Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
Juazeiro do Norte – CE
2022
Apreciação
O Pe. Pascal Chávez, IX sucessor de Dom Bosco, emprenhado em seu ministério, deixa
uma rica e vasta literatura sobre a identidade e vocação salesiana chamando cada salesiano ao
itinerário de formação permanente, a exemplo de seu fundador, viver e dedicar todas as suas
energias pela juventude.
Dom Bosco era um especialista em educar pela pedagogia da presença, da escuta, da
orientação, da amizade, de estar junto ao jovem para conduzi-lo a se tornar um bom cristão e
um honesto cidadão. Nesse caminho, o Pascal reflete sobre os diversos aspectos que Dom Bosco
utilizou na sua vida para ajudar os salesianos serem fiéis ao chamado original do carisma.
O livro coração oratoriano compõe essa vasta literatura. São as palavras do Pe. Pascal
durante os exercícios espirituais para os Inspetores de duas regiões da América, em março de
2007. Ele registra aos inspetores seu projeto ministerial, enquanto Reitor-Mor, conduzindo aos
salesianos a vivência clara e profunda da vocação.
No primeiro capítulo do livro, com o tema “Vida consagrada: uma vida samaritana”,
inicia sua reflexão afirmando que a “vida consagrada tem sua origem na experiência de Deus
que se torna serviço de caridade para o mundo”. (p. 10-11). Uma vida não fechada, mas doada,
oferta de amor ao Reino de Deus e ao próximo.
Ainda utilizando dois ícones significativos para a vida religiosa: a samaritana (Jo 4,1-
26) e o do bom samaritano (Lc 10,30-37). “A vida consagrada tem uma missão específica no
mundo, que é a de se aproximar de Deus e do ser humano ferido, maltratado e abandonado à
margem do caminho”. (p.11). Na época de Jesus, a Samaria era vista como um lugar pagão,
impura onde não adoravam o Deus verdadeiro. Jesus quebra as barreiras da divisão e vai ao
encontro dos samaritanos.
Pascal afirma “Definir a vida consagrada como uma vida samaritana implica […]
assumir a vida e a condição social de um grupo que vive à margem da sociedade e da Igreja.
Desse ponto de vista, ser samaritano significa acatar a rejeição do mundo e da sociedade. […]
Significa renunciar aos privilégios […] Significa assumir a pobreza […] e viver com a maior
humildade”. (p. 12-13). Esse exemplo é um sinal luminoso, porque a missão não é apenas para
a raça escolhida, mas para todos os povos. É retornar as fontes neotestamentárias, ser imitador
de Cristo na totalidade.
O convite a renovação é pertinente. Nesse tempo, é necessária a vida religiosa renova
suas motivações, repensar a sua ação evangelizadora. Esse convite é para cada salesiano, com
honestidade tocar “a falta de coerência, a falta de fidelidade ao seu Senhor e a busca de
segurança, mesmo com risco de perder a identidade e a relevância”. (p.15).
Olhar a samaritana, afirma o Pe. Pascal, “é a identificar os desejos que a motivam a
verificar a relação com Deus e com a humanidade, a reconhecer sua sede de felicidade e
autenticidade” (p.16). O Bom samaritano, “ilustra quem é o próximo, é chocante, especialmente
para nós, religiosos, porque põe à luz a atitude despreocupada e egoísta dos homens que por
profissão deveriam ser sensíveis às necessidades dos outros”. (p.18). Os dois ícones revelam a
gritante necessidade de uma profunda renovação pessoal e comunitária, de modo que se
configure a Cristo sem fazer recortes da sua mensagem, mas assumi-la na totalidade, caminho
de cruz e ressurreição.
No segundo capítulo o autor aprofunda a identidade da vida consagrada, relacionado
com a Eucaristia, centro do mistério da Igreja. A santidade é um chamado intrínseco na vida
religiosa. Ela torna concreto o seguimento a Cristo, suas palavras e testemunho, são radicados
na vida de cada consagrado, refletindo a beleza do ser cristão. A universalidade da santidade é
para todos os cristãos. No entanto, “as pessoas consagradas que abraçam os conselhos
evangélicos recebem uma nova e especial consagração que, apesar de não ser sacramental,
compromete-as a assumirem — no celibato, na pobreza e na obediência — a forma de vida
praticada pessoalmente por Jesus, e por ele proposta aos discípulos”. (p.29). Assume com mais
radicalidade a vivência da santidade.
Nesse sentido, a vida consagrada torna-se uma maneira de ser eucarística no mundo. O
Pe. pascal relaciona três características da eucaristia com os conselhos evangélicos na vida
consagrada: memorial mediante a obediência; sacrifício mediante a castidade; banquete
mediante a pobreza. Essa relação estabelecida pelo autor é uma contribuição para a
compreensão da vida religiosa como oferta de amor a humanidade.
No que tange o memorial mediante a obediência, “a vida consagrada só pode ser
memorial de Jesus Cristo se continua fazendo presente, em todos os tempos e lugares, sua
mesma forma de vida. E isso, precisamente, se constitui no núcleo da obediência consagrada”.
(p.32). Memorial, não é uma recordação, mas atualização, vivência concreta, torna-se presente
no mundo, na dimensão pessoal a obediência plena, transformadora e libertadora de Jesus.
O sacrífico de Jesus inicia na ceia com seus discípulos, o “sacrifício sem violência (por
amor), que chega o ápice no sacrifício violento (a morte de Jesus na cruz)”. (p.35). Portanto,
“não é o sofrimento, mas o amor, o centro da redenção como obra do Pai por meio do Cristo no
Espírito Santo: Jesus não dá a vida porque a rejeita, […] dar a vida como expressão máxima do
seu amor”. (p.34). Nesse sentido, a entrega de cada consagrado na castidade não é apenas uma
abstinência sexual, é doação total de si, ser amor, expressar o amor, agir pelo amor, é ter um
coração indiviso, é oferta da pessoa em todas as dimensões de sua existência. Ser dom
eucarístico na castidade realiza, pois, “a dupla dimensão da castidade consagrada, a sístole da
vida fraterna e a diástole da entrega total na realização da missão”. (p.37)
No último tópico, banquete mediante a pobreza, “Jesus, é a absoluta gratuidade de Deus
no convite ao banquete”. (p.38). Jesus é o pão da vida, deseja intimidade, faz refeição junto aos
irmãos, dá-se como refeição, alimento de vida eterna. Assim, essa “dimensão do banquete, na
vida religiosa, reflete-se na vida de pobreza em seu sentido mais autêntico, não como escassez
natural ou privação voluntária, mas como partilha daquilo que se é e do que se tem como algo
total mente gratuito”. (p.39). Não significa renúncia dos bens e sim oblação de si, desapego,
confiança, partilha comum.
Aqui constatamos um grande desafio: transformação o que celebramos na eucaristia
uma praxe na vida cotidiana. A eucaristia é projeto de vida, não termina com a benção final na
celebração, mas se funde na vida do crente. “O consagrado é chamado a viver em plenitude
essa comunhão espiritual, que constitui o cume de sua vida pessoal, comunitária e apostólica”.
(p.44). Ser dom eucarístico, portanto, é ser memorial, sacrífico e banquete de Cristo no mundo.
No terceiro capítulo, Chavéz trata dos desafios antropológicos para a formação, os quais
consideram necessários uma compreensão dos aspectos da existência humana, para a vivência
terna na vida religiosa. Nesse sentido, olhando a experiência pessoal e comunitária do Deus de
Jesus Cristo, como o homem pode se relacionar com esse Deus e como na história a
compreensão humana foi sendo construindo. Ademais, temos uma imagem nova, como
resquícios de um cultural anterior, mas como se reflete de maneira diversa no contexto social e
humano, apresenta uma face totalmente nova.
Partindo do conceito de historicidade humana como compreensão de que o homem não
está na história, mas é um ser histórico, pois se realiza na história, Pe. Pascal, reconhece que
sem a historicidade humana, não existiriam a revelação de Deus, a liberdade humana, o
pecado ou a conversão”. (p.53). Deus agi na história, no tempo Chronos, iluminado
pelo Kaíros1 . Assim, como afirma Heidegger, não existe um rompimento entre passado e futuro,
mas a fluidez do homem como ser histórico, que se ocorre no presente, no acontecer, no agora.
Chavéz considera que a
1 Chronos – É o tempo da humanidade. É uma realidade humana, pois nada se faz fora dele. Kaíros – O
tempo é momento oportuno em que Deus age e se manifesta para salvar a humanidade e, ao mesmo
tempo, oportunidade que Deus nos oferece para encontra-lo. É tempo de raça e salvação. [...] No
cristianismo, os termos Kaíros e chronos são antagônicos no sentido de um significar o tempo de Deus
e o outro o tempo da humanidade. (ARNOSO, Rodrigo. PARO, Thiago Faccini, 2021, p.15-16).
temática da historicidade humana nos trouxe consequências em todos os
campos da existência humana: basta recordar a revolução que provocou no
conceito de educação e formação, entendida como formação permanente,
referida em primeiro lugar não como a atualização específica ou ocasional
(como acontece ainda hoje), mas como a convicção de que toda a vida é um
estado de formação, um processo. (p.55)
Referência Bibliográfica
ARNOSO, Rodrigo. PARO, Thiago Faccini. Conhecer o ano Litúrgico que vivenciamos. Petrópolis, Rj:
Vozes, 2021
CHÁVEZ, V., Pascual. Coração Oratoriano – Paraguai 2007. Palavras do Reitor- Mor em
Ypacaraí durante os exercícios Espirituais para os Inspetores das dias Regiões da América, em
março de 2007. São Paulo: Editora Salesiana, 2008.