Você está na página 1de 4

Teologia da Criação

Vamos entrar agora em outro tema. Vimos, no último ano, os tratados de Deus Uno e Trino.
Estudamos quem é Deus em Si mesmo. Vimos a Trindade, Três Pessoa e um só Deus.
Claro que não esgotamos o tema, entretanto, tivemos já alguma ideia que, creio, nos ajudou
a compreender a grandeza de Deus. Agora vamos estudar as obras de Deus. Se antes
estudamos a partir “de dentro”, vamos agora estudar as obras “de fora de Deus”. Isso inclui
a criação, a Encarnação, a graça, a escatologia, a Mariologia, a Igreja etc.

Normalmente, na ordem das matérias, estudamos logo depois da Trindade, a criação de


Deus. Isto é, estudamos as razões e o modo pelos quais Deus criou as coisas. Lembramos
que partirmos da Revelação de Deus para estudar esse tema, consubstanciada,
principalmente, nas Sagradas Escrituras. Veremos nesta aula a criação de Deus como um
todo. Na aula da próxima formação veremos os anjos e depois os homens, os cumes da
criação divina.

A criação do mundo

Veremos agora o que a fé ensina sobre dois pontos:


1. A origem do mundo segundo o relato bíblico
2. A origem da vida e das várias espécies viventes.

Como introdução, veremos com a Igreja se pronunciou acerca da interpretação dos textos
dos primeiros capítulos do Gênesis, segundo seus documentos:
1. O sentido literal dos textos não pode ser excluído, entretanto ele não deve ser
tomado como o único sentido dos textos. Isto é, a posição católica não afirma que o
relato da criação bíblico deve ser interpretado de maneira puramente literal. Há uma
grande parte de simbolismo e de limitações culturais advindas da época em que os
textos foram escritos;
2. Nem todas as palavras devem ser tomadas em seu sentido literal. Há frases
metafóricas e antropomórficas (isto é, que descrevem Deus como um homem;
exemplo: quando se afirma que “Deus disse”, isto é um antropormofismo);
3. Não foi intenção do escritor sagrado descrever a criação do mundo de uma maneira
científica. Ao contrário, sua intenção era escrever de uma maneira que seus
leitores compreendessem. Lembramos que os textos do Genêsis foram escritos,
num primeiro momento, para as pessoas da época, e, por isso, possuem uma boa
dose da cultura e dos condicionamentos da época.
4. A palavra “dia”, no relato da criação, não necessariamente significa as 24 horas do
dia normal (há várias explicações sobre isso, que veremos a seguir)

Portanto, no tema da criação do mundo, há uma variedade de opiniões teológicas legítimas,


que discordam entre si. Entretanto, o relato do Gênesis nos permite alcançar algumas
verdades de fé sobre a origem do mundo, que são certas e não podem ser contestadas
pelos teólogos católicos.

Agora entraremos naquelas verdades sobre a criação que são certas a partir do relato do
Gênesis.
Primeira verdade: Todas as criaturas, espirituais ou materiais, foram feitas por Deus
do nada.

Para nós, acostumados com o cristianismo, parece óbvio afirmar que Deus criou as coisas a
partir do nada, isto é, sem a cooperação de nenhuma matéria pré-existente. Entretanto,
esse modo de ver as coisas não era comum antes do cristianismo. Para os gregos, por
exemplo, o universo era eterno e sempre existiu. Deus seria apenas uma longínqua causa
primeira, que coloca o universo em movimento, mas que não o cria do nada.
Mas o relato bíblico é claro em afirmar que antes da criação nada havia:
1. O autor sagrado afirma que “No princípio, Deus criou o céu e a terra”. Essas
palavras - “céu e terra” - significam o universo inteiro. Nos versículos 2 e 27 fica clato
que todas as coisas individuais foram criadas por Deus. Se Deus criou tudo, como
podemos afirmar que Ele criou do nada? Por dois argumentos, principalmente:
a. A palavra hebraica bara (criar) é usada apenas para designar a ação
de Deus, representa uma forma especial de criar, uma forma de
criação do nada. Isso é confirmado pelo contexto - o escritor sagrado
fala das coisas criadas e não menciona nada antes da criação - e por
outros textos bíblicos. Os profetas e os salmos salientam o poder
criador de Deus, excluindo qualquer dualismo ou matéria pré-
existente.
b. No livro de Macabeu, há um relato claro da criação do nada: “Eu te
suplico, meu filho, contempla o céu e a terra. Reflete bem: tudo o que
vês, Deus criou do nada, assim como todos os homens” (2 Macabeus
7, 28)

Segunda verdade: O mundo não foi criado desde toda a eternidade, mas foi criado no
tempo, ou, melhor, com tempo. Essa verdade foi definida pelo IV Concílio de Latrão. Isto
é, a criação de Deus teve um começo. Santo Tomás considerou a possibilidade de Deus ter
criado desde toda a eternidade, entretanto a fé católica afirma que houve um começo. A
própria Escritura, quando afirma “No princípio” está afirmando que houve um princípio.

Terceira verdade: Deus, somente, é a causa imediata da criação. Isto é, Deus não
delegou para nenhuma de suas criaturas a criação, até porque a criação do nada só é
possível para Deus. Nenhum anjo ou outra criatura poderia criar. Tudo foi criado pelo Pai
através de Sua Palavra. Santo Agostinho escreveu: “Nenhum anjo pode criar a natureza da
mesma forma que ele não pode criar a si mesmo. Apenas Deus é Criador”.

Quarta verdade: Todas as criaturas foram criadas boas por Deus. Isso está definidio
dogmaticamente pelo IV Concílio de Latrão: “O demônio e os outros anjos caídos foram
criados bons por Deus, mas eles tornaram-se maus por si mesmos”. O Gênesis repete
diversas vezes que “Deus viu que era bom”. Além disso, Deus, o bem supremo, não poderia
causar o mal.
Entretanto, isso não significa que o mundo que Deus criou é o mais perfeito que Ele poderia
ter criado. Como a bondade e o poder de Deus são infinitos, eles não podem ser esgotados
numa obra finita: portanto, Deus poderia ter feito criaturas mais perfeitas do que fez.
Entretanto, podemos afirmar que o mundo criado é relativamente o melhor, porque Deus
provê todos os meios para que sua criação atinja o fim para o qual foi criado. E qual o fim
para o qual Deus criou as coisas? São dois: O fim primário é manifestar a Sua bondade; o
bem secundário é o bem das criaturas.

Deus não criou porque precisava, criou por pura bondade e amor. Assim, o primeiro fim da
criação é manifestar a sua bondade para as criaturas. O segundo bem decorre deste
primeiro, pois as criaturas podem participar de Sua bondade e de Seu amor.

O relato do Gênesis é histórico?

Com essa pergunta, estamos tentando compreender de como deve ser interpretado o
relato. O relato do Gênesis possui um caráter histórico, entretanto sua intenção primeira não
era contar a história de como as coisas foram criadas de maneira como um livro de história
moderna contaria. Sua principal intenção era nos fazer conhecer as verdades eternas e
salvíficas da criação de Deus. Assim, o relato não é científico. Isso não é um demérito, mas
simplesmente não era a intenção do autor sagrado.
Além de não ser científico, o relato do Gênesis não conta em detalhes a ordem completa da
criação, mas apenas aqueles fatos mais conhecidos e necessários para o povo
compreender que todas as coisas vieram de Deus. Além disso, o relato do Gênesis não
segue uma ordem estritamente cronológica.
Discursos metafóricos e antropomórficos são empregados em maneira de diálogo com o
propósito de descrever algo de maneira mais vívida e compreensível para nós. Por
exemplo: “Deus disse: Faça-se a luz”. Essa frase não pode ser tomada de maneira literal.
Santo Tomás já havia ensinado que nada poderia ser deduzido da Escritura sobre a
maneira e a ordem da criação e que o autor sagrado seguiu a forma comum de falar da
cultura da época (Suma Teológia, I, q. 70, a. I, ad. 3)

Teoria da Evolução (Transformismo)

Até agora tratamos da origem do mundo; agora vamos falar sobre a origem da vida. O
Transformismo Absoluto defende a ideia de que não há uma causa primeira, que a
matéria é eterna, que a matéria por apenas suas próprias forças a vida brotou
espontaneamente, e as diversas espécies surgiram a partir de uma sucessiva
transmutação.
Um Transformismo moderado ou mitigado reconhece a existência de uma causa
suprema, defende que nenhuma evolução pode ocorrer sem a providência, direção e
aprovação de Deus, porque Ele infundiu na natureza as forças que causam a evolução,
porque Ele estabeleceu as leis que governam essa evolução e, portanto, direciona-a pelo
Seu Poder e Sabedoria para os fins e propósitos determinados anteriormente por sua
presciência.

O Transformismo Absoluto que nega toda Intervenção de Deus, contradiz


abertamente a fé bem como a razão.
A Fé ensina que Deus criou todas as coisas e as governa. A Evolução não pode ser um
expediente e um caminho fácil para negar a criação do mundo pela Palavra de Deus,como
os transformistas do século XIX defendiam e como muitos católicos certa vez temiam. Na
verdade, se a evolução é admitida, há razões fortes para demonstrar por ela a existência de
Deus.
A Evolução é uma ascendência para formas mais altas e complexas. Ela não poderia
ocorrer pelas forças naturais somente, pois de algo menos não pode surgir algo maior (o
efeito não pode ser maior que a causa). A produção de uma nova e maior perfeição é
metafisicamente impossível. Portanto, as formas de vida mais perfeitas não podem
ascender ao menos que o Ser supremo e perfeito, em que existem todas as perfeições,
intervenha de algum mudo.

O Transformismo mitigado que admite a intervenção divina não vai necessariamente


contra a fé.
As palavras do Gênesis mostram de fato que há alguma distinção entre as espécies
causada pela vontade divina, mas elas não falam que todas as espécies foram criadas
imediatamente por Deus. Alguns Padres da Igreja e muitos escolásticos admitiam a geração
espontânea das coisas vivas e defendia uma provável origem dos seres superiores a partir
de seres inferiores.
Conclusão: O Transformismo e si mesmo exclui o teísmo, nem a fé em Deus demanda
acreditar no fixismo (teoria segundo a qual Deus criou as criaturas vivas do modo que estão
hoje).

Você também pode gostar