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É sabido por vós, amado filho, que a biografia de Issac Thomas Hecker,
especialmente através da ação daqueles que se comprometeram a traduzir ou
interpretar uma língua estrangeira, tem provocado sérias controvérsias, por
conta de certas opiniões apresentadas sobre o modo de liderar a vida cristã.
O princípio básico dessas novas opiniões é que, a fim de atrair mais facilmente
aqueles que diferem dela, a Igreja deve moldar seus ensinamentos de acordo
com o espírito da época, relaxar parte de sua antiga severidade, e fazer algumas
concessões à novas opiniões. Muitos pensam que essas concessões devem ser
feitas não apenas no que diz respeito aos modos de viver, mas também no que se
refere às doutrinas que pertencem ao depósito da fé. Eles afirmam que seria
oportuno, a fim de atrair aqueles que diferem de nós, omitir certos pontos de
ensino que são de menor importância e atenuar o significado que a Igreja
sempre lhes atribuiu. Não são necessárias muitas palavras, querido filho, para
provar a falsidade dessas idéias se recordares a natureza e a origem da Doutrina
que a Igreja propõe. O Concílio Vaticano diz sobre este ponto: “Porque a
Doutrina de Fé que Deus revelou não foi proposta, como uma invenção
filosófica para ser aperfeiçoada pela ingenuidade humana, mas foi entregue
como um depósito divino à Esposa de Cristo para ser fielmente mantida e
infalivelmente declarada. Por isso, o significado dos Dogmas Sagrados é
perpetuamente mantido o que a nossa Santa Mãe, a Igreja, declarou uma vez, e
esse sentido nunca deve ser deixado sob o pretexto de uma compreensão mais
profunda deles.” (Constituição de Fide Catholica, cap. IV).
A regra de vida estabelecida para os católicos não é de tal natureza que não
possa acomodar-se às exigências de vários tempos e lugares. A Igreja possui,
guiada por seu Divino Mestre, um espírito bondoso e misericordioso, razão pela
qual desde o princípio foi o que São Paulo disse de si mesmo: “Tornei-me tudo
para todos os homens, para que eu possa salvar a todos.” (1Cor 9,22).
Mas, no que diz respeito aos modos de vida, ela está acostumada a ceder tanto
que, mantendo-se intacto o princípio divino da moral, ela nunca negligenciou
acomodar-se ao caráter e gênio das nações que ela abraça.
Quem pode duvidar de que ela agirá novamente nesse mesmo espírito se a
salvação das almas assim o requerer? Nesta questão, a Igreja dever ser o juiz, e
não os indivíduos particulares, que muitas vezes se enganam com a aparência
do bem. Nisso, todos os que desejam escapar da condenação de nosso
predecessor, Pio VI, devem concordar. Ele condenou como prejudicial à Igreja e
ao Espírito de Deus que a guia, a doutrina contida na proposição LXXVIII do
Sínodo de Pistoia, “que a disciplina feita e aprovada pela Igreja deveria ser
submetida a exame, como se a Igreja pudesse formular um código de leis inúteis
ou mais pesado do que a liberdade humana pode suportar.”
Mas, querido filho, nesta questão de que estamos a falar, há ainda um perigo
maior, e uma oposição mais manifesta à doutrina e disciplina católica, em que
os amantes das novidades, segundo os quais argumentam que devem apoiar
uma tal liberdade na Igreja que, diminuindo de alguma forma sua supervisão e
cuidado, permita aos fiéis seguir mais livremente a orientação de suas próprias
mentes e o caminho de sua própria atividade. Esses são da opinião de que tal
liberdade tem sua contrapartida na recém-dada liberdade civil, que é agora o
direito e fundamento de quase todos os estados seculares.
Nas cartas apostólicas sobre a constituição dos Estados, dirigidas por nós aos
bispos de toda a Igreja, discutimos este ponto longamente; e lá estabelecemos a
diferença existente entre a Igreja, que é uma sociedade divina, e todas as outras
organizações sociais humanas, que dependem simplesmente do livre-arbítrio e
da escolha dos homens.
Se alega que agora que foi proclamado o decreto do Vaticano sobre a autoridade
magisterial infalível do Romano Pontífice, já não há mais com o que se
preocupar sobre o assunto, e por conseguinte, desde que isto foi assegurado, se
abre a cada indivíduo, um campo mais amplo e livre, tanto para o pensamento
quanto para a ação. Mas tal raciocínio é evidentemente defeituoso, uma vez que,
se quisermos chegar a uma conclusão sobre a autoridade magisterial infalível da
Igreja, seria preferível que ninguém desejasse se afastar dessa autoridade e,
mais do que isso, liderada e dirigida de tal maneira, às mentes de todos,
desfrutariam de uma segurança maior de não cair em erro privado. E, além
disso, aqueles que se valem de tal raciocínio, parecem afastar-se seriamente da
sabedoria providente do Altíssimo, que se dignou a dar a conhecer por decisão
solene a autoridade e o direito supremo de ensinar a sua Sé Apostólica, e
proferiu tal decisão precisamente para salvaguardar as mentes dos filhos da
Igreja dos perigos dos tempos atuais.
Pois, embora Saulo, determinado entre vingança e matança, ouviu a própria voz
de Nosso Senhor e perguntou: "O que desejas que eu faça?", ele foi instruído a
entrar em Damasco e procurar por Ananias: "Entra na cidade e lá te será dito o
que deves fazer." (At 9,6).
Para aqueles que consideram o problema mais a fundo, mesmo sob a suposição
de que não há orientação externa, ainda não está claro o que está na mente dos
inovadores, o propósito daquele influxo mais abundante do Espírito Santo que
eles tanto exaltam. Para praticar a virtude, a assistência do Espírito Santo é
absolutamente necessária, e no entanto encontramos esses fanáticos pela
novidade dando importância injustificada às virtudes naturais, como se
respondessem melhor às necessidades e costumes da época, e como se fossem
adornado com eles, o homem tornou-se mais pronto para agir e mais forte em
ação. Não é fácil entender como as pessoas de posse da sabedoria cristã podem
preferir virtudes naturais às sobrenaturais ou atribuir-lhes maior eficácia e
fertilidade do que a elas. Será que a natureza unida à graça é mais fraca do que
quando é abandonada a si mesma?
Será que esses homens ilustres por sua santidade, a quem a Igreja distingue e
homenageia, são deficientes na ordem da natureza e em seus talentos, porque se
destacaram em sua força cristã? E, embora se possa às vezes imaginar atos
dignos de admiração, que são o resultado da virtude natural, existe alguém
dotado simplesmente de uma virtude natural? Existe alguém que não tenha sido
tentado pela ansiedade mental, e isto em nenhum pequeno grau? No entanto,
dominar tais coisas, como também preservar em sua totalidade a lei da ordem
natural, requer uma assistência do alto. Estes únicos e notáveis atos aos quais
temos aludido frequentemente, após uma investigação mais próxima, são
encontrados para exibir a aparência e não a realidade da virtude. Admitamos
que seja virtude, a menos que "corremos em vão" e não sejamos conscientes da
eterna bem-aventurança que um bom Deus em sua misericórdia nos destinou,
de que valem as virtudes naturais, a menos que sejam secundadas pelo dom da
graça divina? Por isso Santo Agostinho bem diz: “Maravilhosa é a força, e rápido
o curso, mas fora do verdadeiro caminho.” Pois, assim como a natureza do
homem, devido à primeira queda, está inclinada ao mal e à desonra, ainda
assim, com a ajuda da graça é elevada, é trazida juntamente com uma nova
grandeza e força, assim também a virtude, que não é o produto da natureza, mas
também da graça, torna-se frutífera para a vida eterna e assume um caráter
mais forte e duradouro.
Somente acreditará que certas virtudes cristãs estão adaptadas a certos tempos
e outras a outros tempos que não se recordar das palavras do Apóstolo: "A quem
ele conheceu predestinou se conformar à imagem de seu Filho." (Rm 8,29).
Cristo é o mestre e modelo de toda a santidade e, para a sua medida, todos
aqueles que aspiram à vida eterna devem se conformar. Cristo não conhece
mudança com o passar dos tempos, visto que "Ele é o mesmo ontem, hoje e para
sempre." (Hb 13,8). Homens de todas as idades receberam o preceito: "Aprendei
de mim, porque sou manso e humilde de coração." (Mt 11,29).
Aqueles que se vinculam pelos votos da religião, longe de terem sofrido uma
perca de liberdade, gozam daquele tipo mais completo e mais livre, aquela
liberdade pela qual Cristo nos fez livres. Este outro parecer seu, a saber, que a
vida religiosa é totalmente inútil ou de pouca ajuda para a Igreja, além de ser
prejudicial às ordens religiosas, não pode ser a opinião de quem leu os arquivos
da Igreja. Por acaso o seu país, os Estados Unidos, não deve tanto o início de sua
fé quanto sua cultura aos filhos dessas famílias religiosas? a uma das quais
ultimamente, coisa muito digna de louvor, você decretou que fosse erguida
publicamente uma estátua. E mesmo nos tempos atuais, onde quer que as
famílias religiosas sejam fundadas, que colheita rápida e frutífera de boas obras
elas trazem consigo! Quantos deixam suas casas e procuram terras estranhas
para transmitir a verdade do Evangelho e expandir os limites da civilização! E
isso fazem com a maior alegria em meio a múltiplos perigos! Entre eles, não
menos certamente do que no resto do clero, o mundo cristão encontra os
pregadores da Palavra de Deus, os diretores das consciências, os mestres da
juventude e a própria Igreja, os exemplos de toda a santidade.
Nenhuma diferença de dignidade deve ser feita entre aqueles que seguem um
estado de vida ativa e aqueles que, encantados pela solidão, entregam suas vidas
à oração e à mortificação corporal. E certamente quão bom reconhecimento têm
merecido eles, e eles merecem, é conhecido com certeza por aqueles que não
esquecem que "a oração contínua do homem justo" serve para trazer as bênçãos
do céu quando a essas orações a mortificação corporal é adicionada.
Finalmente, para não nos alongar ainda mais, afirma-se que o caminho e o
método que até agora tem sido seguido entre os católicos para atrair de novo os
que se afastaram da Igreja devem ser deixados de lado e outro deve ser
escolhido. Sobre este assunto, bastará evidenciar que não é prudente depreciar
aquilo que a antiguidade em sua larga experiência tem aprovado, e que é
ensinado, ademais, pela autoridade apostólica. As Escrituras nos ensinam (Ec
17,4) que é dever de todos sermos solícitos pela salvação de nosso próximo de
acordo com as possibilidades e posição de cada um. Os fiéis realizam isso pelo
religioso cumprimento dos deveres de seu estado de vida, a retidão de seu
comportamento, suas obras de caridade cristã, e sua oração sincera e constante
para Deus. Por outro lado, aqueles que pertencem ao clero devem fazer isso pelo
cumprimento instruído de seu ministério de pregação, pela pompa e esplendor
das cerimônias, especialmente dando a conhecer com suas próprias vidas a
beleza da doutrina que transmitiu São Paulo a Tito e Timóteo. Mas se, no meio
das diferentes formas de pregar a Palavra de Deus, alguém optar em se dirigir
aos não-católicos, não nas igrejas, mas em algum lugar apropriado, sem buscar
controvérsias, mas falando amavelmente, esse método certamente não disporia
de problemas. Mas aqueles que cumpram tal ministério sejam escolhidos pela
autoridade dos bispos e sejam homens cuja ciência e virtude tenham sido
previamente provadas. Pensamos que há muitos em seu país que estão
separados da verdade católica mais por ignorância do que por má vontade, que
podem ser levados mais facilmente ao único rebanho de Cristo se a verdade lhes
for apresentada de maneira amistosa e familiar.
Tendo dito tudo isso, é evidente, querido filho, que não podemos aprovar as
opiniões que juntas se designam com o nome de "americanismo". Mas se este
nome deve entender-se o conjunto de dons espirituais que pertencem ao povo
da América, assim como outras características pertencentes a outras diversas
nações, ou então, ademais, por este nome se designa vossa condição política e as
leis e costumes por quais sois governado, não há nenhuma razão para rejeitar
este nome. Mas se for entendido que as doutrinas que foram mencionadas
acima não são apenas identificadas, mas também exaltadas, não haverá lugar
para dúvidas de que os nosso veneráveis irmãos, os bispos da América, serão os
primeiros em repudiá-lo e condená-lo como algo sumamente injurioso para eles
mesmos como para o seu país. Pois isso levantaria a suspeita de que há entre
vocês quem forjem e queiram uma Igreja diferente na América do que a que há
em todas as outras regiões do mundo.
Porém a verdadeira Igreja é una, tanto por sua unidade de doutrina como por
sua unidade de governo, e também é católica. E desde que Deus estabeleceu o
centro e o fundamento da unidade na cátedra do Bem-aventurado Pedro, é
justamente chamado de Igreja Romana, porque "onde está Pedro ali está a
Igreja" (Ambrósio, In Ps.9, 57). Portanto, se alguém quiser ser considerado um
verdadeiro católico, deve ser capaz de dizer de coração as mesmas palavras que
Jerônimo dirigiu ao papa Damaso: "Eu, não seguindo ninguém antes de Cristo,
estou unido em amizade a Sua Santidade; isto é, à cátedra de Pedro. Sei que a
Igreja foi construída sobre ele como sua Rocha, e todo aquele que não está
unido convosco, espalha.”
Estas instruções que lhe damos, querido filho, em cumprimento do nosso dever,
numa carta especial, tomaremos o cuidado de que sejam comunicadas aos
bispos dos Estados Unidos; assim, testemunhando novamente o amor pelo qual
abraçamos todo o vosso país, um país que no passado tanto fez pela causa da
religião e que, com a ajuda de Deus, fará coisas ainda maiores. Para vós e para
todos os fiéis da América, transmitimos com grande amor, como promessa de
assistência divina, a nossa Bênção Apostólica.