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PRE GA ÇÃ O E CO N T E X T UA L I Z A ÇÃ O

Adaptando a mensagem sem comprometer o conteúdo

Aula 5

O ALVO DA
CONTEXTUALIZAÇÃO

Entre dois mundos


No livro “Between Two Worlds” (Entre dois Mundos), John Stott com-
para a comunicação cristã à construção de uma ponte que liga a Bíblia ao
mundo contemporâneo.¹ Comentando sobre essa metáfora, Keller fala que
alguns sermões parecem uma ‘ponte para o nada’. São enraizados no estu-
do profundo do texto bíblico, mas nunca brotam no solo do outro lado. Ou
seja, deixa de ligar a verdade bíblica ao coração das pessoas e às questões
da vida. Outros sermões são como ‘pontes que não saem de lugar algum’.
Tratam de assuntos atuais, mas os ensinos que aplicam aos problemas e
necessidades atuais não são, na verdade, retirados do texto bíblico.²
A verdadeira contextualização bíblica consiste em trazer a doutrina cris-
tã fundamentada na Bíblia por toda a ponte, expressando-a de maneira
coerente para uma cultura específica. Visto que a nossa proclamação da
mensagem a respeito de Cristo precisa ser tanto fiel quanto frutífera.

1 STOTT John, Between Two Worlds, (Grand Rapids: Eerdmans, 1982). 132.
2 KELLER, Timothy. Igreja centrada: desenvolvendo em sua cidade um ministério equilibrado e centrado no evangelho. São Paulo: Vida Nova, pg.
121.

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O alvo da pregação: A glória de Deus


Aplicando ao ministério da pregação o texto de Romanos 11.36 - Porque
dele, e por meio dele, e para ele são todas as coisas. A Ele, pois, a glória para
sempre eternamente - John Piper afirma que Deus Pai, Deus Filho e Deus
Espírito Santo são o começo, o meio e o fim da pregação. Em seu livro “A
supremacia de Deus na pregação”, ele esboça essa ideia dizendo que o alvo
da pregação é a glória de Deus, a base da pregação é a cruz de Cristo e o
dom da pregação é o poder do Espírito Santo.³
O pregador escocês James Stewart disse que os alvos da pregação genuína
são: “Despertar a consciência através da santidade de Deus, alimentar a
mente com a verdade de Deus, purificar a imaginação através da beleza de
Deus, abrir o coração para o amor de Deus, devotar a vontade ao propósito
de Deus”4. De fato, todo o nosso esforço e dedicação para o desenvolvi-
mento e aperfeiçoamento do ministério da palavra, deve ter como objetivo
fazer com que as pessoas encontrem a Deus e rendem-se completamente
a ele.
Cotton Mather, um grande pregador na Nova Inglaterra há alguns sé-
culos, afirmou que o principal intento e finalidade do ofício do pregador
cristão é restaurar o trono e o domínio de Deus nas almas dos homens.5

Nosso maior exemplo de contextualização: Jesus


A mensagem central da Bíblia diz respeito ao Deus encarnado, Jesus Cris-
to! Ele não é apenas o assunto da mensagem de Deus aos homens, mas é
também o enviado de Deus para comunicá-los essa mensagem.
Jesus é o supremo exemplo de contextualização. Veja o que Paulo diz a seu
respeito em sua carta aos filipenses:

“Tenham entre vocês o mesmo modo de pensar de Cristo Jesus, que,


mesmo existindo na forma de Deus, não considerou o ser igual a
Deus algo que deveria ser retido a qualquer custo. Pelo contrário,

3 A supremacia de Deus na pregação, Jonh Piper, Shedd Publicações, São Paulo, 2003, P. 19
4 Jemes stewart, Heralds of God (Grand Rapides: Baker Book House), 1972, P. 73.
5 Cotton Mather, Student and Preacher, or Directions for a Candidate of the Ministry (London: Hindmarsh, 1726, V.

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ele se esvaziou, assumindo a forma de servo, tornando-se seme-


lhante aos seres humanos. E, reconhecido em figura humana, ele
se humilhou, tornando-se obediente até a morte, e morte de cruz.
Por isso também Deus o exaltou sobremaneira e lhe deu o nome que
está acima de todo nome, para que ao nome de Jesus se dobre todo
joelho, nos céus, na terra e debaixo da terra, e toda língua confesse
que Jesus Cristo é Senhor, para glória de Deus Pai.” (Fp 2.5-11 -
NAA).

Temos aqui uma das mais importantes declarações sobre a pessoa e o mi-
nistério de Cristo. Entre os estudiosos do Novo Testamento, existe uma
grande variedade de interpretações sobre em que nível Cristo se “esva-
ziou”. Fato é que, independentemente da maneira como lemos esta pas-
sagem, podemos concordar que, de alguma maneira, Cristo deixou uma
condição superior e espontaneamente assumiu uma condição inferior, com
limitações antes não vivenciadas. O mais importante é entender que foi
para cumprir a sua missão no mundo que Cristo precisou abrir mão da
glória que, por natureza, lhe pertencia, e assumir uma condição de servo,
“tornando-se semelhante aos homens”.
No início do texto, que muitas vezes passa despercebido, o apóstolo Pau-
lo diz que devemos ter em nós a mesma atitude e disposição mental que
levou Jesus a esvaziar-se. Clinton Sathler, coloca aqui um desafio duplo: o
primeiro, de entender o que este processo significa; o segundo, de aplicá-lo
à nossa própria história de vida.6 Conforme Sathler argumenta em seu ar-
tigo, assim como Cristo se esvaziou para cumprir a sua missão, todos aque-
les que desejam plantar ou mesmo revitalizar sua igreja local, de forma
bíblica, criativa e relevante, precisará também se esvaziar. Sem deixar de
lado os princípios básicos e inegociáveis da fé cristã (o que somos), preci-
samos contextualizar o evangelho no mundo (como somos). Este processo
deve se dar basicamente em dois movimentos:

6 Referência: Artigo publicado por Clinton Sathler Lenz César, no site: O Desafio da Contextualização na Plantação de Igrejas – CTPI.

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1. Ir ao mundo
Precisamos sair do conforto dos nossos lares e de nossa própria individu-
alidade para conhecer as pessoas, o que fazem, como pensam, como vivem,
ou seja, tentar enxergar o mundo com seus olhos, entender os fatos como
elas entendem, buscando pontos de contato e fatores de identificação com
elas.
A Bíblia nos mostra que a grande maioria dos encontros de Jesus não se
deu num ambiente religioso, como o templo ou a sinagoga, mas ocorreu
no “lugar comum”, onde as pessoas transitavam no dia a dia, trabalhando,
estudando, viajando, descansando etc. Foi assim com Zaqueu (no meio do
caminho), com os discípulos pescadores (na praia, seu ambiente de traba-
lho), com Nicodemos (em casa), com a mulher samaritana (no poço à beira
do caminho) e tantos outros. Jesus não esperou que as pessoas saíssem
do seu mundo para virem ao dele, mas foi ao encontro das pessoas no seu
próprio mundo.
Devemos ver em tudo isso um grande exemplo, sobre o significado e a
necessidade de se “esvaziar”, tanto para plantadores de igreja como para
qualquer pregador da mensagem cristã. Geralmente, trabalhamos para
trazer as pessoas ao nosso mundo religioso, mas dificilmente estamos dis-
postos a transitar e buscar encontros no mundo onde as pessoas vivem.
Muitas vezes, a igreja tem sido vista como um elemento alienador porque,
ao invés de dar um novo sentido ao cotidiano, tem buscado fugir dele,
criando seu próprio mundo. Esvaziar-se para comunicar a mensagem do
evangelho é, neste sentido, ter a coragem, a tranquilidade e a intencionali-
dade de transitar no mundo onde as pessoas vivem, trabalham, descansam
e se divertem.
Além disso, precisamos refletir se, quando nos reunimos, também busca-
mos de alguma forma criar pontos de contato com o mundo onde as pes-
soas vivem. Sathler fala que certa vez, dando um curso sobre evangelismo,
ouviu de uma jovem que a coisa com a qual ela mais ficou impressionada na
primeira vez que foi a uma igreja evangélica foi o fato de o pastor ter citado
o Renato Russo durante a mensagem. Ela disse: “Ei, esse eu conheço, tá
falando a minha língua!”7

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2. Revisitar nosso contexto eclesiástico


Devemos nos “despir” daquilo que representa simplesmente um peso, ou
barreira para a comunicação clara do evangelho. Nesse segundo ponto Sa-
thler fala que precisamos fazer uma reflexão sobre tudo aquilo que, na
dinâmica da vida comunitária, faz total sentido para nós, mas que, para os
não frequentadores de igreja, sem nenhuma cultura eclesiástica, não faria
qualquer sentido. Ficamos surpresos com a constatação de que quase tudo
em nossas tradições, costumes e linguagem fala apenas aos de “dentro”.
Torna-se essencial realizarmos um exercício para contextualizar cada ges-
to, cada palavra, cada rito, cada prática.
Sobre isso talvez seja necessário repensar nossa forma de pregar, que parte
da realidade bíblica e busca uma aplicação na vida atual (o estilo tradicio-
nal que segue a seguinte sequência: ler o texto, explicar o texto, ilustrar
o texto e aplicar o texto), e começarmos pela realidade à nossa volta, para
então apresentar a resposta bíblica para tudo isso. É preciso reler o que
o mundo lê, rever o que o mundo vê, “reouvir” o que o mundo ouve, não
apenas como forma de entender o que pensa, mas também usando tudo
isso como ponto de contato e como forma de alcançar as pessoas carentes
de Cristo.
Foi neste sentido que John Stott disse:

“Nós ouvimos o mundo com atenção crítica, igualmente


ansiosos por compreendê-lo, e decididos, não necessa-
riamente a crer nele e a obedecer-lhe, mas a simpatizar
com ele e a buscar graça para descobrir que relação exis-
te entre ele e o evangelho.”8

7 Referência: Artigo publicado por Clinton Sathler Lenz César, no site: O Desafio da Contextualização na Plantação de Igrejas – CTPI.
8 STOTT, John, Ouça o Espírito, Ouça o Mundo: Como ser um cristão contemporâneo, ABU Editora, São Paulo, 2005. P. 30.

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Princípios elementares de uma


boa contextualização baseados em Cristo
A partir do texto de Filipenses 2.5-11, temos alguns princípios elementa-
res de uma boa contextualização, que passa pelos seguintes pontos:
1. A encarnação é, em si mesma, o maior incentivo à contextua-
lização.
Jesus é Deus, mas abriu mão dos seus direitos e poderes divinos quando
veio nos comunicar a mensagem do Pai. Veio pregar aos homens, como
um homem! A sua identificação foi completa, ele não só compartilhou da
mesma natureza dos homens, mas também se comunicou com eles na mes-
ma linguagem, cultura e costumes deles. Paulo exorta a igreja a ter este
mesmo sentimento e comportamento de humildade. Isso deve ser pratica-
do e vivido em tudo o que fizermos, deve ser nosso padrão, inclusive, da
forma como encaramos a pregação e a contextualização da mensagem que
anunciamos. Isto é muito importante porque, se o próprio Verbo eterno
tornou-se palpável para tornar a revelação de Deus muito mais próxima,
então temos que ter o “trabalho” de procurar uma boa forma de trazer a
história deste mesmo Verbo, aos ouvidos do século XXI.

2. A contextualização bíblica tem que passar pelo evangelho,


sempre!
A compreensão das perguntas que inquietam os corações é fundamental
para a proclamação do evangelho de forma descodificada e transformado-
ra. Se fecharmos os olhos para a necessidade da contextualização iremos
comprometer o conteúdo do evangelho na sua transmissão. Possivelmente
passaremos adiante apenas sinais sem significados que produzirão valores
sincréticos e não bíblicos. Devemos, porém, perceber que a contextualiza-
ção não possui valor em si mesma. Seu valor é proporcional ao conteúdo a
ser contextualizado. Portanto, a pergunta não é apenas “como contextua-
lizar”, mas especialmente “o que contextualizar”.
A base para toda e qualquer contextualização bíblica, obrigatoria-
mente, tem que passar por Cristo. Não há, em absoluto, nenhuma boa
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contextualização que não passe pelo evangelho e o revele de maneira clara


à cultura e sociedade onde o pregador se encontra. Lembre-se: a contex-
tualização não é um fim em si mesma e nosso desejo de nos comunicar
melhor passa, necessariamente, pelo desejo de anunciar e glorificar a Jesus.
A contextualização bíblica serve para fazer com que a mensagem eterna e
atemporal do evangelho seja inteligível aos ouvidos e mentes de um grupo
de pessoas que estão limitados a um determinado tempo e espaço, isto é,
pessoas que estão inseridas numa cultura específica e diferente daquela do
texto que expomos.
Nenhuma pregação será de fato uma contextualização da mensagem bíbli-
ca, se ela não passar pelo evangelho. A verdade bíblica fundamental que
diferencia o evangelho de uma lição qualquer sobre moralidade é o fato de
que sem Cristo, nós nada podemos fazer. Foi ele mesmo quem disse: “Sem
mim, nada podeis fazer” (Jo 15.5). Toda mensagem bíblica, precisa, neces-
sariamente, estar inserida em um contexto redentor, visto que ninguém
está apto a ser ou fazer o que Deus exige, sem a obra de Cristo nelas, por
elas, e por meio delas. Sobre isso Bryan Chapell escreve:

“O sucesso desse empenho pode ser avaliado pela per-


gunta essencial que todo pregador faz ao término de
cada sermão: Quando meus ouvintes saírem desse santu-
ário para cumprirem a vontade de Deus, com quem eles
caminharam? Se marcharem para combater o mundo, a
carne e o maligno com o eu somente, então cada qual
marcha rumo ao desespero. Contudo, se o sermão guiou
as pessoas para dentro do alcance da visão do Salvador, e
agora elas caminham no seu mundo firmemente seguras
de seu auxílio, então a esperança e a vitória clareiam o
horizonte. Se as pessoas partem sozinhas, ou nas mãos
do Salvador, isso fará a diferença entre futilidade e fé,
legalismo e verdadeira obediência, o modismo do ‘ser
bom’ e a verdadeira bondade”.9

9 Bryan Chapell, Pregação Cristocêntrica: Restaurando o sermão expositivo, Cultura Cristã, São Paulo, 2007, P. 309.

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Os desafios à santidade precisam ser acompanhados por um enfoque em


Cristo, caso contrário, promoverão apenas centralidade humana, uma re-
ligião condenada ao fracasso. O foco da contextualização deve sempre ser
Cristo, e a boa notícia a seu respeito. Sem isso todo nosso trabalho perde
o seu sentido, pois o foco estará no esforço meramente humano e isso não
redundará em glória para Deus por meio de Cristo.

3. Uma real contextualização nunca glorifica o pregador, mas


sempre nos faz dar toda glória a Cristo.
A encarnação de Cristo é o nosso maior exemplo de contextualização. Se
ele, sendo Filho de Deus, abriu mão de sua glória e vivenciou de manei-
ra plena e integral a experiência humana, nós, como portadores da sua
palavra, também devemos descer do confortável pedestal eclesiástico que
geralmente nos abriga e protege e, corajosamente, esvaziar-nos a nós mes-
mos, tornando-nos mais servos e mais “semelhantes aos homens”. As igre-
jas que fazem diferença no mundo são aquelas que vivem para servir e a
encarnação é condição essencial para o serviço. Que Deus nos ajude a ser
pregadores mais interessados na glória do Pai, seguindo o exemplo do
Filho, no poder do Espírito, do que sermos voltados para nós mesmos.

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