os movimentos e novas comunidades estão respondendo a uma das mais
urgentes necessidades da Igreja de hoje, que é a catequese de adultos, entendendo-a
como uma iniciação cristã autêntica, que manifesta o valor e a beleza do sacramento do
batismo.
Um dos maiores obstáculos para o trabalho de evangelização sempre foi a rotina ou
o hábito, que elimina o frescor e o poder persuasivo do alcance missionário e do
testemunho cristão. Os movimentos quebram com o jeito habitual de se fazer apostolado;
eles re-examinam os métodos, a abordagem e propõem novas formas. Eles direcionam os
seus esforços corajosamente e naturalmente ao atual e moderno areópago que está
presente na cultura, na mídia, na política e na economia. Eles dão especial atenção àqueles
que sofrem, aos pobres e aos marginalizados. Quantos trabalhos sociais nasceram de sua
iniciativa!
Eles não esperam por aqueles que não mais praticam a fé a retornarem para a
Igreja por si mesmos: eles (os movimentos e novas comunidades) vão atrás dessas
pessoas. Eles não hesitam em sair para as ruas e praças, em entrar em supermercados,
bancos, escolas e universidades e em qualquer lugar onde há pessoas. O seu zelo
missionário os leva para “os confins da terra”. E eles crescem - mostrando que os carismas
dos quais se originam são capazes de alimentar a vida cristã de homens e mulheres de
todos os lugares, culturas e tradições.
E não apenas isso. Presentes como estão no tecido das igrejas locais, eles se
transformam em sinais eloquentes da universalidade da Igreja e de sua missão. O seu
especial relacionamento com o ministério do Sucessor de Pedro encontra sua origem aqui.
De fato, é realmente surpreendente testemunhar a visão missionária que o Espírito Santo
fomentou atualmente através desses novos carismas. Os movimentos e as novas
comunidades tornaram-se verdadeiras escolas missionárias para muitos leigos. Na Igreja de
hoje fala-se muito de evangelização; congressos, simpósios, seminários sobre o tópico são
organizados; livros e artigos são publicados, e documentos oficiais promulgados.
Enquanto fazemos bem em discutir a evangelização dessa forma, já que ela é tão
vital para a Igreja e para o mundo, existe um verdadeiro e real perigo de permanecermos
apenas na teoria, fazendo planos que permanecem, por assim dizer, só no papel.
Entretanto, esses novos carismas geram grupos de pessoas - homens e mulheres, jovens e
adultos - que são sólidos, cheios de zelo e prontos para pregar o Evangelho. Aqui não
estamos falando de conceitos teóricos, mas, ao contrário, projetos vivos experimentados na
vida pessoal e concreta de indivíduos e na vida de tantas comunidades cristãs. Essas são
projetos prontos para acontecer (isto é, não são apenas teorias). Essa é a maior riqueza da
Igreja de hoje.
Como nos maravilhamos com a quantidade e a qualidade dos frutos produzidos na
Igreja pelos novos carismas! O princípio evangélico “conhecereis pelos seus frutos” (Mt 7,
16) permanece verdadeiro hoje. Devido a esses carismas, muitos encontraram Cristo pela
primeira vez e acreditaram n’Ele ou retornaram à Igreja e aos sacramentos depois de anos
afastados. Muitas pessoas deixaram de ser cristãos apenas no nome (ou de IBGE) para se
tornarem fiéis, convictos e comprometidos. Quantos frutos de uma autêntica santidade de
vida! Quantas vocações ao sacerdócio, à vida consagrada, e novas formas de expressão de
vida laical de acordo com os conselhos evangélicos! Esses novos carismas proclamam
essa mensagem fundamental para o mundo de hoje: o Cristianismo verdadeiramente vale a
pena; seguir o chamado de Cristo vale a pena. Tente e veja por você mesmo!
5. Como temos visto, os movimentos eclesiais e as novas comunidades são
verdadeiramente um “dom providencial” de Deus para a Igreja, um dom que deve ser
recebido com um sentimento vivo de gratidão e responsabilidade, para que a oportunidade
que representam não se perca. O dom é, ao mesmo tempo, uma tarefa e um desafio para
os leigos e os pastores da Igreja. Que tarefa e que desafio?
João Paulo II nunca se cansou de insistir que os movimentos eclesiais e as novas
comunidades são chamados a assumir seu lugar “humildemente” (não seria o faxineiro no
fundo da igreja?) em dioceses e paróquias, servindo a igreja com uma atitude totalmente
desprovida de orgulho ou superioridade em relação às outras realidades e com um
verdadeiro espírito de colaboração sincera e de comunhão eclesial. E, ao mesmo tempo, o
Santo Padre insistiu que os Pastores - bispos e padres em paróquias - deve receber esses
grupos “cordialmente”, reconhecendo e respeitando o carisma particular deles e
acompanhando-os com um cuidado paternal. A regra de ouro de São Paulo aplica-se aqui:
“Não extingais o Espírito. Não desprezeis as profecias. Examinai tudo: abraçai o que é bom”
(1Ts 5, 19-20).
A grande novidade trazida para a Igreja pelos movimentos eclesiais e as novas
comunidades, obviamente, fomenta questionamentos frequentes e causa uma certa
confusão em relação ao modo estabelecido de se fazer as coisas no cotidiano da pastoral.
Como João Paulo II disse, “quando o Espírito intervém, somos sempre surpreendidos. O
Espírito ocasiona eventos cuja novidade nos assusta”. Como temos repetido
frequentemente, os movimentos representam um desafio e um convite saudável ao qual a
Igreja deve responder pela sua própria vocação. O modo de ser cristão e radical desses
movimentos é uma acusação contra aquele “cristianismo cansado” (Bento XVI) de tão
batizados, aquele cristianismo superficial cheio de confusão.
Com a sua paixão superabundante pela missão, os movimentos também desafiam
nossas noções pré-concebidas acerca do “ser Igreja”, que são, talvez, muito confortáveis e
adaptadas ao espírito do tempo. Há alguns anos, o Cardeal Ratzinger fez referência a um
“pragmatismo cinza na vida cotidiana da Igreja (...) no qual tudo parece ser sempre a
mesma coisa, mas no qual a fé é verdadeiramente erodida e tornada confusa”.
A visão de “conservação tranquila” da Igreja, hoje em dia tão dominante em certos
círculos, é contrariada diretamente pela visão desses movimentos de uma Igreja
missionária, corajosamente projetada para novas fronteiras. Essa visão deve ajudar os
programas da pastoral diocesana e paroquial a recuperar o muito necessário elemento
profético e militante. A Igreja de hoje precisa desesperadamente disso. Ela deve estar
aberta à novidade produzida pelo Espírito: “Eis que vou fazer obre nova, a qual já surge,
não a vedes?” (Is 43, 19).
Em relação aos movimentos eclesiais e as novas comunidades, o magistério do
Papa Bento XVI deu perfeita continuidade aos ensinamentos de João Paulo II. O Papa
Bento sempre foi consciente ao serviço que eles prestam à missão da Igreja. Quando era
prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé, ele escreveu: “Nota-se que algo novo está
começando: Aqui, o Cristinianismo aparece como uma nova realidade, e é compreendido
como um modo de vida nos mundo de hoje por pessoas que, frequentemente, estavam
afastada”.
De acordo com o Cardeal Ratzinger, os movimentos eclesiais e as novas
comunidades proporcionam algo novo que os tornam um tipo de profecia do futuro. Como
Papa, Bento XVI continuou fiel a esse entendimento pessoal e sutil da situação da Igreja.
No fechamento da Jornada Mundial da Juventude em Colônia, Alemanha, ele falou aos
bispos alemães: “A Igreja deve valorizar essas realidade enquanto as guia com sabedoria
pastoral, para que possam contribuir com seus dons para a construção da comunidade da
melhor maneira possível”. E ele concluiu: “As igrejas locais e os movimentos não são
realidades separadas, mas, ao contrário, ambos constituem a estrutura viva da Igreja”.
Essas são importantes balizas que devem servir como um compasso na missão
evangelizadora da Igreja nos dias de hoje.

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