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Fora da Igreja há salvação?

Breve história do desenvolvimento do dogma

Extra Eclessiam nulla salus é um dos dogmas que, normalmente, são mais difíceis
de serem compreendidos tanto por católicos quanto por não católicos. Alguns creêm que
esse dogma não vale mais, como se fosse algo de uma Igreja medieval, e outros o
interpretam de uma maneira rigorista aplicando-a, de maneira irrefletida, inclusive àquelas
pessoas com uma ignorância invencível. Esse estudo convém para um curso de apologética
porque, muitas vezes, tal dogma é um foco de críticas e ataques à Igreja, e nós, como
católicos, devemos saber responder de maneira correta a essas objeções.
Em primeiro lugar, veremos como esse dogma aparece explicado no Catecismo da
Igreja Católica. Depois veremos como esse dogma apareceu no Magistério da Igreja e
como alguns teólogos, papa e doutores da Igreja o interpretaram. É importante salientar que
essa aula é apenas uma introdução ao tema, um resumo, que pode ser aprofundado por
aqueles que se interessarem.

O Catecismo da Igreja Católica

No ponto 846, o Catecismo fala o seguinte sobre o dogma:

Como entender essa afirmação tantas vezes repetidas pelos Padres da Igreja?
Formulada de maneira positiva significa que toda salvação vem de Cristo-Cabeça através
da Igreja que é o seu Corpo:
O Santo Sínodo (Concílio Vaticano II)..., baseado na Sagrada Escritura e na
Tradição, ensina que esta Igreja peregrina é necessária para a salvação. Cristo, com efeito,
é o único mediador e caminho de salvação que se nos faz presente em seu Corpo, na
Igreja. Ele, ao ensinar com palavras, bem explícitas, a necessidade da fé e do batismo,
confirmou ao mesmo tempo a necessidade da Igreja, na qual entram os homens pelo
batismo como por uma porta. Por isso, não poderiam salvar-se os que, sabendo que Deus
fundou, por meio de Jesus Cristo, a Igreja Católica como necessária para a salvação,
entretanto, não tivessem querido entrar ou preserverar nela.

O ponto 847 e 848 completa a explicação:

Essa afirmação não se refere aos que, sem culpa sua, não conhecem a Cristo e a
sua Igreja:
Os que sem culpa sua não conhecem o Evangelho de Cristo e sua Igreja, mas
buscam a Deus com coração sincero e tentam em sua vida, com a ajuda da graça, fazer a
vontade de Deus, conhecida através do que lhes diz a sua consciência, podem conseguir a
salvação eterna.
“Ainda que Deus, por caminho conhecido apenas por Ele, pode levar a fé, “sem a
qual é impossível agradar-lhe (Hb 11,6), aos homens que ignoram o Evangelho sem culpa
própria, entretanto, à Igreja corresponde a necessidade e, ao mesmo tempo, o direito
sagrado de evangelizar”.

Assim, o catecismo explica o dogma, explicitando a necessidade da Igreja e a


exceção daqueles que ignoram sua necessidade sem culpa própria. Ainda, o Catecismo
salienta que a exceção não pode justificar um indiferentismo religioso, como se se pudesse
salvar de qualquer maneira. Não, a Igreja sempre tem de evangelizar!

Definições do dogma no Magistério da Igreja

Os primeiros pronunciamentos da Igreja no tocante a esse dogma surgiram como reação a


determinadas heresias que buscavam uma salvação fora da Igreja.
O Papa Inocêncio III em 1208 impôs aos hereges uma confissão de fé, que continha o
seguinte ponto:

“Com o coração cremos e com a boca confessamos uma só Igreja, não dos hereges, mas a
santa, Romana, católica e apostólica, fora da qual nós cremos que ninguém se salva”.

Apenas 7 anos depois, o IV Concílio Ecumênico de Latrão, contra a heresia albigense e


cátara, definiu:

“Ora, existe uma Igreja universal dos fiéis, fora da qual absolutamente ninguém se
salva”.

O Papa Bonifácio VIII, na importantíssima bula Unam Sanctam, em 1302, escreveu:

“Instados pela fé, somos obrigados a crer e a afirmar que há uma só Igreja, santa, católica e
que esta mesma é apostólica, e com firmeza cremos e sinceramente confessamos que fora
dela não há salvação nem remissão dos pecados”.

Na Idade Média a muitas outras definições no mesmo sentido. Mais recentemente, o Papa
Pio IX, em sua alocução Singulari quadam, que combate o indiferentismo religioso, em
1854, disse:

“Convém novamente recordar e repreender o gravíssimo erro, no qual se encontram


lamentavelmente diversos católicos (OBS: NÃO MUDOU MUITA COISA DE HOJE EM
DIA, NÉ?), que pensam que chegarão à vida eterna as pessoas que vivem nos erros e
afastadas da verdadeira fé e da unidade católica. Essa opinião é decididamente contrária à
doutrina católica”.

Uma coisa interessante dessa alocução é que aparece a exceção que aparece no
Catecismo. Muitos tradicionalistas afirmam que a exceção do Catecismo e colocada pelo
CV II é uma mudança da tradicional doutrina da Igreja, que teria afirmado sempre que não
haveria exceções. Entretanto, o Papa Pio IX já as havia mencionado, como segue:

“É conhecido por nós e pos vós que aqueles que ignoram invencivelmente a nossa
santíssima religião é observam diligentemente a lei natural e os seus preceitos - impressos
por Deus no coração de todos - e que, dispostos a obedecer a Deus, conduzem uma vida
honesta e reta, podem com o auxílio da luz e graça divina conseguir a vida eterna, já que
Deus, que perfeitamente vê, escuta e conhece as mentes, as almas, os pensamentos e o
comportamento de todos, de modo algum permite, por sua suma bondade e clemência, que
seja punido com eternos suplícios quem não é réu de culpa voluntária”.
Há aqui um desenvolvimento do dogma. Veremos mais abaixo que desenvolvimento não é
mudança, mas uma compreensão mais profunda a Igreja de uma mesma verdade revelada.

Contestações atuais contra esse dogma

Por parte dos protestantes, esse dogma foi atacado de diversos modos:
Alguns o usam para atacar a infalibilidade da doutrina católica, pois nesse ponto a doutrina
católica teria mudado substancialmente, já que antes não previa as exceções que hoje
prevê.
Outros vêem esse dogma como uma pretensão arrogante da Igreja Católica, pois a
salvação viria apenas por Cristo.

Alguns - e não todos! - tradicionalistas (no sentido ruim desse termo) têm a tendência de
apegar-se a uma interpretação rigorista desse dogma, negando até mesmo a possibilidade
de salvação àqueles que nunca tiveram a oportunidade de escutar o Evangelho. Esses
argumentariam que a doutrina mudou depois do Vaticano II, provando, dessa forma, que o
Vaticano II seria um concílio invalído ou errado.

Os progressistas rechaçam esse dogma afirmando ser ele uma definição obsoleta, caindo,
assim, num indiferentismo religioso, considerando que todas as religiões são caminho de
salvação.

O dogma desenvolveu-se ou mudou?

Para responder aos protestantes e aos tradicionalistas, importa perguntar se o dogma Extra
Ecclesiam Nulla Salus desenvolveu-se ao longo do tempo ou mudou de maneira
substancial.
A doutrina católica considera e sempre considerou como legítima o desenvolvimento dos
dogmas, no sentido que a Igreja, ao longo de sua história, vai compreendendo melhor as
verdades de fé reveladas por Cristo. Como um adulto se desenvolve e continua sendo a
mesma pessoa de quando era criança, a doutrina católica se desenvolve sem negar o que
veio antes, permanecendo imutável a substância e o núcleo de cada doutrina. Por exemplo,
o dogma da infalibilidade papal é um desenvolvimento do dogma da inerrância da Igreja.
Essa forma de compreender os dogmas é a forma católica, e o Concílio Vaticano I afirmou
que a compreensão dos dogmas cresce ao longo tempo:
Mas será que o desenvolvimento do dogma foi natural ou foi uma mudança? A esse
respeito, em 1973, a Congregação para a Doutrina da Fé, na Declaração Mysterium
Ecclesiae, afirmou:

“A propósito de tal condicionamento histórico, deve observar-se, antes de mais nada, que o
sentido das enunciações da fé depende em parte da peculiar força expressiva da língua
usada, em determinado tempo e em determinadas circunstâncias. Algumas vezes pode
suceder também que uma certa verdade dogmática, num primeiro momento, seja ex-pressa
de modo incompleto, se bem que nunca falso; e depois, num segundo momento,
considerada num contexto de fé e de conhecimentos humanos mais amplo, venha a ser
mais plena e perfeitamente significada. Além disto, há que ter presente: quando a Igreja faz
novas enunciações intenta confirmar ou esclarecer aquilo que de algum modo já se acha
contido na Sagrada Escritura ou em antecedentes expressões da Tradição; mas,
habitualmente, não perde também de vista o escopo de dirimir controvérsias ou de extirpar
erros; e assim, tudo isto há-de ser tido em conta, a fim de tais enunciações serem
rectamente interpretadas. Deve acrescentar-se, por fim, que as verdades que a Igreja
intenta realmente ensinar com as suas fórmulas dogmáticas, embora se distingam das
concepções mutáveis próprias de uma época particular e embora possam ser expressas
prescindindo delas, pode acontecer, todavia, que essas mesmas verdades sejam de facto
enunciadas numa terminologia que se ressente do influxo de tais concepções.”

Em outras palavras, o desenvolvimento do dogma Extra Ecclesiam Nulla Salus não foi uma
mudança, mas uma explicitação do contido anteriormente! A Igreja, na Idade Média, vivia
uma realidade diferente, na qual não havia profusão de seitas cristãs ou de outras religiões.
Hoje, a Igreja deve explicitar com mais detalhes a situação daquelas pessoas de boa-fé que
caem no erro protestante ou de outra religião. A verdade permanece a mesma, mas com
uma explicitação mais conveniente aos nossos tempos.

A Palavra de Pio XII

Pio XII esclareceu a questão de uma maneira muito clara e, por isso, deixamos sua palavra
por último. Vimos que a Igreja foi reconhecendo certas “exceções” ao dogma Extra
Ecclesiam Nulla Salus, como o caso de pessoas que nunca ouviram o Evangelho.
Entretanto, essas pessoas seriam salvas independentemente da Igreja ou pertenceriam a
ela de uma maneira invisível ou, mesmo, inconsciente?:

“Esta nossa solene declaração queremos reiterar, depois de pedirmos as orações


de toda a Igreja nesta encíclica em que celebramos os louvores "do grande e
glorioso corpo de Cristo", (62) convidando a todos e cada um com todo o amor
da nossa alma, a que espontaneamente e de boa vontade cedam às íntimas
inspirações da graça divina e procurem sair de um estado em que não podem
estar seguros de sua eterna salvação, (63) pois, embora por desejo e voto
inconsciente, estejam ordenados ao corpo místico do Redentor, carecem de
tantas e tão grandes graças e auxílios que só na Igreja católica podem
encontrar. “ (Mystici Corporis, 100)
Assim, Pio XII explicita que aquelas pessoas da “exceção” são de maneira “inconsciente”
ordenadas para a única Igreja de Cristo. Mas isso quer dizer que não devemos querer que
elas sejam efetivos membros da Igreja? NÃO!! Por mais que possam ser salvas pela sua
ignorância, elas carecem da ajuda da graça que nos vem por meio dos sacramentos e de
outros meios de salvação que apenas a Igreja Católica possui! A exceção, portanto, não
pode ser desculpa para o indiferentismo. Se nós temos tanta dificuldade de sermos
santos, com todos os meios que possuímos, imagine aqueles afastados da comunhão
visível da Igreja?

A discussão atual

Hoje se discute o que significa a ignorância invencível. Ela se aplicaria apenas àqueles que
nunca ouviram o Evangelho? E aquelas pessoas simples enganadas por seitas e doutrinas
contrárias à Igreja que não tem o discernimento de conhecer a verdade, muito por culpa dos
católicos que não a pregam ou, se a pregam, pregam um catolicismo falso e com um
péssimo testemunho?
Peguemos um caso extremo para ilustrar a questão: imagine um homem que hoje rejeita a
Igreja porque, quando criança, foi abusado por um padre. Esse homem até ouviu o
Evangelho, mas pegou uma repulsa à Igreja porque a pessoa que, em tese, deveria levá-lo
a Cristo, lhe causou uma das piores feridas que podem ser causadas numa pessoa.
Será que a ignorância invencível seria aplicada apenas àqueles índios no meio da
Amazônia que nunca ouviram falar de Cristo ou da Igreja ou, também, às pessoas que por
falta de um bom testemunho e de uma boa pregação nunca conheceram o verdadeiro
Evangelho de Cristo? A nossa responsabilidade é muito grande, pois muitos não se tornam
católicos por nossa falta de testemunho! Essas pessoas até podem ser salvas pela
ignorância, mas de uma maneira muito mais difícil se caso estivessem em plena comunhão
com a Igreja!

Conclusão

Todo o desenvolvimento teológico da Igreja desembocou naquilo que o Catecismo ensina,


como explicitado no começa da aula. A doutrina da Extra Ecclesiam Nulla Salus é verdade
de fé, a as “exceções” a ela NUNCA podem ser uma desculpa ao indiferentismo religioso,
pois apenas a Igreja de Cristo é caminho de salvação e possui todos os meios para as
pessoas se salvarem. PORTANTO, DEIXEMOS A TIBIEZA MODERNA DE LADO E
BUSQUEMOS TRANSMITIR O VERDADEIRO EVANGELHO ÀS PESSOAS!

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