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Visão Clara: Filosofia de ministério

José Carlos Pezini

Uma boa filosofia de ministério deve ser feita logo no início do processo de
plantação da igreja, demorar para construí-la e caminhar no escuro sem saber
onde vai chegar. O plantador deve propor para o grupo base uma discussão,
buscando definir qual será a filosofia de ministério mais apropriada para a nova
igreja naquele contexto específico, onde Deus os enviou como luz do mundo e
sal da terra. Deve se levar em consideração o exemplo de Cristo que nos
desafiou com uma pergunta: do que precisamos abrir mão para plantar esta
igreja com a finalidade de alcançar pessoas com o evangelho transformador de
Cristo Jesus?”
Ao ler a orientação de Paulo aos irmãos em Filipenses 2:5-8, entendemos
que Jesus, embora “sendo Deus, não considerou que o ser igual a Deus era
algo a que devia apegar-se; mas esvaziou-se a si mesmo, vindo a ser servo,
tornando-se semelhante aos homens.” Temos aqui uma das mais importantes
declarações sobre a pessoa e o ministério de Cristo. Todos concordamos que,
de alguma maneira, Cristo deixou uma condição superior e espontaneamente
assumiu uma condição inferior, com limitações antes não vivenciadas. É
importante entender que foi para cumprir a sua missão no mundo que Cristo
precisou abrir mão de uma glória que, por natureza, lhe pertencia, e assumir
uma condição de servo, “tornando-se semelhante aos homens”.
O apóstolo Paulo inicia o texto afirmando que deve haver em nós a mesma
atitude e a mesma disposição mental que levou Jesus a esvaziar-se. Temos
aqui, portanto, um desafio de mão dupla: o primeiro, de entender o que este
processo significa; o segundo, de aplicá-lo à nossa própria história de vida.
Principalmente com a finalidade de cumprir o propósito divino onde estamos
plantando a igreja.
Logo no início do processo de plantação de uma nova igreja deve-se propor
para o grupo base uma discussão baseada em texto como este, buscando
definir a filosofia de ministério da nova igreja. Lembrando que uma filosofia de
ministério precisa começar com as escrituras e continuar a ser fiel a elas. Não
perdendo de vista que a igreja existe para proclamar as boas novas do
evangelhos aos que estão longe dele.
A pergunta que precisa ser feita logo de inicio é “o que precisamos abrir
mão para plantar esta igreja e alcançar pessoas com o evangelho
transformador de Cristo Jesus?” Esta pergunta deve ecoar no coração no
grupo base todo o tempo. A partir de uma profunda reflexão, devem começar a
identificar o que, em nós, poderia representar uma barreira à comunicação do
evangelho para um público alvo onde estamos localizado. A partir daqui
começamos então a refletir sobre o que é essencial e o que é negociável.
Então passaremos a perceber se muitas de nossas crenças, tradições,
linguagem e costumes precisam ser reavaliadas a fim de comunicar o
evangelho de forma clara, sem barreira alguma. Precisamos, definitivamente,
fazer uma releitura de nós mesmos e da cultura ao nosso redor, ou seja, saber
quem somos e quem são as pessoas que buscamos alcançar.
Assim como Cristo se esvaziou para cumprir a sua missão, devemos estar
dispostos a abrir mão de algumas coisas a fim de plantar uma igreja bíblica,
criativa e relevante para o contexto onde estamos sendo enviados. Sem deixar
de lado os princípios básicos e inegociáveis da fé cristã, o que somos,
precisamos contextualizar o evangelho no mundo como somos. Este processo
pode ser descrito basicamente da seguinte forma: precisamos conhecer a
comunidade onde fomos colocados, o que fazem, como pensam, como vivem.
Devemos caminhar entre eles, tentar enxergar o mundo com seus olhos,
entender os fatos como eles entendem. Fazendo isto estaremos buscando
pontos de contato e fatores de identificação com a comunidade.
Ao ler as Escrituras percebemos que a maioria dos encontros de Jesus não
se deu num ambiente religioso, como o templo ou a sinagoga, mas ocorreu em
lugar comum, onde as pessoas transitavam no dia-a-dia, nas praças, no
trabalho, estudando, viajando, descansando, etc. Foi assim com Zaqueu, no
meio do caminho, por onde Jesus estava passando. Com alguns discípulos
onde estavam pescando. Com Nicodemos que o procurou em sua casa. Com a
mulher samaritana em um poço à beira do caminho, etc. Jesus não esperou
que as pessoas viessem até ele no templo ou onde ele estivesse pregando,
mas ele é quem foi ao encontro das pessoas no seu próprio mundo. Na maioria
das vezes as igrejas mais antigas tem sido vista como um elemento alienador
porque, ao invés de dar um novo sentido ao cotidiano, tem buscado fugir dele,
criando seu próprio mundo, esperando que as pessoas venham até ela.
Esvaziar-se para plantar uma igreja é, neste sentido, ter a coragem, a
tranquilidade e a intencionalidade de transitar no mundo onde as pessoas
vivem, trabalham, descansam e se divertem. Além disso, também precisamos
refletir se, quando nos reunimos, também buscamos de alguma forma criar
pontos de contato com o mundo onde as pessoas vivem. Precisamos nos fazer
entendidos, comunicar o evangelho com clareza em qualquer lugar onde
estivermos.
Além do mais precisamos ficar atentos para reavaliar constantemente nosso
contexto eclesiástico, observando tudo o que fazemos, dizemos e transmitimos
em nossos encontros comunitários. Precisamos estar abertos a nos despir de
nossas próprias vestes, ou seja, daquilo que representa simplesmente um
peso, ou barreira para a comunicação clara do Evangelho. Precisamos fazer
uma reflexão sobre tudo aquilo que na dinâmica da vida comunitária faz total
sentido para nós, mas que, para os que não frequentam igrejas, sem nenhum
conhecimento da cultura eclesiástica, não faria qualquer sentido. Torna-se
essencial realizarmos um exercício para contextualizar cada gesto, cada
palavra, cada ritual, cada prática. Devemos repensar nossa forma de
comunicar o evangelho, que parte da realidade bíblica e busca uma aplicação
na vida atual. Lembrando que por muito tempo, pregar era informar as pessoas
a respeito das verdades do evangelho. Mas se você deseja plantar igrejas,
precisa aprender a desafiar seus ouvintes a serem praticantes da palavra.
Este é o momento, no início do projeto de plantação, na formação do grupo
base, que deve partir da realidade à sua volta, dos últimos acontecimentos, dos
fatos mais marcantes, das músicas e filmes que mais bem expressam o que a
comunidade onde a nova igreja está localizada pensa, para então apresentar a
resposta bíblica para tudo isso. Se não for capaz de reler o que a comunidade
lê, rever o que o ela vê, reouvir o que ela ouve, não apenas como forma de
entender o que pensa, mas usar tudo isso como ponto de contato e como
forma de alcançar as pessoas carentes de Cristo.
A encarnação de Cristo é um exemplo para todo plantador de igreja. Se ele,
sendo filho de Deus, abriu mão da sua glória e vivenciou de maneira plena e
integral a experiência humana, nós, como plantadores de igreja, também
devemos descer do confortável pedestal eclesiástico que geralmente nos
abriga e protege e, corajosamente, esvaziar-nos a nós mesmos, tornando-nos
mais servos e mais semelhantes as pessoas onde Deus nos envia com uma
missão. As igrejas que fazem diferença no mundo são aquelas que vivem para
servir e a encarnação é condição essencial para o serviço. O apóstolo João
descreve a grande comissão dizendo: “Assim como o Pai me enviou eu
também vos envio” ( João 20:21). Que Deus nos ajude a plantar igrejas mais
interessadas na glória do Pai, seguindo o exemplo do Filho, no poder do
Espírito. Lembrando que somos instrumentos em suas mãos, porque somente
ele edifica sua igreja.

Will Mancini, Church Unique, Jossey Bass, 2008

Hunsberger Van Gelder, Teh Church between Gospel & Culture, Eerdmans Publising, 1996

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