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O Deus Bendito que nos Escolheu (Ef 1.

1-14)

INTRODUÇÃO GERAL: (EF 1.1-2).


A Epístola aos Efésios é de uma beleza incomparável em sua relação vital entre
teologia e vida cristã. Paulo ao escrevê-la, inspirado por Deus, trata de assuntos que
permeiam o propósito eterno de Deus o qual é pleno de sabedoria, bondade, justiça
e amor. Ao mesmo tempo o Apóstolo discorre sobre temas vivenciados cotidiana-
mente por todos os seres humanos: questões comportamentais, relação familiar –
com todos os seus ingredientes –, vida social e, a vida religiosa. Possivelmente, em
Efésios, entre todas as epístolas paulinas, tenhamos de forma mais contundente a
simbiose entre doutrina e vida cristã; conhecimento de Deus e prática de vida. Ela é
um sublime e majestoso tratado teológico-devocional. John Stott inicia o seu Comen-
tário, dizendo que “A carta aos Efésios é um resumo, muito bem elaborado das
boas novas do cristianismo e de suas implicações. Ninguém pode lê-la sem
ser compelido a adorar a Deus e a ser desafiado a melhorar a sua vida cris-
1
tã”. Nesta epístola temos uma relação direta entre a doutrina, o culto e a vida. De
fato, a dissociação entre esses três elementos, sempre que ocorre conduz-nos a
2
uma atrofia espiritual que prejudica todo o corpo. Calvino (1509-1564) resume: “O
genuíno propósito da doutrina é adequar nossa união a fim de desenvolver-
3
mos o varão perfeito, à medida da plena maturidade (Ef 4.14)”.

O Deus glorioso, os Seus feitos redentores e as implicações destas realidades na


vida da igreja se constituem no grande tema de Efésios: ela é essencialmente teoló-
gica. A Pessoa do Deus Bendito (Ef 1.3) perpassa todos os versos da Epístola con-
duzindo-nos à gratidão por Deus ter-nos, por graça, propiciado conhecê-Lo por in-
termédio de Seus atos abençoadores. A sublimidade de Efésios está no Seu conte-
4
údo e este, alimenta e fortalece a nossa fé.

Efésios pode ser considerada “uma das mais divinas composições do ho-

1
John R.W. Stott, A Mensagem de Efésios, São Paulo: ABU Editora, 1986, p. 1. À frente: “A carta in-
teira, portanto, é uma combinação magnífica da doutrina cristã e do dever cristão, da fé
cristã e da vida cristã, daquilo que Deus fez através de Cristo e do que nós devemos ser e
fazer em decorrência” (John R.W. Stott, A Mensagem de Efésios, p. 9).
2
“A fé envolve a verdade de Deus (doutrina), encontro com Deus (culto) e servir a Deus (vi-
da). A inseparabilidade desses três elementos é vista repetidas vezes nas Escrituras e na histó-
ria do povo de Deus” (W. Robert Godfrey, A Reforma do Culto: In: James M. Boice, et. al. eds. Re-
forma Hoje, São Paulo: Editora Cultura Cristã, 1999, p. 155).
3
João Calvino, Exposição de Hebreus, São Paulo: Paracletos, 1997, (Hb 5.12), p. 141.
4
“A sublimidade do estilo e linguagem corresponde com a sublimidade dos temas, e exce-
de a quase todas outras suas Epístolas. É mui justo que aqueles aos quais escreveu, fossem
cristãos por longo tempo alicerçados na fé” (R. Jamieson, et. al. Comentario Exegetico y Explica-
tivo de la Biblia, 6ª ed. Buenos Aires: Casa Bautista de Publicaciones, 1977, Vol. 2, p. 268).
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mem”. Como curiosidade cito que João Knox (1514-1572), o pai do presbiteria-
nismo, quando estava moribundo, em seu leito, frequentemente pedia que os “Ser-
mões sobre a Carta aos Efésios”, de Calvino (1509-1564), fossem lidos perante
6
ele.

Analisemos o capítulo primeiro da Epístola sob a perspectiva que nos parece o


tema da Carta: O Deus Bendito:

“Paulo, apóstolo de Cristo Jesus por vontade de Deus, aos santos que vivem em
Éfeso e fiéis em Cristo Jesus” (Ef 1.1).

Por força de ofício participo de alguns eventos acadêmicos. Observo que na a-


presentação do preletor ou conferencista destacam-se os seus títulos mais importan-
tes, cargo que ocupa ou função que exerce. Em geral, acredito, isto predispõe posi-
tivamente o auditório a ouvi-lo com atenção considerando-o uma autoridade no as-
sunto.

O mesmo fazemos quando nos deparamos com um livro que nos chama a aten-
ção, porém, escrito por um autor desconhecido. Tendemos a examinar quem é o au-
tor, quem o apresenta, sua formação, instituição em que trabalha, livros publicados,
etc.

Paulo inicia a Epístola como de costume, identificando-se e, apresentando o que


considera o mais importante para os seus leitores: a fonte de sua autoridade apostó-
lica; a sua vocação por vontade de Deus: “Paulo, apóstolo de Cristo Jesus por von-
7
tade de Deus” (Ef 1.1/Rm 1.1-5; 1Co 1.1; 2Co 1.1; Cl 1.1; 2Tm 1.1). “O apostola-
do de Paulo era algo para o louvor de Deus, porquanto ele foi transformado
8
de inimigo em servo”.

A sua mensagem não era uma nova filosofia resultante de suas reflexões autô-

5
Samuel T. Coleridge (1772-1834). Apud William Barclay, El Nuevo Testamento Comentado, Buenos
Aires: La Aurora, 1974, Vol. 10, p. 69; Broadus D. Hale, Introdução ao Estudo do Novo Testamento,
Rio de Janeiro: JUERP., 1983, p. 268; F.F. Bruce, El Mensaje del Nuevo Testamento, Buenos Aires:
Ediciones Certeza, 1975, p. 49; William Hendriksen, Efésios, São Paulo: Casa Editora Presbiteriana,
1992, p. 41.
6
Cf. Broadus D. Hale, Introdução ao Estudo do Novo Testamento, p. 268; William Barclay, El Nuevo
Testamento Comentado, Vol. 10, p. 69.
7
“Paulo, servo de Jesus Cristo, chamado para ser apóstolo, separado para o evangelho de Deus, 2 o
qual foi por Deus, outrora, prometido por intermédio dos seus profetas nas Sagradas Escrituras, 3
com respeito a seu Filho, o qual, segundo a carne, veio da descendência de Davi 4 e foi designado Fi-
lho de Deus com poder, segundo o espírito de santidade pela ressurreição dos mortos, a saber, Jesus
Cristo, nosso Senhor, 5 por intermédio de quem viemos a receber graça e apostolado por amor do
seu nome, para a obediência por fé, entre todos os gentios” (Rm 1.1-5). “Paulo, chamado pela vonta-
de de Deus para ser apóstolo de Jesus Cristo, e o irmão Sóstenes” (1Co 1.1). “Paulo, apóstolo de
Cristo Jesus pela vontade de Deus, e o irmão Timóteo, à igreja de Deus que está em Corinto e a to-
dos os santos em toda a Acaia” (2Co 1.1). “Paulo, apóstolo de Cristo Jesus, por vontade de Deus, e o
irmão Timóteo” (Cl 1.1). “Paulo, apóstolo de Cristo Jesus, pela vontade de Deus, de conformidade
com a promessa da vida que está em Cristo Jesus” (2Tm 1.1).
8
João Calvino, Gálatas, São Paulo: Paracletos, 1998, (Gl 1.24), p. 45.
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nomas ou experiência mística ou mesmo de vida, antes, ele falava em nome de
Deus; da parte de Deus: era de fato um enviado de Deus.

Aplicando o que o apóstolo nos ensina, devemos frisar que da mesma forma, o
pregador proclama a Palavra de Deus. Para que isto seja feito com fidelidade, é ne-
cessária uma interpretação cuidadosa do texto Bíblico, considerando o seu contexto,
uma exegese bem feita, a fim de que ensinemos com fidelidade o que o texto diz. O
sermão parte do texto; é preciso cultivar a honestidade para com o texto respeitan-
10
do-o dentro do seu contexto. Portanto, devemos permanecer fiéis ao texto; somos
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servos do texto, não o seu senhor. Deus transforma pecadores por meio de Sua
Palavra, não por intermédio de nosso discurso. “O pregador deve servir ao texto,
12
pois se a Palavra é a presença mediadora de Cristo, o serviço é devido”.
Lutero acentuou que “Não há tesouro mais precioso nem coisa mais nobre na
13
terra e nesta vida do que um verdadeiro e fiel pastor ou pregador”. Barth
(1886-1968) exorta: “Para ser positiva, a pregação deve ser uma explicação
14
da Escritura”. Em outro lugar: “Aquele que deseja pregar deve estudar mui
atentamente seu texto. Em vez de atenção, seria melhor dizer ‘zelo’, ou seja,
esforço de aplicação para descobrir o que se diz neste texto que está aí di-
ante de seus olhos. Para isso é necessário um trabalho exegético, científico.
Porque a Bíblia é também um documento histórico; nasceu em meio da vida
15
dos homens”.

“Por vontade de Deus” (Ef 1.1)

Percebemos logo de início um aspecto fundamental do Deus Bendito: a Sua So-


berania. Ele como Senhor da Igreja é quem vocaciona os Seus servos: “A Deus
pertence com exclusividade o governo de sua Igreja. Portanto, a vocação
16
não pode ser legítima a menos que proceda dele”.

A vocação de Deus antecede à nossa convicção e, ao mesmo tempo, o chamado

9
Lloyd-Jones está correto ao declarar a respeito de sua responsabilidade como pregador: “Não es-
tou aqui para ventilar minhas próprias idéias e teorias, porém para expor a Palavra de Deus”
[D.M. Lloyd-Jones, O Caminho de Deus não o nosso, São Paulo: Publicações Evangélicas Selecio-
nadas, 2003, p. 67].
10
Ver: D.M. LLoyd-Jones, Pregação & Pregadores, São Paulo: Fiel, 1984, p. 145-146.
11
Ver: Walter L. Liefeld, Exposição do Novo Testamento: do texto ao sermão, São Paulo: Vida Nova,
1985, p. 14.
12
Bryan Chapell, Pregação Cristocêntrica, São Paulo: Editora Cultura Cristã, 2002, p. 20.
13
Martinho Lutero, Uma Prédica Para que se Mandem os Filhos à Escola (1530): In: Martinho Lutero:
Obras Selecionadas, São Leopoldo/Porto Alegre, RS.: Sinodal/Concórdia, 1995, Vol. 5, p. 336.
14
Karl Barth, La Proclamacion del Evangelio, Salamanca: Ediciones Sigueme, 1969, p. 22. Ver tam-
bém a página 37.
15
Karl Barth, La Proclamacion del Evangelio, p. 56-57.
16
João Calvino, Gálatas, (Gl 1.1), p. 22. “Entre tantos dotes preclaros com os quais Deus há e-
xornado o gênero humano, esta prerrogativa é singular: que digna a Si consagrar as bocas e
línguas dos homens, para que neles faça ressoar Sua própria voz” [João Calvino, As Institutas,
IV.1.5].
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não cai no vazio; Deus mesmo nos confere esta certeza subjetiva de que foi Ele
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Quem nos chamou para o Seu serviço (Jr 1.5; Gl 1.15; Ef 3.7/Fp 2.13). Deste mo-
do, “.... nenhum homem deve tomar essa honra para si próprio, mas deve es-
perar pela vocação divina, pois Deus é o único que pode legitimar os minis-
18
tros”. Portanto, o que torna uma pessoa capacitada para um ofício, é a vocação
19
de Deus (Hb 5.4).

Paulo diz que é “apóstolo de Cristo Jesus” (Ef 1.1), a Quem ele reconhece como
20
Senhor (ku/rioj) (Ef 1.2). O substantivo a)po/stoloj ocorre 79 vezes no Novo Tes-
tamento, sendo costumeiramente usado por Paulo no início de suas cartas, ainda
21
que não exclusivamente. Ele provém do verbo a)poste/llw, que significa “enviar’,
22
“mandar” (Mt 2.16; 11.10; Jo 1.6; At 3.20).

O apostolado pressupõe a graça de Deus. A sua autoridade está justamente no


fato de que é Deus quem o constitui. É desta forma que Paulo escreve aos Romanos
e aos Gálatas:

“.... Jesus Cristo, nosso Senhor, 5 por intermédio de quem viemos a receber gra-
ça (xá/rij) e apostolado (a)postolh/) por amor do seu nome, para a obediência por
fé, entre todos os gentios” (Rm 1.4-5).

17
“Antes que eu te formasse no ventre materno, eu te conheci, e, antes que saísses da madre, te
consagrei, e te constituí profeta às nações” (Jr 1.5). “Quando, porém, ao que me separou antes de eu
nascer e me chamou pela sua graça, aprouve” (Gl 1.15). “Do qual fui constituído ministro conforme o
dom da graça de Deus a mim concedida segundo a força operante do seu poder” (Ef 3.7). “Porque
Deus é quem efetua em vós tanto o querer como o realizar, segundo a sua boa vontade” (Fp 2.13).
18
João Calvino, Efésios, São Paulo: Paracletos, 1998, (Ef 1.1), p. 22. “O que torna válido um ofí-
cio é a vocação, de modo que ninguém pode exercê-lo correta ou legitimamente sem an-
tes ser eleito por Deus (...). Nenhuma forma de governo deve ser estabelecida na Igreja se-
gundo o juízo humano, senão que os homens devem atender à ordenação divina; e, ainda
mais, que devemos seguir um procedimento de eleição preestabelecido, para que ninguém
procure satisfazer seus próprios desejos. (...) Segundo é a promessa de Deus de governar sua
Igreja, assim ele reserva para si o direito exclusivo de prescrever a ordem e forma de sua
administração” [João. Calvino, Exposição de Hebreus, São Paulo: Paracletos, 1997, (Hb 5.4), p.
127-128].
19
“Ninguém, pois, toma esta honra (sumo-sacerdócio) para si mesmo, senão quando chamado por
Deus, como aconteceu com Arão” (Hb 5.4).
20
A idéia de ku/rioj quando aplicada a Jesus no sentido mais profundo e denso, correspondia não
ao grego comum, mas, sim, ao hwhy do Antigo Testamento. É oportuno realçar que muitas das refe-
rências feitas a Jesus como Senhor consistem em citações de textos do Antigo Testamento que refe-
riam-se a Deus (Vejam-se: At 2.20-21; Rm 10.13 [Jl 2.31-32]; 2Ts 1.7-10; 1Co 5.5; 2Ts 1.7-10 [Is
66.6] 1Pe 3.15 [Is 8.13]. Por isso, em diversos textos do Novo Testamento a identificação de Cristo
com o Pai e tão evidente que, não se tem certeza se o título “Senhor” está sendo empregado para o
Pai ou para o Filho. (At 1.24; 2.47; 8.39; 9.31; 11.21; 13.10-12; 16.14; 20.19; 21.14; Rm 14.11). (Veja-
se: Hermisten M.P. Costa, Eu Creio, São Paulo: Paracletos, 2002).
21
1Co 1.1; 4.9; 9.1,2,5; 12.28,29; 15.7,9; 2 Co 1.1; Gl 1.1,17,19. Ef 1.1; 2.20; 3.5; 4.11; Fp 2.25; Cl
1.1; 1Ts 2.7; 1Tm 1.1; 2Tm 1.1; Tt 1.1
22
Primariamente, no grego secular, a palavra tinha o sentido de enviar um navio de carga ou uma fro-
ta. Somente mais tarde é que a palavra passou a indicar uma pessoa enviada, um emissário. Ver: E.
von Eicken, et. al. Apóstolo: In: Colin Brown, ed. ger. O Novo Dicionário Internacional de Teologia do
Novo Testamento, São Paulo: Vida Nova, 1981-1983, Vol. I, p. 234-239.
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“Paulo, apóstolo (a)po/stoloj), não da parte de homens, nem por intermédio de


homem algum, mas por Jesus Cristo e por Deus Pai, que o ressuscitou dentre os
mortos” (Gl 1.1).
23
Segundo Charles Hodge, a palavra apóstolo é usada em três sentidos especiais
no Novo Testamento:

a) Em seu sentido primário de mensageiro: Jo 13.16; Fp 2.25; 2Co 8.23;


b) No sentido de missionários, homens enviados pela igreja para pregar o Evan-
gelho. É neste sentido que Paulo e Barnabé são chamados apóstolos (At
24
14.4,14); bem como Andrônico e Júnias (Rm 16.7) e, penso eu, possivel-
25
mente, Silas e Timóteo (1Ts 2.6/1Ts 1.1/At 17.1-4,10,14).
c) No sentido de “plenipotenciários de Cristo”; homens aos quais Ele pessoal-
mente escolheu e enviou investido-lhes com toda autoridade para ensinar e
governar em Seu nome. Neste sentido, a palavra é empregada para referir-se
aos doze apóstolos, aqueles que foram testemunhas de sua vida, morte e res-
surreição: Jo 15.26; At 1.22; 2.32; 3.15; 13.31; 26.16; 1Co 9.1; Gl 1.12. Guia-
dos pelo Espírito, a sua função primordial era dar testemunho do que viram e
experimentaram em companhia de Jesus Cristo, culminando com a Sua morte
e ressurreição.

O apostolado, portanto, sempre pressupõe alguém que o antecede, que o envia.


Biblicamente ninguém é apóstolo de si mesmo. Também, o apóstolo não é maior do
que aquele que o envia, como nos ensina Jesus Cristo: “Em verdade, em verdade
vos digo que o servo não é maior do que seu senhor, nem o enviado (apo/stoloj),
maior do que aquele que o enviou (pe/mpw)” (Jo 13.16). Por isso o enviado, busca a
glória daquele que o enviou: “Quem fala por si mesmo está procurando a sua própria
glória; mas o que procura a glória de quem o enviou (pe/mpw), esse é verdadeiro, e
nele não há injustiça” (Jo 7.18).

Paulo diz-se apóstolo pela “vontade” (Qe/lhma) de Deus. Este substantivo é deri-
vado do verbo Qe/lw, que significa “vontade”, “desejo”, “intenção”. Apesar do verbo
ser amplamente empregado na literatura clássica, o substantivo Qe/lhma aparece
raramente. No Novo Testamento ele ocorre 61 vezes [o verbo 207 vezes]. Mesmo
sendo esta palavra utilizada para a vontade do homem, ela é predominantemente a-
tribuída a Deus; e, neste sentido, enfatiza mais o elemento volitivo do que o delibera-
tivo, assinalando que Deus cumprirá a Sua vontade, o Seu propósito.

23
Charles Hodge, “Epistle to the Ephesians,” The Master Christian Library, (Albany, OR: Ages Sof-
ware, 2000, Version 8), (Ef 1.1), p. 20-21. Veja também: Charles Hodge, Commentary on the Epistle
to the Romans, Grand Rapids, Michigan: Eerdmans, 1994 (Reprinted), (Rm 1.1). p. 15-17.
24
Júnias é nome masculino, forma contraída de Junianus (Cf. A.F. Walls, Andrônico e Júnias: In:
J.D. Douglas, ed. org. O Novo Dicionário da Bíblia, São Paulo: Junta Editorial Cristã, 1966, Vol. I, p.
79).
25
“Embora pudéssemos, como enviados (a)po/stoloj) de Cristo, exigir de vós a nossa manutenção,
todavia, nos tornamos carinhosos entre vós, qual ama que acaricia os próprios filhos” (1Ts 2.6).
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A vontade de Deus revelada em seu apostolado não era mera abstração, algo dis-
tante e apenas virtual, antes se materializava no seu sincero esforço por discernir a
vontade de Deus em seus propósitos por mais santos que estes lhes parecessem.
Ilustremos: Paulo desejava muito visitar a Igreja de Roma que ele mesmo não co-
nhecera ainda que tivesse muitos irmãos ali congregados. Ele orava já há algum
tempo sobre este assunto: “Porque Deus, a quem sirvo em meu espírito, no evange-
lho de seu Filho, é minha testemunha de como incessantemente faço menção de
vós em todas as minhas orações, suplicando que, nalgum tempo, pela vontade
(qe/lhma) de Deus, se me ofereça boa ocasião de visitar-vos” (Rm 1.9-10).

Quando Paulo estava em Corinto acredita ter uma boa oportunidade de visitar
Roma. Contudo, antes deve passar pela Judéia para levar as ofertas para os santos
dali. Sua trajetória seria arriscada visto ter muitos inimigos na região. Ele então pede
aos crentes romanos: “30 Rogo-vos, pois, irmãos, por nosso Senhor Jesus Cristo e
também pelo amor do Espírito, que luteis juntamente comigo nas orações a Deus a
meu favor, 31 para que eu me veja livre dos rebeldes que vivem na Judéia, e que es-
te meu serviço em Jerusalém seja bem aceito pelos santos; 32 a fim de que, ao visi-
tar-vos, pela vontade (qe/lhma) de Deus, chegue à vossa presença com alegria e
possa recrear-me convosco” (Rm 15.30-32).

Ainda que nossos propósitos sejam santos, nem sempre é fácil discernir a vonta-
de de Deus. Paulo cria ter boa ocasião para conhecer os irmãos de Roma, acredita-
va ter uma mensagem para eles, contudo, deseja saber se esta era a vontade de
Deus naquelas circunstâncias. Ele só pôde ter esta certeza depois de preso, quando
o próprio Senhor lhe garantiu que assim se sucederia. Todavia, não como Paulo,
26
possivelmente desejava ou esperava (At 23.11).

“Aos santos (...) e fiéis (crentes) em Cristo Jesus” (Ef 1.1)

Paulo destina a sua Carta aos “santos” (a)/gioj). e “fiéis” (pisto/j). (Ef 1.1). Ou se-
ja, os efésios, como igreja de Cristo é toda ela santa, é separada para Deus. De fato,
todos os crentes, sem exceção, foram separados do mundo, da maldição resultante
do pecado, para Deus; pertencemos a Deus. Já não somos do mundo, conforme Je-
27
sus Cristo mesmo declara ao Pai em oração (Jo 17.14). Fomos separados, tirados
do domínio do mundo para Deus (Gl 1.4). Esta santidade implicará em atitudes con-
dizentes com a riqueza desta bênção.

Os membros da Igreja são fiéis a Cristo, são crentes em Cristo. Os santos são
28
crentes. Não há crente que não seja santo e não há santo que não seja crente.
Similarmente Paulo fala aos colossenses: “Aos santos e fiéis irmãos em Cristo que

26
“Na noite seguinte, o Senhor, pondo-se ao lado dele, disse: Coragem! Pois do modo por que deste
testemunho a meu respeito em Jerusalém, assim importa que também o faças em Roma” (At 23.11).
27
“A primeira coisa que verdadeiramente caracteriza o cristão é que ele não é deste mun-
do, e não lhe pertence” [D.M. Lloyd-Jones, Seguros Mesmo no Mundo, São Paulo: Publicações
Evangélicas Selecionadas, 2005 (Certeza Espiritual: Vol. 2), p. 25].
28
Calvino resume: “Nenhuma pessoa crente deixa de ser igualmente santa; em contraparti-
da, nenhuma pessoa santa deixa de ser igualmente crente” (João Calvino, Efésios, São Paulo:
Paracletos, 1998, (Ef 1.1), p. 22).
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se encontram em Colossos….” (Cl 1.2).

Como a palavra fiel também tem o sentido de fidelidade, devemos enfatizar que a
nossa santidade não é um status nominal vazio, antes, se revela em nossa fé em
29
Cristo (sabemos em quem cremos) e em nossa integridade; os santos são dignos
de crédito. Deus é absolutamente fiel (1Co 1.9; 2Tm 2.13; Hb 10.23); nEle podemos
crer porque nEle não há dolo, injustiça ou incapacidade em cumprir o que prometeu.
O nosso consolo nas provações repousa na fidelidade de Deus (1Co 10.13/2Ts 3.3).
“Deus age consistentemente consigo mesmo, e jamais poderá desviar-se do
30
que ele disser”.

O Novo Testamento destaca alguns homens que se revelaram fiéis no desempe-


nho de suas responsabilidades: Timóteo (1Co 4.17); Tíquico (Ef 6.21; Cl 4.7); Epa-
fras (Cl 1.7); Onésimo (Cl 4.9); Moisés (Hb 3.5); Silvano (1Pe 5.12).

Um texto basilar sobre a fidelidade dos servos de Deus é 1Co 4.2, quando Paulo
instrui: “Ora, além disso, o que se requer dos despenseiros é que cada um deles se-
ja encontrado fiel (pisto/j)” (1Co 4.2).

“Graça a vós outros e paz, da parte de Deus, nosso Pai, e do Senhor Jesus Cris-
to” (Ef 1.2).

Como de costume Paulo saúda os irmãos com a “graça” (xá/rij) e a “paz”


(ei)rh/nh): “Graça a vós outros e paz, da parte de Deus, nosso Pai, e do Senhor Je-
sus Cristo” (Ef 1.2). Paulo toma essas duas palavras – Graça (= saúde), que era a
saudação dos gregos e, Paz, saudação dos judeus –, conferindo um sentido teológi-
co: a paz é resultado da graça de Deus. Notemos que nas saudações de Paulo, ele
nunca inverte esta ordem: a paz com Deus é resultado de Sua própria graça. Deve-
mos observar, contudo, que a paz aqui, deve ser entendida como o equivalente he-
31
braico, {Olf$ (shãlôm), “prosperidade espiritual”. A paz como resultado da graça
pressupõe um estado anterior de inimizade. O Pecado nos colocou num estado de
inimizade, hostilidade e ódio para com Deus: estávamos separados de Deus (Is

29
“O cristão é alguém que crê em certas verdades específicas; e a essência da sua crença
centraliza-se na Pessoa do nosso Senhor Jesus Cristo. O cristão, o santo, é ‘cheio de fé’.”
(D.M. Lloyd-Jones, O Supremo Propósito de Deus, São Paulo: Publicações Evangélicas Seleciona-
das, 1996, p. 29).
30
João Calvino, O Livro dos Salmos, São Paulo: Paracletos, 1999, Vol. 2, (Sl 62.11), p. 581.
31
Shãlôm, que ocorre certa de 250 vezes no Antigo Testamento, tem o sentido de: “inteireza, integri-
dade, harmonia e realização”. Na forma de saudação, podemos observar que, desejar shãlôm é o
mesmo que abençoar (2Sm 15.27); retê-lo, eqüivale a amaldiçoar (1Rs 2.6). “Shalõm realmente
significa tudo quando contribui para o bem do homem, tudo que faz com que a vida seja
verdadeiramente vida” (William Barclay, As Obras da Carne e o Fruto do Espírito, São Paulo: Vida
Nova, 1985, p. 82-83). No entanto, o principal sentido da palavra está relacionado à atividade de
Deus na aliança da graça: “Em quase dois terços de suas ocorrências, shãlôm descreve o es-
tado de plenitude e realização, que é resultado da presença de Deus” [Garry G. Lloyd, Shã-
lêm: In: R. Laird Harris, et. al., eds. Dicionário Internacional de Teologia do Antigo Testamento, São
Paulo: Vida Nova, 1998, p. 1573]. A origem desta paz está em Deus mesmo.
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32 33
59.2). O homem encontrava-se num estado de rebelião contra Deus (Is 65.2).
Portanto, a graça que nos vem por Cristo Jesus propiciou de forma eficaz a nossa
reconciliação com Deus conduzindo-nos à paz. Agora, reconciliados do Deus, vive-
mos paz, confiando inteiramente em Sua promessa. A paz da reconciliação conduz-
34
nos à paz interior e, em todas as nossas relações: “Não há nenhuma paz ge-
nuína que seja desfrutada neste mundo senão na atitude repousante nas
promessas de Deus. Os que não lançam mão delas podem ser bem sucedi-
dos por algum tempo em abafar ou expulsar os terrores da consciência, mas
35
sempre deixarão de desfrutar do genuíno conforto íntimo”.

A graça de Deus sempre antecede a paz. Fomos reconciliados com Deus por Sua
graça. Somos, portanto, agraciados com a paz. “O primeiro e mais importante
aspecto desta paz com Deus não é a paz do nosso coração, mas o fato de
36
que Deus está em paz conosco”.

Algumas aplicações:

1. Devemos ter sempre diante de nós o senso da soberania de Deus.

2. Quando Deus nos chama ao Seu serviço Ele nos qualifica para realizá-lo.

3. Deus deseja de nós fidelidade no desempenho de nossa missão.

4. Ainda que nem sempre seja algo imediato, o fato é que a vocação de Deus se-
rá sempre acompanhada desta certeza.

5. A Igreja de Deus é composta por todos aqueles que foram separados por Deus
para viverem de forma íntegra: os santos são os crentes em Cristo.

6. A fidelidade de Deus é o modelo que devemos buscar seguir e, ao mesmo


tempo, é na fidelidade de Deus que encontramos o conforto em nossas adver-
sidades.

7. A nossa paz com Deus é uma conquista da graça de Deus em Cristo Jesus.

****

No verso primeiro o Apóstolo fala sobre aquilo que somos em Cristo (santos e fi-

32
“.... as vossas iniqüidades fazem separação entre vós e o vosso Deus; e os vossos pecados enco-
brem o seu rosto de vós, para que vos não ouça” (Is 59.2).
33
“Estendi as mãos todo dia a um povo rebelde, que anda por caminho que não é bom, seguindo os
seus próprios pensamentos” (Is 65.2).
34
Veja-se: D.M. Lloyd-Jones, O Supremo Propósito de Deus, São Paulo: Publicações Evangélicas
Selecionadas, 1996, p. 40.
35
João Calvino, O Livro dos Salmos, São Paulo: Paracletos, 1999, Vol. 2, (Sl 51.8-9), p. 436.
36
Francis A. Schaeffer, A Obra Consumada de Cristo: A verdade de Romanos 1-8, São Paulo: Cultu-
ra Cristã, 2003, p. 123.
O Deus Bendito que nos Escolheu – Estudos sobre Efésios 1 (1) – Rev. Hermisten – 05/04/09 – 9

éis); no verso dois ele menciona os efeitos daquilo que somos: temos paz com Deus.
37
Agora, nesta nova seção, ele vai descrever o que possibilitou tudo isso. Paulo ini-
cia a sua maravilhosa doxologia (Ef 1.3-14) bendizendo a Deus, demonstrando que
Deus é digno de ser bendito.

Ao considerar o que vai expor, já, antecipadamente cultua a Deus; somente o


Deus bendito poderia ter feito e continua fazendo o que ele, Paulo, vai narrar.

A palavra bendito, (Eu)loghto\j = “louvado”, “bem-aventurado”) (Hebraico: Baruk;


Latim: Benedictus) ocorre 8 vezes no Novo Testamento e é sempre usada para
38
Deus (Mc 14.61; Lc 1.68; Rm 1.25; 9.5; 2Co 1.3; 11.31; Ef 1.3; 1Pe 1.3 ). Somente
Deus é Bendito, Aquele que deve ser louvado. A fraseologia desta saudação, tam-
bém empregada em 2Co 1.3, assemelha-se à construção de Pedro em 1Pe 1.3.

Na Epístola aos Coríntios, Paulo bendiz a Deus considerando o fato de que é Ele
quem nos conforta em toda a nossa tribulação: “Bendito (Eu)loghto\j) seja o Deus e
Pai de nosso Senhor Jesus Cristo, o Pai de misericórdias e Deus de toda consola-
ção!” (2Co 1.3).

Pedro bendiz a Deus considerando a nossa regeneração efetuada pela misericór-


dia de Deus, para que tenhamos uma viva esperança por intermédio da ressurreição
de Cristo: “Bendito (Eu)loghto\j) o Deus e Pai de nosso Senhor Jesus Cristo, que,
segundo a sua muita misericórdia, nos regenerou para uma viva esperança, median-
te a ressurreição de Jesus Cristo dentre os mortos” (1Pe 1.3).

Paulo diz que Deus, o Pai, tem, ao longo da história, manifestado as suas bên-
çãos eternas para conosco – Paulo, os efésios e todos os santos em todos os tem-
pos – nas regiões celestiais em Cristo Jesus. Notemos aqui, que Deus é Pai do
“nosso Senhor Jesus Cristo” (path\r tou= kuri/ou h)mw=n )Ihsou= Xristou=). Esta de-
39
claração aponta para a divindade do Filho: Deus é Pai do Senhor Jesus.

Paulo contemplando a extensão da obra do Deus triúno de eternidade a eternida-


40
de efetuando a nossa eleição, dá graças a Deus. (Ver o Salmo 103). Ele vai com-

37
Veja-se: D.M. Lloyd-Jones, O Supremo Propósito de Deus, São Paulo: Publicações Evangélicas
Selecionadas, 1996, p. 45.
38
“Ele (Jesus), porém, guardou silêncio e nada respondeu. Tornou a interrogá-lo o sumo sacerdote e
lhe disse: És tu o Cristo, o Filho do Deus Bendito? (Eu)loghto\j)” (Mc 14.61). “Bendito (Eu)loghto\j)
seja o Senhor, Deus de Israel, porque visitou e redimiu o seu povo” (Lc 1.68). “Pois eles mudaram a
verdade de Deus em mentira, adorando e servindo a criatura em lugar do Criador, o qual é bendito
(Eu)loghto\j) eternamente. Amém!” (Rm 1.25). “Deles são os patriarcas, e também deles descende o
Cristo, segundo a carne, o qual é sobre todos, Deus bendito (Eu)loghto\j) para todo o sempre. A-
mém!” (Rm 9.5). “Bendito (Eu)loghto\j) seja o Deus e Pai de nosso Senhor Jesus Cristo, o Pai de mi-
sericórdias e Deus de toda consolação!” (2Co 1.3). “O Deus e Pai do Senhor Jesus, que é eternamen-
te bendito (Eu)loghto\j), sabe que não minto” (2Co 11.31). “Bendito (Eu)loghto\j) o Deus e Pai de
nosso Senhor Jesus Cristo, que, segundo a sua muita misericórdia, nos regenerou para uma viva es-
perança, mediante a ressurreição de Jesus Cristo dentre os mortos” (1Pe 1.3).
39
Ver: William Hendriksen, Efésios, São Paulo: Casa Editora Presbiteriana, 1992, (Ef 1.3), p. 93-94.
40
Ver: R.C.H. Lenski, The Interpretation of St. Paul´s Epistles to the Ephesians, Peabody, Massachu-
setts: Hendrickson Publishers, 1998, (Ef 1.3), p. 349.
O Deus Bendito que nos Escolheu – Estudos sobre Efésios 1 (1) – Rev. Hermisten – 05/04/09 – 10

partilhar com os santos crentes as bênçãos de Deus a fim de que estes também te-
41
nham os seus corações inflamados pelo mesmo espírito de gratidão e louvor. O
ato de bendizer antecedendo ao que o motivou a esta atitude predispõe os seus lei-
tores a ficarem mais atentos ao que Paulo vai descrever. Os eleitos bendizem a
Deus pelo que Ele é e pelo que Ele fez por nós. A gratidão deve nortear o nosso re-
lacionamento com Deus. “Não há um caminho mais direto (à gratidão), do que
o de tirarmos nossos olhos da vida presente e meditar na imortalidade do
42
céu”.

Destaca como a grande bênção a nossa eleição eterna em Cristo: “Assim como
nos escolheu nele antes da fundação do mundo” (4). É a partir desta grande bênção
eterna que nos advém todas as demais que nos serão comunicadas na história.

Analisemos alguns aspectos desta doutrina à luz deste texto bíblico. Ele fala da
doutrina da Eleição. Aqui entramos em terreno difícil ao nosso entendimento. Pas-
samos do tempo à eternidade, falamos dos desígnios de Deus, entramos em terreno
santo para o qual temos limites, incompreensões e, muitas vezes, pressuposições
que nos afastam da plenitude da revelação bíblica.

Por que então tratar deste assunto? Simples: Porque faz parte da Revelação Bí-
blica. Paulo quando se despede dos presbíteros de Éfeso traz è lembrança de seus
ouvintes: “Jamais deixei de vos anunciar todo o desígnio de Deus” (At 20.27).

Em outro lugar, o apóstolo Paulo diz: “Toda Escritura é inspirada por Deus e útil
para o ensino, (didaskali/a = “instrução”) para a repreensão, para a correção, para
a educação na justiça" (2Tm 3.16).

Entre outras coisas, isto significa que o nosso pensar teológico deverá estar sem-
pre conectado com a fidelidade à Escritura e com o ensino da Palavra; este aspecto
realça a nossa responsabilidade como intérpretes e pregadores da Palavra.
43
Aqui não há lugar para especulação, antes devemos estar comprometidos com
o que Deus nos deu a conhecer na Palavra. Como cristãos, devemos aprender, se
ainda não o fizemos, a nos calar diante do silêncio de Deus, sabendo que o som da
44
nossa voz petulante e "lógica" – em tais circunstâncias –, por si só seria uma "he-
45
resia". Diante da vontade de Deus – que é a causa final de todos os Seus atos –,

41
Ver: João Calvino, Efésios, (Ef 1.3), p. 22.
42
João Calvino, A Verdadeira Vida Cristã, p. 73.
43
“Aprendamos, pois, a evitar as inquirições concernentes a nosso Senhor, exceto até onde
Ele nos revelou através da Escritura. Do contrário, entraremos num labirinto do qual o escape
não nos será fácil” [João Calvino, Romanos, 2ª ed. São Paulo: Parakletos, 2001, (Rm 11.33), p.
426-427].
44
A lógica dirigida pelo espírito de submissão a Deus, sempre será útil; caso contrário, esqueçamo-la.
No entanto, devemos ter em que mente que “não podemos prender Deus na prisão da lógica
humana” (Anthony Hoekema. Salvos pela Graça, São Paulo: Cultura Cristã, 1997, p. 86).
45
Calvino orientou-nos pastoralmente, dizendo que, ”....Que esta seja a nossa regra sacra: não
procurar saber nada mais senão o que a Escritura nos ensina. Onde o Senhor fecha seus
próprios lábios, que nós igualmente impeçamos nossas mentes de avançar sequer um passo
O Deus Bendito que nos Escolheu – Estudos sobre Efésios 1 (1) – Rev. Hermisten – 05/04/09 – 11

temos que manter um reverente silêncio, reconhecendo que Ele assim age, porque
foi do Seu agrado; conforme o Seu santo, sábio e bondoso querer: Isto nos basta!
(Sl 115.3; 135.6; Dn 4.35; Ef 1.11). O que nos compete é procurar entender, por
meio do estudo e da oração, o que Deus quer nos ensinar em "toda a Escritura" e
46
em cada parte da Escritura.

Esta doutrina deve ser estudada não com espírito armado e defensivo, mas em
oração, com o desejo sincero de aprender de Deus a Sua Palavra, certos de que por
meio deste aprendizado, poderemos usufruir de modo consciente as bênçãos que
47
Ele reservou para o Seu povo.

Maringá, 5 de abril de 2009.


Rev. Hermisten Maia Pereira da Costa

a mais” [João Calvino, Exposição de Romanos, São Paulo: Paracletos, 1997, (Rm 9.14), p. 330], Ve-
jam-se também: João Calvino, As Institutas, III.21.4 e III.23.8.
46
Spurgeon (1834-1892) salientou: “Não se deve reter nenhuma doutrina. A doutrina retida,
tão detestável na boca dos jesuítas, não é nem um pouco menos abjeta quando adotada
por protestantes” (C.H. Spurgeon, Lições aos Meus Alunos, São Paulo: Publicações Evangélicas
Selecionadas, 1982, Vol. II, p. 94). “O ensino saudável é a melhor proteção contra as heresias
que assolam à direita e à esquerda entre nós” (C.H. Spurgeon, Lições aos Meus Alunos, Vol. II,
p. 89).
47
“O propósito divino não é satisfazer nossa curiosidade, e, sim, ministrar-nos instrução provei-
tosa. Longe com todas as especulações que não produzem nenhuma edificação” [J. Calvi-
no, As Pastorais, São Paulo: Paracletos, 1998, (2Tm 2.14) p. 233].

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