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Discipulado e Missão

A caminhada de Pedro com Jesus

Marcos Paulo Vieira


INTRODUÇÃO

Um encontro de recapacitação e aperfeiçoamento para missionários, oferecido pela

Igreja Presbiteriana do Brasil, era realizado no interior de Minas Gerais. Foram duas

semanas com aproximadamente 80 missionários e postulantes ao campo missionário,

nacional e transcultural.

Entre os muitos módulos e cursos oferecidos, um deles era sobre “discipulado”. No

primeiro encontro com o professor da matéria uma pergunta foi feita aos missionários que

já estavam no campo: “Qual é o seu objetivo principal na tarefa missionário? ”

As mais distintas respostas foram dadas: “fazer o bem”, “tornar o nome de Jesus

conhecido”, “cumprir um chamado sobrenatural”, “ser um instrumento para a Glória de

Deus”. Sem embargo, não se escutou entre as respostas um que dissesse: “fazer

discípulos”.

Não existe Missão sem discipulado. Obviamente na tarefa missionária “fazemos o

bem”, “tornamos o nome de Jesus conhecido” e “somos instrumentos para a Glória de

Deus”. Todavia, o objetivo central da tarefa missionária é pregar o Evangelho do Reino e

fazer discípulos.

Não existe vida cristã sem o devido exercício do discipulado. Não há ministério

pastoral sem a formação de novos discípulos. Não se pode receber a acunha de

“discípulo de Jesus” sem envolver-se no sublime chamado: “Ide, portanto, e fazei

discípulos de todas as nações”.

Cumprir este chamado, e discipular outra pessoa, requer de nós tempo, disposição

em doar-se, altruísmo, maturidade espiritual, conhecimento bíblico e, em especial, amor

ao próximo.

O vocábulo neotestamentário para expressar o princípio do discipulado é o verbo

ἀκολουθέω (akolouthein). Nele temos a junção de duas outras palavras gregas:

κελευθος (Kaleuthos), que significa caminho ou jornada, e o prefixo de união ἀ (a), que
denota a ideia de seguir a outro de maneira submissa. No contexto bíblico deve ser

compreendido como seguir ou ser guiado por alguém, continuando o curso de uma

história.

Acerca do verbo ἀκολουθέω (akolouthein) Karl Barth escreveu:

“Akolouthein significa ir após ou atrás de alguém. Um tanto estranho, o


Antigo Testamento usa a palavra correspondente na maioria das vezes
como um termo técnico para a busca do pecador para outros
deuses.(.)Contudo a outros – e é aqui que a palavra assume seu
significado essencial – que são chamados por Jesus e o seguem no
sentido de acompanha-lo de todo o coração e constantemente,
compartilhando sua vida e destino ao custo de outras alianças e
compromissos, ligando-se a Ele, engajando-se em sua obra e assim,
mostrando que estão qualificados para serem seus discípulos.” 1

Pensando ainda na definição gramatical, encontramos também os vocábulos

μαθητής (mathétés) que significa aprendiz, e μιμέομαι (mimeomaí) que é traduzido por

imitar. Ambos são raros no contexto neotestamentário.

A relação mestre-discípulo não é exclusiva do cristianismo. Nas religiões orientais,

no campo acadêmico e no mundo empresarial, a ação de mentoreamento é uma forma

valorizada de aprendizado.

No texto bíblico esta relação mestre-discípulo pode ser exemplificada em Moisés e

Josué, Elias e Eliseu, Eli e Samuel, Paulo e Timóteo, e, em especial, com Jesus e seus

apóstolos. A partir dos apóstolos, desejo destacar neste livro a relação de senhorio e

discipulado entre Jesus e Pedro.

Sem dúvida podemos afirmar quão fantástica foi a saga do apóstolo Pedro. O

humilde pescador da Galiléia que, ao receber um decisivo chamado para ser discípulo,

disfrutou de uma íntima caminhada com Jesus, tendo sido forjado nele um novo caráter,

que o alçou a condição de líder de um movimento espiritual que mudou a humanidade.

Que vida comum teria Pedro se não houvesse recebido o chamado do Mestre para

ser seu discípulo. Que grande feito para um humilde pescador da Galileia: alcançar a

1
- Barth, Karl. Chamado ao discipulado. pp 14-15
capital do Império Romano na condição de um dos líderes da Igreja Cristã, sendo bem

plausível o testemunho histórico de que ele sofreu o martírio nesta cidade2.

Gostaria de me aprofundar mais na explanação sobre a figura do Apóstolo Pedro

nas Escrituras Sagradas, na teologia, na tradição cristã e na história, mas estes seriam

temas para um outro livro.

Por hora, nos quedaremos no tema discipulado, a partir da relação mestre-

discípulo entre Jesus e o apóstolo Pedro, de maneira que possamos compreender os

princípios e a dinâmica do discipulado, constatando a sua centralidade na obra

missionária da Igreja.

2
- Os testemunhos históricos mais antigos para esta tese pertencem a Clemente (96 DC) e Inácio de Antioquia (107
DC).
I
O CHAMADO PARA SER DISCÍPULO

Preparava-me para mais um culto com as detentas na Penitenciária Bom Pastor,

na cidade de Asunción, capital do Paraguay, onde exercia a tarefa pastoral como

missionário. Inicialmente, antes do culto, saudava as mulheres que entravam na pequena

capela dentro de um dos pavilhões daquela que era a única penitenciária feminina do país.

Enquanto aguardava fui abordado por uma enfermeira que se apresentou como

cristã evangélica, e muito curiosa me perguntou qual era a minha denominação cristã. Ao

dizer-lhe que era presbiteriano, de pronto ela me perguntou, ainda mais curiosa: “Vocês

realizam a imposição de mãos como cura e libertação?”.

Querendo livrar-me da inconveniente abordagem, disse a ela com firmeza que “nós

pregávamos o Evangelho do arrependimento como única fonte da cura e da libertação”.

Intentando estender o diálogo ela me retrucou com a seguinte afirmação: “Mas isso não é

suficiente!”.

Como não é suficiente se é este o chamado que recebemos da parte do Senhor?

“Arrependei-vos, porque o Reino dos céus está próximo”, dizia João Batista. “Arrependei-

vos, portanto, e convertei-vos para que sejam cancelados os vossos pecados”, pregava o

Apóstolo Pedro”.

Distinto do Evangelho barato apregoado em algumas ditas comunidades cristãs, a

essência do real Evangelho de Jesus consiste no chamado para o arrependimento e para

uma nova vida.

Escreveu o teólogo Dietrich Bonhoeffer:

“O evangelho barato é a pregação do perdão sem arrependimento, o


batismo sem a disciplina de uma congregação, é a Ceia do Senhor sem
confissão de pecados, é a absolvição sem confissão pessoal. A graça barata
é a graça sem discipulado, a graça sem a cruz, a graça sem Jesus Cristo
vivo, encarnado”3.

3 Bonhoeffer, Dietrich. Discipulado. Editora Sinodal. pp. 10


Claramente, tal “evangelho” vivido em alguns ambientes da cristandade se

materializa como consequência de um chamado defeituoso para a Fé em Cristo. Este

“evangelho” modificado é apresentado como um carrossel de bênçãos materiais a serem

adquiridas sem nenhuma renúncia ou compromisso com Deus, salvo as compensações

financeiras que você deve repassar ao intermediário espiritual, neste caso um pastor,

bispo, apóstolo ou o que mais a vaidade humana possa inventar.

Neste “esquema da fé” o indivíduo não é chamado para ser discípulo do Mestre,

mas sim ser servido por este “mestre" em suas necessidades e desejos. Invertendo a

lógica da nossa caminhada com Deus, onde o Senhor passa, exclusivamente, a servir o

ser humano e não o contrário, como requer de nós as Escrituras Sagradas.

A caminhada de Pedro com Jesus principia com um forte, real e decisivo chamado

do Mestre para uma nova realidade de vida. O poder de persuasão das Palavras de Cristo

impactou a vida daquele humilde pescador.

O chamado do Senhor foi irresistível aos ouvidos de Pedro, posto que incendiou

sua alma, enterneceu a sua vida e mudou a sua história. Chamado completo, mensagem

correta, abordagem amorosa; assim inicia a santa caminhada de Pedro, o discípulo, com

Jesus, seu Mestre.

O expressivo relato de Lucas sobre este encontro entre Jesus e Pedro (Lucas 5:1-

11), não nos deixa dúvidas sobre a importância de um correto Chamado na obra

missionária. De fato, somos chamados para fazermos discípulos; este é o princípio básico

da Evangelização e da obra missionária da Igreja de Cristo. Chamados para sermos

discípulos, chamados para fazermos discípulos.


Seguindo a um verdadeiro Mestre

O primeiro contato de Pedro com Jesus se deu por intermédio de seu irmão André,

também futuro apóstolo do Senhor (João 1:35-42). Naqueles dias André estava absorto

pela mensagem de João Batista, caminhando com este, identificando-se como seu

discípulo.

Ao ouvir dos lábios do profeta que Jesus era o Messias, de imediato deixou as

fileiras dos seguidores de João Batista, e cumpriu o caminho proposto pelo predecessor

de Cristo: seguiu o Mestre junto com um companheiro de caminhada.

Ressabiados, seguiam Jesus de longe, e quando foram perguntados pelo Mestre

sobre o que buscavam, foram convidados por este a passarem uma tarde com Cristo.

Santo convite!

Após uma tarde ouvindo os ensinamentos do Senhor, André já estava convicto de

que era este de fato o Messias, finalizando assim sua busca por coisas espirituais. O que

buscava já havia sido encontrado, as respostas estavam diante dele. Suas inquietações

espirituais haviam sido satisfeitas. Era Jesus aquele de quem Moisés havia escrito na Lei,

e sobre quem se referiram os profetas.

Não podia deixar de compartilhar esta notícia, havia um Mestre com uma verdade

incontestável diante dele. Queria que seu irmão Pedro, que provavelmente também vivia

as mesmas profundas inquietações espirituais, tomasse ciência de que o final do que ele

buscava era Jesus.

Tais inquietações espirituais sempre acompanharam a humanidade, são

atemporais, supra culturais e inerentes a natureza do indivíduo. Onde quer que você vá

como missionário haverá alguém em busca da real e absoluta Verdade que André estava

compartilhando com seu irmão.

Neste dia Pedro viu a Jesus pela primeira vez, chamava-se ainda Simão, que

significa “ouvinte”, recebendo em aramaico a alcunha de Khepas (Rocha), ou Cefas,


transliteração do termo no grego. Com o tempo passou a ser conhecido nas Escrituras

Sagradas também com a versão latina Petrus (Pedro). Sua história estava sendo reescrita;

ninguém permanece igual após um encontro pessoal com Jesus.

Recorte na narrativa e temos, em Lucas, o relato de mais um encontro de Pedro

com Cristo. Passado o tempo e ele já desfrutava de certa intimidade com Jesus. O Mestre

frequentava a casa do futuro apóstolo em Cafarnaum, tendo inclusive curado sua sogra

(Lucas 4:38), fato este presenciado também por Tiago, João e André (Marcos 1:29).

Note que antes do chamado decisivo a Pedro, Jesus já havia tecido com este laços

de amizade, construindo uma sólida relação de confiança e respeito. Como missionários a

nossa proclamação do Reino procede da amizade que mantemos com as pessoas que

estão em nosso entorno. Missionários, impreterivelmente, cultivam relacionamentos, tal

qual Jesus o fez.

Mar da Galileia, noite de pesca: Pedro e seus companheiros trabalharam por toda

madrugada sem sucesso. Lavavam as redes com uma pontada de frustração, pois nada

haviam pescado.

Retornara Jesus da Judéia, onde havia pregado o Evangelho do Reino nas

sinagogas desta província. Uma multidão o seguia, estavam sedentas por ouvir a Palavra

de Deus.

Com sabedoria entra o Mestre no barco de Pedro, afastando-se um pouco da

margem, a fim de que a sua voz, amplificada pelas águas do lago, pudesse ser melhor

compreendida.

Ensinava o Senhor, era Ele um Rabi diferente: suas Palavras, seus gestos, sua

perfeita interpretação da Lei cativavam as pessoas, inclusive a Pedro, atento e

privilegiado ouvinte, Cristo estava em seu barco.

Dizia Jesus: ”Arrependei-vos, porque é chegado o Reino dos céus” (Mateus 4:18).

Tal chamado para o arrependimento é acompanhado de uma pujante palavra de


Esperança: estavam na “plenitude dos tempos” (Gálatas 4:4) e vivenciando o

cumprimento das promessas do Senhor (Lucas 4:21).

Arrepender-se em Cristo não consiste, tão somente, em uma aceitação racional do

Evangelho e a simples cura das amarguras do passado. Significa ter uma forte

compreensão das agruras do pecado em nossa vida, da corrupção que o pecado gera em

nossa sociedade, e de o quanto o nosso pecado ofende a glória, a honra e a soberania do

Senhor.

Cada vez mais Pedro estava convicto de que era este o verdadeiro Mestre. Sua

mensagem era distinta, emanava dos ensinamentos de Jesus uma convicção inspiradora.

Tal Graça havia se tornado irresistível a Pedro, tais Palavras não poderiam mais ser

descartadas, o que ele havia visto e escutado era de uma coerência inquestionável. Se

lhe apresentava um verdadeiro Mestre a ser seguido.

Obedecendo a sua voz

Sophia Muller foi um exemplo de abnegação e dedicação à tarefa missionária. Por

mais de 40 anos serviu na região do Alto do Rio Negro, na fronteira entre Brasil, Colômbia

e Venezuela.

Encontrou-se com Cristo em 1945 após uma ouvir uma “pregação de rua” em Nova

York. Franzina, de pouca estatura e solteira, chegou à Colômbia nos anos de 1950. Seu

legado ministerial é palpável em toda região. Povos de ao menos uma dezena de etnias

indígenas se converteram a Cristo, especialmente os Baniuas e Curipacos. Mais de

cinquenta igrejas foram plantadas, e o Novo Testamento traduzido para os dois idiomas 4.

Conta-se que no final de sua vida, ao ser entrevistada por um periódico evangélico,

lhe perguntaram como foi o seu chamado missionário, talvez no afã de que pudesse ser

4 - Para um aprofundamento na história sugiro o livro “Sua Voz ecoa nas selvas”, biografia da missionária,
lançado pela Editora Transcultural.
registrada uma história espetacular. A resposta de Sophia Muller foi de uma simplicidade

ímpar: “Eu jamais tive um chamado missionário, li uma ordem e obedeci”.

Obedecer, tarefa simples para os que veem Jesus como um verdadeiro Mestre a

ser seguido. Pedro, no princípio de sua caminhada com o Senhor, aprendeu o significado

deste conceito fundamental para a Fé.

Finalizada a prédica de Jesus, o Mestre de pronto lança um desafio a Pedro. Havia

uma multidão que, após ser alimentada com Palavras de Vida, também necessitaria de

alimento para o corpo. Disse Jesus: “Faze-te ao largo, e lançai as redes para pescar”

(Lucas 5:4).

Cristo dá uma orientação muito inusitada aos olhos do experiente pescador Pedro,

que responde ao Senhor com um suave protesto: “Mestre, havendo trabalhado toda a

noite, nada apanhamos...”, acompanhado de uma convicta declaração: “...mas sob tua

Palavra lançarei minhas redes”.

Ele havia trabalhado por todo um turno, e a forma como se dirige a Jesus denota

que ele estava esgotado pelo esforço da madrugada e, obviamente, frustrado por não

haver obtido frutos em seu trabalho.

O bom e experiente pescador sabe qual é à hora propícia para uma boa pesca:

tradicionalmente pela noite ou começo da madrugada. Sol a pino, meio do dia,

racionalmente seria impossível ter algo melhor do que o obtido na noite anterior. Pedro

tinha em sua mente todos estes marcos racionais, entretanto, seguro de que estava

diante de um Mestre superior a ele, lança a suas redes com obediência.

Desde o princípio, o que recebe o convite para ser discipulado e fazer discípulos,

deve compreender que tal resposta a este chamado deve ser, impreterivelmente, uma

resposta convicta e obediente.


O indivíduo se rende a um Mestre superior a ele, descobrindo que os seus

conhecimentos prévios sobre qualquer outro assunto não são nada diante do Senhor que

se revela.

Nisto concordamos com o pensamento de Karl Barth: “Obediência a Ele significa

uma liberação interna de tudo que outrora colocávamos confiança, o afrouxamento de

todos os laços a ponto de estamos aptos de separá-los a qualquer momento”. 5

Em nossa tarefa missionária, a explanação do Evangelho deve ser dirigida de

maneira a que a pessoa compreenda que aceitar tal mensagem significa ser,

primordialmente, obediente à voz de Jesus.

As decisivas palavras do Senhor eram: “Se alguém quer vir após mim, a si mesmo

se negue, tome a sua cruz e siga-me. Porquanto, quem quiser salvar a sua vida perdê-la-

á; e quem perder a vida por minha causa achá-la-á”.6

Se a nossa pregação como missionários não se igualar ao teor das Palavras de

Jesus ela é débil, vazia e mentirosa. Não importa a cultura onde você está inserido, não

importa o tempo ou o local geográfico, a ênfase do chamado ao pecador deve ser de

renúncia à própria vida, aprendendo a ser obediente a Cristo.

Seguindo o seu raciocínio teológico Karl Barth conclui: “Não existe discipulado sem

aquele que chama ao discipulado. Não há discipulado sem a Fé em Deus, como aquele

que chama e liberta para o discipulado. Não há discipulado que não consista no ato de

obediência desta Fé em Deus e logo nele”.7

Pedro não resistiria mais a esta intimação, seria obediente ao Senhor. Com isto

lançou as suas redes, e a reposta recebida foi surpreendente; os marcos racionais de

Pedro foram rompidos, os olhos, outrora cansados por conta da frustrada pesca da noite

anterior, haviam recobrado o vigor: a pesca havia sido maravilhosa!

5
- Barth, Karl. Chamado ao Discipulado. Fonte Editorial. pp 34
6 - Mateus 16:24-25
7
- Barth, Karl. Ibidem. Pp23
Ante o iminente pique do barco fez sinal aos seus companheiros para receber

auxílio: não queria perder a embarcação, não queria perder coisa alguma da pesca.

Regozijavam-se, espantados com este admirável fenômeno.

Experimentavam pela primeira vez a pujante sensação de serem abençoados após

um ato de obediência. Um renovado vigor para que aqueles que já haviam inclusive

lavado as redes, desistido, mas que, obedientes a Palavra do Senhor, foram para o “alto

mar”, e obtiveram os frutos de sua obediência.

A constatação: sou pecador

Fábio Ribas, pastor e missionário da Igreja Presbiteriana do Brasil, desenvolveu

por seis anos um excelente e pioneiro ministério entre os Kalapalos, no Parque Indígena

do Xingu, reserva com 27 mil quilômetros quadrados, lar de catorze diferentes etnias onde

vivem aproximadamente cinco mil pessoas.

É vetado, por ordem do governo brasileiro, o estabelecimento de missões religiosas

no interior do parque. Fábio, contudo, se estabeleceu nos limites da região contratado

como professor de português, desenvolvendo assim uma profícua tarefa no magistério.

Em contrapartida, pode abordar com os Kalapalos a essência de sua Fé em Cristo.

Após um longo tempo de inserção no idioma e na cultura deste povo, compartilhou

com estes a sua Fé, a partir da explanação de uma série de narrativas bíblicas, visando

mostrar-lhes a redenção oferecida em Jesus.

Transmitir verdades e valores universais acerca da Fé Cristã a povos com cultura

distinta da sua, é tarefa que requer cuidado, tato e sabedoria advindas do Espírito Santo.

Fábio e sua esposa foram cuidadosos e sábios nesta tarefa, sendo que um dia, ao final de

uma destas narrativas bíblicas, um dos jovens tomou a palavra e com a voz embargada

dizia em seu idioma enquanto golpeava de maneira suave sua cabeça: “eu entendo, eu

entendo!”.
Compreendia, por obra da Graça do Senhor, que era pecador, que havia um plano

de redenção para todos os povos e que Jesus o amava, chamando-o para uma nova vida.

Ele não deixaria de ser kalapalo, não assumiria costumes ocidentais por ser cristão, tão

somente sentiu em seu coração o forte constrangimento de se reconhecer pecador, e a

imediata paz celestial ao constatar que Jesus, em seu inefável amor, se revelava a ele

como seu Redentor.

Sentimento igual teve Pedro á margem do Mar da Galiléia. Após a maravilhosa

pesca, tomado de assombro e temor disse a Jesus: “Senhor, retira-te de mim, porque sou

pecador” (Lucas 5:8).

No momento decisivo de seu chamado para uma nova vida, estava Pedro rendido

ante a um Senhor maior, um mestre a ser seguido, talvez por outros, mas não por ele,

indigno pecador.

Lucas usa o vocábulo grego ἁμαρτωλός (Hamartólos) para adjetivar a sensação

de Pedro para consigo mesmo. O sentido original da palavra significa “errar o alvo” ou

“fracassar”. No contexto bíblico é usado para demonstrar o forte impacto do pecado na

vida do ser humano. Tal sentimento vem associado a uma noção de culpa arraigada no

mais íntimo recôndito do coração (Lucas 5v32).

Este vocábulo é empregado 47 vezes no Novo Testamento, notadamente 18 vezes

em Lucas, algumas destas vezes em um contexto farisaico para definir aquele que não

seguia de maneira literal a Lei mosaica.

Entretanto, na relação entre Jesus e Pedro se percebe que o uso do termo

Hamartólos (pecador), não designa uma pessoa que não cumpre os preceitos restritos

da Lei judaica, mas sim o indivíduo cativo pela culpa e morte geradas pelo pecado (Isaias

61:1-3, Efésios 2:1-10).


Entenda, não que eu esteja apregoando que a nossa pregação missionária deva

gerar culpa no pecador. Tal “Estado de Vida” é inerente ao indivíduo que ainda não foi

impactado pela mensagem da Cruz de Cristo (Romanos 3:19-20).

Não importa onde você esteja, o povo do qual faz parte ou a cultura onde está

imerso; o indivíduo com quem você compartilha a sua Fé, ao ser tocado de maneira

irresistível pela Graça Redentora, terá a mesma constatação de Pedro: ”sou pecador”.

Talvez ele não saiba nominar o que sente, talvez em seu idioma não haja uma

palavra para designar tal sensação, seguramente ele não terá as condições de descrever

teologicamente o que está vivenciado, outrossim, o chamado para ser discípulo de Jesus

será consequência da constatação supracultural de que necessitamos de reconciliação

com Deus através da Graça que nos é oferecida gratuitamente, e de maneira exclusiva,

em Jesus.

Desde o princípio a abordagem missionária de Jesus objetivava esta reação em

Pedro: a constatação arrependida de que era um indigno pecador. Dito isto, Pedro não foi

rechaçado por Jesus, pelo contrário, neste chamado inicial recebido pelo futuro apóstolo o

Senhor se apresenta como a única redenção para a triste condição humana gerada pelo

pecado. Não haveria possibilidade de reconciliação com Deus senão através do Cristo

que se revelava ao mundo (João 14:6).

A resposta do Senhor a Pedro é restauradora: ”Não temas, doravante serás

pescador de homens”. Deus lhe oferecia uma nova existência em vida, a possibilidade de

uma mudança radical para o simples e humilde pescador Galileu.

Compartilharia do ministério Redentor de Cristo, sendo discipulado pelo Senhor.

Recebeu a intimação para caminhar com Ele, em uma etapa nova jamais outrora

imaginada. Seria discípulo do mediador entre Deus e a humanidade.

Tocados pelo Espírito Santo deixaram tudo para trás: barco e peixes. A multidão

que havia sido alimentada pelas Palavras do Mestre, agora iria usufruir dos frutos da
maravilhosa pesca, enquanto Pedro e seus amigos renunciavam a própria vida.

Compreenda, não existe cristianismo sem renúncia, sem abrir mão da própria vida

(Mateus 16:24-25, Lucas 9:57-62).

Uma abordagem missionária inicial que não convide o indivíduo ao arrependimento

dos seus pecados, e a renúncia de sua própria vida para seguir como discípulo de Jesus,

é uma abordagem missionária frágil, que produz danosas consequências à Igreja de

Cristo, ao gerar “discípulos” descomprometidos com o Evangelho.

O chamado: os primeiros passos com Jesus

A essência do chamado de Pedro para ser discípulo e fazer discípulos lançou as

bases para a sua futura caminhada com Jesus. Seguramente esta abordagem inicial do

Senhor deve servir de modelo para nossa tarefa missionária.

Jesus, como consequência de sua amizade com Pedro, apresenta-se como o

Redentor, respondendo de maneira decisiva as inquietações espirituais do futuro apóstolo.

No seu chamado inicial Pedro constata que Jesus era o verdadeiro mestre a ser

seguido, sendo inquirido a responder este chamado com obediência, compreendendo

que era pecador e que necessitava de reconciliação com Deus através do

arrependimento em Jesus.

Este é o chamado ao Evangelho. O “Vem e segue-me” de Cristo não pode ser

reduzido a uma simples mensagem de autoajuda, à busca por prosperidade ou um show

de entretenimento religioso, gerando a espiritualidade cristã descompromissada que

temos visto nos dias de hoje. Um chamado defeituoso gera “clientes religiosos”, e não

discípulos de Jesus.

Para Pedro este chamado ao Evangelho significou a aceitação de que em Jesus

havia uma verdade universal, incontestável e única. Que ele deveria deixar tudo para trás,

iniciando uma nova etapa: ser discípulo e fazer discípulos.


II

UMA ÍNTIMA CAMINHADA COM JESUS

“Vivendo como Igrejas do Primeiro Século no século 21” é o pretensioso moto do

movimento intitulado “Igreja Orgânica”, fenômeno cultural religioso deste início de milênio

que visa responder de maneira satisfatória ao grupo dos “desigrejados”. Ambos são

reflexos de um mundo perturbado.

O neologismo “desigrejados” é uma tentativa de caracterizar os que ainda se

identificam como cristãos, mas que não vivenciam a Fé em uma congregação,

desenvolvendo assim uma forte rejeição à Igreja Institucional.

A “Igreja Orgânica” se apresenta como a “Terceira Reforma”, reconhecendo que

Calvino e Lutero instituíram uma primeira reforma Teológica no século 16, que os pais

Pietistas estabeleceram uma segunda reforma Espiritualista no século 18, e que ao raiar

do século 21 “Deus está avançando mais um passo, ao mexer com as formas básicas do

ser igreja. Dessa forma ele desencadeia uma terceira Reforma, uma reforma das

Estruturas Eclesiáticas”8.

São muitas e corretas as justificativas dos que se decepcionaram com a Igreja

Institucional: a banalização do ministério pastoral, os escândalos contumazes de parte da

liderança evangélica, os abusos na demonstração de poder de algumas autoridades

eclesiásticas, a secularização, o intelectualismo, a falta de renovação espiritual e as

esquisitices dos novos movimentos de Fé; desvios que infelizmente já estavam presentes

também na “Igreja do Primeiro Século”, sendo duramente combatidos pela liderança

estabelecida.

Com isso o “desigrejado” opta por dois caminhos: não congregar com outros

cristãos, vivendo o evangelho-do-eu-sozinho, tendo o cristianismo apenas como uma

8 - Simson, Wolfgang. Casas que transformam o mundo, Igreja nos lares. Ed. Esperança. pp 10
filosofia de vida; ou unir-se ao movimento de “Igrejas Orgânicas” que advogando uma

estrutura flexível de comunidade cristã desclassifica a existência de Casas de Oração ou

Templos para a reunião da Igreja, rechaça a liderança organizada para a condução da

Congregação, descarta uma sistematização do ensino bíblico para a edificação da Igreja

e desconsidera uma ordem litúrgica para a adoração comunitária.

O que parece ser uma justa resposta às mazelas do cristianismo, na verdade se

apresenta como uma simplória e minimalista compreensão da Igreja de Cristo. Uma

resolução que reflete o individualismo do presente século: cristãos que caminham

sozinhos ou em um pequeno grupo seletivo e exclusivista.

Ter uma íntima caminhada com muitos e distintos irmãos na Fé é uma

consequência natural do discipulado. Um discipulado deficiente se traduz em uma vida

cristã segregada, onde indivíduo vivencia a sua religiosidade sozinho, ou entre poucos e

selecionados amigos.

Pedro empreendeu uma íntima caminhada com Cristo cercado de um séquito de

apóstolos e discípulos escolhidos pelo Senhor. Sua relação com Jesus era coletiva,

intensa e transformadora.

O Apóstolo, após um eficiente chamado para ser discípulo, passa a caminhar com

Cristo em uma etapa natural do discipulado, onde uma intima relação entre o Mestre e o

discípulo é desenvolvida.

Algumas histórias relatadas nos Evangelhos ilustram bem esta etapa da caminhada

de Pedro com Jesus, onde as debilidades do discípulo foram confrontadas pelo Mestre,

gerando neste uma nova identidade de vida e valores, levando-o a reconhecer e

confessar que Jesus era o Messias aguardado por Israel.


Discipulado: princípios e métodos

Pastoreava uma Igreja Presbiteriana no interior do Estado do Rio de Janeiro e

desenvolvemos, junto com o Conselho de Presbíteros, um projeto para a plantação de

uma nova Igreja em uma região da cidade.

Tínhamos um plantador selecionado, o apoio de duas grandes igrejas da capital,

um núcleo básico e buscávamos um local para abrigar a nova comunidade de Fé que

estava sendo gestada.

Selecionamos alguns lugares disponíveis, e focamos em um amplo espaço que nos

pareceu muito apropriado. Averiguando o local em companhia dos presbíteros, fui

abordado por um deles que me confidenciou que o local anteriormente havia sido um

salão de baile, e que ele, quando ainda não era cristão, “fugia” da esposa para frequentar

o local. Emocionado dizia que neste lugar, que para ele havia sido referência de seu

pecado, estaria agora reunido com a Igreja para adorar ao Senhor.

Nova identidade, novos valores, nova vida.

Ao empreender uma íntima caminhada com Jesus o discípulo incorpora uma nova

identidade, a partir dos novos valores de vida fixados em sua alma. Jesus, o sábio Mestre,

repassa de maneira disciplinada aos seus discípulos o Evangelho do Reino: uma acurada

e sistemática interpretação da Graça de Deus.

Inspiradora é a visão de Jesus assentado ensinando pessoas humildes de Israel

acerca da espiritualidade que agrada a Deus. A passagem é conhecida popularmente em

Mateus como “Sermão da Montanha” (Mateus 5, 6 e 7). Uma compilação dos

ensinamentos de Cristo, provavelmente ao “sopé” de uma região montanhosa de

Cafarnaum, o que justifica a “planura” descrita por Lucas (Lucas 6:17).

Mateus e Lucas também aparentam manifestar uma divergência sobre o momento

da escolha dos doze apóstolos. No Evangelho segundo Lucas tal lista aparece em um

momento anterior ao Sermão do Monte, quando Jesus, após uma solitária vigília de
oração em um monte próximo, divulga a sua escolha no alvorecer do dia (Lucas 6:12-16).

Por outro lado, o Evangelho de Mateus apresenta a lista após o Sermão do Monte

com uma nova série de instruções aos escolhidos. O Evangelho de Marcos, fonte primária

dos dois textos, está em harmonia com a narrativa de Lucas.

Nota-se que em todas as quatro listas 9 Pedro é o primeiro nomeado, por ser o

discípulo mais antigo, talvez o mais velho deles, e por ter uma liderança natural sobre os

demais.10

Assim sendo, Jesus formaliza um colegiado de Apóstolos, empreende uma

sistemática e formal capacitação teórica e estabelece um treinamento prático sob sua

supervisão. Princípios para um discipulado eficaz.

Sobre este fato R.C Sproul complementa:

“O que Jesus estava fazendo era muito incomum. No antigo mundo judaico,
os rabinos nunca recrutavam estudantes. Os Alunos aplicavam para
estudar com certos rabinos, tal qual alunos fazem um exame de ingresso
para estudar em faculdades hoje. Todos tiveram que passar por exames
para demonstrar que foram qualificados para estudar com Hillel, Gamaliel,
ou outro rabino. Mas Jesus era diferente de todos os outros rabinos em
Israel; Ele escolheu a dedo seus alunos.”11

Inicia-se assim a preparação formal de Pedro e seus companheiros em uma íntima

caminhada com Jesus, que se mostrou decisiva para forjar o caráter espiritual dos

discípulos.

É notável perceber que Jesus tinha uma dinâmica formal e organizada no

discipulado dos Apóstolos. O improviso, ou a ausência de princípios e métodos para o

exercício do discipulado, não faziam parte da práxis de Cristo. O Evangelho segundo

Mateus descreve ao menos dois grandes blocos de orientações sistematizadas aos

Apóstolos: “O Sermão do Monte” e a “Orientação aos Doze”.

9 - Incluída a de Atos1:13
10 - Descarto aqui a interpretação da tese do papado de Pedro que não encontra fundamento na história
eclesiástica ou nas Escrituras Sagradas.
11 - R.C. Sproul. Mark: St. Andrew's Expositional Commentary. Reformation Truth, 2011.pp 26
Perceba que tais orientações eram sistematizadas, porquanto eram dividas em

tópicos correlacionados, que visavam instruir o que recebia os ensinamentos do

Evangelho.

Eram também embasadas nas Escrituras Sagradas, com uma profunda e

verdadeira interpretação da Torá judaica, visando agregar conhecimento bíblico ao

ouvinte que estava sendo discipulado.

Por fim percebe-se que tais discursos de orientação dados pelo Mestre eram

práticos e respondiam a questões de Fé do dia a dia, fazendo com que o discipulado não

se tornasse apenas um apostilado teórico de informações, um tanto alijado do contexto

daquele que estava sendo instruído.

Não há dúvidas que Jesus, em sua metodologia, era sistemático para instruir, com

uma correta interpretação dos princípios bíblicos e direcionando-os a vivência prática dos

discípulos. Tal método formal de instrução é visto também de maneira clara nas cartas do

Apóstolo Paulo e na Didaqué, o mais antigo texto de instrução aos novos na Fé. 12

“O discipulado cristão é um relacionamento de mestre e aluno baseado no modelo

de Cristo e seus discípulos, no qual o mestre reproduz tão bem no aluno a plenitude da

vida que tem em Cristo que o aluno é capaz de treinar este para que ensine outros” 13

Percebe-se também que o Cristo Encarnado vivia entre judeus, como um judeu e

ensinando aos judeus de maneira contextualizada. Em seu discipulado o Senhor

ministrava usando elementos da natureza, fábulas conhecidas ou parábolas. Métodos que

tornavam mais eficiente a comunicação do Evangelho no contexto cultural daqueles

ouvintes.

Com isto a caminhada de Pedro com o Mestre se tornou mais íntima e profícua,

sendo o Apóstolo instruído em uma dinâmica, organizada e contextualizada caminhada de

vida com Jesus.

12
- A Diadaqué ou Instrução dos Doze Apóstolos é o mais antigo documento cristão, com exceção dos
textos bíblicos. Tem origem na Judéia do século I e era usado para preparar os novos discípulos de Jesus.
13
- Keith, Philips. A Formação de um discípulo. pp 20
Nesta etapa de seu discipulado Pedro exercitou de maneira prática o que estava

aprendendo, recebendo autoridade de Jesus, e sob supervisão Deste, preparava em

companhia dos outros Apóstolos as pequenas comunidades de Israel para receberem a

Cristo, notificando-os para que se arrependessem (Marcos 6:12).

Em Jesus percebemos que um discipulado não deve ser restrito ao gabinete

pastoral, enclausurado como se fosse apenas uma instrução teórico-acadêmica,

desassociada da vida prática do discípulo.

O Mestre se envolve na vida de Pedro, preparando-o enquanto caminhavam juntos,

enviando-o adiante pelo caminho e supervisionando de maneira atenta esta caminhada:

sábios princípios para o discipulado.

Confrontando as debilidades

Completávamos onze meses de ministério no Paraguai, envolvidos com um

projeto de plantação de uma Igreja Presbiteriana na capital deste país. Havíamos iniciado

com um núcleo básico em minha casa, que já se mostrava inadequada para receber a

crescente congregação.

Começamos um processo de busca por um novo espaço, e decidimos por um novo

local em uma região de fácil acesso, e mais próximo da região central. Marcamos um

sábado para a consagração do espaço e para nos apresentarmos ao bairro.

Com auxílio de um grupo de jovens brasileiros que passavam uma temporada em

Assunção para uma viagem missionária de curto prazo, entregamos mais de mil convites

ao tradicionalmente receoso povo paraguaio.

No dia marcado estavam presentes os membros da Igreja, os amigos íntimos que

foram convidados, alguns membros de outras Igrejas evangélicas e apenas um casal da

vizinhança.
Ao recepcioná-los tive uma dupla surpresa com o marido, ele era negro e cego.

Imaginei que ele seria brasileiro ou com parentes brasileiros por conta do tom de sua pele,

tendo em conta que não há negros no Paraguai. Seu nome era Tomas e sua esposa se

chamava Aída.

Não houve neste país, como em outros países da América, uma escravidão maciça

de africanos. Paraguaios basicamente são descendentes de indígenas guaranis ou

imigrantes europeus, especialmente espanhóis, bascos, italianos ou menonitas alemães.

Também me causou surpresa que o único vizinho que aceitou o convite tenha sido

este homem cego, que não poderia ler o folder de apresentação da Igreja. Apenas o

encontrou em sua caixa de correios e, curioso, pediu a sua esposa para dizer do que se

tratava.

Tomas e Aída foram bem recebido por todos, voltaram no domingo seguinte e,

vendo o interesse do casal no Evangelho de Jesus fiz a proposta de estudarmos a Bíblia,

iniciando assim o discipulado de ambos.

Semanalmente nos encontrávamos para um estudo sistemático da Palavra,

seguindo um material previamente preparado para o discipulado. A partir destes

encontros tomei ciência da amarga história de vida do Tomas.

Sua mãe era descendente de alemães e conheceu seu pai, um africano de

Camarões, na Alemanha, enquanto fazia estudos de pós-graduação naquele país.

Casaram-se, viveram um tempo no Paraguai e outro em Camarões, até que as diferenças

culturais entre o casal se tornaram insuperáveis, e tiveram, como consequência, um

divórcio litigioso.

Ele voltou ainda criança para o Paraguai com sua mãe, e nunca mais teve contato

com o pai, que permaneceu na África. Foi rejeitado pelos familiares de sua mãe por ser

cego, negro e filho de um africano. Tal situação se tornou mais abusiva quando sua mãe
faleceu vítima de um câncer agressivo. Tomas se tornou um homem amargo e rancoroso,

carregado de péssimas memórias.

Assim o encontramos e, tal qual estava, iniciamos o seu processo de

evangelização e discipulado, com o objetivo de que as suas muitas feridas interiores

fossem sanadas no sangue de Cristo.

Inicialmente ele se tornou muito receptivo aos ensinamentos bíblicos, entretanto, à

medida que avançava no conhecimento das Escrituras Sagradas percebeu que suas

feridas só seriam curadas se ele perdoasse os familiares de sua mãe, com quem

compartia uma propriedade.

Neste momento ele se tornou resistente ao discipulado. As debilidades, fraquezas

e amarguras de Tomas estavam sendo confrontadas pelo Evangelho que lhe era

apresentado. O Evangelho do perdão, do arrependimento e da restauração.

Sensíveis à situação, estávamos tratando o caso com delicadeza e esmero, todavia,

ainda assim, Tomas se mostrou fortemente reticente, deixou de congregar, e sempre

tinha uma desculpa para não nos receber. Compreendemos que ele já não desejava mais

estudar a Bíblia conosco, e não insistimos. Ao deixarmos a porta aberta para um

relacionamento de amizade, nos dedicamos à tarefa de orar pelo casal.

Em um processo de discipulado devemos lidar pacientemente com as obviedades

do discipulando: ser tolerante com as suas fraquezas, amoroso diante de seus medos e

sereno para com suas debilidades. Tal qual foi Jesus com o Apóstolo Pedro.

As debilidades de Pedro são reconhecidas amplamente pela Igreja nestes dois

milênios de Era Cristã, e dentre seus muitos defeitos se destaca a impulsividade. O

apóstolo falava sem pensar a primeira coisa que vinha em sua cabeça (Mateus 16:22),

dizia coisas equivocadas quando deveria manter o silêncio (Mateus 17:4, Mateus 26:33) e

se deixava levar por impulsos violentos (João 18:10).


Que longa caminhada teria Pedro com Jesus, e como era paciente o nosso Mestre

para com as debilidades do Apóstolo. Ainda que em certos momentos Cristo pareça estar

enfadado em sua relação com os discípulos (Lucas 9:21, Mateus 17:17), o Senhor os

conduzia neste processo de discipulado com um amor inigualável diante da fraqueza

humana.

Pedro era uma síntese da natureza humana, uma estranha mescla entre força e

fraqueza. Em alguns momentos era capaz de demonstrar uma habilidosa coragem, em

outros era latente a sua infantilidade espiritual. Confrontar tais debilidades do discípulo é

parte de nossa tarefa como discipuladores.

Neste processo de discipulado Jesus, inicialmente, identificou quais eram as

fraquezas de Pedro, e o ensinou a vencê-las pela Fé. Quanto a isto, emblemática é a

história de Pedro andando sobre as águas (Mateus 14:22-33)

Outro corte na história e vemos Pedro e os demais discípulos enfrentando uma

tormenta no Lago de Genesaré. Fortes tempestades não são corriqueiras em um grande

lago como é o nominado “Mar da Galileia”. Entretanto, neste dia, enfrentavam uma

repentina reviravolta no clima.

Jesus havia despedido as multidões após a primeira multiplicação de pães e peixes,

enviando adiante os apóstolos em uma embarcação, enquanto subia a um monte para um

momento de oração e intimidade a sós com o Pai.

Alta madrugada e os discípulos enfrentavam uma forte tormenta que os atemorizou.

Chuva, vento, raios e trovões: forças conjuntas da natureza que sempre atemorizaram a

humanidade.

Neste meio tempo viram um vulto caminhando por sobre as águas, e todos os

mitos inconscientes afluíram na mente dos apóstolos que gritavam com a iminente

chegada de um suposto fantasma.


Lendo o relato na segurança da atual narrativa bíblica, até nos parece muito

engraçado que homens adultos tivessem tanto medo diante do escuro e do

incompreensível. Mas perceba que nós também somos suscetíveis às mesmas fraquezas

e medos.

Jesus, alertando a todos, disse: “Não temas, sou eu”. Pedro, com a sua natural

impulsividade se adiantou aos demais com uma condicionante pergunta: ”Se és tu Senhor,

manda-me ir ter contigo por sobre as águas”. Com o aval do Senhor, Pedro começou a

caminhar pelo instável terreno do “sobre as águas”, caminho este também já trilhado por

todos nós, os discípulos de Cristo.

Tudo ia bem, até que o apóstolo passou a reparar na força do vento, nas condições

adversas da tormenta, desviando o olhar que deveria estar fixo em Jesus. Afloraram os

medos mais íntimos do discípulo, e todo o pavor de Pedro fez com que ele submergisse

diante da tempestade.

Jesus, com presteza, paciência e amor socorreu seu discípulo, ajudando-o a

enfrentar seus medos e debilidades, tal qual um bom mestre faz: “Homem de pequena Fé,

porque duvidastes” (Mateus 14:31).

Os medos, as fraquezas e as debilidades do atônito Pedro ruíam diante daquele

que tinha autoridade sobre a morte, uma autoridade superior que se apresentava a ele

como um Mestre que o moldava para uma nova vida.

Confessando a Cristo

Dos muitos milagres presenciados pelo apóstolo podemos destacar a ressurreição

da filha de Jairo. O fato se deu posteriormente à Missão de Jesus na terra dos Gerasenos,

onde um homem foi curado e restaurado por Cristo. Agora, o Senhor e seus discípulos

estavam outra vez na Galiléia, margem ocidental do grande lago.


Ao aportarem em terra o chefe da sinagoga se destaca diante da multidão, e

solicita o auxílio de Jesus: sua filha única de 12 anos estava à beira da morte. Que grande

pavor se apoderou do coração de Jairo (Lucas 8:40-56).

A menina com quem tinha uma profunda relação de amor paternal estava em um

quadro de enfermidade que parecia ser irreversível. Compreendendo a urgência da

situação, Jesus segue a Jairo no rumo de sua casa. Neste ínterim um milagre aconteceu

diante da multidão e dos discípulos que seguiam o cortejo: uma mulher com fluxo de

sangue incessante foi curada por Cristo.

Testemunha ocular da história, Pedro estava aprendendo a crer, sabendo que

medos e debilidades devem ser vencidos em nossa caminhada com Jesus. Ao chegar na

em casa Jairo recebe uma dura notícia proferida de maneira inconveniente: “Não

incomodes mais o Mestre, sua filha está morta!”.

A resposta de Jesus ao transtornado Jairo é: “Não temas, crê somente”.

No processo do discipulado as pessoas devem apreender a crer. Nossa relação

com Cristo deve ser construída de maneira que, como discípulos do Senhor, aprendamos

a confiar, mesmo diante de fatos e eventos que pareçam ser insuperáveis, tal qual Jairo

diante da morte de sua única filha.

Disfrutando da intimidade com Cristo, Pedro recebe o aval do Mestre para entrar na

casa junto com os irmãos Tiago e João, e diante de todos os prognósticos contrários, ante

um grupo familiar que se portava incrédulo e irônico a menina foi ressuscitada e

restaurada aos seus pais.

Certamente a admiração tomou conta de Pedro, não lhe restavam mais dúvidas,

em sua íntima caminhada com Jesus ele estava apreendendo a crer em um Senhor que,

seguramente, era o Messias tão aguardado por Israel.

O processo do discipulado deve levar o discípulo a confessar publicamente que

Jesus é o Cristo, a esperança viva, o único Mediador e Salvador. Rompendo os


parâmetros religiosos anteriores, estabelecendo um novo e superior patamar de Fé, a que

vem do alto, não como consequência de uma dedução religiosa racional, senão como a

inserção de novos valores dados de maneira irresistível pelo Espírito Santo.

Era chegada a hora e, neste processo de discipulado, Pedro deveria confessar

publicamente a sua Fé incondicional em Jesus.

A narrativa bíblica diz que Cristo estava a caminho de Cesaréia de Filipe com seus

discípulos, segundo o Evangelho de Mateus a etapa final de seu ministério na Galiléia,

antes de sua derradeira viagem para Jerusalém (Mateus 16:13-20).

Seria a culminação do discipulado de Pedro e demais apóstolos. O final de uma

frutífera caminhada de três anos com o Cristo Encarnado, e que se tornaria eterna com o

Cristo Glorificado.

O Mestre Jesus, provando a Fé de seus discípulos, pergunta qual o conceito que o

povo tinha a seu respeito. As primeiras respostas foram confusas e divergentes: os

discípulos diziam que Jesus era Jeremias, João Batista, Elias ou algum dos profetas.

Esperando algo mais especifico o Senhor lhes pergunta: “Mas vós, quem dizeis

que eu sou?”. Então Pedro, novamente se adiantando ante os demais, declara com

profunda convicção: “Tu és o Cristo, o Filho do Deus vivo”.

Era a real e decisiva confissão pública do discípulo de Jesus que compreende a

verdade da revelação de Deus no Mundo. Verdade esta revelada a Pedro pelo Santo

Espírito.

Destaco dois aspectos da “Confissão de Pedro” que devem estar presentes na

confissão pública de todos os discípulos de Jesus.

A primeira característica desta confissão é que dela emana uma verdade absoluta

e incontestável. Em um mundo com uma forte pluralidade religiosa nós, cristãos,

declaramos que Jesus “é o Cristo, o filho do Deus vivo”. Não um caminho a mais entre
muitos outros, mas sim o único caminho, a única verdade e a real essência da Vida (João

14:6).

Hoje vivemos em um tempo onde não existem verdades absolutas, onde em nome

de uma suposta tolerância religiosa não devemos mais advogar que existe uma Fé

verdadeira que se sobrepõe as demais vertentes religiosas. Fé que não surgiu da mente

humana, e sim foi dada como uma revelação de Deus para a humanidade: “Jesus é o

Cristo, o filho do Deus vivo”.

Igualmente, em nosso papel como discipuladores devemos conduzir este processo

que é supracultural, de maneira que aquele que está sendo instruído no Evangelho

compreenda que Cristo é uma verdade única e incomparável.

Por mais complexo que seja advogar verdades absolutas em uma sociedade que

se opõe de maneira tenaz as nossas declarações de Fé, devemos observar a firmeza do

Mestre, que mesmo diante de uma crítica e raivosa oposição, expressou com amor e

sabedoria a preciosidade de seu ministério, impactando Pedro, levando-o a confessar

publicamente esta verdade absoluta.

O segundo aspecto da confissão de Pedro é que agora ele seria testemunha desta

verdade. Dito isto nas palavras de Jesus temos: “Pois eu também te digo que tu és Pedro,

e sobre esta pedra edificarei a minha Igreja” (Mateus 16:18).

Infelizmente, esta passagem sucinta uma grande confusão e divisão na Igreja

Cristã. Devido a uma má interpretação deste texto e de seu contexto. Pedro, que era um

simples discípulo de Jesus, passou a ser confundido como a “pedra” de sustentação e

legitimação da Igreja Católica como instituição através do papado.

Seguindo o pensamento bíblico não nos restam dúvidas de que a “pedra

fundamental” da Igreja, como movimento de Fé é Jesus: o “sagrado fundamento” (I

Coríntios 3:11), a “pedra viva” (I Pedro 2:4) e a “pedra angular” de sustentação da Igreja

(Atos 4:11).
Em Jesus a Igreja é edificada como um santo edifício espiritual, como corpo vivo do

Senhor, e justamente porque Ele é a “Pedra Angular” as portas do inferno jamais

prevalecerão contra a Igreja.

Pedro, assim como os demais apóstolos e discípulos, seriam as “pedrinhas” que

estariam sobrepostas a partir de Cristo, a “pedra principal”. “Pedrinhas” que seriam

testemunhas de Jesus (At 1:8) e baluartes da doutrina bíblica de redenção em Cristo

(Efésios 2:20).

Aquele que está sendo discipulado deve compreender que somos testemunhas do

Senhor, que pertencemos a um movimento de Fé atemporal e supracultural: a Igreja de

Cristo, na qual estamos inseridos para vivermos em comunhão, para proclamarmos as

Boas Novas e para glorificar a Deus entre todas as nações.

Partindo desta confissão Pedro, enquanto discípulo de Jesus, compreendeu, a

partir da revelação do Espírito Santo em sua vida, que seria este o seu papel no mundo.

Era o ápice de sua íntima caminhada com Jesus.

Íntima caminhada com Jesus: o processo do discipulado

Tendo recebido um perfeito chamado de Jesus Cristo para uma nova vida, o

Apóstolo Pedro iniciou o necessário processo de discipulado com o Mestre. Uma

caminhada íntima com o Senhor, em companhia de outros que também se identificaram

com o Messias.

Nesta jornada de aprendizado Pedro recebe um ensinamento bíblico,

sistematizado e prático, que responderam de maneira eficiente aos mais íntimos

questionamentos espirituais do Apóstolo, demonstrando que Jesus também fazia uso de

um método para ensinar aos novos na Fé.


Tal princípio metodológico usado por Cristo gerou nos discípulos, entre eles Pedro,

um forte embate com suas debilidades e medos, de forma que feridas passaram a ser

curadas neste processo de discipulado, nesta íntima caminhada com Jesus.

Como consequência, vemos o discípulo ascendendo para um novo patamar de

maturidade espiritual ao confessar publicamente a Jesus como o Cristo, reverberando

com convicção a existência de uma verdade absoluta em um mundo de meias verdades,

e apresentando-se como testemunha viva desta Verdade: Jesus é o único Caminho, a

única redenção, a verdadeira essência do ser de Deus, o Redentor.


III

FORJANDO O CARÁTER DO DISCÍPULO

Tendo sido licenciado ao ministério pela Igreja Presbiteriana do Brasil, fui enviado

para pastorear uma pequena congregação no interior do Estado do Rio de Janeiro. Era a

culminação da minha preparação acadêmica.

Naquele rebanho havia uma mulher que abraçou a Fé em Cristo um ano antes de

nossa chegada, estando assim em um processo inicial de discipulado. Eram os seus

primeiros passos em uma nova vida com o Senhor. Começava para ela uma íntima

caminhada com Cristo.

Era viúva e tinha uma família muito numerosa, tendo inclusive a responsabilidade

de cuidar de um neto enquanto a filha trabalhava, o que para tanto parecia não ter muita

paciência.

Todas as manhãs eu me dirigia à Igreja para ter um momento de devocional com

Deus, separando este tempo diário para preparar o sermão dominical e os estudos

bíblicos da semana.

Nestes períodos eu me sentia muito incomodado com a dificuldade daquela mulher

em lidar com o neto e os filhos menores. Sua impaciência era audível desde o meu

gabinete na Congregação. Por toda a manhã ela gritava com todos, inclusive com o uso

de palavras não muito adequadas para o trato familiar.

Sabia que era a intimidade de seu lar, seguramente ela não tinha ciência do

alcance de seus gritos, e de como sua demonstração constante de impaciência

prejudicava seu testemunho acerca Jesus.

Sentindo-me incomodado com aquela debilidade, que na época julgava ser tão

óbvia, chamei aquela senhora para uma conversa pastoral. Era meu primeiro ano naquele

estado ministerial probatório.


Boa conversa: ela compreendeu minha orientação e disse que de fato necessitava

aprender a ter mais paciência. Oramos juntos pedindo que Deus a ajudasse quanto a isso.

Passados alguns dias ela me procurou novamente explicando-me um fato inusitado:

seu ex-sogro estava com câncer em estado terminal, e já não havendo mais o que

pudesse ser feito pela medicina, recebeu alta para passar seus últimos dias em família.

Entretanto, dos quatro filhos vivos nenhum aceitou receber o pai com câncer, pois

teriam que hospedar a mãe também. A fama da sua ex-sogra a precedia. Era conhecida

por ter um gênio doentio e insuportável, a ponto dos filhos se recusaram a receber o pai

com uma enfermidade terminal para não terem que conviver com a mãe. Era claramente

uma família desajustada.

Mesmo sendo viúva há mais de 10 anos do filho deste casal, ela os acolheu neste

momento difícil; vieram o ex-sogro com câncer terminal, e a ex-sogra que nenhum dos

filhos suportava.

Havia orado ao Senhor pedindo-lhe paciência; e que bom e prático ensinamento

Deus lhe concedeu, cuidar com zelo de um idoso com câncer em seus últimos dias de

vida.

Também fui envolvido no processo, estava aprendendo a ser paciente e tolerante

com as debilidades do meu próximo. Eu era muito jovem e tampouco me dava conta de

como eu também era pouco tolerante para com as debilidades daquela que estava sendo

discipulada.

Discípulos são forjados em seu caráter através de Jesus, o Mestre que

pacientemente discipulou a Pedro, estabelecendo no apóstolo uma nova natureza:

talhada na humildade e reconstruída tendo como base o real e perfeito Amor de Cristo.
Humildade: espelhando a Cristo

A confissão de Pedro foi um marco em sua caminhada com Jesus. Uma singela

demonstração de Fé carregada de significados e sentimentos. Entretanto, não foi o final

desta relação Mestre-discípulo; ainda havia uma longa caminhada do apóstolo com Cristo.

O duro caráter de Pedro necessitava ser confrontado pela obra restauradora de

Jesus. Tal caráter impulsivo seria forjado, moído e quebrado pelo Senhor, que preparava

os discípulos para os eventos finais de seu ministério encarnado. Nesta etapa, um

precipitado Pedro é duramente repreendido por Cristo, que ao ser ludibriado por Satanás

intentava demover Jesus da Cruz que o aguardava (Mateus 16:21-22).

Era chegado o tempo de uma pujante experiência de Pedro com Deus, estamos no

“Monte da Transfiguração” (Mt 17:1-8, Mc 9:2-8, Lc 9:28-36).

Por influência de Cirilo e Jerônimo, patriarcas da Igreja no século IV, a tradição

identificou o “Monte Tabor” como o local onde se deu o a Transfiguração. Nos dias de

hoje, com um razoável consenso, os historiadores bíblicos identificam o “Monte Hermon”

como possível local deste singular evento.

Tendo em consideração que Jesus subiu ao monte para orar, e o pesado sono de

Pedro, Tiago e João, que acompanharam Cristo até o cume, é bastante plausível supor

que este fato histórico foi vivenciado no período da noite. Seguramente, os extraordinários

detalhes da experiência da Transfiguração de Jesus se tornaram mais visíveis no período

noturno.

A palavra usada por Marcos e Mateus para demonstrar a “transfiguração” foi

μετεμορφωθη (metamofosis), que significa literalmente mudança de forma. Lucas evita o

uso deste vocábulo para não confundir os leitores gentílicos que poderiam correlacionar o

evento de maneira equivocada com alguma divindade pagã, externando, entretanto, o

mesmo sentido dos outros dois textos sinóticos.


Pedro, novamente com Tiago e João, foi testemunha ocular deste evento que

impactou sua vida e colaborou de maneira decisiva para a consolidação de sua Fé. No

alto do Monte eis que o rosto e as vestes de Jesus resplandecem num brilho e fulgor

intensos, o Mestre era transfigurado enquanto orava.

Ainda atônitos com a magnitude da cena, os apóstolos identificam a figura de

Moisés e Elias ao lado do Senhor. Era a personificação da Lei e dos Profetas confirmando

aquilo que é parte primordial da nossa Fé: Jesus é o Cristo, o Messias, o Salvador que

estava em sua derradeira caminhada até a Cruz.

Pedro ficou estarrecido com o que viu. Com certeza, tal experiência de Fé impactou

a sua caminhada futura como discípulo de Jesus, e ajudou na consolidação de seu

caráter cristão, forjado pela ação de um Deus Soberano.

Tomando a iniciativa, obviamente sem saber o que dizer, Pedro sugere: ”Mestre,

bom estarmos aqui, façamos três tendas: uma será sua, outra para Moises, e outra para

Elias” (Marcos 9:5).

Ainda que sendo forjado em seu caráter como discípulo do Senhor, faltava ao

Apóstolo uma longa jornada com o Cristo. Pedro é uma síntese do discípulo em formação:

toma a iniciativa, é um tanto precipitado, quer acertar e se equivoca, mas não deixa de

caminhar com Jesus.

No final ouvem a voz do Pai, que através da nuvem que os envolveu, reafirma:

“Este é o meu filho amado em quem me comprazo; a Ele ouvi” (Mateus 17:5). Não

suportaram a Transfiguração; rendidos, com medo, sem saber como interpretar o que

presenciaram, caem por terra, rosto no chão: são homens limitados e pecadores que

viram a Glória do Senhor.

Mão estendida e Cristo os levanta: “Não temais”, disse o Senhor. As mesmas

palavras de encorajamento que já ouviram todos os discípulos de Jesus ao longo da


caminhada com o Mestre. Ainda hoje ressoa entre nós a voz de Deus: Jesus é o Filho

Amado.

O impacto desta experiência sobrenatural foi tamanha sobre eles, que o silêncio se

apoderou dos três no regresso do Monte, ainda tentaram por um longo tempo absorver a

profunda experiência que tiveram com o Deus. Não entenderam, senão muito tempo

depois, o que se passou naqueles dias.

Com isto, o caráter de Pedro estava sendo forjado pelo Senhor, era hora de ter

uma lição sobre a humildade, virtude imprescindível para o discípulo de Jesus. Chegamos

ao momento em que o Senhor lava os pés de seus apóstolos (João 13:1-18).

A cerimônia conhecida como Lava-pés era um ritual comum em todo o Antigo

Oriente, mencionada também nas páginas do Antigo Testamento (Genesis 18:4, Genesis

19:2, Genesis 24:32, Juízes 18:21 e I Samuel 25:41).

Era um princípio fundamental para a boa hospitalidade. Para tanto era necessário

dispor de um escravo que teria a tarefa de lavar, limpar e enxugar os pés dos viajantes,

que por conta da precariedade do caminho e do tipo de sandália usada, chegavam à casa

do seu hospedeiro com os pés sujos e necessitando de cuidados.

Em Israel era também parte da cerimônia de preparação para a páscoa. Um servo

do hospedeiro ficava de prontidão para receber os visitantes e convidados para a festa

religiosa. A recepção dos que vinham de fora consistia em um cerimonial ritualístico de

lavagem dos pés.

No caso específico de Jesus e de seus Apóstolos, aquele que era considerado o

menor da comunidade deveria ter ficado encarregado desta função, que seria realizada

no princípio da cerimônia, e não no meio da festa como vemos no texto de Jesus ceando

com os seus discípulos.

É bastante provável que Jesus tenha retardado o cerimonial de lavagem dos pés

por que esperava que entre eles alguém tomasse a iniciativa, e se pusesse na tarefa de
lavar os pés dos demais. Também é bastante plausível a ideia de que os embates

anteriores para saber qual deles era o maior, tenha sido uma antecipação para saber com

quem ficaria a ingrata tarefa de lavar os pés dos outros durante a páscoa.

Jesus rompe o protocolo, e Ele, o hospedeiro e figura principal na páscoa dos

apóstolos, passa humildemente a lavar os pés de seus discípulos, sacando parte de suas

vestimentas, e enxugando-os com uma toalha que o cingia. Jamais um Rabi faria tal coisa.

Ali estava um Mestre que forjava o caráter de seus discípulos ensinando-os uma

verdadeira lição sobre desprendimento e humildade.

Como discípulos de Jesus entendemos que n’Ele os “maiores” são os que servem

ao seu próximo, e não os que são servidos pelos menos favorecidos. Cristo nos ensina

que há dignidade real no imprescindível exercício da humildade.

Reconstruindo o indivíduo

Pedro, mesmo após uma excelente lição sobre humildade, e como todo discípulo

em formação, ainda permanecia confuso com relação aos ensinamentos de Jesus.

Retirando os pés da tina, e não aceitando que Jesus os lave, ele diz: “Senhor, tu me lavas

os pés a mim?”. No entendimento religioso e cultural de Pedro, o Senhor jamais poderia

lavar os seus pés, não seria ele digno de receber tal honraria.

E sendo também um homem impulsivo e cheio de manias, não esconde seus

sentimentos de repulsa ao ato do Mestre. Sua voluntariedade não lhe permitia

compreender a essência dos ensinamentos de Jesus. Necessitava ser quebrado e

reconstruído no seu processo de discipulado cristão.

Docemente, o Senhor lhe admoesta: “O que eu faço, tu não o sabes agora, mas

depois entenderás”. Pedro, um homem turrão e resoluto, ainda se ressente em apreender

uma nova verdade: o maior no Reino de Deus é o que serve ao seu próximo, e não o que

por ele é servido.


Após a páscoa, a indicação do traidor, um lindo discurso de despedida e a oração

sacerdotal, Jesus se dirige ao Jardim do Getsemani para uma longa noite de vigília e

oração. Seria uma noite de agonia para o Mestre naquele bucólico lugar. Ali, onde o fruto

da oliveira era malhado para se extrair o azeite, um sumo mais precioso seria vertido: o

sangue de Jesus.

A noite também deveria ser de agonia para Pedro, Tiago e João, acompanhantes

de Jesus naquela vigília. Entretanto, durante a profunda e intensa dor experimentada por

Cristo, os apóstolos permaneceram dormindo, sem vigiar. Infelizmente, enquanto era

escrita uma parte extraordinária da história da Redenção, as mesmas testemunhas do

“Monte da Transfiguração” não foram capazes de um momento sequer de atenção.

Naquela hora um pesado cálice se apresentava diante de Jesus, e com a alma

angustiada até a morte Ele confirmava em sua oração: “todavia não seja como eu quero,

e sim como tu queres” (Mateus 26:38-39).

Chegou o momento, seria a consumação da Páscoa do Cordeiro, era Jesus ao

mesmo tempo a perfeita Oferta e o único Sumo Sacerdote que poderia realizar o sacrifício

da nossa reconciliação com Deus.

Uma grande etapa se vislumbrava no ministério de Jesus, e Pedro foi incapaz de

alçar a voz em vigília e oração, permanecendo inerte e dormindo. Em seu processo de

discipulado o caráter do apóstolo estava sendo forjado, sua personalidade reconstruída,

criando a partir de sua caminhada com o Mestre uma nova identidade. Todavia, a

caminhada discípulo-mestre ainda seria muito longa.

Os discipuladores cristãos devem ter em conta os altos e baixos na sua relação

com o discipulando. O discipulado como ministério não deve ser visto como um processo

linear e uniforme, mas sim uma caminhada cíclica e cheia de vicissitudes. Que o diga

Pedro em sua caminhada com Jesus.


Chegando o traidor com os soldados, o apóstolo Pedro, que fora incapaz de vigiar

em oração, apelou para a violência, e sacando uma das duas espadas que tinha em mãos

(Lucas 22:38), intentou golpear mortalmente um dos servos do sumo sacerdote

identificado como Malco (João 18:10).

Devido a boa esquiva do jovem, e falta de manejo do pescador Pedro com armas,

Malco sofreu apenas a perda de uma de suas orelhas, restaurada imediatamente por

Jesus, dando ensejo para a fuga dos apóstolos. Cristo agora estava a sós com seus

algozes, e Pedro o seguida de longe (Mateus 26:58).

No julgamento preliminar de Jesus perante o sinédrio o apóstolo permaneceu a

uma distância segura, presenciando em silêncio as ofensas dirigidas a Cristo, e as falsas

testemunhas que o acusavam. Estava atemorizado, confuso e provavelmente

envergonhado de seu receio em manifestar-se como discípulo de Jesus.

Teve uma primeira oportunidade para revelar-se como seguidor do Mestre

enquanto se aquecia no pátio externo do Sinédrio, e foi inquerido por uma mulher: negou

pela primeira vez a Jesus.

Outra pessoa o reconheceu no momento em que se dirigiu ao pórtico de entrada

tentando se desvencilhar daquela situação constrangedora: pela segunda vez negou

veementemente ser um discípulo do Senhor.

Por final, tendo sido denunciado pelo seu modo de falar como Galileu, e ao ser

reconhecido por um parente de Malco, o jovem que teve sua orelha decepada: negou

Jesus pela terceira vez antes do amanhecer.

Lembrou-se do alerta dado por Cristo no momento da páscoa, o trairia antes do

cantar do Galo. Neste instante seus olhos cruzaram com os de Jesus, e tendo sido alvo

do olhar terno, fixo e amoroso de Cristo em seu momento de sofrimento, saiu daquele

lugar e chorou amargamente.


O processo de discipulado cristão é de total reconstrução do indivíduo, em uma

longa via a caminho da maturidade cristã, onde Deus, a seu tempo e a sua maneira, forja

o caráter do discípulo, moldando-o em acordo com os ensinamentos da Palavra.

Em nossa tarefa ministerial de discipular a outros devemos estar preparados para o

revés deste processo, tendo paciência com os altos e baixos daquele que está

aprendendo a caminhar com Cristo.

O indivíduo inicia esta jornada de reconstrução a partir da Cruz cheio neuras,

traumas, histórias amargas, fobias, manias e desvios de caráter, cabendo a nós,

discipuladores, o exercício do amor paciente, não nos deixando levar pela frustração com

a natural inconstância do discípulo neófito, compreendendo que a nossa polidez neste

processo é parte importante em sua reconstrução.

Um encontro com o Amor Real

“Pastor, eu pequei contra o Senhor, será que Ele pode me perdoar!”, disse uma

senhora, membro da Igreja naquela tarde. Era a culminação de uma longa e dolorosa

conversa que seu pastor havia iniciado com ela.

Era o primeiro mês de ministério do pastor daquela Igreja. Ele havia se inteirado de

uma triste história ocorrida dias antes de sua chegada: uma adolescente de dezesseis

anos foi induzida pelos pais, membros daquela Igreja, ao aborto diante de uma gravidez

indesejada.

O pai, tendo comprado na farmácia o remédio abortivo, ministrou a substância com

o consentimento da mãe, obrigando a jovem a tomar aquela medicação. Após uma longa

e dolorosa noite no banheiro, o feto de cinco meses foi expelido aos pedaços pelo vaso

sanitário.
A menina, revoltada com a situação, saiu de casa e foi viver com o namorado. Um

profundo silencio se instalou na família e na Igreja. Haviam rumores e histórias

desencontradas, mas, um absoluto silencio diante de um quadro tão grave.

Chegando na Igreja o pastor soube dos detalhes do caso através de uma denúncia

feita por um parente distante, inconformado com a situação. Como orienta a Palavra, ele

foi averiguar os fatos, buscando primeiro a adolescente, que confirmou com detalhes toda

a triste história.

Munido de informações, marcou uma reunião com o casal, membros antigos e

proeminentes naquela comunidade cristã. Apenas a senhora compareceu, o marido, já

sabendo do que se tratava, se eximiu de participar, julgava não ter feito nada inapropriado.

O início da conversa foi naturalmente tenso, tendo a mulher intentado ocultar ou

minimizar o seu pecado. Entretanto, diante das evidências bíblicas e compungida pelo

Espírito Santo, ela se derramou em lágrimas e soltou um desesperado brado: “Pastor, eu

pequei contra o Senhor, será que Ele pode me perdoar!”.

Por mais abjeto que tenha sido o pecado daquela senhora, a sensação de

constrição e vergonha lhe abriram os olhos espirituais, e ela experimentou o mesmo

impacto sentido por Davi, Sansão, Moisés e outros grandes servos de Deus que pecaram

e se arrependeram de seu pecado ao experimentarem o “Amor Real” de Deus.

Sobre este “Amor Real” Jonatahn Edwards expressou:

“E o amor, o divino amor, é aquele fruto que o Espírito, ao comunicar, nutrir


e exercitar, manifesta as suas eternas e incessantes influências. Este é um
fruto do Espírito que nunca desaparece ou cessa na igreja de Cristo, quer o
consideremos com respeito aos seus membros em particular, quer com
relação a um corpo coletivo”.14

Pedro em sua caminhada e discipulado com Jesus também foi alvo deste amor

profundo. Com toda certeza seu coração estava destroçado, moído e abatido. Cristo havia

sido morto na cruz de maneira cruel, e ele o havia negado, abandonando-o em seu

14
- Edwards, Jonathan. O Dom Maior. pp. 14
doloroso calvário. Seria o final desta intensa caminhada? Finalizaria ali o seu discipulado

com o Mestre?

O discipulado de uma pessoa, quando iniciado com um perfeito chamado para

uma íntima caminhada com o Salvador, não é finalizado, senão com o discípulo tendo seu

caráter forjado ao experimentar o Amor Real de Jesus. Ainda que com altos e baixos

nesta jornada, o Senhor que começou a boa obra há de concluí-la, como o fez com Pedro.

Ainda consternado com os acontecimentos recentes, o apóstolo recebeu das

mulheres que foram visitar o sepulcro a notícia de que o corpo de Jesus havia

desaparecido. Pedro e João se apressaram e correram até o túmulo. O mais jovem correu

mais rápido que Pedro, e por respeito esperou sua chegada para entrarem no sepulcro, e

constatarem que estava de fato vazio. Creram, não tiveram dúvidas, Cristo havia

ressuscitado!

No final daquele domingo Jesus apareceu entre eles. A bíblia não relata com

detalhes os sentimentos de Pedro, se supõe que talvez tenham sido desencontrados. A

alegria pela ressurreição do Senhor, a certeza pela Fé que era Jesus o Messias esperado

e a convicção que a obra de redenção em Cristo era a esperança de Israel. Por outro lado,

a vergonha de tê-lo negado publicamente três dias antes. Uma mescla de sensações já

vivenciada por todos os discípulos de Jesus.

Ainda que Lucas e Paulo15 relatem sem muitos detalhes uma aparição privada de

Jesus a Pedro, faltava ainda um decisivo encontro de restauração e comissão do mestre

com seu discípulo. E este se daria em um lugar muito familiar para o apóstolo, o Mar da

Galileia, local do chamado de Pedro para o discipulado 16.

Era o mesmo contexto, a mesma situação. Eram sete os discípulos que

acompanharam Pedro naquela pescaria noturna, e durante a longa madrugada, nada

apanharam.

15
- Lucas 24v34 e I Coríntios 15v5
16
- João 21
Ao clarear o dia Jesus aparece na praia e pergunta: “Filhos, tendes alguma coisa

de comer?”. Não havia nada, outra vez passaram a noite pescando e nada lograram.

Todavia, uma nova pesca maravilhosa, cheia de simbolismos estaria prestes a acontecer.

Jesus os orienta para que lançassem a rede à direita do barco, e ainda que não

houvessem reconhecido o Senhor ressuscitado obedeceram, lançaram as redes e

pescaram 153 grandes peixes.

Muito tem sido dito ao longo dos séculos para definir o porquê de 153 peixes,

penso, entretanto, que mais além das muitas analogias feitas sobre o tema, o número tão

estupendo de peixes naquela segunda pesca maravilhosa simbolizava a abundancia da

“pesca missionária” que seria iniciada por estes homens. Muitos discípulos de todos os

povos, línguas e nações seriam acrescentados a uma rede que não se romperia, a Igreja

do Senhor.

Realizada a pesca não tiveram dúvidas, era Jesus em sua terceira aparição

coletiva após a ressurreição. Seria a restauração de Pedro, e sua comissão pessoal para

o pastoreio e discipulado de outras pessoas.

Após uma excelente refeição comunitária, Jesus passa a tratar as feridas de Pedro

com um profundo amor. E, não obstante a sua negação à Cristo semanas antes, seu

caráter e sua impulsividade, o zelo do bom Mestre com o seu discípulo é decisivo para

forjar o caráter espiritual do apóstolo.

Em contrapartida às três vezes que foi negado por Pedro, o Senhor lhe pergunta

em igual número: “Pedro, tu me amas?”. E nas três vezes, diante da resposta afirmativa

do apóstolo, Cristo o comissiona e diz: “Apascenta as minhas ovelhas”.

Jesus também revela o martírio futuro que sofreria Pedro por conta deste pastoreio.

Era a comissão pessoal de Pedro: fazer discípulos, e estimulá-los para que fizessem

novos discípulos, ainda que soubesse de antemão que morreria por conta disso.
Pedro, um homem tão limitado e temerário, experimentava no final de seu

discipulado com Jesus um “Amor Real” que arrebata e transforma, mudando a natureza

do indivíduo, forjando o seu caráter e fazendo-o ter, de fato, a marca de Cristo.

Forjando o Caráter do discípulo: o caminho da maturidade

O princípio do discipulado cristão é o perfeito chamado bíblico, feito com excelência

para uma caminhada íntima com Jesus. De fato, um novo começo para o indivíduo

alcançado pela Graça do Senhor.

Nesta íntima caminhada o caráter do discípulo é forjado, moldado e reconstruído

com o intuito de que ele possa espelhar a Humildade que é essencial a todos os que se

dizem seguidores de Jesus.

Pedro, com seu reconhecido caráter irascível, estava sendo reconstruído neste

processo de discipulado com o Mestre, que como um exemplo de discipulador, demonstra

paciência diante da instabilidade emocional e espiritual do apóstolo. Frente a um discípulo

volátil e instável, o Senhor se apresenta com uma inspiradora paciência

Seguindo o exemplo e mandamento de Cristo, aquele que se propõe à sublime

tarefa de fazer discípulos deve compreender o seu papel como um ministro do Amor Real.

Um “despenseiro da multiforme Graça de Deus” escreveu um maduro Pedro alguns anos

depois de experimentar a restauração de sua vida e ministério.


CONCLUSÃO

A ordem dada por Jesus no momento de sua ascensão era clara: permanecer em

Jerusalém, e aguardar a promessa do Pai Celestial. Era a promessa do derramamento do

Espírito Santo sobre todo o povo de Deus17. O consolador que viria para dinamizar a obra

redentora de Deus, santificar a Igreja e trazer a memória coletiva todas as palavras

ensinadas por Jesus18.

Obedientes, e ainda extasiados com a visão da ascensão de Jesus aos céus,

regressaram do Monte das Oliveiras à Jerusalém. Era tempo de espera, onde

aguardariam os próximos acontecimentos.

Pedro, depois de seu eficientemente discipulado com Jesus, assume a liderança

daquelas 120 pessoas que perseveravam unanimes em oração. Em tempos de espera, o

que nos resta é orar com paciência e dedicação.

Por meio de sua regência, Matias foi acrescentado ao colegiado de apóstolos. A

Igreja do Senhor se estruturava para as grandes coisas que haveriam de ser feitas, por

intermédio de nossos primeiros pais apostólicos. Homens e mulheres que haviam sido

testemunhas oculares dos grandes feitos de Jesus, e de sua ressurreição.

Chegada a hora, cumpriu-se a promessa no Dia de Pentecostes. Em meio a esta

concorrida celebração judaica, onde a cidade Jerusalém se via cheia de peregrinos que

vinham de outras partes do Império Romano, o Espírito Santo foi derramado sobre a

Igreja do Senhor. Era a formação do novo Israel de Deus, o povo escolhido, com a marca

universal da Graça do Senhor, exemplificada no falar de muitas línguas.

Diante do alvoroço criado, a multidão estava perplexa e atônita, sem saber o real

significado de todo aquele fenômeno. Aproveitando o ensejo, e com a sua natural pro

atividade, Pedro inicia um dos seus mais belos discursos evangelísticos.

17
- Joel 2v28-29
18
- João 14v28
Cinquenta dias depois de negar o seu Mestre, aqui estava o discípulo cheio do

Espírito Santo, com coragem e intrepidez, afirmando com profunda convicção que Jesus

era o Messias esperado por Israel, que n´Ele havia redenção, que ainda que morto na

cruz, ressuscitou, porque a morte não poderia retê-lo.

Comovidos pela pregação de Pedro, perguntaram os ouvintes daquele discurso

evangelístico: “Que faremos irmãos?” E Pedro, como um bom discípulo, reproduz as

Palavras do seu Mestre: “Arrependei-vos, e cada um de vós seja batizado em nome de

Jesus Cristo para remissão dos vossos pecados, e recebereis o dom do Espírito Santo.

Pois para vós outros é a promessa, para vossos filhos e para todos os que ainda estão

longe, isto é, para quantos o Senhor, nosso Deus, chamar.”19

Agora vemos o discípulo pronto para iniciar um novo ciclo de discipulado. Pedro

havia recebido um perfeito chamado para ser discípulo de Jesus, tendo respondido a este

com obediência, após a constatação de que era um pecador que necessitava de

redenção.

Iniciou uma íntima caminhada com Jesus, onde recebeu ensinamentos bíblicos,

sistematizados e práticos, que confrontaram suas debilidades, levando-o a assumir uma

nova identidade espiritual, confessando a Jesus como seu Salvador.

Seu caráter estava sendo forjado nesta caminhada, uma reconstrução se

processava em seu discipulado, onde aprendia sobre o valor da humildade ao

experimentar o Amor Real de Deus através de Cristo.

Estava fechado o ciclo, era o desenlace de uma etapa da caminhada de Pedro com

o Jesus, uma caminhada sem final, tal como é a boa, reconfortante e vigorosa jornada

eterna de todos os discípulos com seu Senhor.

19
- Atos 2:38,39

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