Você está na página 1de 8

CARTA APOSTÓLICA

TESTEM BENEVOLENTIAE NOSTRAE

DO PAPA LEÃO XIII

CONCERNENTE A NOVAS OPINIÔES, VIRTUDE, NATUREZA E GRAÇA EM


RELAÇÃO AO AMERICANISMO

A nosso querido filho, Cardeal James Gibbons, Cardeal Presbítero de Título de


Santa Maria de Trastevere, Arcebispo de Baltimore:

Querido filho, Saúde e Benção Apostólica: Enviamos-lhes através desta carta


uma renovada expressão da boa vontade que não deixamos de manifestar em
nosso pontificado, aos seus colegas no episcopado, e a todo o povo americano,
valendo-nos de todas as oportunidades que nos foram dadas pelo progresso da
vossa igreja ou de tudo que tens feito para salvaguardar e promover os
interesses católicos. Além disso, muitas vezes consideramos e admiramos os
nobres dons de sua nação, que permitem ao povo americano estar disposto a
toda boa obra que promove o bem da humanidade e o esplendor da civilização.
Embora esta carta não tenha a intenção, como as outras, de repetir as palavras
de louvor tantas vezes pronunciadas, mas sim de chamar a atenção para
algumas coisas que devem ser evitadas e corrigidas; ainda porque é concebida
no mesmo espírito apostólico de caridade que inspirou todas as nossas outras
cartas, esperamos que você a considere como mais uma prova de nosso amor;
ainda mais porque é voltada a suprimir certas disputas que surgiram
ultimamente entre vocês, em detrimento da paz de muitas almas.

É sabido por vós, amado filho, que a biografia de Issac Thomas Hecker,
especialmente através da ação daqueles que se comprometeram a traduzir ou
interpretar uma língua estrangeira, tem provocado sérias controvérsias, por
conta de certas opiniões apresentadas sobre o modo de liderar a vida cristã.

Nós, portanto, devido ao nosso ofício apostólico, tendo que guardar a


integridade da Fé e a segurança dos fiéis, estamos desejosos em escrever-lhe
mais detalhadamente sobre este assunto.

O princípio básico dessas novas opiniões é que, a fim de atrair mais facilmente
aqueles que diferem dela, a Igreja deve moldar seus ensinamentos de acordo
com o espírito da época, relaxar parte de sua antiga severidade, e fazer algumas
concessões à novas opiniões. Muitos pensam que essas concessões devem ser
feitas não apenas no que diz respeito aos modos de viver, mas também no que se
refere às doutrinas que pertencem ao depósito da fé. Eles afirmam que seria
oportuno, a fim de atrair aqueles que diferem de nós, omitir certos pontos de
ensino que são de menor importância e atenuar o significado que a Igreja
sempre lhes atribuiu. Não são necessárias muitas palavras, querido filho, para
provar a falsidade dessas idéias se recordares a natureza e a origem da Doutrina
que a Igreja propõe. O Concílio Vaticano diz sobre este ponto: “Porque a
Doutrina de Fé que Deus revelou não foi proposta, como uma invenção
filosófica para ser aperfeiçoada pela ingenuidade humana, mas foi entregue
como um depósito divino à Esposa de Cristo para ser fielmente mantida e
infalivelmente declarada. Por isso, o significado dos Dogmas Sagrados é
perpetuamente mantido o que a nossa Santa Mãe, a Igreja, declarou uma vez, e
esse sentido nunca deve ser deixado sob o pretexto de uma compreensão mais
profunda deles.” (Constituição de Fide Catholica, cap. IV).

Nós não podemos considerar como completamente inocente o silêncio que


propositalmente leva à omissão ou à negligência da doutrina Cristã, pois todos
os princípios vem do mesmo Autor e Mestre: “O Filho Unigênito, que está no
seio do Pai.” (Jo 1,18). Eles estão adaptados a todos os tempos e à todas as
nações, como é claramente visto pelas palavras de Nosso Senhor aos apóstolos:
“Ide e ensinai todas as nações; ensinando-os a observar todas as coisas que eu
lhes ordenei, e eis que estou convosco todos os dias até o fim do mundo.” (Mt
28,19). Sobre isto, o Concílio Vaticano diz: “Todas as coisas devem ser
acreditadas com a Fé Divina e Católica que estão contidas na Palavra de Deus,
escritas ou transmitidas, e que a Igreja, seja por um julgamento solene ou pelo
seu Magistério ordinário e universal, propõe que a crença tenha sido
divinamente revelada.” (Constituição de Fide Catholica, cap. III).

Deixe longe da mente de qualquer um suprimir por qualquer razão qualquer


doutrina que tenha sido transmitida. Tal política tenderia, antes, a separar os
católicos da Igreja do que a trazer aqueles que diferem. Não há nada mais
próximo do nosso coração do que ter aqueles que estão separados do rebanho de
Cristo retornando a ele, mas por nenhum outro caminho que o apontado por
Cristo.

A regra de vida estabelecida para os católicos não é de tal natureza que não
possa acomodar-se às exigências de vários tempos e lugares. A Igreja possui,
guiada por seu Divino Mestre, um espírito bondoso e misericordioso, razão pela
qual desde o princípio foi o que São Paulo disse de si mesmo: “Tornei-me tudo
para todos os homens, para que eu possa salvar a todos.” (1Cor 9,22).

A história prova claramente que a Sé Apostólica, à qual foi confiada a missão


não apenas de ensinar, mas também de governar toda a Igreja, permaneceu "na
mesma doutrina, no mesmo sentido e na mesma sentença." (Constituição de
Fide Catholica, cap IV).

Mas, no que diz respeito aos modos de vida, ela está acostumada a ceder tanto
que, mantendo-se intacto o princípio divino da moral, ela nunca negligenciou
acomodar-se ao caráter e gênio das nações que ela abraça.

Quem pode duvidar de que ela agirá novamente nesse mesmo espírito se a
salvação das almas assim o requerer? Nesta questão, a Igreja dever ser o juiz, e
não os indivíduos particulares, que muitas vezes se enganam com a aparência
do bem. Nisso, todos os que desejam escapar da condenação de nosso
predecessor, Pio VI, devem concordar. Ele condenou como prejudicial à Igreja e
ao Espírito de Deus que a guia, a doutrina contida na proposição LXXVIII do
Sínodo de Pistoia, “que a disciplina feita e aprovada pela Igreja deveria ser
submetida a exame, como se a Igreja pudesse formular um código de leis inúteis
ou mais pesado do que a liberdade humana pode suportar.”

Mas, querido filho, nesta questão de que estamos a falar, há ainda um perigo
maior, e uma oposição mais manifesta à doutrina e disciplina católica, em que
os amantes das novidades, segundo os quais argumentam que devem apoiar
uma tal liberdade na Igreja que, diminuindo de alguma forma sua supervisão e
cuidado, permita aos fiéis seguir mais livremente a orientação de suas próprias
mentes e o caminho de sua própria atividade. Esses são da opinião de que tal
liberdade tem sua contrapartida na recém-dada liberdade civil, que é agora o
direito e fundamento de quase todos os estados seculares.

Nas cartas apostólicas sobre a constituição dos Estados, dirigidas por nós aos
bispos de toda a Igreja, discutimos este ponto longamente; e lá estabelecemos a
diferença existente entre a Igreja, que é uma sociedade divina, e todas as outras
organizações sociais humanas, que dependem simplesmente do livre-arbítrio e
da escolha dos homens.

É válido, portanto, direcionar particularmente a atenção para a opinião que


serve como argumento em favor desta maior liberdade buscada e recomendada
aos católicos.

Se alega que agora que foi proclamado o decreto do Vaticano sobre a autoridade
magisterial infalível do Romano Pontífice, já não há mais com o que se
preocupar sobre o assunto, e por conseguinte, desde que isto foi assegurado, se
abre a cada indivíduo, um campo mais amplo e livre, tanto para o pensamento
quanto para a ação. Mas tal raciocínio é evidentemente defeituoso, uma vez que,
se quisermos chegar a uma conclusão sobre a autoridade magisterial infalível da
Igreja, seria preferível que ninguém desejasse se afastar dessa autoridade e,
mais do que isso, liderada e dirigida de tal maneira, às mentes de todos,
desfrutariam de uma segurança maior de não cair em erro privado. E, além
disso, aqueles que se valem de tal raciocínio, parecem afastar-se seriamente da
sabedoria providente do Altíssimo, que se dignou a dar a conhecer por decisão
solene a autoridade e o direito supremo de ensinar a sua Sé Apostólica, e
proferiu tal decisão precisamente para salvaguardar as mentes dos filhos da
Igreja dos perigos dos tempos atuais.

Esses perigos, a saber, a confusão entre licença e liberdade, a paixão de discutir


e mostrar contumácia sobre qualquer assunto possível, o suposto direito de ter
qualquer opinião que lhe agrade sobre qualquer assunto e torná-las conhecidas
ao mundo por meio de publicações, tem envolvido as mentes na escuridão de
que agora há uma necessidade maior do magistério da Igreja do que antes, para
que as pessoas não lembrem da consciência e do dever.

Nós, na verdade, não pensamos em rejeitar tudo o que a indústria moderna e o


estudo produziram; longe disso, damos as boas-vindas ao patrimônio da
verdade e a um âmbito cada vez mais amplo de bem-estar público que ajuda no
progresso do aprendizado e da virtude. No entanto, tudo isso, para ser de
qualquer benefício sólido, ou melhor, ter uma existência e um crescimento reais,
só pode ser feito com a condição de reconhecer a sabedoria e autoridade da
Igreja.
Agora, no que diz respeito às conclusões que foram tiradas das opiniões acima
mencionadas, acreditamos de boa-fé que não houve intenção de erro ou astúcia
nelas, mas, mesmo assim, estas questões em si, sem dúvida, merecem um certo
grau de desconfiança. Em primeiro lugar, toda orientação externa é deixada de
lado porque é considerada supérflua e até negativa para as almas que lutam pela
perfeição cristã, sendo seu argumento que o Espírito Santo derrama mais graças
ricas e abundantes do que antes nas almas dos fiéis, de modo que, sem
intervenção humana, Ele os ensina e os guia por certa inspiração oculta. No
entanto, não é um sinal de excesso de confiança querer medir e determinar o
modo de comunicação divina para a humanidade, uma vez que a humanidade
depende completamente de sua própria boa vontade, e Ele é um dispensador
muito generoso de seus próprios dons. “O Espírito sopra onde quer.”
(Jo 3,8). “Mas a cada um de nós foi dada a graça, segundo a medida do dom de
Cristo.” (Ef 4,7).

E qualquer um que se lembre da história dos apóstolos, a fé da igreja nascente,


as provações e mortes dos mártires e, acima de tudo, aqueles tempos antigos,
tão frutíferos em santos, ousam medir nossa idade com estes, ou afirmar que
eles receberam menos do derramamento divino do Espírito de Santidade? Para
não insistir sobre este assunto, não há ninguém para questionar a verdade de
que o Espírito Santo certamente age através de uma misteriosa descendência
nas almas dos justos e que Ele também os inflama com advertências e impulsos,
a menos que este fosse o caso, qualquer defesa e autoridade externa seria
ineficaz. "Se alguém está persuadido de que pode concordar com a verdade
salvífica, isto é, a verdade evangélica, quando é proclamada, sem a iluminação
do Espírito Santo, que dá a todos a suavidade de assentir e perseverar, tal
pessoa é enganada por um espírito herético." (Segundo Concílio de Orange, can.
7).

Além disso, como mostra a experiência, estes movimentos e impulsos do


Espírito Santo são mais frequentemente experimentados através da mediação e
luz de uma autoridade magisterial externa. Para citar Santo Agostinho: "Ele (o
Espírito Santo) coopera com o fruto coletado de árvores boas, já que Ele
externamente as rega e cultiva fora do ministério dos homens, e por si só lhes dá
o crescimento interno." (Da Graça de Cristo, cap XIX). Certamente pertence à
lei comum da providência amorosa de Deus que, assim como Ele decretou que
os homens são salvos principalmente pelo ministério dos homens, Ele também
queria que aqueles que Ele chamava para as alturas da santidade fossem
guiados por homens; e por essa razão São Crisóstomo declara que: "Somos
ensinados por Deus pela instrumentalidade dos homens." (Homilia I, in Inscr.
Altar). Disto nos é dado um exemplo notável nos primeiros dias da Igreja.

Pois, embora Saulo, determinado entre vingança e matança, ouviu a própria voz
de Nosso Senhor e perguntou: "O que desejas que eu faça?", ele foi instruído a
entrar em Damasco e procurar por Ananias: "Entra na cidade e lá te será dito o
que deves fazer." (At 9,6).

Tampouco podemos deixar de considerar o fato de que aqueles que estão se


esforçando pela perfeição, já que, por esse fato, não andam em caminho trilhado
ou conhecido, são os mais propensos a se desviar e, portanto, têm maior
necessidade do que outros de um professor e guia. Tal orientação já obteve na
Igreja; este tem sido o ensinamento universal daqueles que, através dos tempos,
foram eminentes em sabedoria e santidade. Portanto, rejeitá-lo seria
comprometer-se com uma crença ao mesmo tempo precipitada e perigosa.

Para aqueles que consideram o problema mais a fundo, mesmo sob a suposição
de que não há orientação externa, ainda não está claro o que está na mente dos
inovadores, o propósito daquele influxo mais abundante do Espírito Santo que
eles tanto exaltam. Para praticar a virtude, a assistência do Espírito Santo é
absolutamente necessária, e no entanto encontramos esses fanáticos pela
novidade dando importância injustificada às virtudes naturais, como se
respondessem melhor às necessidades e costumes da época, e como se fossem
adornado com eles, o homem tornou-se mais pronto para agir e mais forte em
ação. Não é fácil entender como as pessoas de posse da sabedoria cristã podem
preferir virtudes naturais às sobrenaturais ou atribuir-lhes maior eficácia e
fertilidade do que a elas. Será que a natureza unida à graça é mais fraca do que
quando é abandonada a si mesma?

Será que esses homens ilustres por sua santidade, a quem a Igreja distingue e
homenageia, são deficientes na ordem da natureza e em seus talentos, porque se
destacaram em sua força cristã? E, embora se possa às vezes imaginar atos
dignos de admiração, que são o resultado da virtude natural, existe alguém
dotado simplesmente de uma virtude natural? Existe alguém que não tenha sido
tentado pela ansiedade mental, e isto em nenhum pequeno grau? No entanto,
dominar tais coisas, como também preservar em sua totalidade a lei da ordem
natural, requer uma assistência do alto. Estes únicos e notáveis atos aos quais
temos aludido frequentemente, após uma investigação mais próxima, são
encontrados para exibir a aparência e não a realidade da virtude. Admitamos
que seja virtude, a menos que "corremos em vão" e não sejamos conscientes da
eterna bem-aventurança que um bom Deus em sua misericórdia nos destinou,
de que valem as virtudes naturais, a menos que sejam secundadas pelo dom da
graça divina? Por isso Santo Agostinho bem diz: “Maravilhosa é a força, e rápido
o curso, mas fora do verdadeiro caminho.” Pois, assim como a natureza do
homem, devido à primeira queda, está inclinada ao mal e à desonra, ainda
assim, com a ajuda da graça é elevada, é trazida juntamente com uma nova
grandeza e força, assim também a virtude, que não é o produto da natureza, mas
também da graça, torna-se frutífera para a vida eterna e assume um caráter
mais forte e duradouro.

Essa superestimação da virtude natural encontra um modo de se expressar ao


assumir uma divisão de todas as virtudes em ativas e passivas, afirmando que,
enquanto as virtudes passivas encontraram um lugar melhor em tempos
passados, nossa época deve ser caracterizada pelas ativas. É evidente que tal
divisão e distinção não podem ser mantidas, pois não há, nem pode haver,
virtude meramente passiva. “Virtude”, diz Santo Tomás, “designa a perfeição de
alguma capacidade, mas o fim de tal capacidade é um ato, e um ato de virtude é
nada mais que o uso do livre arbítrio”, agindo, isto é, sob a graça de Deus, se o
ato for de virtude sobrenatural.

Somente acreditará que certas virtudes cristãs estão adaptadas a certos tempos
e outras a outros tempos que não se recordar das palavras do Apóstolo: "A quem
ele conheceu predestinou se conformar à imagem de seu Filho." (Rm 8,29).
Cristo é o mestre e modelo de toda a santidade e, para a sua medida, todos
aqueles que aspiram à vida eterna devem se conformar. Cristo não conhece
mudança com o passar dos tempos, visto que "Ele é o mesmo ontem, hoje e para
sempre." (Hb 13,8). Homens de todas as idades receberam o preceito: "Aprendei
de mim, porque sou manso e humilde de coração." (Mt 11,29).

Em todas as eras Ele se manifestou como obediente até a morte; em todas as


épocas, os dizeres do apóstolo é forte: "Os que pertencem a Cristo crucificaram a
sua carne com os seus vícios e concupiscências." (Gl 5,24). Quer Deus que hoje
essas virtudes sejam praticadas no grau dos santos dos tempos passados, que
em humildade, obediência e autocontrole eram poderosos "em palavras e ações"
para grande proveito não somente da religião, mas do estado e o bem-estar
público.

A partir deste desprezo pelas virtudes evangélicas, erroneamente qualificadas


como passivas, houve um pequeno passo para alcançar o desprezo da vida
religiosa que, até certo ponto, tomou conta de algumas mentes. Que isso é
apoiado pelos defensores dessas novas visões inferimos de algumas de suas
declarações sobre os votos professados por ordens religiosas. Eles dizem que
esses votos se afastam do espírito de nossos tempos, pois eles estreitam os
limites da liberdade humana; que são mais típicas de mentes fracas do que de
mentes fortes; que longe de ajudar a melhoria humana e o bem da organização
humana, são prejudiciais para um e outro; mas quão falsas são estas afirmações
é evidente, uma vez que a prática e doutrina da Igreja sempre aprovou
grandemente a vida religiosa; e não sem uma boa causa eles se mostraram
soldados prontos e corajosos de Cristo que, sob o chamado divino, abraçaram
livremente esse estado de vida, não contentes com a observância dos preceitos,
mas indo aos conselhos evangélicos. Deveríamos julgar isso como uma
característica das mentes fracas ou podemos dizer que é algo inútil ou
prejudicial a um estado de vida mais perfeito?

Aqueles que se vinculam pelos votos da religião, longe de terem sofrido uma
perca de liberdade, gozam daquele tipo mais completo e mais livre, aquela
liberdade pela qual Cristo nos fez livres. Este outro parecer seu, a saber, que a
vida religiosa é totalmente inútil ou de pouca ajuda para a Igreja, além de ser
prejudicial às ordens religiosas, não pode ser a opinião de quem leu os arquivos
da Igreja. Por acaso o seu país, os Estados Unidos, não deve tanto o início de sua
fé quanto sua cultura aos filhos dessas famílias religiosas? a uma das quais
ultimamente, coisa muito digna de louvor, você decretou que fosse erguida
publicamente uma estátua. E mesmo nos tempos atuais, onde quer que as
famílias religiosas sejam fundadas, que colheita rápida e frutífera de boas obras
elas trazem consigo! Quantos deixam suas casas e procuram terras estranhas
para transmitir a verdade do Evangelho e expandir os limites da civilização! E
isso fazem com a maior alegria em meio a múltiplos perigos! Entre eles, não
menos certamente do que no resto do clero, o mundo cristão encontra os
pregadores da Palavra de Deus, os diretores das consciências, os mestres da
juventude e a própria Igreja, os exemplos de toda a santidade.

Nenhuma diferença de dignidade deve ser feita entre aqueles que seguem um
estado de vida ativa e aqueles que, encantados pela solidão, entregam suas vidas
à oração e à mortificação corporal. E certamente quão bom reconhecimento têm
merecido eles, e eles merecem, é conhecido com certeza por aqueles que não
esquecem que "a oração contínua do homem justo" serve para trazer as bênçãos
do céu quando a essas orações a mortificação corporal é adicionada.

Mas se há aqueles que preferem formar um corpo sem a obrigação de fazer


votos, sigam esse caminho. Não é algo novo na Igreja, muito menos
repreensível. Tenha cuidado, de qualquer forma, em não colocar tal estado
acima do das ordens religiosas. Pelo contrário, uma vez que nos tempos atuais a
humanidade está mais propensa do que em épocas anteriores a se entregar aos
prazeres, aqueles que "deixaram todos os seus pertences e seguiram a Cristo"
tiveram mais valor.

Finalmente, para não nos alongar ainda mais, afirma-se que o caminho e o
método que até agora tem sido seguido entre os católicos para atrair de novo os
que se afastaram da Igreja devem ser deixados de lado e outro deve ser
escolhido. Sobre este assunto, bastará evidenciar que não é prudente depreciar
aquilo que a antiguidade em sua larga experiência tem aprovado, e que é
ensinado, ademais, pela autoridade apostólica. As Escrituras nos ensinam (Ec
17,4) que é dever de todos sermos solícitos pela salvação de nosso próximo de
acordo com as possibilidades e posição de cada um. Os fiéis realizam isso pelo
religioso cumprimento dos deveres de seu estado de vida, a retidão de seu
comportamento, suas obras de caridade cristã, e sua oração sincera e constante
para Deus. Por outro lado, aqueles que pertencem ao clero devem fazer isso pelo
cumprimento instruído de seu ministério de pregação, pela pompa e esplendor
das cerimônias, especialmente dando a conhecer com suas próprias vidas a
beleza da doutrina que transmitiu São Paulo a Tito e Timóteo. Mas se, no meio
das diferentes formas de pregar a Palavra de Deus, alguém optar em se dirigir
aos não-católicos, não nas igrejas, mas em algum lugar apropriado, sem buscar
controvérsias, mas falando amavelmente, esse método certamente não disporia
de problemas. Mas aqueles que cumpram tal ministério sejam escolhidos pela
autoridade dos bispos e sejam homens cuja ciência e virtude tenham sido
previamente provadas. Pensamos que há muitos em seu país que estão
separados da verdade católica mais por ignorância do que por má vontade, que
podem ser levados mais facilmente ao único rebanho de Cristo se a verdade lhes
for apresentada de maneira amistosa e familiar.

Tendo dito tudo isso, é evidente, querido filho, que não podemos aprovar as
opiniões que juntas se designam com o nome de "americanismo". Mas se este
nome deve entender-se o conjunto de dons espirituais que pertencem ao povo
da América, assim como outras características pertencentes a outras diversas
nações, ou então, ademais, por este nome se designa vossa condição política e as
leis e costumes por quais sois governado, não há nenhuma razão para rejeitar
este nome. Mas se for entendido que as doutrinas que foram mencionadas
acima não são apenas identificadas, mas também exaltadas, não haverá lugar
para dúvidas de que os nosso veneráveis irmãos, os bispos da América, serão os
primeiros em repudiá-lo e condená-lo como algo sumamente injurioso para eles
mesmos como para o seu país. Pois isso levantaria a suspeita de que há entre
vocês quem forjem e queiram uma Igreja diferente na América do que a que há
em todas as outras regiões do mundo.
Porém a verdadeira Igreja é una, tanto por sua unidade de doutrina como por
sua unidade de governo, e também é católica. E desde que Deus estabeleceu o
centro e o fundamento da unidade na cátedra do Bem-aventurado Pedro, é
justamente chamado de Igreja Romana, porque "onde está Pedro ali está a
Igreja" (Ambrósio, In Ps.9, 57). Portanto, se alguém quiser ser considerado um
verdadeiro católico, deve ser capaz de dizer de coração as mesmas palavras que
Jerônimo dirigiu ao papa Damaso: "Eu, não seguindo ninguém antes de Cristo,
estou unido em amizade a Sua Santidade; isto é, à cátedra de Pedro. Sei que a
Igreja foi construída sobre ele como sua Rocha, e todo aquele que não está
unido convosco, espalha.”

Estas instruções que lhe damos, querido filho, em cumprimento do nosso dever,
numa carta especial, tomaremos o cuidado de que sejam comunicadas aos
bispos dos Estados Unidos; assim, testemunhando novamente o amor pelo qual
abraçamos todo o vosso país, um país que no passado tanto fez pela causa da
religião e que, com a ajuda de Deus, fará coisas ainda maiores. Para vós e para
todos os fiéis da América, transmitimos com grande amor, como promessa de
assistência divina, a nossa Bênção Apostólica.

Dado em Roma, de São Pedro, no vigésimo segundo dia de janeiro de 1899, o


vigésimo primeiro de nosso pontificado.

LEÂO PP. XIII

Você também pode gostar