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Os Dez Mandamentos

Por Cornelius Van Til


__________________________________

Traduzido do Inglês
The Ten Commandments
By Cornelius Van Til

Philadelphia: Westminster Theological Seminary,


Syllabus, 65 pp. 1993

Este raro resumo fornece uma exposição da ética do Decálogo antes que John Murray
começasse a ensinar este curso no STW.

Tradução e Revisão por William Teixeira e Camila Almeida


Edição e Capa por William Teixeira

1ª Edição em Português: Abril de 2016

OEstandarteDeCristo.com © 2016

Salvo indicação contrária, as citações bíblicas nesta tradução são da versão Almeida
Corrigida Fiel | ACF Copyright © 1994, 1995, 2007, 2011 Sociedade Bíblica Trinitariana
do Brasil.

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Sumário
Introdução — Pressupostos
O Primeiro Mandamento — Religião
O Segundo Mandamento — Adoração
O Terceiro Mandamento — Revelação
O Quarto Mandamento — O Sabath
O Quinto Mandamento — Autoridade
O Sexto Mandamento — Vida Humana
O Sétimo Mandamento — Pureza
O Oitavo Mandamento — Propriedade
O Nono Mandamento — Verdade
O Décimo Mandamento — Desejo
Os Dez Mandamentos
Por Cornelius Van Til
Introdução — Pressupostos

1. O principal pressuposto da lei moral é o teísmo Cristão. A única


pergunta suprema que aparece momentaneamente quando a lei é tema de
discussão é se a lei é autossuficiente ou se ela repousa sobre personalidade
absoluta. A questão colocada desta maneira, obriga-nos a ser ou teístas
Bíblicos ou Pragmáticos. Lei que não repousa na personalidade absoluta deve
ter se originado a partir do continuum espaço-tempo de um universo
autossuficiente e é, por esse motivo, suficiente em si mesma. A questão entre
o teísmo Cristão e outro pensamento não é o de personalidade, porque isso
pode significar não mais do que a lei ser baseada na personalidade humana,
ou pelo menos, personalidade finita. As Escrituras contemplam a lei como o
anúncio de Deus como personalidade absoluta.
Como corolário deste pressuposto segue-se que a totalidade do universo
espaço-temporal é criada por Deus. As leis que existem neste universo criado
são manifestações do plano de Deus. A uniformidade da natureza sobre a
qual a ciência tanto fala não existe em independência de Deus, mas existe
como uma expressão de um Deus que ordena. Deus é imanente em Sua
criação. Se alguém quebra uma lei da natureza, quebra uma lei de Deus. A
indiferença para com qualquer lei, seja essa lei física ou normal, é uma ofensa
a Deus. Definir a lei em oposição a Deus é como colocar uma criança em
oposição ao seu pai. Esse foi o pecado do Deísmo. Por outro lado, um Deus
absoluto não pode ser identificado com a lei no universo temporal. John Fiske
tenta interpretar a teologia de Atanásio desta forma, a fim de mostrar que o
[1]
“Teísmo Cósmico” é realmente o teísmo bíblico. Se a interpretação de
Fiske fosse verdadeira, a personalidade absoluta teria que ser — embora isso
seja impossível — negada pelo teísmo. Identificar a lei com Deus é
identificar uma criança com seu pai. Esse foi o pecado do Panteísmo.
Novamente segue-se a partir do pressuposto teístico de um Deus
absoluto que a lei na história é expressiva de um propósito de Deus.
Outrossim, uma visão deísta da história envolve uma separação arbitrária de
Deus e das leis na história incorrendo na destruição de ambos. Por outro lado,
uma visão panteísta da história envolve uma identificação arbitrária de Deus
com as leis da história, o que também incorre na destruição de ambos. Tanto
o Deísmo quanto o Panteísmo buscam elevar a lei, mas ambos destroem a lei
em sua tentativa de elevação. O Teísmo, ao elevar a Deus, também elevou a
lei. Nem o Deísmo nem o Panteísmo podem dizer que a violação da lei é um
insulto a Deus, uma vez que ambos identificaram a lei com Deus. Eles
devem, portanto, dizer que a violação da lei é a violação de Deus, ou seja, a
negação de que Deus existe. Quando isso é feito, a autoridade da lei se vai e a
sua respeitabilidade não pode durar muito.

A autoridade absoluta é, portanto, característica de e implícita na


concepção da lei, no sentido teísta. “Porque no dia em que dela comeres,
certamente morrerás”, não é um comando arbitrário. Qualquer criatura
pecando contra a lei pecou contra um Deus absoluto e uma absoluta
separação de Deus naturalmente se segue.
Assim também a condição da existência do homem e do seu realizar seu
destino é um completo cumprimento da lei de Deus por parte do homem. O
Deísmo e o Panteísmo podem dizer que é aconselhável ao homem ser
obediente à lei, uma vez que ao fazê-lo, ele fará um progresso mais rápido do
que o faria de outra forma, mas apenas o teísmo pode dizer que o homem
destrói a si mesmo se ele é desobediente à lei.
Por assim adulterar a lei, o Deísmo e o Panteísmo estão brincando com
fogo. Mais do que isso, a fim de sustentarem os seus pontos de vista
relativistas da lei, eles devem primeiro sustentar uma visão relativista de
Deus; eles brincam com fogo e estão eles próprios em chamas. Segundo, isso
nos leva ao segundo pressuposto da lei moral, ou seja, o caráter restaurador e
suplementar do Cristianismo. O Cristianismo exige ser restaurador e
suplementar em um teísmo original. Apenas no Cristianismo o homem se
encontra com um Deus absoluto. No que diz respeito à questão da lei, isso
significa que apenas o teísmo Cristão pode falar de lei absoluta ou lei com
autoridade absoluta.
O Cristianismo implica que o homem quebrou a lei devido ao pecado.
Com isso, ele ipso facto destruiu a própria condição de sua existência e
trouxe punição eterna sobre si mesmo. O homem tornou-se um Deísta ou um
Panteísta. Se o homem deveria viver, em absoluto, ele deveria ser restaurado
quanto ao respeito e obediência à lei. Cristo realizou esta restauração. Através
de Seu sofrimento, Ele satisfez a penalidade da lei. Mais do que isso, por
meio de Seu ativo e completo cumprimento da lei, Ele supriu a perfeição
original do homem, para que aqueles que estão em Cristo sejam herdeiros da
vida eterna, sem falha. Através da Sua Palavra e Espírito, Cristo fez “Seus
próprios” participantes da Sua relação correta com a lei.
O homem deve receber o conhecimento da lei a partir das Escrituras.
Originalmente, o homem encontrou na experiência a manifestação e a
resposta espontânea à lei de Deus, mas desde a entrada do pecado, teve que
ser dada uma manifestação objetiva, e uma resposta renovada à lei. A
Escritura, como algo concomitante a Cristo, concede a manifestação objetiva
da lei absoluta e o Espírito de Cristo dá ao homem a renovada resposta
subjetiva quando a lei é vista. Somente os verdadeiros Cristãos são
verdadeiros teístas. Apenas os verdadeiros Cristãos conhecem e obedecem a
lei.
Para ilustrar o ponto do parágrafo anterior, podemos contrastar a
concepção Cristã e Kantiana sobre a lei. A razão para escolher Kant é que ele
é mui geralmente pensado ter um maior respeito pelo caráter absoluto da lei
do que até mesmo um Cristão poderia ter. Se Kant for encontrado ser
antiteísta, a maioria das outras filosofias serão certamente assim. Em primeiro
lugar, então, quanto à origem do conhecimento do homem sobre a lei Kant
olha “para dentro”, enquanto o Cristão olha para a Escritura. Kant pensa que
é possível entrar mediatamente em contato com a lei absoluta, enquanto o
Cristão afirma que o homem, por ser agora um pecador, deve buscar
imediatamente entrar em contato com a lei absoluta. Em outras palavras,
Kant nega que o pecado separou o homem de Deus e, portanto, também de
um verdadeiro conhecimento e respeito pela lei. Consequentemente, Kant
nega que o Cristianismo é objetiva e subjetivamente restaurador de um
verdadeiro teísmo. O “mal radical” de Kant não é radical em absoluto em
comparação com a concepção do pecado como entretida pelo Cristão. O mal
radical de Kant é apenas uma má relação. Que isto é assim é ainda mais claro
se em segundo lugar, observamos que a recusa de Kant de uma epistemologia
Bíblica como falada acima envolve e baseia-se no relativismo em metafísica.
Buscar a solução do mal na experiência, porque alguém considera-o como
um ingrediente erradicável e inerente a toda experiência possível, é negar
qualquer Experiência que seja absoluta. O mal é destrutivo da coerência e
qualquer experiência absoluta deve ser completamente coerente. Daí, dizer
que o mal é inerente a toda experiência possível é negar o absoluto de Deus e,
portanto, o caráter absoluto da lei. Assim, o “du sollst” de Kant é reduzido ao
nível de conselhos pragmáticos. Somente o Cristianismo sabe algo sobre uma
lei absoluta.

As observações anteriores podem ajudar-nos a compreender a


profundidade inclusiva da lei, como promulgada nas Escrituras. Deus dirige-
Se ao homem genericamente, embora diretamente ao “Seu povo” somente.
Todos os homens desobedeceram a lei, ainda assim, todos os homens devem
obedecer à lei. O fato de que o comando vem diretamente ao “povo de Deus”
só é devido à economia da redenção, e não por qualquer diferença de
obrigação entre uma nação e outra. Deus lida com o homem genérica e
federalmente. Novamente, se é verdade que, tanto quanto a demanda
essencial da lei está em causa, não há diferença entre o crente e o não-crente;
é, se possível, mais verdade que a demanda de Deus é a mesma para o povo
de Deus em todas as eras. As várias etapas na economia da redenção não
afetam no mínimo os requisitos da lei de Deus. As várias etapas da economia
da redenção, na medida em que relacionam-se à lei, têm a ver apenas com a
forma da lei. Durante a antiga dispensação houve uma ênfase no exterior e no
nacional. Durante a nova dispensação, a ênfase é sobre o interno e o
universal. Durante o Antigo Testamento, a lei foi dada, em muito,
externamente. Muitas leis cerimoniais foram elevadas, tanto quanto a
necessidade de obediência está em causa, a uma igualdade com os Dez
Mandamentos. Por outro lado, este grande detalhe exterior desapareceu desde
a aparição de Cristo, porque com Ele é dada ao Seu povo uma revelação
objetiva mais clara e mais central da lei de Deus e uma mais profunda, e mais
ricamente espiritual e, portanto, uma resposta subjetiva mais central à lei de
Deus. Assim, na nova dispensação, pode tornar-se necessário, a fim de viver
de acordo com a exigência verdadeiramente espiritual de uma perfeita
obediência, acabar com muitos dos detalhes exteriores da forma da lei do
Antigo Testamento. Paulo diz que é uma negação da obra de Cristo agarrar-se
às exigências do Antigo Testamento depois da vinda de Cristo. O caso é
semelhante no que diz respeito ao nacionalismo do Antigo Testamento. Esse
nacionalismo não é uma negação essencial do alcance universal da lei. Daí o
universalismo do Novo Testamento não se opõe ao nacionalismo do Antigo
Testamento, mas é apenas um florescimento dele.
E se é verdade que, tanto quanto a manifestação objetiva da lei está em
causa, não há diferença essencial entre a Antigo e a Nova dispensação, isso é
igualmente verdade com a resposta subjetiva em cada caso. Não é mais
verdade do Antigo Testamento do que do Novo que uma mera observância
exterior da lei era suficiente. A lei de Deus é sempre espiritual e exige sempre
o amor a Deus como o motivo para a sua realização. Daí, também, não é
verdade que a obediência à lei era uma exigência do Antigo Testamento,
enquanto no Novo Testamento o amor foi substituído pela obediência. A
obediência é amor e o amor é obediência, e somente eles podem responder
adequadamente a uma lei espiritual.
O mesmo ponto em que não há diferença real entre o povo do Antigo e
Cristãos dos dias atuais no que diz respeito à lei de Deus pode ser ilustrado
também apontando para a unidade essencial da lei e do Evangelho. Há uma
grande diferença entre eles, tanto quanto a economia da redenção está em
causa. Disso João fala quando diz que a lei veio por Moisés, mas a graça e a
verdade vieram por Jesus Cristo. Mas o próprio conteúdo do Evangelho é que
Cristo cumpriu a lei. Assim, a alegria do Evangelho é que o homem pode, em
Cristo, conhecer e obedecer à lei e, portanto, viver na presença de Deus para
sempre. Não há Evangelho, senão o que é da lei. Por outro lado, o Evangelho
é lei, porque todos devem obedecê-lo. Em resposta à pergunta dos judeus,
quanto ao que eles devem fazer para realizar as obras de Deus, Jesus
responde que eles devem crer no nome do Filho de Deus.
Ainda mais, se não houver diferença essencial, mas apenas uma
diferença econômica entre a promulgação e a resposta à lei na Antiga e na
Nova dispensações, segue-se que a forma em que a lei pode vir não pode ser
usada como um argumento a favor ou contra a validade da lei. A forma de
propagação da lei no Antigo Testamento era necessariamente exterior e
temporal. As promessas e as ameaças, por exemplo, dizem respeito às coisas
desta vida. A longa vida em Canaã debaixo da videira e da figueira
constituíam a essência da promessa, enquanto a morte corporal era a
substância da punição sob a Antiga dispensação.

Mas esse fato não fez a lei menos espiritual. Canaã aqui embaixo era,
como Abraão viu, profética da futura Canaã, e a morte física é para um
pecador não-reconciliado o portão de entrada para a morte exterior. Isso não
negará devidamente o significado universal e permanente do mandamento
que promete aos filhos uma vida longa e terrena se eles forem obedientes aos
pais pelo fato de que é manifestamente uma promessa do Antigo e não do
Novo Testamento. O cumprimento dessa promessa pode não vir em uma
mesma forma agora, como uma vez veio, mas o cumprimento não é menos
real ou certo.
Um outro ponto deve ser mencionado quanto à forma da lei dada no
Antigo Testamento, e este é que a lei diz constantemente, “tu não irás” em
vez de “tu irás”. Por que essa forma negativa? Para responder a esta pergunta,
devemos recordar o caráter geral do Cristianismo como restaurador de um
teísmo original. Originalmente não havia razão para essa ênfase negativa. O
homem espontaneamente obedecia a lei e na medida em que não havia
ocasião para Deus adicionar mandamentos pela comunicação direta com o
que foi dado ao homem pela criação, as formas positivas e negativas de dar
tais mandamentos poderiam ser equilibradas. Mas com a entrada do pecado, o
homem constantemente evitou e quebrou a lei de Deus. Além disso, a sua
ignorância da verdadeira lei aumentou. Portanto, se Deus deveria trazer a Sua
lei ao conhecimento e obediência do homem, Ele tinha que dizer mais vezes o
que o homem não deve fazer do que o que ele deveria fazer. A criança,
porque é uma criança pecadora, tentará ser uma lei em si mesma. É
impossível, então, que os pais não devam dizer mais frequentemente “não
faça” do que “faça”.
No entanto, este fato não deve nos cegar para a verdade de que é a
obediência positiva, o positivo cumprimento do bem, e não apenas uma
abstenção negativa do mal que Deus requer. Por conseguinte, é necessário
que nós façamos dessa demanda positiva da lei de Deus, o nosso ponto de
partida. Devemos perguntar, no caso de cada mandamento o que é que Deus
quer do homem, a fim de usá-lo como um padrão pelo qual julgar o quão
longe o homem ficou aquém de satisfazer essa demanda.
Quanto ao método, isso é o oposto da filosofia moderna e da psicologia
das escolas religiosas. Eles trabalham com a suposição de que o mal é tão
básico quanto o bem no homem e no universo. Daí eles simplesmente traçam
o caminho pelo qual o homem com o auxílio da lei permitiu a si mesmo
escapar um pouco do controle completo do mal. Do ponto de vista deles, é o
máximo do dogmatismo pressupor que o mal neste universo é devido a uma
deserção humana a partir de um Deus absoluto. Nós, por outro lado
afirmamos que, a menos que isso seja verdade não existe uma lei em absoluto
e toda a moralidade carece de fundamento. Por isso, não podemos fazer
diferente, senão seguir o caminho exigido pelo pressuposto central do teísmo.

A Lei Moral
Antes de iniciar a discussão sobre o Primeiro Mandamento devemos ter
claramente em mente não só o que se entende por lei em geral, mas o que se
entende por lei moral. Nós propositadamente não fizemos distinção entre os
tipos de lei até este ponto, a fim de chamar a atenção para o fato de que um
teísta considera toda lei de forma diferente do que um não-teísta. Mesmo lei
física ou natural significa algo completamente diferente para um teísta
Cristão do que ela significa para um antiteísta. De acordo com o teísmo, o
homem vive e se move e tem a sua existência em uma atmosfera da lei de
Deus, tanto em relação ao seu corpo quanto à sua alma. Viver neste ambiente
significava a sua liberdade, como significa liberdade que um peixe viva em
seu ambiente natural. Mas quando o homem quebrou a lei em um ponto, ele
quebrou em cada ponto. O moral e o físico estão inextricavelmente
interligados. Como profeta, sacerdote e rei, o homem deveria conhecer,
dedicar-se a Deus e governar para Ele todo o universo físico. Mas quando o
homem, devido ao pecado, tornou-se um profeta sem manto, um sacerdote
sem sacrifício e um rei sem coroa, ele trouxe o seu corpo, juntamente com a
sua alma e o universo ao seu redor, juntamente à ruína. Por outro lado, com
Cristo no mundo físico, assim como o corpo do homem bem como a sua
alma, são restaurados às suas relações normais para com a lei de Deus.
Por esta maneira de conceber a relação entre o físico e o moral estamos
novamente em oposição ao pensamento antiteístas que assume que não há
nenhuma conexão entre o físico e o moral. Em todas as discussões por
escritores não-teístas sobre a responsabilidade, enquanto a lei física está em
causa, o homem pode ser tanto um filho da fortuna ou do azar, e nada mais.
Considera-se ser obviamente ridículo pensar sobre a humanidade como se
esta de alguma forma fosse responsável pela fome ou peste. Mas, novamente,
não podemos fazer outra coisa senão sustentar o nosso ponto de vista, uma
vez que faz parte do teísmo Cristão, e o teísmo Cristão parece-nos a filosofia
de vida mais razoável a ser sustentada.

1) Lei Física e Moral


Sustentando, então, a estreita ligação entre e a origem comum e a
autoridade tanto da lei física quando da lei moral, podemos, no entanto,
distinguir entre elas. A lei física é a ordenança de Deus para a criação não-
responsável. A lei moral é a ordenança de Deus para as suas criaturas
racionais. No caso da lei física, Deus não espera uma resposta
autoconsciente, enquanto no caso da lei moral, Ele espera. Na medida, então,
que o homem é capaz — em virtude de sua criação à imagem de Deus — de
reagir conscientemente em qualquer direção à lei de Deus, o homem age
moralmente. Por agir moralmente, nós apenas queremos dizer, neste caso,
que ele age conscientemente a respeito da lei de Deus. Nós não podemos
mesmo dizer que ele age moralmente apenas quando nos preocupamos com
questões de obrigação, enquanto que em assuntos intelectuais, a moralidade
não entra. O homem deve pensar direito, ou seja, ser um verdadeiro profeta; o
homem deve fazer direito; ou seja, ser um verdadeiro rei; e o homem deve
sentir direito, isto é, ser um verdadeiro sacerdote. No sentido mais amplo do
termo, então, toda a resposta autoconsciente à lei de Deus, onde for revelada,
é a ação moral. Quando o termo moral é usado, ele é oposto a não-moral.

2) O Moral e o Religioso
Para o homem como um ser autoconsciente e assim, ser que age
moralmente, havia duas principais esferas de resposta autoconsciente nas
quais ele poderia obedecer à lei de Deus. Havia um aspecto da lei geral de
Deus para o homem que diz respeito mais diretamente à relação do homem
com Deus. Havia um segundo aspecto da lei geral de Deus para o homem que
diz respeito mais diretamente à relação do homem para com o seu
semelhante. Estes aspectos sobrepõem-se, mas é certo que — na medido que
em sentido último toda a lei é a lei de Deus — há uma distinção relativa entre
elas. Quando o homem obedecia ao primeiro aspecto da lei, ele era
verdadeiramente religioso e quando ele quebrava este primeiro aspecto da lei
ele era irreligioso ou falsamente religioso. Quando o homem obedecia ao
segundo aspecto da lei ele era moral no sentido mais estrito do termo e
[2]
quando o homem desobedecia ao segundo aspecto da lei ele era imoral, no
sentido mais estrito do termo. Quando, na linguagem comum, falamos de um
homem sem religião, que é aquele que não atende às devoções, não dizemos
que ele também é um homem imoral, isto é, que ele não pode ser um bom pai
e bom vizinho. Por outro lado, a Escritura e a experiência concedem
numerosas ilustrações daqueles que disseram que o bem que o seu pai ou sua
mãe poderiam aproveitar dele era corbã, e ainda assim se diziam dedicados
ao Senhor. O homem verdadeiramente moral também deve ser um homem
verdadeiramente religioso e o homem verdadeiramente religioso, também
deve ser um homem verdadeiramente moral. Um homem imoral, por mais
que ele pareça ser religioso, é, na verdade, irreligioso, somente peca menos
diretamente contra Deus do que aquele que quebra abertamente a lei de Deus,
na medida em que se refere diretamente à relação do homem para com Deus.

Agora, com estas distinções em mente, ao olhamos para o Decálogo ou


lei “moral”, vemos que os primeiros três mandamentos lidam principalmente
com a religião. Por esta razão eles não são estritamente os mandamentos que
dizem respeito à moralidade. Ainda assim, eles são partes da lei moral, no
sentido mais amplo do termo, desde que na Lei, Deus vem ao homem como
um ser autoconsciente. Em segundo lugar, notamos que os Mandamentos do
Sexto ao Nono lidam mui definitivamente com as normas da relação do
homem para com seu semelhante. Mas, novamente, isso não implica que a
quebra de qualquer uma ou todas essas leis não afeta a sua posição religiosa.
A unidade da lei, nos seus aspectos religiosos e mais definitivamente morais
deve sempre ser mantida em vista. O Quarto e Quinto mandamentos são de
um caráter misto, indicando a estreita união entre o religioso e moral,
enquanto o Décimo mostra claramente que uma e a mesma motivação produz
a verdadeira religião e a verdadeira moralidade.

O quão contrária esta maneira de conectar o religioso e o moral é do


temperamento moderno pode ser visto a partir de um artigo de W. E. Pitkin
na Century Magazine de outubro 1926, em: “Our Moral Anarchy” (Nossa
Anarquia Moral). Das quinhentas pessoas instruídas que responderam a um
questionário sobre o valor relativo dos vários Mandamentos do Decálogo,
não menos do que cento e dois relataram que “eles não poderiam lidar com os
Quatro Primeiros Mandamentos, porque na sua opinião estes não têm
[3]
nenhum valor moral”. Em seguida, havia um grande grupo que lidaria, em
algum sentido, com as duas tábuas da lei, mas que, pelo menos, fariam a
segunda tábua da lei vir em primeiro lugar. Como exemplo destes, ele fala
dos Modernistas. Deles, ele diz: “O que Jesus colocou em primeiro lugar, os
modernistas colocaram em segundo; e o que Jesus colocou em segundo lugar,
[4]
os modernistas colocaram em primeiro”. Adicione a estes os comunistas
morais que professam que não se preocupam com a primeira tábua da lei em
absoluto e a declaração de Pitkin que há cinco modernistas morais e dois
socialistas para cada fundamentalista moral e torna-se evidente que, como
ministros Cristãos, devemos salientar a irreligiosidade da religião sem
moralidade e ressaltar ainda mais a imoralidade da moral sem religião.
Não será possível tentar traçar as várias manifestações da geral
[5]
moralidade autonômica sobre nós hoje. Menos ainda será viável buscar as
razões que acarretam moralidade que, como teístas, nós não podemos deixar
de estar tristes em ver.
A tarefa do ministro do Evangelho é fazer isso em primeiro lugar. Mas
este não é o fim de sua tarefa. Ele deve pregar a demanda total da lei de amar
a Deus acima de tudo e ao próximo como a si mesmo. Como, infelizmente, o
púlpito tem negligenciado a sua missão a este respeito. Há muitos que citam
[6]
superficialmente a lei para defender a Décima Oitava Emenda ou qualquer
outra coisa que chama a sua atenção. Mas que bem fará isso se a congregação
não foi alimentada sobre a pregação da lei no sentido de colocar diante dos
homens todo o seu dever em relação a Deus e ao homem? “À lei e ao
testemunho! Se eles não falarem segundo esta palavra, é porque não há luz
neles” (Isaías 8:20).
O Primeiro Mandamento — Religião

1. Observações
Uma discussão completa sobre o Mandamento exigiria uma exposição
da origem e natureza da religião. Nós apenas discutiremos a natureza da
religião e não a questão da origem. A questão da origem da religião não
surge, porque o teísmo é o pressuposto do Decálogo.
Em segundo lugar, notamos que a resposta que alguém dá à questão da
natureza da religião é também determinada pela sua posição teísta. De acordo
com o teísmo, o homem é inerentemente religioso. Mas há muitos que hoje
[7]
admitirão esse fato e ainda assim não são teístas. A razão para tal visão é o
fato de que a História e a Psicologia não têm sido capazes de encontrar
qualquer fase irreligiosa do desenvolvimento do homem. No entanto, de volta
à História, eles devem posicionar o misterioso vazio. E esse vazio muda a
natureza da religião. No máximo, a religião se torna uma vaga reverência ao
[8]
que é misterioso. O teísmo Cristão, por outro lado, pressupõe Deus de
volta à História. Assim, uma base razoável é dada à religião. Assim, a
natureza da religião é determinada por este fundamento de Deus.

Então, além disso, está envolvido no teísmo que o homem originalmente


tinha a verdadeira religião. Novamente, há muitos não-teístas que admitem
esta alegação. Eles sustentam que todas as religiões são verdadeiras religiões.
Mas o teísta sustenta que apenas o Cristianismo é a religião verdadeira. As
outras religiões são desvios de um teísmo original.
Nós mencionamos este fato porque é bastante comum hoje falar sobre a
religião como se fosse completamente possível determinar a natureza da
religião sem fazer qualquer discussão metafísica. Diz-se que esta é uma
questão para a Psicologia somente. Que tal posição é insustentável é
imediatamente visível se for lembrado que a religião lida com o invisível.
Como a religião diz respeito ao Invisível, nenhuma resposta completa pode
[9]
ser dada pela Psicologia. Nós encontramos ser um fato, então, que algum
tipo de metafísica está sempre envolvido em nosso estudo sobre a natureza da
religião. O assim chamado método científico de determinar a natureza da
religião difere do método teísta na medida em que o “método científico”
assumiu uma metafísica pragmática relativista.
Outros admitirão que uma metafísica está envolvida na determinação da
essência da religião, mas são obrigados a ser “científicos” no método pelo
qual eles estabelecem sua metafísica. Dr. Harry Emerson Fosdick pode servir
como uma ilustração desta forma de lidar com a natureza da religião. Em um
sermão pregado em 9 de novembro de 1930 ele falou da relação do homem
com o Invisível. Ele advertiu contra confiar naqueles que afirmam saber tudo
sobre o Invisível, seja positiva ou negativamente. O Invisível é incerto. No
entanto, podemos estar confiantes em relação a isso. Cada nova revelação que
veio a nós a partir do Invisível mostra que ele é mais maravilhoso do que
antes. Esta posição é dita ser bíblica. Na prova da alegação de que o Invisível
é incerto para nós, as palavras de Cristo: “Meu Deus, meu Deus, por que me
desamparaste”, foram citadas dentre outras.
Agora parece claro que tal sermão não é nem Cristão, nem teísta. Sem
justificação, presume-se que Cristo não é mais que uma personalidade
humana, em vez de uma personalidade Divina, que assumiu a natureza
humana. Sem justificação supõe-se que não existe um Deus absoluto para
quem o invisível é um livro aberto. Se Deus é o que o teísmo sustenta que Ele
seja, a saber, uma personalidade absoluta, a pura religião é determinada pela
relação do homem para com Deus, em vez de para com o Invisível em geral.
O ponto em disputa entre o Modernismo e o Teísmo é o absoluto de Deus;
uma deidade finita, ou o Politeísmo é tudo o que o Modernismo pode
permitir. À primeira vista, parece ser muito científica a referência de base
para o desconhecido exclusivamente sobre os “fatos”. Mas quando os
argumentos baseados nesses “fatos” devem pressupor um completo
relativismo metafísico para a contingência deles, o caráter científico de tais
argumentos é muito prejudicado. Nós não protestamos contra a aceitação do
relativismo ou o seu pressuposto, se apenas for indicado claramente como
isso difere do Cristianismo e do Teísmo tradicional. Se isso fosse feito as
“pessoas comuns” não seriam seduzidas pela terminologia que pareceu
[10]
Cristã. Se isso fosse feito exceto os da “intelligentsia ” seriam desviados
porque, então, veriam as consequências da sua escolha.

2. O que é Comandado
A. Religião Para Adão
A lei que temos foi promulgada após a entrada do pecado. Originalmente
não havia necessidade de uma tal promulgação externa. Adão era
espontaneamente religioso. A lei foi escrita em seu coração. O profeta
Jeremias prometeu que o Messias, em princípio, restauraria esta condição.
Cristo nos deu mais uma vez o verdadeiro amor a Deus e, portanto, também o
amor verdadeiro pela lei de Deus.
Quando a lei tal como a conhecemos diz: “Tu farás, etc.”, ela direciona-
se diretamente ao homem Israelita, e a ninguém mais. Ainda assim, uma vez
que na história Israelita o princípio de redenção é operativo, o homem em
geral não é excluído, mas definitivamente incluído no termo “tu”.
Assim, podemos concluir também com respeito a tudo O que é
Comandado nos vários mandamentos que, mesmo sem a necessidade de
qualquer comando, a relação do homem para com Deus já foi o que está aqui
contemplado na lei.

Por sua vez, agora, para determinar o que a verdadeira religião era no
Paraíso, devemos lembrar que o homem foi criado como profeta, sacerdote e
rei. Como um profeta, o homem tinha que pensar o pensamento de Deus por
ele. Aqui reside o reino do intelecto e da verdade ou ciência. Como um
sacerdote, o homem devia dedicar a si mesmo e toda a criação a Deus. Aqui
está o reino das emoções e da estética ou da arte. Como um rei, o homem
devia reinar sobre toda a criação abaixo de Deus. Aqui está o reino da
vontade e da ação. Mas o intelecto, as emoções e a vontade são apenas
aspectos de um ego central, a personalidade humana. Agora é este o ego
central que é colocado face a face com a personalidade absoluta de Deus no
Primeiro Mandamento. Nos Mandamentos que seguem o homem será
informado sobre as várias maneiras e métodos pelos quais e através dos quais
ele pode ser verdadeiramente religioso na moral, mas neste Mandamento o
homem no mais santo dos santos de seu ser é colocado diretamente face a
face com Deus. A relação do coração do homem para com Deus é tudo o que
realmente importa. Se essa relação é boa, tudo está bem. Se essa relação é
falsa, todo o restante é falso. O homem verdadeiramente religioso é o
verdadeiro homem moral. Ao pregar sobre este mandamento nós não
devemos dizer mais nada, senão acerca dessa relação interna da alma do
homem para com Deus.

Ouve, o Senhor nosso Deus é o único Senhor. Esse foi um refrão


recorrente que veio a Israel. Somente após o homem haver caído em
profundidades inconcebíveis do pecado é que é possível que ele alguma vez
pense em outros deuses. O politeísmo não é um trampolim natural para o
teísmo, mas um triste desvio dele.
Este ponto se torna ainda mais claro se levarmos em conta que somente
o homem foi criado à imagem de Deus. Somente o homem pode ser religioso.
A religião envolve uma relação entre duas personalidades. A religião é
sempre uma relação de aliança. Somente a partir de um ser autoconsciente
como Ele mesmo, Deus poderia receber adoração religiosa. Quanto da
pesquisa moderna derivou desta posição que pode ser notado quando alguém
lembra que alguns evolucionistas têm pensado que eles observaram a religião
em animais. Esta posição extrema não é mui comumente sustentada. No
entanto, quase sem exceção, as principais escolas de filosofia da religião
sustentam que a moralidade tem historicamente descendido da não-moral e a
religião da não-religião. Agora este ponto de vista, implicitamente, se não
explicitamente, nega não somente a criação do homem à imagem de Deus,
mas nega o próprio Deus. Se Deus não existe, então o homem é criado à sua
imagem, já que nesse caso nenhuma personalidade autoconsciente poderia se
originar de qualquer outra fonte. Por outro lado, se a personalidade finita
autoconsciente existe, Deus existe como seu Criador, uma vez que a
personalidade finita não pode encontrar sua explicação em nada a não ser em
Deus. De qualquer forma, se a religião derivou-se do não-religioso, então, a
sua essência é totalmente expressa em lealdade a princípios vagos de
bondade, verdade e beleza em vez de reverência a um Deus absoluto, uma
vez que o Universo é, nesse caso, um conceito mais amplo do que Deus.
Estamos agora preparados para ver que religião está na base do teísmo
Cristão. O intelecto do homem devia fixar-se em Deus. Em Deus o homem
encontraria uma profundidade inesgotável de conhecimento. Assim e assim
somente o homem podia ter conhecimento genuíno e ser um verdadeiro
profeta. Em segundo lugar, a verdadeira religião envolve uma fixação de
nossos desejos em Deus, um esforço diligente por comunhão com Ele, a
posse dEle em nossas almas. Isto é verdadeiro misticismo. Em terceiro lugar,
a verdadeira religião implica toda a submissão da nossa vontade a Deus. A
vontade de Deus para o homem não deve ser sentida pelo homem como um
fardo para ele. Antes, ela deve ser considerada como a principal fonte de
alegria para o homem.
Estes três elementos juntos constituem a verdadeira religião. Elas
implicam a fé em Deus, o amor de Deus, a confiança em Deus. Isso, às vezes,
é chamado de “piedade”, às vezes, “temor de Deus”, e, por vezes, “amor a
Deus”.
B. Religião Após a Entrada do Pecado
Há um grande elemento de verdade na alegação da filosofia recente de
que a religião é, em essência, a mesma. Não poderia ser de outra forma. A
falsa religião deve ser uma imitação da verdadeira religião. O homem não
tem recursos, senão os derivados de Deus. Não há um pingo de originalidade
no homem para além da originalidade implicada na revelação de Deus.
Assim, o teísmo e antiteísmo estão de acordo sobre este ponto. No entanto, o
seu acordo é formal e nada mais. O não-teísta sustenta que as religiões são
essencialmente as mesmas, porque o teísmo é apenas um pouco mais elevado
do que outras religiões. O teísmo sustenta que as religiões são semelhantes na
forma, porque as outras religiões são uma deformação imitativa de um teísmo
original.
Devido à operação da graça comum de Deus essas falsas religiões têm
sido capazes de chegar a um grande grau de similaridade com o teísmo
Cristão. Uma vez que estes pontos são claramente entendidos, que teísmo é
original e que o princípio da graça comum permitiu que o homem pecador
desenvolvesse uma pseudo-religião que se assemelha muito à verdadeira
religião, isso nos impedirá de confusão.

Por um lado, tem havido muitas vezes uma subestimação das religiões
pagãs por parte dos Cristãos ortodoxos. Há alguma verdade na acusação feita
repetidas vezes que os Cristãos ortodoxos têm procurado defender a verdade
[11]
da sua religião por um isolamento artificial. É bem verdade que tal
política é autodestrutiva. O Cristianismo é o teísmo vindo a si mesmo. Nós
desejamos a base mais ampla possível para o Cristianismo. A “recriação”, ou
seja, a redenção baseia-se na e é restauradora da criação. No correto sentido
da palavra, o Cristianismo é tão antigo quanto a criação ou pelo menos tão
antigo quanto o protoevangelium. não pode ser muito repetidamente reiterado
que o Cristianismo nada introduz de novo, mas que reintroduz o antigo.
Por outro lado, há uma tendência para obliterar a distinção entre a
religião Cristã e a Pagã. Sua semelhança formal tem levado muitos escritores
a não verem nada mais do que uma diferença de quantidade entre elas. Agora,
vamos esperar isso de não-teístas declarados. Mas também há muita estima
sobre esta matéria por parte dos professos teístas Cristãos. O Cristianismo é
dito estar em uma relação de clímax quanto às outras religiões. Assim, o
autor de Christ of the Indian Road (Cristo da Estrada Indiana) parece
conceber a matéria. Agora, esta maneira de colocar a questão é ambígua. É a
verdade, e ainda assim não toda a verdade. Cristo é “o desejo das nações”,
mas em que sentido? No sentido em que eles estão buscando apenas este tipo
de realidade? Se isso fosse verdade, a declaração de Paulo de que o “homem
natural” está “em inimizade” contra Deus deve ser revista. Mas, desde que
nós tomamos as Escrituras como sendo coerentes consigo mesmas, podemos
ver “o desejo” das nações, em suas aspirações de busca da verdade não mais
do que numa vaga sensação de carência. No que diz respeito à sua ação
autoconsciente e intencional, eles têm definitivamente virado as costas para
Deus. Eles são apóstatas de Deus. Ou isso é verdadeiro porque o teísmo é
verdadeiro ou isso não é verdade, porque o teísmo não é verdade. No entanto,
como o filho pródigo da parábola de Cristo, às vezes, eles sentem que eles
estão tentando satisfazer as suas necessidades com as alfarrobas do
antiteísmo. Eles, às vezes, até mesmo constroem um altar ao “Deus
desconhecido”. Todavia, mesmo quando um apóstolo vem enviado
diretamente deste Deus desconhecido para eles, a fim de torná-lO conhecido,
eles respondem que ele fala “loucura”. Somente quando for do agrado do
Espírito “salvar por meio da loucura da pregação os que creem”, eles
aceitarão esse Deus a quem eles por tanto tempo “procuravam”.
Concluímos, então, que a fim de dar ao Cristianismo sua base mais
ampla, como sendo em verdade a religião do homem, devemos tomar cuidado
com um falso isolamento. Por outro lado, a fim de preservar o Cristianismo
de modo que seja considerado como a religião do homem, nós não devemos
temer manter, para isso, um verdadeiro isolamento. Um falso isolamento
poderia permanentemente reter o estágio inicial do Cristianismo impedindo o
seu enraizamento nos campos abertos da humanidade e frutificação para a
raça. Um verdadeiro isolamento elimina os espinhos e abrolhos que sufocam
a planta, uma vez que esta floresce em campo aberto. Pela doutrina
verdadeiramente bíblica da graça comum nós somos preservados do perigo
de subestimação indevida ou superestimação indevida da religião e da moral
do paganismo.
A fraseologia utilizada pela teologia da igreja pode ajudar-nos a fazer
uma distinção clara em relação ao assunto em questão. A melhor tradição da
Igreja tem procurado dar expressão, por um lado à imagem de Paulo da
depravação total do homem e, por outro lado à imagem de Paulo dos pagãos
como acusando-se ou desculpando-se de acordo com o padrão de uma lei
moral interna. Claramente, então, o Cristianismo é qualitativamente distinto
do Paganismo.

Não há nenhum outro nome dado debaixo do céu pelos quais os homens
podem ser salvos por toda a eternidade além do nome de Jesus. O homem
natural não pode fazer nenhum bem espiritual. Mas igualmente claro é que o
homem natural ainda não executa a plena gama de impiedade. Os germes de
todos os pecados estão no interior. Um Nero pode evoluir para um verdadeiro
diabo, enquanto ainda na terra, mas a maioria dos homens não. Pela operação
do Espírito na graça comum, eles são temporariamente restritos de
desenvolver a plena medida do mal inerente a eles.
Portanto, eles podem fazer coisas que são úteis para uma vida tolerável
na terra; eles podem fazer o moralmente bom. Esta distinção entre o espiritual
e o moralmente bom não é totalmente inequívoca uma vez que em outro
contexto foi salientado que para alguém ser verdadeiramente moral deve-se
também ser verdadeiramente religioso. Neste contexto, os termos são
contrastados e podem ser assim usados para indicar o mais claramente
possível que o “relativamente bom” no “absolutamente mal” é de valor para
esta vida, mas não para a eternidade.

C. A Religião Depois da Entrada do Princípio Redentivo.

As religiões tornaram-se verdadeira religião, em princípio, mais uma vez


após o poder redentivo tornar-se ativo no mundo. Devemos enfatizar o
princípio da palavra. Isso faz menção ao fato de que a religião ainda não é
perfeita em grau. Este será o caso no Céu. Mas as Escrituras não hesitam em
falar dos remidos como totalmente santos, completamente justos. Existe uma
antítese profunda entre os redimidos na terra. Esta antítese profunda
finalmente será “um grande abismo” no futuro. Os remidos, em quem a vida
que agora vivem é a vida de Cristo, dizem do fundo do seu coração: “Oh,
como amo a tua lei, ela é a minha meditação o dia e a noite”.
Devemos observar mais uma vez que isso vale para todo o “Israel de
Deus”, incluindo o Israel do Antigo Testamento. Os verdadeiros filhos de
Abraão são os que criam no Messias cuja relação exterior e temporal com
Abraão é internalizada e externalizada em Cristo.

É de grande importância para o crente entender a sua relação com a lei


de Deus. Deus fez um Pacto de Obras com o homem. Essa aliança significa
que aqueles que satisfazem plenamente a lei de Deus e, consequentemente,
são perfeitos como o Pai Celestial é perfeito terão a vida eterna. Por outro
lado, aqueles que não tiverem cumprido a lei de Deus terão a morte eterna.
Podemos ver dois homens caminhando juntos, ambos com aparentemente boa
saúde. Quarenta anos depois, vemos um deles vir à velhice. O outra há muito
tempo já morreu. Já quando vimos os dois a princípio, um tinha os germes da
doença operando em seu corpo, embora ele parecesse estar tão saudável
quanto o outro. Da mesma forma, dois homens podem imediatamente parecer
serem, no que diz respeito à moral, igualmente sãos. No entanto, um está
“bem com Deus” e, portanto, vive e viverá enquanto o outro não está bem
com Deus e, embora ele pareça viver, está realmente morto.

A fim de compreender esta diferença entre as duas classes de homens,


devemos ver claramente o que a obra de Cristo tem sido com relação à lei.
Ora Cristo tem negativamente, por Sua obediência passiva, removido para
aqueles que estão nEle a maldição e a penalidade da lei. Ou seja, aqueles em
Cristo já não são culpados diante de Deus, mas justos. Portanto, eles não
podem entrar em condenação. A ira de Deus contra o pecado passou a Ele,
Quem Se tornou pecado por nós. Assim, somos “libertos” da “ira vindoura”.
É isso que como ministros de Cristo podemos anunciar para aqueles que
estão enfrentando a morte. Poucos Cristãos hoje parecem experimentar o
conforto indescritível que vem da certeza de que a justiça de Cristo é nossa.
A maioria dos Cristãos desejam limpar e purificar até certo ponto, os “trapos
de imundícia” de sua própria justiça. Seu esforço constante para chegar ao
Céu pela regra de ouro não lhes dá nenhum momento de paz. A ameaça de
Deus: “Maldito todo aquele que não pratica a lei de Deus”, paira sobre todo
aquele que busca sem Cristo ou meramente por Seu auxílio cumprir a lei de
Deus. Por outro lado, a perfeita liberdade do medo do julgamento vem aos
corações daqueles que confiam na justiça de Cristo.
O segundo aspecto da obra de Cristo com respeito à lei é que, por Sua
obediência ativa Ele merece o Céu para nós. Ele cumpre o requisito do Pacto
de Obras, que o homem deve obedecer perfeitamente e, em consequência
disso, entrar no Céu. Assim, todos aqueles em Cristo não são apenas libertos
da maldição, mas têm a promessa da vida eterna. Somos herdeiros de Deus e
coerdeiros com Cristo.
Se agora a obra de Cristo em relação à lei é clara, devemos notar
especificamente que Cristo fez o mesmo pelo crente do Antigo Testamento
que Ele fez pelo do novo. Não há nenhuma diferença essencial entre um
crente do Antigo Testamento e um crente do Novo Testamento, tanto quanto
a lei está em causa. Para ambos, Cristo sofreu a penalidade da lei. Para
ambos, Cristo obteve o Céu. Pois, a lei não foi uma maneira pela qual ele
mesmo poderia ganhar a liberdade da maldição e uma entrada para a terra
prometida. Pois, a lei não pretendia ser um caminho para a vida,
independentemente de Cristo. Para ambos a lei foi dada como um regulador
de uma vida de gratidão pela redenção recebida.
Prontamente afirmadas como estas questões são com relação aos crentes
do Novo Testamento, elas não são tão facilmente perceptíveis em relação ao
crente do Antigo Testamento. Paulo na Epístola aos Gálatas parece fazer uma
grande distinção entre as duas dispensações enquanto refere a relação do
crente com a lei em cada caso. Mas, embora ele faça a distinção, ele nem por
um momento esquece a ainda maior distinção entre aqueles que procuram por
sua própria justiça herdar a vida e aqueles que buscam a salvação através da
justiça de Cristo. Na verdade, a distinção de Paulo entre a dispensação do
Antigo e do Novo Testamentos quanto à lei é feita explicitamente, no
interesse de aprofundar o abismo entre a justiça de Deus e a justiça do
homem. Seu próprio ponto no argumento contra o Judaizante foi que, a
menos que eles interpretassem o propósito do Antigo Testamento sobre a
espiritualidade da lei, e com isso percebessem que a verdadeira justiça era —
mesmo para os crentes do Antigo Testamento — realizada por Cristo, eles
seriam contados dentre aqueles que buscam entrar no Céu por meio de sua
justiça própria. O próprio Paulo tinha experimentado que a tentativa de
chegar ao Céu pelas obras da lei é como tentar carregar água em uma peneira.
Daí, ele procura definitivamente provar que nem mesmo no Antigo
Testamento os homens foram ensinados a buscar por obras para que
merecessem a vida. Desde a entrada do pecado, o homem somente pode
entrar no Céu pelo Pacto da Graça. E este Pacto da Graça não é anulado —
Paulo nos diz — pela lei, que foi dada a Moisés que veio depois. Esta lei em
si é subsidiária ao Pacto da Graça. A sua severidade e a natureza irrevogável
que parecia tão terrivelmente sob a dispensação “da condenação”, foi
calculada para obrigar os homens a buscarem a salvação pela graça. Assim, a
lei deveria ser um aio que conduzia a Cristo. Assim, disse a lei: “A salvação
está em mim, mas somente em Cristo”.
Assim, vemos que ainda podemos pregar a lei no mesmo duplo sentido
que tinha para Israel. Em primeiro lugar, as demandas de Deus sobre os
homens são tão absolutas como sempre, e o homem é tão incapaz de atender
a essas demandas como sempre. Assim eu posso aprender “quão grandes são
os meus pecados e misérias”, e a lei torna-se para mim o “aio, conduzindo a
Cristo”. Em segundo lugar, quando eu sinto a minha culpa e impotência em
relação à lei de Deus e fujo para Cristo por refúgio, eu posso aprender a partir
da lei em todos os seus detalhes como posso regular minha vida de gratidão
pela redenção recebida.

Em ambos os aspectos, é altamente necessário pregar a lei hoje. Muita


confusão reina sobre o primeiro ponto. É dito muitas vezes que todos podem
conhecer a miséria humana a partir da experiência. Nós precisamos apenas
apontar para os hospitais para convencer os homens da necessidade de Cristo.
Ou, se isso não é suficiente, pelo menos, a consciência no homem condena-o
suficientemente para fazê-lo perceber a necessidade de um Redentor. No
entanto, a consciência e a experiência de ninguém, a parte da lei como
encontrada na Escritura, jamais lhe disse que ele é digno de castigo eterno. A
experiência, exatamente por ser experiência pecaminosa, não pode amar a lei
de Deus. A experiência, porque é experiência pecaminosa, está em inimizade
contra Deus. Por isso, ela não admitirá que haja tal coisa como uma lei que é
absoluta, porque estabelecida por um Deus absoluto. A experiência, porque é
experiência pecaminosa, procura ser uma lei em si mesma e não se sente
culpada diante de Deus, mas na melhor das hipóteses, culpada diante de si
mesma por causa da transgressão da lei. Consequentemente, não há tristeza
“segundo Deus” que leva ao arrependimento; a experiência assim não pode
ser um aio conduzindo a Cristo. Nós não podemos omitir a pregação da lei
como a fonte, a única fonte de nosso conhecimento do pecado.
Em seguida, quanto à pregação da lei, como reguladora da vida do
crente, podemos dizer que esta também tem sido negligenciada. E, mais uma
vez, a nossa pronta ênfase na falha da experiência como mestre. É verdade,
quando a experiência é a experiência “Cristã” deve deixar de ser contrastada
com a lei, porque, neste caso, tem se desenvolvido em conexão com a lei.
Mas esse é exatamente o ponto. Nós tendemos muito facilmente a separar a
experiência da lei. E isso é fatal para a experiência. A consciência, como tal,
não é “a voz de Deus”, apenas a consciência “Cristã” o é, e isso apenas
indiretamente. Mesmo a consciência Cristã deve ser constantemente
renovada. Ele “se desgasta” muito facilmente. Em primeiro lugar, o seu
campo de visão estreita-se muito facilmente. Muitas coisas não são
conhecidas serem pecado pela consciência, sem que a lei fale sobre isso. Mas
a lei de Deus é “amplíssima”. Em segundo lugar, a consciência deixada a si
mesma perde a sua sensibilidade. Mas a lei penetra nas recâmaras do coração.
De longe, ela perscruta mais profundamente ao ser do homem do que a
Psicologia de Freud. A tocha da Psicologia humana deixa as profundezas do
coração humano como um pântano congelado, enquanto o Sol da lei de Deus
descongela o pântano pondo em movimento os muitos escorpiões, víboras e
insetos venenosos. Assim, a lei, quando vista como “espiritual” nos faz anelar
por pureza, por libertação da contaminação do pecado, como uma vez já nos
fez clamar pela libertação da sua culpa. O Cristão que procura guiar a sua
vida com cuidado por meio da lei de Deus está sempre consciente sobre o
fato de violar a lei. O Cristão nominal, pelo contrário, prontamente dirá:
“Todas essas coisas tenho observado desde a minha juventude”.
Podemos notar, a propósito, que, se a lei for assim pregada em toda a sua
espiritualidade servirá como uma melhor cura para os males sociais do que a
educação que é muito elogiada em nossos dias. A máxima socrática de que o
conhecimento é virtude, ou seja, que os homens cumprirão a lei se eles
apenas a virem, levou os homens a propagar a ideia de que a educação, como
tal, tornará os homens bons. Mas a educação, como tal, não pode permitir que
os homens vejam a espiritualidade da lei. Para ver esta espiritualidade, o
homem deve ser regenerado. Regeneração e educação, em vez de educação
somente deveria ser o nosso lema.

3. O que é Proibido

A substituição de “outros deuses” pelo verdadeiro Deus, vimos, é a


substância das falsas religiões. Pois “mudaram a verdade de Deus em
mentira, e honraram e serviram mais a criatura do que o Criador, que é
bendito eternamente. Amém” (Romanos 1:25). Maior subversão não pode ser
concebida. O homem, especialmente, mas também toda a criação é feita
objeto de culto. Quão radicalmente diferente é a interpretação moderna da
religião pagã. De acordo com ela o homem estava tateando em busca do
verdadeiro Deus, enquanto em seu caminho, quase incidentalmente, como um
auxílio à sua fé, adorou o sol, a lua e as estrelas. De acordo com esta
interpretação o não-moral precede o moral e é neste ponto que a batalha entre
as duas formas de interpretação deve principalmente ser combatida.
Sustentamos que fazer a religião derivar do não-moral destrói não somente
toda a religião e moralidade, mas toda a experiência humana, em geral, uma
vez que envolve o homem em um vazio sem sentido. Sustentar a doutrina
bíblica de uma perfeição original do homem é, portanto, não só agarrar-se a
uma “autoridade externa” ou “mera tradição”, mas é, ao mesmo tempo
agarrar-se ao teísmo.
Agora, os fatos de uma religião pagã estão em desarmonia com a
concepção teísta da religião. Há uma diferença qualitativa entre qualquer uma
e todas as religiões do paganismo e a religião do teísmo como encontrada no
Cristianismo. Não importa o quão próxima seja a semelhança formal ao
Cristianismo, a religião pagã sempre adora a criatura, enquanto o
Cristianismo adora a Deus.
Não se segue a partir disso que não há gradações entre as religiões
pagãs, de modo que todas elas sejam igualmente sem valor. A doutrina da
graça comum nos permite fazer muita diferença entre uma e outra, enquanto a
doutrina da graça especial nos proíbe de alguma vez acabar com a distinção
qualitativa que separa todas elas do Cristianismo. A própria diferença entre
essas religiões se deve a medidas muito diferentes da graça comum de Deus.
Através da graça comum, a civilização tem gradualmente avançado para que
o homem fosse habilitado somente para livrar-se de algumas das formas mais
sensuais de culto da criatura. Mas permanece a adoração da criatura, mesmo
na forma mais refinada de religião não-Cristã. Mesmo quando adora, de
acordo com o modernismo, os ideais do bem, da verdade e da beleza ainda
este ainda é um culto da criatura, uma vez que esses ideais não são
concebidos como colocados por Deus.
Devemos agora examinar brevemente as principais formas de religião
antiteísta.

a. O ateísmo é a negação mais desafiante e aberta da própria existência


de Deus. Nele o princípio do pecado atingiu o seu clímax. Mesmo assim, o
homem não pode totalmente livrar-se da ideia de Deus. A própria luta do ateu
contra Deus pode ser uma indicação do temor de Deus. Há muito do espírito
desafiador no movimento. Este espírito desafiador só pode ser
temporariamente mantido. No Inferno não haverá ateus. Será impossível
negar a existência de Deus no dia do juízo e depois.

O ateísmo é pior do que o paganismo. O paganismo, ao menos, serve a


deuses. Ele admite algo de sua insuficiência; isso indica algum desejo de
entrar em contato com os poderes superiores. O ateísmo, por outro lado, tem
se vedado hermeticamente contra Deus. A questão terá de ser decidida por
um teste de força somente.
Há muito ateísmo prático em todas as terras civilizadas. O reino da lei
tem feito muitos dizerem, em prática, se não em palavras: “O Senhor não faz
o bem nem faz o mal” (Sofonias 1:12). A religião tornou-se para muitos uma
questão secundária na vida. Deus não é pensado como controlando e afetando
as nossas vidas a cada momento, em cada aspecto, por todas as vias
possíveis. Em vista desse fato é necessário pregar a mensagem profética que
o Senhor castigará “os homens que se espessam como a borra do vinho, que
dizem no seu coração: O Senhor não faz o bem nem faz o mal”. A imagem do
dia do juízo final não é em nenhum outro lugar mais terrível do que quando
estabelecido diante daqueles que ignoram o Senhor. Ser ignorado é quase tão
grande insulto quanto ser desafiado abertamente. Talvez isso possa até
mesmo ser considerado um insulto maior, enquanto um desafio aberto ao
menos “imagina” Deus, dando-Lhe crédito por algum poder.

b. Religiões Naturais
O homem, embora tendo declarado a sua independência, ainda tem de
viver como o filho pródigo dos bens do pai. Além disso, ele sente algo do
absurdo de ter se elevado à posição de Deus. Mais tarde na história, ele
declarará abertamente sua autonomia moral (Kant). No presente, ele deve
olhar sobre si por algum objeto de adoração. Ele encontra esses objetos na
criação inferior. A criação inferior afeta-o de muitas maneiras, e isso está
além de seu próprio controle. O homem é como uma criança que derrubou a
chaleira de água quente sobre si mesma e culpa a chaleira por sua miséria. O
homem apenas busca escapar das más consequências do pecado, enquanto
estas consequências o encaram, nos vários poderes de destruição. Em vez de
perceber que os poderes de destruição são as agências de Deus, para que ele
vá a Deus para encontrar libertação deles, o homem desafia essas agências e
adora-as. A estupidez e futilidade do pecado são nisso estrita e tipicamente
ilustradas.
(1) As formas inferiores da religião natural realmente não têm nenhuns
deuses, mas apenas almas. Animismo e fetichismo são exemplos deste tipo.
(2) As formas mais elevadas de adoração natural têm deuses. A
imaginação criativa foi introduzida para criar escultura e mitologia.

(a) As formas Semíticas das religiões naturais mais elevadas


desenvolveram algum tipo de ideia de transcendência. O pecado trouxe
incluiu Deus na esfera de Sua criação, e com isto negou a transcendência de
Deus sobre a Sua criação. A este respeito, toda a ênfase na imanência de
Deus na teologia moderna é uma forma clara e extrema da transgressão do
Primeiro Mandamento. No entanto, em momentos diferentes e em diferentes
graus, o homem sentiu que ele precisava de um Deus transcendente. Não que
ele tenha de si mesmo chegado a qualquer verdadeira ideia de transcendência.
Tal verdadeira ideia de transcendência só poderia vir a ele novamente por
revelação de Deus; e isso não por revelação através da experiência humana
como tal, pois a experiência humana como tal é pecaminosa. A
transcendência como concebida pelo pensamento não-teísta é separação. Este
é o deísmo.

(b) As formas indo-germânicas de religiões naturais mais elevadas


ressaltaram a necessidade da proximidade de Deus. Elas falam muito da
relação entre pai e filho. Mas, novamente, a verdadeira ideia da imanência é
pervertida até que signifique identidade. Este é o panteísmo.
Assim, o pêndulo móvel das religiões antiteístas foi do deísmo ao
panteísmo. E a filosofia motivada pelo mesmo princípio antiteísta
desenvolveu-se por um curso similar.
Deve-se notar que correspondendo ao falso objeto na religião, o homem
antiteísta tem igualmente valorizado uma falsa atitude subjetiva. Não há nada
do verdadeiro serviço do coração a ser encontrado. Como um falso profeta, o
homem procura interpretar o universo sem referência a Deus. Os poderes do
mal são assumidos existirem como poderes independentes de Deus. O
homem não será “ensinados por Deus”. Ele perdeu sua reatividade de
espírito. Como um falso rei, ele procura pronunciar-se sobre a natureza para o
seu próprio interesse somente. Natureza, ciência, arte e governo, todos eles
por sua vez, são feitos servos do homem, sem também serem feitos servos de
Deus. O homem não governará abaixo de Deus. Ele não receberá nenhuma
ordem, mas apenas dará ordens. Ele perdeu a obediência. Como um falso
sacerdote, ele dedica todas as coisas para si mesmo, em vez de oferecer todas
as coisas para Deus. Aquilo que serviria a Deus, ele impede de servir a Deus.
Seu coração é afastado de Deus e evita Deus totalmente ou procura uma falsa
familiaridade. O homem ora aos deuses, mas não a Deus. Ele ora por alívio,
mas não por perdão. Se ele tem remorso, não é uma “tristeza segundo Deus”,
mas uma tristeza que vem devido à sua própria loucura.

c. Religiões Éticas
As religiões éticas são mais elevadas do que as religiões naturais e se
aproximam mais, em sua forma, do teísmo. Em primeiro lugar, elas são
monoteístas. Consequentemente, Deus é representado como não apenas
controlando o natural, mas também como controlando a ordem moral do
mundo. Em segundo lugar, essas religiões acreditam em uma revelação de
Deus na forma de escrituras sagradas; o Bramanismo tem sua Vedas, o
Budismo sua Pittakas, o Confucionismo seus Reis, o Parzismo sua Avesta e o
Islamismo seu Alcorão. No entanto, em nenhum caso, a lei moral é concebida
como emanando com autoridade inviolável a partir de um Deus absoluto. E,
como acontece com a religião subjetiva, não encontramos aquela piedade que
combina um verdadeiro sentido de exaltação e proximidade de Deus. Se for
lembrado que nos Primeiros Mandamentos Deus estabelece a Si mesmo
diretamente diante do centro da personalidade do homem, exigindo do
homem que ele não olhe para nenhum outro lugar buscando por sua alegria e
paz, é facilmente visto que todas essas religiões são tristes desvios do teísmo.
Sair para as nações para levar o Evangelho do Cristianismo significa
mais do que difundir o conhecimento da civilização ou um modo ético mais
elevado de vida. Significa, antes, trazer os homens ao conhecimento das
exigências de um Deus santo e justo, que não pode, em sentido algum tolerar
o pecado, mas que em Seu amor condescendente perdoará o pecado em
Cristo, a fim de tornar os homens verdadeiros profetas, sacerdotes e reis
novamente. Uma vez que eles conheçam este Deus em Cristo, eles não
adorarão a natureza, mas o Deus da natureza, eles não adoração a lei, mas o
Deus da lei.
Mas, será que esta idolatria ocorreu predominante somente em países
pagãos? O Primeiro Mandamento como o fundamento de todo o restante
precisa ser pregado neste país e em todos os países civilizados, bem como em
terras pagãs.
O Segundo Mandamento — Adoração

1. Observações
O Primeiro Mandamento trata da religião adequada como o fundamento
da moralidade. O Segundo Mandamento trata da expressão externa da
religião. O Primeiro Mandamento nos ensina que devemos servir a Deus; o
Segundo como podemos fazer isso corretamente, tanto quanto a expressão
exterior da religião está em causa. Assim, estes dois Mandamentos se referem
a questões completamente distintas. Isto é facilmente esquecido. Por vezes,
ouve-se um sermão sobre o Primeiro Mandamento em que todos os tipos de
materiais que servem para fabricar imagens de Deus são mencionados. No
entanto, quando os homens usam imagens na adoração eles não estão
necessariamente procurando substituir um deus falso pelo verdadeiro Deus.
Pode ser uma adoração defeituosa ao verdadeiro Deus. É, de fato, uma
transgressão do Segundo Mandamento leva muito facilmente a uma
transgressão do Primeiro. Imagens muito facilmente atraem a atenção
exclusiva a si mesmas e, portanto, tornam-se objetos em vez de meios de
adoração. No entanto, isso não faz com que se identifique a adoração das
imagens com a idolatria. Se, de algum modo, nós podemos fazer a
comparação entre os vários mandamentos da lei, o Primeiro Mandamento é
mais central do que qualquer outro objetivamente e, portanto, também mais
central do que o Segundo. Uma vez que é feita uma substituição do único
Deus verdadeiro, toda a verdadeira religião e a moralidade simultaneamente
são reduzidas a nada.

2. O que é Comandado
Para saber qual é o conteúdo positivo do Segundo Mandamento é
necessário antes de tudo que nós formemos uma concepção verdadeiramente
bíblica do que se entende por “a imagem de Deus”. Agora podemos falar da
imagem de Deus no sentido da ideia que Deus tem de Si mesmo. Só Deus
conhece Seu próprio ser. Só Ele tem a imagem completa e verdadeira de Si
próprio. Esta concepção da imagem de Deus é um dos fatores que se
relacionam à religião e também à adoração. Nenhuma verdadeira religião ou
verdadeira adoração são possíveis a menos que Deus revele ao homem, de
acordo com a capacidade do homem, algo da Sua imagem de Si próprio.
Todas as religiões e cultos não-teístas tornam-se vãs por serem desprovidas
desta autorrevelação de Deus. Este Mandamento começa por analisar o
homem. Agora é importante termos a certeza — a fim de formar uma
verdadeira concepção de adoração — de sabermos o que o homem é.
Entretanto, como se pode saber o que o homem é, a menos que se saiba o que
Deus é? A natureza do homem e, portanto, a natureza da verdadeira religião e
verdadeira adoração — na medida em que é determinada pela natureza do
homem — é determinada pela natureza de Deus.
Portanto, quando falamos da imagem de Deus no segundo sentido do
termo, a saber, a imagem de Deus no homem, temos o segundo e também
secundário fator determinante da composição da religião e da adoração. Pela
imagem de Deus no homem, não estou me referindo à ideia de Deus que o
homem pode ter formado, por si mesmo. Não é a “minha ideia minha de
Deus”, mas “a ideia de Deus a meu respeito” o que aqui é referido. Isto é,
devemos saber a composição do homem, como ele foi formado de Deus.
Como tal, podemos distinguir entre a imagem de Deus no homem, no mais
amplo e no sentido estrito do termo. Por imagem de Deus no homem, no
sentido mais amplo se entende que o homem, pelo fato de haver sido criado
por Deus, o Espírito, tem um espírito como personalidade absoluta, uma
autoconsciência e uma personalidade finita autodeterminando-se. Por imagem
de Deus no sentido mais restrito pretende-se que originalmente o homem era
eticamente perfeito, que ele possuía verdadeiro conhecimento, justiça e
santidade (Colossenses 3:10; Efésios 4:24).
A partir destes dois fatores determinantes: Deus como um Espírito,
imortal, invisível e o homem que como um espírito finito e eticamente
perfeito expressa-se através de seu corpo, podemos verificar os princípios da
verdadeira adoração.
A adoração deve ser espiritual. Isso decorre da espiritualidade de Deus.
Qualquer adoração deve ser fixada em Deus como Espírito. Ele nunca pode
ser pensado como representado por coisas materiais ou sensuais. Isso seria
nivelar o Criador ao nível da criatura. Esta espiritualidade na adoração
também está implícita na composição do homem. Este também é, antes de
tudo, espiritual. Entretanto, verdade é que seu corpo é uma parte essencial de
sua personalidade finita. Disto se segue que o homem pode e até deve dar
expressão externa ao culto de seu espírito. Mas essa expressão externa não
reduz a espiritualidade de culto se o que é externo é usado apenas como um
meio para o interno. A adoração se torna não-espiritual ou sensual, se (a)
Deus é pensado sensualmente e (b) se o homem usa o externo como um fim e
não como um meio.

Em segundo lugar, a adoração deve ser regulada por Deus. Isto está
implícito no fato de que Deus é o Espírito absoluto e o homem, a
personalidade finita. A adoração naturalmente não pode deixar de ser baseada
na revelação. Não estamos aqui falando da Bíblia. O homem original
respirava na revelação de Deus e estava perfeitamente sem qualquer
necessidade de revelação especial. Segue-se que se o homem privou-se a si
mesmo desta verdadeira revelação, ele não pode mais saber como regular o
seu culto a Deus, a menos que Deus mais uma vez venha a ele em revelação
especial. Depois do advento do pecado, é imperativo sobre o homem ter seu
culto direcionado de acordo com as instruções da revelação especial, sob
qualquer forma que possa vir. A história de Mica no Antigo Testamento nos
fornece uma ilustração interessante neste assunto. Mica pensou, em senso
comum, que deveria se opor à regulação do Senhor, que todos os israelitas
deviam vir ao lugar central de adoração em épocas determinadas. Assim
sendo, ele fez o seu próprio pequeno santuário e estabeleceu seu próprio
sacerdote, com o resultado disto ele fracassou por sua desobediência. O
princípio envolvido deve ser enfatizado hoje, quando as pregações via rádio e
nos automóveis, mais uma vez parecem usar o “senso comum” contra o
regulamento de Deus de que não devemos negligenciar a nossa congregação.
É claro que a questão da regulação do culto não se limita ao local de reunião,
mas envolve muito mais.
Em terceiro lugar, o local de adoração de culto deve ser mediado. Como
o primeiro princípio foi derivado, pelo menos em parte, a partir de
considerações metafísicas, isto é, a partir da composição do homem como
uma criatura, semelhantemente este terceiro princípio é derivado de
considerações éticas, isto é, a perda do homem da imagem de Deus no
sentido mais restrito. Quando o homem era eticamente perfeito, ele podia
olhar imediatamente para Deus. Visto que o homem, em sentido estrito,
perdeu a imagem de Deus, ele não pode mais vir a Deus a não ser através de
um mediador. “Ninguém vem ao Pai, senão por mim” [João 14:6]. Em Cristo,
Deus restaura a Sua imagem ao homem. “E vos revistais do novo homem,
que segundo Deus é criado em verdadeira justiça e santidade” (Efésios 4:24).
“E vos vestistes do novo, que se renova para o conhecimento, segundo a
imagem daquele que o criou” [Colossenses 3:10]. Agora, na medida em que
somente em Cristo a imagem de Deus, no sentido mais restrito, é restaurada
ao homem, ninguém pode realmente adorar a Deus exceto por meio de
Cristo. Mesmo durante a dispensação do Antigo Testamento isso era verdade.
Mesmo então, o culto teve que ser mediado através do sacerdote com suas
vestes sacerdotais e o tabernáculo que em conjunto prefiguravam a Cristo.
Mais diretamente, desde a encarnação, a adoração é em primeiro lugar a
comunhão entre a Igreja, ou seja, o corpo de Cristo, e o próprio Cristo como
Sua cabeça.

3. O que é proibido
O que é proibido é, naturalmente, qualquer forma de transgressão ou
negligência de qualquer um ou de todos os princípios da verdadeira adoração
enumerados. E se qualquer um destes princípios é ignorado, todos eles o são.
Qualquer adoração carnal e sensual é diretamente uma violação do princípio
da espiritualidade na adoração, torna-se imediatamente um culto de nossa
própria vontade. Outrossim, qualquer forma de adoração baseada em nossa
própria vontade tende, de forma evidente e imediata, a se tornar sensual.
Finalmente qualquer adoração não-mediada é, ipso facto, baseada em nossa
própria vontade e também tende a tornar-se sensual.
Pode ainda ser observado que o princípio da espiritualidade na adoração
foi mais grosseiramente violado em épocas passadas do que acontece hoje em
dia. Era natural que o homem, tendo uma vez se apartado de Deus, devesse
ainda sentir a necessidade de um deus, e que em fases passadas da história ele
viesse a tentar incorporar sua ideia de Deus em formas sensuais.
Primeiramente, ele fez seu deus à imagem de animais, porque ele ainda não
havia se atrevido a colocar-se como Deus. Israel estava em constante perigo
de ceder a esta tendência pecaminosa. Consequentemente, quando Deus foi
reestabelecer a verdadeira adoração de Deus no mundo, através de Israel, era
necessário dar um aviso especial contra a adoração sensual. Em
Deuteronômio 4:15ss Deus conecta a ideia da verdadeira adoração com Sua
própria espiritualidade: “Guardai, pois, com diligência as vossas almas, pois
nenhuma figura vistes no dia em que o Senhor, em Horebe, falou convosco
do meio do fogo para que não vos corrompais, e vos façais alguma imagem
esculpida na forma de qualquer figura, semelhança de homem ou mulher...”.
A imagem de Deus, pode a princípio, ter sido usada como um símbolo
para representar a Deus, a fim de ajudar o homem a adorar a Deus. É assim
que a Igreja Romana persiste em querer usar tais imagens. Todavia, a
Escritura não pode tolerar tal sabedoria do homem. Deus sabe melhor do que
o homem o melhor caminho para o homem adorá-lO. Além disso, a imagem
como símbolo torna-se prontamente a imagem como fetiche pelo que Deus é
identificado com a imagem e a imagem é substituída por Deus. Desta forma,
uma transgressão do Segundo Mandamento leva prontamente a uma
transgressão do Primeiro Mandamento.
A forma moderna de transgressão do primeiro princípio da verdadeira
adoração, muitas vezes assume a forma de um hiper-espiritualismo. A ênfase
do modernismo em “valores espirituais” é uma boa indicação da falta da
verdadeira espiritualidade. Podemos ver este exemplo na visão que o
modernismo tem a respeito dos sacramentos. Estes sacramentos têm sido tão
vazios em sua acepção a ponto de significar não mais do que símbolos vagos
de uma realidade ainda mais vaga. A ressurreição corporal de Cristo é
sacrificada para sua “ressurreição espiritual” e, portanto, estamos procurando
“comunhão espiritual” com o “espírito de Cristo”. Isto ataca a raiz do
verdadeiro culto de adoração, uma vez que lida com a expressão externa da
religião. O modernismo é tão não-espiritual em seu culto como o era a forma
mais baixa de cultos a animais.
O segundo princípio da verdadeira adoração, que deve ser regulada por
Deus, foi violado ao longo dos tempos, não tanto através de um desejo
expresso de autorregulação como através de uma negligência factual da
verdadeira revelação de Deus. Desnecessário será dizer que as nações pagãs
não consultam a verdadeira revelação de Deus, a fim de estabelecer os seus
princípios de adoração. Mas o ponto não é tão óbvio e, ainda assim, verdade é
que em muitas igrejas Cristãs muito pouca atenção é dada à Escritura na hora
de determinar sobre quais princípios e práticas de culto serão adotados. O
senso comum é que é determinante, em lugar das Escrituras. O que parece
útil do ponto de vista da popularidade, muitas vezes tem mais peso do que o
que é realmente ensinado nas Escrituras. No recente argumento sobre o lugar
da mulher na adoração não foi tanto uma diferença de interpretação da
Escritura que prevaleceu quanto a diferença entre aqueles que realmente
consultam a Escritura como autoritativas e aqueles que consideram as
necessidades do século XX como autoritativas. Segundo a visão ortodoxa, o
que a Escritura ensina será, afinal de contas, melhor para o século XX não se
importando com o que o próprio século XX pode pensar a respeito disso no
presente. A autorregulação prenuncia a morte de qualquer igreja. Lembre-se
de Mica.
O terceiro princípio da verdadeira adoração, ou seja, o da mediação, é
violado por todos esses movimentos que retiram ou minimizam a
centralidade objetiva da posição redentora de Cristo como o novo e vivo
caminho para Deus. Mais uma vez nos deparamos com várias formas de
transgressão. Podemos observar algumas das mais comuns:
Em primeiro lugar cabe dizer novamente que todas as nações que não
possuem a verdadeira revelação de Deus em Cristo procuram entrar na
presença de Deus, na medida em que eles realmente procuram vir à Sua
presença, de maneiras independentes de Cristo. O homem pecador não pode
ver nenhuma razão pela qual ele não seja, em si mesmo, bom o suficiente
para apresentar a sua oferta a Deus. O homem pecador se ofende com a
sugestão de que ele precisa de um mediador, como Cristo demanda ser.
Do nosso próprio meio, vêm as várias correntes místicas de pensamento
que têm tido mais ou menos contato com a igreja ao longo dos séculos. Agora
existe uma forma muito sólida e bíblica do misticismo. Este misticismo
atribui-se, tanto quanto possível, à revelação de Deus em Cristo na Escritura e
por isso procura se apropriar emocionalmente da alegria do crente e da glória
de Deus, tanto quanto pode na revelação de Deus. Ao lado da, ou como
substitutos para este verdadeiro misticismo, já houve um falso misticismo que
nega a revelação da necessidade da mediação e funciona independentemente
dela. Pode até haver um hiper-espiritualismo que nega totalmente o uso ou a
necessidade da expressão externa da religião por detrás deste misticismo.
Este misticismo que por si mesmo é falso, quando de algum modo é posto em
contato com a revelação em Cristo consiste em uma tentativa de elevar-se a si
mesmo à uma teoria das faculdades. Ele afirma ter uma escadaria particular
para o grande trono branco.

Nos tempos medievais, Dionísio, o Areopagita e Mestre Eckhart


representam uma forma extrema de misticismo não-bíblico. No caso de
Mestre Eckhart o que aconteceu foi realmente não mais do que uma
variedade especial de panteísmo. Ele não só removeu a Cristo como
mediador, mas também a distinção entre o Criador e a criatura.
Hugo de São Vítor e Bonaventura foram menos extremos. De acordo
com Bonaventura, “de Deus a luz desce a todos; mas esta luz é multiforme no
seu modo de comunicação. A luz exterior ou a tradição ilumina as artes
mecânicas; a luz inferior, que é a dos sentidos, provoca em nós ideias
experimentais; a luz interior que chamamos de razão, nos faz conhecer
verdades inteligíveis; a luz superior vem da graça e das Sagradas Escrituras, e
[12]
nos revela as verdades que santificam”. Bonaventura pensou que ele
poderia receber algumas revelações individuais da verdade de Deus. É isso
que fez com que ele e muitos outros místicos se tornassem infiéis ao princípio
da mediação na adoração.
Que a Igreja Romana deva ser especialmente sujeita a tais desvios
místicos é devido ao fato de que ela própria é fraca no mesmo ponto da
centralidade da revelação de Deus em Cristo. Sua doutrina da Tradição,
infalibilidade papal, etc., mata na raiz o próprio princípio da mediação. Não
admira então que Roma tem sido sempre disposta a abrigar os místicos mais
extremos, visto que ela nunca fez qualquer forte oposição doutrinária contra o
falso misticismo.
Entre as comunhões Protestantes também houve manifestações do
mesmo espírito. Destes, podemos citar as várias formas de pietismo, bem
como o movimento Quaker. A ideia de “luz interior” é uma violação do
princípio da mediação na adoração.

Mais perigoso do que estes, no entanto, e mais subversivo do


Protestantismo, sim do Cristianismo, são as formas modernas de misticismo,
por exemplo, a de Dean Inge e a do modernismo em geral, o perigo iminente
que ameaça o Cristianismo a partir desta fonte é ocultado pela homenagem
verbal que este movimento dá a Cristo como mediador. Mas a sua própria
doutrina, de que Jesus ensinou a paternidade universal de Deus, prova que
eles O negaram como mediador em qualquer sentido muito específico. Cristo,
de acordo com este ponto de vista, revelou o valor da alma humana per se.
Consequentemente cada alma pode realmente em si mesma entrar em contato
imediato com Deus. Ninguém precisa ir para o Céu ou para o Hades por nós
para descobrir para nós o que é o caminho para Deus. “Olhe para dentro” é o
lema. Olhe bem o suficiente e você encontrará a Deus, porque, na verdade,
você é Deus. O Ideal dentro de você é a realidade de Deus. Assim diz o
modernismo. Assim também diz o pragmatismo moderno, com sua
hostilidade declarada ao Cristianismo. Se a religião pode prosperar sem a
[13]
revelação de qualquer tipo, por que então a adoração tem que ser
mediada através do Cristo?
A ênfase moderna na imanência de Deus, que tem virtualmente negado a
Divindade específica de Cristo e afirmado Sua humanidade essencial em tudo
ajuda a desenvolver este falso misticismo pagão. Ou podemos ainda dizer que
o falso misticismo promove a falsa ênfase na imanência de Deus.
Finalmente, podemos notar que grande parte da recente ênfase na arte
como essencialmente religiosa é devida a uma manifestação do mesmo falso
misticismo moderno. Muitas vezes, recitais de órgão são substitutos da
pregação do Senhor. Ou, menos grave, os números musicais artísticos
tornaram-se realmente grandes características do culto na igreja. Agora,
admitindo-se que a arte é essencialmente religiosa e que a verdadeira arte não
pode ser separada da religião, entretanto, nem toda a arte está seguramente
em consonância com a religião Cristã. Como pessoas ortodoxas não temos
qualquer objeção à forma mais artística de louvar ao Criador. Na verdade,
acreditamos que só um Cristão pode ser verdadeiramente artístico, posto que
somente ele pode realmente trazer a arte em conexão com a fonte da beleza.
Mas estamos definitivamente convencidos de que o Criador não pode
realmente ser louvado, exceto através de Cristo. Disso segue-se que a arte, se
é para ser um elemento da verdadeira adoração a Deus deve estabelecer a sua
ligação com Cristo como o restaurador do homem para com Deus.
Antes de passarmos ao Terceiro Mandamento ainda temos que observar
a ameaça e a promessa conectadas com o Segundo Mandamento. A primeira
coisa a notar é que essas ameaças e promessas realmente dizem respeito a
toda a lei, pois a lei é um organismo e não há nenhuma boa razão para
limitarmos qualquer ameaça ou promessa ao Segundo Mandamento. Em
segundo lugar, a ameaça e a promessa trazem vividamente para o primeiro
plano aquilo que já estava envolvido, como vimos no fundo teísta da lei, que
a própria pessoa de Deus que está por trás da lei. Aqui está a autoridade final.
É a autoridade que o homem precisa, sem a qual ele não pode viver. O
homem quebra a lei por sua própria conta e risco. Quebrar a lei é um insulto
pessoal direto contra com o Deus vivo. Nós nunca podemos ser imunes ao
julgamento. Em terceiro lugar, há uma diferença entre a ameaça e a
promessa, à medida que a punição ameaçada na lei se segue naturalmente
sobre a quebra da lei, enquanto a recompensa que é prometida é uma adição
agradável. “Assim também vós, quando fizerdes tudo o que vos for mandado,
dizei: Somos servos inúteis, porque fizemos somente o que devíamos fazer”
(Lucas 17:10).

Quanto ao conteúdo da ameaça e da promessa devemos primeiro notar


que elas são dadas às pessoas que estão dentro do âmbito da aliança. Agora
vimos que a punição uma vez devida àqueles que são de Cristo desceu sobre
o próprio Cristo. O mal que vem para os Cristãos é castigo e não punição.
Como, então, Deus pode falar de punição a Israel, isto é, o povo de Deus?
Porque nem todo o que é de Israel, é Israelita. Há aqueles que parecem ser de
Israel e devem ser tidos como pertencentes a Israel por causa de sua
profissão, ainda que em seus corações não sejam crentes. Sobre tais virá a
punição. Esta não era uma ideia inserida mais tarde em Ezequiel 18:20: “A
alma que pecar, essa morrerá”, que fez com que os homens postulassem um
Deus justo, mas foi um Deus justo, que disse já em Deuteronômio 24:16: “Os
pais não morrerão pelos filhos, nem os filhos pelos pais; cada um morrerá
pelo seu pecado”. É aqui que lidamos com a questão fundamental do nosso
assunto. No entanto, isto não exclui o fato de que nesta vida os filhos de Deus
e os filhos do mundo estão frequentemente unidos por laços familiares.
Igualmente verdade é que Deus estabeleceu leis físicas e morais que vigoram
através das gerações. Deus trata, de fato, em toda a história da redenção, com
indivíduos como membros da raça. Os filhos de Deus são membros da
humanidade redimida. Aqueles não-resgatados realmente não pertencem mais
à humanidade.

Por conseguinte, ocorrerá muitas vezes que os filhos de crentes podem


sofrer as consequências do mal dos pecados de seus pais descrentes ou
crentes. Mas, em todos esses casos, o crente não recebe punição, mas
somente castigo e isto não necessariamente pelos pecados cometidos por ele,
mas para que a glória de Deus seja manifesta.
O Terceiro Mandamento — Revelação

1. Observações
Para a correta compreensão do Terceiro Mandamento é necessário, antes
de tudo, compreender o que as Escrituras, em geral, querem dizer com um
“nome”. Chegamos a pensar em nomes como marcas convenientes usadas
para fins de identificação. Mas isso é na melhor das hipóteses um uso
subordinado de um nome. No “reino dos céus” cada nome é uma expressão
significativa da essência dos vários membros. Podemos até mesmo ampliar
esta ideia. Em um teísmo bíblico cada membro pode ter um significado
porque a adesão a um sistema teísta implica relação com Deus. Por outro
lado, em “sistemas” antiteístas nenhum nome pode ter mais do que uma
marca de identificação, uma vez que não existe um sistema no qual podemos
ser membros. Mesmo a marca de identificação é uma importação teísta, já
que em um nativo antiteísmo não há nada, senão pluralidades alheias entre si,
em que ninguém pode significar nada para ninguém.
Agora, uma vez que através da redenção o teísmo é restaurado
esperamos achar que haverá alguma indicação do significado de nomes. O
“nome” de Cristo restaura o centro da unidade. Ele re-liga o homem a Deus,
que é o centro e a fonte de toda a predicação significativa. Assim, o homem
está habilitado a ter um nome real novamente.
Novamente, uma vez que na dispensação do Antigo Testamento temos
uma expressão mais exterior do princípio da redenção do que no Novo
Testamento, esperamos que nomes do Antigo Testamento sejam mudados
mais frequentemente à medida que eles são postos em relação com a
promessa do que acontece no Novo Testamento. Especialmente àqueles que
ocupam um lugar de importância estratégica no processo da redenção serão
dados nomes que se encaixam à sua posição. Tais nomes podem ser dados no
momento em que os destinatários são elevados para uma posição mais
elevada na nação redimida, como no caso de Jacó, que é mudado para Israel.
Outrossim, o nome pode ser dado quando pela primeira vez alguém recebe
formalmente uma posição de importância como quando Abrão e Sarai são
mudados para Abraão e Sara. Novamente tal nome pode ser dado de acordo
com a direção de Deus no nascimento ou mesmo antes do nascimento, como
foi o caso do nome que estava acima de todo nome.
Não é de admirar, então, que o “nome” seja de grande importância. Os
apóstolos fizeram milagres em nome de Jesus, e batizaram os homens em
nome do Triuno Deus.
Mas se este for o caso, o nome de Jesus ou o nome de Deus deve ser
mais do que “a minha ideia sobre Deus”. Assim vemos que nas Escrituras
Deus diz ao Seu povo o que o Seu nome é e como Ele quer que eles o usem.
O nome Yahwéh não é dado a Deus pelo povo, mas por Deus para Si mesmo.
O nome de Deus representa Sua personalidade. Isso significa algo
diferente para o Seu povo do que para aqueles que não são o Seu povo. O
nome de João por exemplo pode significar muito para sua esposa enquanto
que para um estranho pode significar pouco ou nada. Então, o povo de Deus
conhece o nome Yahwéh, porque eles são conhecidos, ou seja, amados por
Ele. Deus revelou Seu propósito gracioso para o Seu povo em Seu nome.
Yahwéh significa aquele que será fiel para consumar Suas promessas de
redenção para os Seus próprios. Assim, quando Deus em Cristo Se revelou a
você, e você recebeu a plena posse desta revelação, você expressa tudo isso,
invocando por seu Deus numa relação de aliança, Yahwéh.

Não é de admirar, então, que o nome do Senhor torne-se um ponto de


discórdia em um mundo de pecado. Os homens vão trabalhar por sua honra
ou buscarão arrastá-lo na lama. Mesmo ser “neutro” é impossível e
pecaminoso, uma vez que explicita o escárnio de um coração altivo contra o
Deus gracioso e Seu amor condescendente pelo qual Ele Se revelou ao
pecador. Não há, pois não pode haver, por exemplo, um conhecimento
imparcial que investigará as reivindicações da revelação especial de Deus nas
Escrituras que não seja mais ou menos do que a explicação do nome de
Yahwéh.
2. O que é Comandado

A. Seus Povo Deve Conhecer Esse Nome ou Revelação


Se o nome Yahwéh significa a revelação do gracioso poder salvífico de
Deus para com Seu povo, segue-se que o Seu povo deve buscar conhecer a
plenitude da revelação na medida em que pode compreendê-la. Todos os
homens têm alguma revelação de Deus dentro deles, a voz da consciência,
um anseio por algo acima deles, um medo dos seus pecados serem
descobertos. Mas o crente teve as escamas de escuridão que estavam sobre
seus olhos, por causa do pecado, removidas pelo Espírito Santo. Assim
sendo, ele pode ver o verdadeiro caráter da revelação geral e mais
particularmente a revelação especial que veio a ele. No entanto, há muito
progresso a ser feito. Pois, muitos dos que entraram em contato salvífico com
Jesus enquanto Ele estava na terra demoraram muito tempo antes que eles
pudessem conhecer mais e mais a profundidade da redenção graciosa que
haviam recebido.
Portanto, o estudo particular das Escrituras é uma obrigação sagrada para
cada crente. A negligência nisto resulta inevitavelmente em pobreza
espiritual. Quem pode calcular até que ponto o fracasso do estudo das
Escrituras de forma privada e familiar, é responsável pelo fato de que a igreja
é invadida pelo Modernismo? Tanto pelo modernismo, bem como por outros
ismos especialmente todos os tipos de ocultismo como o Buchmanismo
florescem quando as pessoas são ignorantes das Escrituras.
O indivíduo deve ter um conhecimento sistemático da Escritura. A falta
disto faz dele uma presa fácil do Russelismo, Mormonismo, etc. Muitas
dessas seitas afirmam basear seu sistema na Escritura e não encontram
nenhuma dificuldade em citar passagens que soam como se corroborassem a
interpretação colocadas sobre elas. O russelita cita João e diz que Deus é
amor de modo que não pode haver qualquer punição eterna. Como crentes se
manterão preservados de se desviarem para todos os tipos de caminhos a
menos que possam interpretar a Escritura com a Escritura e, portanto, tenha
uma concepção integral e holística dos propósitos e natureza de Deus? Agora,
os Catecismos visam dar justamente tal conhecimento sistemático da
Escritura. Haveria uma melhor proteção para a igreja contra todos os tipos de
heresias do que um ensinamento fiel das crianças e dos jovens nos
Catecismos da Igreja? É claro que uma política consistente e a única segura
política de instrução Cristã, inclui a provisão de uma escola Cristã primária e
do ensino médio, na qual apenas um conhecimento muito sistemático do
geral, bem como a revelação especial de Deus sejam lecionados.
A responsabilidade coletiva do povo de Deus é tão grande quanto a
responsabilidade individual no que diz respeito à questão de conhecer a
revelação de Deus.
Como “o corpo de Cristo”, a igreja deve prover a formação de ministros.
A igreja como uma instituição é responsável pela perpetuação especialmente
dos oficiais de ensino e dos anciãos regentes. Disso segue-se que seminários
teológicos devem ser providos. Não é como se esta fosse uma maneira
baseada no senso comum de promover a propagação da verdade apenas. É
isso, porém é muito mais. É dever sagrado da igreja estabelecer seminários
verdadeiros em favor da promoção da revelação de Deus sem se importar se
haverá ou não quaisquer resultados visíveis. Aqueles que são fiéis podem
deixar o futuro nas mãos de Deus.
O currículo de tais seminários não será formado de acordo com os
caprichos passageiros de ensino, mas serão formados de acordo com os
requisitos da maneira mais eficaz de ensino da Palavra. Naturalmente, então,
as línguas originais da Escritura estarão entre as primeiras prioridades do
programa. Sem que se trabalhe para conhecê-las não se pode realmente
interpretar a Escritura em nome e com a autoridade de Cristo.
Em seguida, ainda mais, a igreja instituída recebe o dever sagrado de
levar o conhecimento da revelação de Deus até os confins da terra.
Missionários bem preparados de modo que possam “manejar bem a Palavra”
são muito necessários hoje. Não é possível calcular os tristes resultados já
colhidos por nós, por causa da falha da igreja a este respeito.
Mas a responsabilidade coletiva do povo de Deus não se esgota quando,
enquanto igreja instituída, eles foram fiéis no ensino doméstico e na
promoção pública de ensino. Como um organismo, ou seja, como um grupo
de Cristãos, concebidos agora não como a igreja, mas em suas relações mais
amplas, o povo de Deus deve procurar honrar o nome de Deus em todo o
mundo em todos as áreas de empreendimento humano. A terra é do Senhor.
A ciência, a arte e a moral são do Senhor. Daí a obrigação dos Cristãos de
conhecer e dar a conhecer o nome do Senhor nestes domínios. Para o efeito,
procurará estabelecer faculdades e universidades verdadeiramente Cristãs,
totalmente equipadas com a melhor técnica para anunciar o nome do Senhor
sobre “o universo estrelado acima de mim e a lei moral interior”. Nós
podemos estar certos de que seminários ortodoxos por si só não podem conter
a onda de incredulidade. Seu trabalho é de caráter mui especial, mas limitado.
Para se obter uma vida Cristã e uma visão de mundo realmente eficaz, a
média dos estudantes precisa de mais do que um curso de seminário de três
anos. Não é justo esperar que nossos ministros tenham uma visão muito
abrangente e realmente Cristã das coisas, a menos eles sejam ajudados a
relacionar todos os seus interesses à concepção central do nome de Deus.

B. Nós Confessamos o Nome do Senhor


A confissão, no sentido de dar a conhecer o nome do Senhor, seria a
tarefa profética original que o homem deveria executar. O homem estaria
buscando a verdade, envolvendo-se cada vez mais profundamente na
revelação de Deus. Nesta base teria sido realizado o que é agora tão
frequentemente apresentado como sendo o verdadeiro esforço da ciência, isto
é, a busca cooperativa e mutuamente apreciativa pela verdade.
Desde a entrada do pecado, no entanto, a guerra chegou ao acampamento
dos buscadores da verdade. No início, eles se dividiram sobre a questão de
onde a verdade pode ser encontrada. Um grupo diz que não pode ser
encontrada em Deus, mas deve ser encontrada no Universo como revelado na
mente do homem. O outro grupo diz que isso tornaria a busca
desesperançada. A verdade deve ser fundada em Deus e, desde a entrada do
pecado, em Deus através de Cristo. A ciência verdadeira, como vimos,
também deve ser mediada assim como a verdadeira adoração tem que ser.
Ora, é a coisa mais fácil para o Cristão omitir-se em relação ao princípio
da revelação justamente neste ponto. Aqui, se é que isso existe em qualquer
lugar, a neutralidade parece ser possível. Por isso, é o dever sagrado da igreja
afirmar a verdade da Escritura sistematicamente e sob a forma de Confissões.
Devemos trazer essas confissões sempre atualizadas no sentido de que uma
visão mais profunda da revelação de Deus é dada à igreja em cumprimento da
promessa do Espírito, a igreja deve dar expressão a esta visão mais profunda.
Há um slogan que possui uma grande sonoridade piedosa muito em
evidência nos dias de hoje. Esse slogan é: “nenhum credo, senão Cristo”.
Com este slogan um autoenganado e bem-intencionado grupo de líderes
eclesiásticos procura ganhar novos convertidos para Cristo em uma era
“científica”. Que pobre serviço tal slogan presta a Cristo! Além do fato de
que todas as pessoas, na realidade, têm um credo de algum tipo, o que reduz
o slogan à manifestação de um absurdo psicológico, nada poderia ser menos
fiel ao espírito de Cristo do que contrastar Ele com um credo. Ele mesmo
procurou nos dar uma crença sobre Deus e sobre Si mesmo, ou seja, que Ele e
o Pai com o Espírito Santo é o único Deus absoluto e Triuno. A igreja não
tem feito nada mais do que transmitir o credo que Cristo nos deu. Um credo
não pode, mesmo na natureza do caso, de acordo com o modo Cristão de
pensar, ser contrastado com a Pessoa de Cristo. Um credo não é nada mais do
que uma declaração sobre o Cristo. Esta afirmação pode ser verdadeira ou
falsa, pelo que credos verdadeiros e falsos podem ser contrastados, mas a
própria declaração não pode ser contrastada com a Pessoa.

Em vez de prestar um serviço a Cristo, o slogan: “nenhum credo, senão


Cristo”, fortalece as mãos daqueles que negam a Cristo. Foi o pecado de Eva
dizer que não havia nenhum credo sobre Deus. O Diabo disse que não havia.
Ele disse que o credo que Deus disse sobre Si mesmo era questionável, que
estava aberto a questionamentos. De quem? De sua majestade, o próprio
homem. Será que o homem ouvindo o arquienganador lançou fora o credo?
Não, ele mudou o credo. Ele agora acreditava em si mesmo, em vez de
acreditar em Deus. Por esta razão, Satanás gosta de questionar crenças sobre
Cristo. Ele ama a atmosfera enevoada da imprecisão e da generalidade.
Transfigurado em um anjo de luz ele diz a ministros “piedosos” que eles não
devem anunciar uma Pessoa e não um princípio intelectual frio. Como se
estivessem anunciando a Pessoa de Cristo, ao mesmo tempo que
negligenciam o credo da Sua Divindade. Se eu sou um homem com uma dor
de dente, eu preciso saber se o homem que se apresenta como cirurgião-
dentista é mesmo um dentista ou um encanador. Nesses casos eu não evito o
credo nem o comparo com uma pessoa. Eu o conecto com a pessoa que deve
me salvar. Assim o credo tem o mais direto e prático significado para mim.
Vemos que a tarefa da igreja como uma instituição é estabelecer e
também defender o credo. Aqui há novamente uma atitude de paz a qualquer
preço. Ministros testemunham que eles próprios são ortodoxos, mas não
movem um dedo quando outros ministros na mesma igreja minam a própria
fé em Cristo como Deus. Agora, além da consideração de que tal atitude seria
considerada subversiva mesmo em qualquer organização de negócios, é
altamente desonroso para Cristo. Aqueles que negam as verdades do
Cristianismo não são tolerantes. Chamar o que os homens creem de uma
questão de diferença é negar a importância da crença em si. Não se pode crer
sem um objeto em que acreditar. Qualquer descuido sobre as doutrinas de
Cristo a respeito dEle ou de Deus é ipso facto uma negação de Cristo e de
Deus. Dizer que você crê em Cristo como Filho de Deus, e ao mesmo tempo
dizer que aqueles que não creem nEle são seus irmãos é, no sentido Cristão
do termo, contradizer-se. Você não diz em linguagem comum que você ama
sua esposa e filhos ainda que você tenha feito nenhum esforço para protegê-
los contra o assassino que os matou. Você não diz que você é um verdadeiro
soldado americano quando no exercício de guerra você nunca movimentou
tanto quanto um dedo para proteger as estrelas e listras. Fracassar em ser um
defensor em tempo de guerra é traição ao país. Agora, a tarefa do Cristão é
uma guerra. “Não penseis que vim trazer paz sobre a terra...”. Na medida em
que o mal e o pecado estão aqui, e na medida em que Cristo veio com o
propósito declarado de destruir as obras das trevas, o Cristão deve lutar,
frequentemente pela honra de Cristo (Tito 2:10; 1 Coríntios 11:19; Gálatas
5:19-20; 2 Pedro 2:1).
O dever sagrado da controvérsia está implícito na própria tarefa de
sustentar o testemunho confiado aos cuidados da Igreja. Alguém não pode
testemunhar fielmente de Cristo se não testemunhar contra aqueles que se
opõem a Cristo. Se o conhecimento do nome de Cristo deve avançar é preciso
avançar em face de obstáculos. O “homem natural” odeia as coisas de Deus e
tentará se opor a elas. Apenas no confronto com a oposição é que o
Cristianismo pode avançar. Ele se encontrará com a oposição em todos os
lugares. Como pode algum fiel discípulo de Cristo, então, esperar
testemunhar de Cristo em qualquer lugar sem testemunhar contra a oposição
a Cristo?
Em consonância com o que foi citado anteriormente, podemos observar
que o pregador não deve fazer nenhum desprezível pedido de desculpas por
apresentar sua mensagem. Ele deve, antes, falar com autoridade. Ele fala não
as suas próprias palavras, mas as palavras de Cristo e as palavras de Cristo
nunca podem ser anunciadas aos homens, exceto com autoridade. O pregador
não vende ações e títulos que podem ser resgatados acima do valor no banco
do Céu algum dia. Nem ele aconselha as pessoas a terem um interesse nisso
junto com outras coisas. Pelo contrário, ele traz as demandas de Deus sobre o
homem. O julgamento deve ser sempre o plano de fundo, mesmo quando ele
usa para seu texto as palavras de Jesus: “Vinde a mim todos os que estais
cansados e oprimidos e eu vos aliviarei”. Jesus ofereceu descanso, mas Ele
também disse que aqueles que não aceitassem o Seu descanso, seriam
lançados nas trevas exteriores.
Aplicando ainda mais as exigências de Cristo sobre o fato de que nós
devemos confessar o Seu nome diante dos homens, podemos considerar a
questão da disciplina doutrinária na congregação local. Está se tornando
muito comum na igreja, este costume de sessões permitindo qualquer um e
todos à membresia da igreja caso eles deem uma garantia razoável de
concordar com as normas da igreja ou não. Tal coisa não é digna de qualquer
organização humana. Tornar-se um cidadão da América pressupõe pelo
menos algum conhecimento da constituição deste país. Muito mais, então, é
um dever sagrado daqueles a quem estão confiadas as chaves do reino dos
Céus que estejam razoavelmente certos de que aqueles que procuram a
adesão plena naquele reino saibam algo sobre o amor e a constituição que
rege os seus cidadãos. Falha em ser fiel, significa, além disso, consequências
desastrosas. Em breve, membros admitidos absolutamente sem qualquer
padrão podem ser eleitos para se tornarem presbíteros da igreja. O que então
pode impedir o púlpito de apresentar um evangelho pagão em vez de um
Evangelho Cristão?
Finalmente, nós podemos notar que, como foi o caso em conhecer a
revelação de Deus, assim também acontece no que diz respeito ao confessar o
nome de Deus; o dever dos Cristãos não é plenamente cumprido na qualidade
de membros da igreja eu Cristo institui, se eles não forem fiéis em todas as
questões enumeradas. O povo de Deus, além disso, tem um dever a cumprir
em campos mais amplos do que o abrangido pela igreja instituída. O mundo
propaga a mentira, instigado pelo príncipe das mentiras, pelas avenidas da
ciência e da arte. Consequentemente os Cristãos não podem limitar o seu
anúncio da verdade à palavra pregada na igreja. Os Cristãos devem entrar no
campo da ciência. Se possível, eles devem treinar Cristãos físicos, biólogos,
etc. Tais cientistas devem investigar e interpretar a natureza como a obra de
Deus, nunca temendo a farsa muito elogiado da “neutralidade”. Assim,
também os Cristãos devem entrar no campo da arte para reivindicá-la para
Cristo. O dano feito à causa de Cristo, por romances e literatura não-Cristãos,
em geral, é incalculável. Um jornal Cristão diário pode ser um ideal
impossível de realização no momento presente, no entanto, é um ideal
verdadeiro.

3. O que é proibido
O que é proibido é naturalmente a negligência ou uma oposição aberta à
revelação de Deus. Podemos omitir uma discussão completa sobre este ponto,
simplesmente apontando que a negligência da e oposição à revelação de Deus
irá, naturalmente, revelar-se em uma negligência de e oposição a qualquer
tentativa de conhecer e confessar o nome do Senhor. Nós já sugerimos várias
formas de transgressão, a fim de deixar claro o que foi ordenado. No entanto,
pode ser de alguma utilidade enumerar algumas formas mais específicas do
espírito geral da oposição à revelação de Deus.
Como a primeira destas, podemos citar novamente as nações pagãs. Sua
“busca da verdade” não é algo tão inocente como ela é muitas vezes
apresentada ser. O paganismo é uma deflexão de um teísmo original, ou em si
o teísmo não é verdade. O paganismo é antiteísta. Se ele procura a verdade,
pesquisando no universo à parte de Deus.
Em segundo lugar, nós podemos mencionar cada movimento no
pensamento que aparece no meio de uma civilização “Cristã” e ainda não
realmente contemplar a revelação de Deus. É claro que todo o pensamento
civilizado tem, em certo sentido especulado sobre o fenômeno do
Cristianismo. Mas a implicação da cruz de Cristo é que a própria essência da
personalidade humana é corrupta. Portanto, se o Cristianismo for levado a
sério em absoluto, aqueles que o aceitam devem levar “seus pensamentos
cativos à obediência de Cristo”. Assim uma ciência ou filosofia que procura
interpretar a natureza da realidade em toda a independência da Escritura é
ipso facto não-Cristã. Não que gostaríamos de pedir a Einstein que fosse
diretamente à Bíblia. Ele lida, obviamente, com os fatos da natureza. Mas
quando ele conclui a partir dos fatos da natureza que não pode haver Deus
absoluto, ele não somente é não-Cristão, mas não-científico. Ele assumiu a
existência independente dos “fatos” desde o início e com isso assumiu a não-
existência de Deus. Depois disso era desnecessário e impossível provar algo
sobre Deus. Assim, descobrimos que a chamada abordagem “neutra” na
ciência ou filosofia é, na realidade, uma abordagem negativa, tanto quanto a
revelação de Deus está em causa e, como tal, é condenada pelo Terceiro
Mandamento.
[...]
O Espiritismo apresenta um fenômeno que é mais difícil de explicar.
Mesmo que nós o consideremos como repleto de fraudes, e como um controle
incrementado dos poderes da natureza, continua sendo difícil excluir os
poderes do mal como fonte de explicação. Como Cristãos, acreditamos na
existência real do Diabo. Acreditamos, ainda, que ele tem um grande talento.
O nosso grande conforto com respeito a Satanás é que ele está totalmente sob
o controle de Deus. Por isso, se obedecermos a revelação de Deus não
precisamos temer nenhum Diabo.
Deve-se observar que, mesmo se o poder satânico, não for realmente
operativo através de um determinado médium, o próprio médium afirma
comunicar-se com o “outro mundo”. Além disso aqueles que vão ao médium
esperam obter através dele uma revelação do outro mundo. Estas
considerações são suficientes por si só para os Cristãos, para evitar o
Espiritismo. Para o Cristão deve ser uma abominação sequer tentar ir a outro
lugar além de a Deus para a sabedoria que ele precisa. Se ele vai para outros
lugares, ele reduziu Deus ao nível de um mago. “À lei e ao testemunho! Se
eles não falarem segundo esta palavra, é porque não há luz neles” (Isaías
8:20).
Na Teosofia, uma falsa filosofia antiteísta combina-se com o ocultismo,
a fim de levar o povo de Deus ao erro. Em 1877, Henry Olcott e Madame
Blavatsky publicaram “The Isis Unveiled” [A Ísis Sem Véu]. Agora, Madame
Blavatsky tinha viajado ao Tibete, onde ela esteve em contato com os sábios
do Oriente. isso, sem dúvida, explica o panteísmo ateísta da teosofia. O
panteísmo dos Vedas reside aparente em sua doutrina de Brahma. Brahma é o
princípio eterno de todo o ser. Agora, a alma humana está em sua
profundidade íntima idêntica com este Brahma, e por isso é divina. Da
mesma forma a doutrina de Deus da teosofia é a de um princípio impessoal
falado pelo pronome neutro “isso”. O mundo é um sopro disso, e o homem
como uma parte do mundo, segue no caminho de rarefação e condensação a
partir de e para “isso”. Não é de maravilhar-se que sobre um tal fundamento
não seja necessária nenhuma revelação salvífica de Deus. Não é a existência
do mal, mas o mal da existência que perturba a mística oriental.
Não é de admirar que estas seitas orientais estão encontrando entrada
pronta nas terras ocidentais. Elas encontram o solo preparado para elas.
Radhakrishman, em seu livro, “The Reign of Religion in Contemporary
Philosophy” [O Reino da Religião na Filosofia Contemporânea], aponta que a
filosofia idealista é muito semelhante às filosofias orientais. Ambas mantêm a
autossuficiência do homem. Não precisa de revelação. Não é tanto uma
sociedade ímpar de teosofia que a igreja precisa temer como o espírito
teosófico do modernismo dentro da igreja. O inimigo está dentro dos portões.
O uso de lançar sorte apresenta um problema diferente novamente. O
mundo não pode realmente falar do uso de sorte. Uma pessoa descuidada
pode tomar alguma decisão importante, através do estabelecimento de um
determinado sinal. Quando ela faz isso, está apelando para um destino ou
acaso. Quando mais científico, ele pode usar a lei das médias, como as
companhias de seguros de vida fazem. Agora, essa utilização seria
perfeitamente legítima se fosse reconhecida que não são mais do que formas
da providência de Deus, mas quando isso é esquecido — como quando
acontece que algum computador nos diz quantos seres humanos podem,
eventualmente, nascer de acordo com a lei das chances —, tal uso se torna
antiteísta.
Mas, e sobre o uso de lançar sortes pelo Cristão? Parece que a primeira
condição de qualquer uso correto de sorte seria o reconhecimento da verdade
de Provérbios 16:33: “A sorte se lança no regaço, mas do Senhor procede
toda a determinação”. Este é o reconhecimento da providência de Deus.
Agora esse reconhecimento de uma só vez coloca Deus, em vez da chance,
por detrás da sorte. Por conseguinte, parece também diminuir a ocasião para a
utilização de sorte. A genuína confiança na providência de Deus
normalmente é suficiente para o Cristão.
Então, além disso, a vida do Cristão deve ser guiada mais diretamente
pela revelação especial de Deus. Esta revelação especial contém princípios de
orientação. É o Cristão deve procurar entender estes princípios.
Normalmente, um claro entendimento destes princípios salvará de muitas
perplexidades. Nós geralmente estamos em dúvida quanto ao que fazer, não
porque não há nenhuma orientação, mas porque não conseguimos observá-la.
Se, então, em tal caso, procurarmos uma pessoal dispensação da revelação de
Deus, isso seria desonrar a Deus, e não poderíamos esperar obter nenhuma
resposta.

Deve ser notado ainda que, como Cristãos, nós temos a revelação
especial de Deus concluída. Consequentemente, descobrimos que duas
formas de uso de sorte que eram comuns na dispensação do Antigo
Testamento não são mencionadas no Novo Testamento. A primeira é a sorte
de previsão (Sors divinatoria); o Urim e o Tumim eram muitas vezes, e isso
legitimamente, usados para determinar qual seria o resultado de um curso de
ação (Números 27:21; Êxodo 28:30). A segunda é a sorte de consulta (Sors
consultatoria, em Josué temos o caso de Acã ou em Levítico 16:8, os dois
bodes). Os moralistas Cristãos geralmente consideram estas duas formas de
usar a sorte como pertencentes à dispensação de sombras ou como
estabelecidas por razões pedagógicas.
Resta ainda, então, a sorte de divisão (Sors divisoria) usada no Antigo
Testamento na divisão de Canaã. Esta forma, se usada sobre a base do
reconhecimento da providência de Deus e segundo os princípios da revelação
de Deus tendo sido consultadas com oração, podem ser usadas pelos Cristãos
de acordo com a maioria dos moralistas Cristãos. Esta é, então, uma oração
mais solene para um testemunho de Deus com relação a alternativas possíveis
a fim de resolver uma diferença de julgamento.
O juramento é amiúde considerado como sendo a principal forma de
transgressão do Terceiro Mandamento. A profanação pública, naturalmente,
um mau uso grosseiro da natureza de Yahwéh. Isso reduz esse nome tão
cheio de santidade a um palavrão vazio. Assim também qualquer uso leviano
do nome é desonroso a Deus.
Mas a questão agora surge é se os Cristãos podem alguma vez usar o
nome de Deus de modo que, assim, deem testemunho da veracidade de suas
declarações. Muitos disseram que isso é ilícito por si. A fim de verificar se
esta afirmação é bíblica é preciso primeiro discutir o que se entende por
juramento.
Ora, o juramento é a tentativa do homem de trazer as suas declarações à
presença imediata de Deus, a fim de testificar a sua verdade. Enquanto não
havia pecado no mundo não havia nenhuma ocasião de usar o juramento.
Adão estava constantemente consciente da presença imediata de Deus. Mas,
por causa do pecado, o homem pensa que Deus está mui longe. Parece ao
pecador que ele lida com Deus somente em ocasiões especiais. Por isso, se
houver necessidade especial de veracidade, o homem coloca-se logo diante
do julgamento de Deus admitindo que a ameaçada punição de Deus pode
justamente descer sobre ele se ele não tiver falado a verdade.
Agora, encontramos que Deus tem condescendido com as necessidades
do pecador tanto quanto ao uso do juramento. Deste juramento Yahwéh
duplamente assegurou que as promessas de Deus devem ser cumpridas. “E
disse: Por mim mesmo jurei diz o Senhor, pois por teres feito isso e não me
negaste o teu filho, o teu único filho...” (Gênesis 22:6). Em Hebreus 6:17 é
feita uma referência a isso a fim de nos dizer que o Senhor propositalmente
usou o juramento para confirmar o Seu pacto (Hebreus 6:17). O apóstolo
[14]
compara esse ato de Deus com atos similares dos homens (Salmos 95:11;
110:4).

Por conseguinte, não somos surpreendidos ao descobrir que o próprio


Jesus fez juramento em uma ocasião importante quando Se apresentou
perante o tribunal de Pilatos. Ele não usou a forma usada hoje, mas Ele usou
a forma vigente na época. Os Apóstolos seguiram esta prática. “Ora, acerca
do que vos escrevo, eis que diante de Deus testifico que não minto” (Gálatas
1:20). Nós até mesmo encontramos que Deus mesmo comandou ocasiões
para usar o juramento. “O Senhor teu Deus temerás e a ele servirás, e pelo
seu nome jurarás” (Deuteronômio 6:13). “Então haverá juramento do Senhor
entre ambos” (Êxodo 22:11).
Mas aqueles que sustentam que nenhum Cristão pode, a qualquer
momento, utilizar o juramento apelam diretamente para as palavras de Cristo
em Mateus 5:36: “Não jurarás”. Mas estas palavras não poderiam muito bem
significar um comando ilimitado, a menos que estivéssemos prontos a
sustentar que o próprio Cristo não fez jus a este comando quando jurou diante
de Pilatos. Por causa dos dados bíblicos aduzidos, será necessário investigar
se as palavras de Jesus devem ser tomadas em um sentido ilimitado. Nós
encontramos que elas podem e devem ser consideradas em um sentido
limitado. Jesus se opôs e proibiu o juramento antiteísta e nada mais. Os
fariseus tinham medo de usar o nome Yahwéh no sentido genuinamente
teísta, mas eles tentavam encontrar um reino de coisas humanas, através da
qual eles poderiam jurar livremente, sem envolver o nome de Deus em
absoluto. Como se todo juramento por qualquer criatura de Deus não fosse
também, ainda que indiretamente, jurar pelo próprio Deus. Por isso, Jesus diz
a eles que não jurem em absoluto por qualquer criatura pensando que tal
juramento não envolve Deus. Assim, as palavras de Jesus não são dirigidas
contra aqueles que juram com propósito sério apelando diretamente a Deus.
Se, então, a legitimidade do juramento está estabelecida, devemos
perguntar sobre o seu uso.
Quem deve administrar o juramento? Nós temos nos acostumado com a
ideia de que o governo tem o direito de administrar o juramento. Agora, a
razão que se sugere de imediato para a posição elevada do governo é que é
em matéria de governo a mais solene verdade é necessária. No entanto, uma
razão adicional e mais profunda deve ser procurada. O governo foi instituído
por Deus. Obediência ao governo é exigida do Cristão, porque o governo é
servo de Deus. Claro que, quando o governo em si é ateu, isso reduz o seu
privilégio a um sacrilégio e um absurdo.
Quem pode fazer o juramento? No que diz respeito a natureza do caso,
uma criança ou uma pessoa irresponsável não podem fazer um juramento.
Porém, mesmo um Cristão responsável deve estar certo de que ele é
verdadeiro não apenas em propósito (veritas in mente), mas também
verdadeiro de fato. Além disso, o assunto sobre o qual ele jura deve ser justo
(justitia in objecto). Agora, quando os três estão presentes, (a) capacidade ou
judicium in jurante, (b) veritas in mente, e (c) justitia in objecto, o juramento
não pode ser evitado. Mas nós ainda podemos ser confundidos, apesar das
precauções mais cuidadosas. Em tais casos, devemos agarrar-nos ao nosso
juramento a menos que tal apego ao nosso juramento comprometa a honra de
Deus.
Chegamos agora a um assunto relacionado, a Imprecação. No discurso
comum, o juramento não é usado exclusivamente para o testemunho da
verdade, mas também como uma expressão de ódio aos inimigos. Agora é
evidente que tal imprecação é antiteísta. Os homens muitas vezes recorrem a
forças externas a Deus. Se eles realmente recorressem a Deus eles também
seriam muito cuidadosos em como eles recorreriam a Ele. A questão agora é
saber se é alguma vez admissível ou um dever de um Cristão apelar a Deus
para a destruição de um inimigo. Nós podemos dizer de uma vez que isso não
é permitido a menos que seja um dever. Se a imprecação está errada em todos
os casos, o Cristão não pode permitir-se a qualquer momento a privilégio de
ser não-Cristão. Para o verdadeiro Cristão não é privilégio ser não-Cristão,
em qualquer sentido.
O modernista e o crente ortodoxo dão respostas contrárias à questão de
saber se a imprecação pode, a qualquer momento, ser um dever para o
Cristão. O modernista diz que não e o crente ortodoxo diz que sim.
Os modernistas apelam de uma vez às palavras de Jesus que nós
devemos amar nossos inimigos e apelam ainda mais para a “consciência
Cristã”, que nos proíbe de odiar alguém. Assim, ele argumenta em favor de
sua posição aparentemente com grande facilidade.

O crente ortodoxo está, de uma vez, sob a suspeita de não ter nenhum
amor real e nem um espírito Cristão em seu coração, se ele sustenta o
possível dever da imprecação. Sua “Consciência” é uma do tipo modernista e
não realmente Cristã. Mas isso de uma vez levanta a questão de saber que
consciência é realmente a “consciência Cristã”, a do modernista ou a do
crente ortodoxo. Agora, a “consciência Cristã” do modernista em nenhum
caso hesita em modificar o Antigo Testamento, nem mesmo as palavras dos
Apóstolos, nem — se considerar necessário — as palavras de Cristo. Por
conseguinte, não considera que o mal e o pecado são tão grandes que
requerem um poder realmente autorizado para a sua eliminação. A
experiência é tomada como o ponto de partida e teste de toda a verdade. Mas
com essa atitude o modernismo tem perdido o nome de Cristão, desde que
Cristo e os Apóstolos claramente reivindicam autoridade absoluta. Com esta
posição, o modernismo também desistiu do teísmo, uma vez que o teísmo
implica o controle absoluto de Deus sobre o mal, cujo controle é destruído
caso o Cristianismo não seja absoluto.
Como crentes Cristãos nós não nos desculpamos por considerarmos o
Antigo e o Novo Testamentos como autoritativo no assunto. Especialmente
neste ponto é necessário manter a harmonia essencial de seu ensino. Há uma
certa plausibilidade sobre o argumento de que o Antigo Testamento admitia a
imprecação enquanto o Novo Testamento definitivamente a exclui. As
palavras de Jesus no Sermão do Monte, parecem ser contrastadas por Ele com
o Antigo Testamento. No entanto, este não é o caso. Jesus em nenhum lugar
contradiz o espírito do Antigo Testamento. Ele somente rejeita aqueles que
interpretaram mal o Antigo Testamento. Jesus, é claro, admite uma diferença
de dispensações. Ele afirma mesmo que Deus atenuou temporariamente o
absolutismo de Suas demandas por causa da dureza dos corações dos crentes
do Antigo Testamento. Mas tudo isso não afeta de modo algum a unidade do
princípio entre os dois Testamentos. Além disso, pode haver uma grande
diferença na forma de manifestação por parte da experiência do crente.
Devido ao externalismo da dispensação anterior, Deus pôde exigir de Seu
povo que eles matassem os inimigos do Senhor. Devido ao maior
internalismo da dispensação do Novo Testamento Deus não ordenará uma
coisa dessas. Matar um inimigo de Deus, mesmo partindo do ponto de que o
Cristão estivesse certo de quem era o verdadeiro inimigo de Deus, seria um
pecado na presente dispensação. Mas, novamente, tudo isso não afeta
minimamente a unidade de princípios entre os dois Testamentos. Ou, o que é
o maior mal que pode acontecer a um inimigo de Deus, ser corporalmente
morto ou ser lançado na escuridão eternada qual Jesus tanto fala? Jesus nos
diz repetidas vezes que aqueles que não amam a Deus serão excluídos da vida
eterna. Em seguida, Ele Se identifica com Deus e diz que aqueles que não O
desejam como rei, não amam a Deus e devem, portanto, ser separados de
Deus. Ora, Ele espera que os Seus próprios devam amar a Deus e a Ele com
todo o seu coração. E se o fizerem, devem ter a mesma atitude para com os
ímpios que Deus e Cristo têm para com os ímpios. Assim, nós encontramos
que somente o mais espiritual dos filhos de Deus, o mais completamente
preenchido com o amor de Deus, se atreveu a imitar a Deus e a Cristo
totalmente, pronunciando ódio contra os inimigos de Deus. “Não odeio eu, ó
SENHOR, aqueles que te odeiam?” [Salmo 119:21]. A falta de verdadeira
espiritualidade é que não consegue entender o elemento imprecatório nas
Escrituras. A hiper-espiritualidade do modernismo é um bom exemplo da
flexibilidade espiritual dos nossos dias. O modernismo é tão “amável” que
ele amaria o próprio Diabo. O modernismo tanto amou o Diabo que o
colocou para fora da existência. Não pode haver, ele pensa, ninguém tão mal;
o “Diabo” é apenas um símbolo do mal.

Diante deste hiper-espiritualismo é fácil para os Cristãos suavizarem a


sua demanda por espiritualidade. “Então disse eu: Não me lembrarei dele, e
não falarei mais no seu nome” [Jeremias 20:9a]. Tal foi a tentação de
Jeremias. “Mas isso foi no meu coração como fogo ardente, encerrado nos
meus ossos, e estou fatigado de sofrer, e eu não posso mais” (20:9b). Tal foi a
vitória do profeta. Cristo e Seus profetas e apóstolos são unânimes em dizer
que o reino de Deus não pode ser estabelecido, a menos que o inimigo seja
destruído. Durante a dispensação do Antigo Testamento, o Senhor separou o
Seu povo externamente para que Seu povo soubesse diretamente quem eram
os inimigos do Senhor. Hoje esse não é definitivamente o caso, mas o
princípio de que o dia do juízo é um dia de alegria para o povo de Deus
[15]
permanece inalterado.
O Quarto Mandamento — O Sabath

1. Observações
O Quarto e o Quinto Mandamentos têm um caráter religioso-ético e,
como tal, formam uma transição entre a Primeira e a Segunda tábuas da lei. O
Sabath e a obediência aos pais são de grande importância para a verdadeira
religião e também para a verdadeira moralidade.
Em segundo lugar, descobrimos que o Quarto Mandamento é o único
que não encontra ao menos alguma resposta espontânea no coração do
pecador. Achamos pouquíssimo traço de uma semana em sete dias entre os
povos fora do âmbito da revelação especial. Os Babilônios e os Assírios
tinham uma semana de sete dias, mas é significativo que o “Sabatu” dos
Babilônios era considerado um “dies ater”, ou seja, um dia sombrio. É
verdade, o dia é chamado de “um nuh libbi”, ou seja, um dia de descanso para
o coração, mas Delitzsch interpretou isso como referindo-se aos deuses, ou
seja, era um dia em que os corações dos deuses tinham que ser colocados em
repouso por meio de sacrifício.
É esta circunstância que levou muitos intérpretes a encontrarem no
Sabath exclusivamente uma ordenança da teocracia e não uma ordenança
para a humanidade em geral. Por isso, é importante olhar para esta questão da
origem do Sabath, antes de tudo. Mesmo se nos limitarmos ao Domingo
Cristão a questão da origem ainda é importante uma vez que é, então, parte da
questão maior saber se o Cristianismo está introduzindo algo inteiramente
novo ou se ele está restaurando uma ordenança da Criação.
Alguns têm defendido que o Sabath foi instituído pela primeira vez no
deserto do Sim (Êxodo 16:22-30). Mas toda a história como aqui relatada
pressupõe um conhecimento do Sabath. “Até quando recusareis guardar os
meus mandamentos e as minhas leis?” [Êxodo 16:28]. Isto aponta para uma
lei conhecida anteriormente. Em segundo lugar, as pessoas parecem reunir
uma porção dupla de maná sem que seja dito. Em terceiro lugar, quando
alguns desejam procurar o maná no Sabath, Moisés fica irado com deles
porque ele sugere que eles deveriam ter conhecido melhor. Assim, o
conhecimento do Sabath é muito mais anterior às ordenanças específicas
dadas para o Sabath judaico.
Assim, de acordo com isso, podemos citar ainda (a) o fato mencionado
acima que os babilônios já tinham um Sabath muito anterior ao exílio, (b) a
evidência positiva encontrada em Êxodo 20:8: “Lembra-te”, mas
especialmente em Êxodo 20:11: “Porque em seis dias fez o Senhor os céus e
a terra” (Êxodo 20:8, 11). Esta última afirmação parece apontar para Gênesis
2:3-4: “E havendo Deus acabado no dia sétimo a obra que fizera, descansou
no sétimo dia de toda a sua obra, que tinha feito. E abençoou Deus o dia
sétimo, e o santificou; porque nele descansou de toda a sua obra que Deus
criara e fizera”. Em Êxodo 31:17 ainda diz que Deus “restaurou-se”.

2. O que é Comandado

O Sabath da Criação
Se, então, o Sabath é uma ordenança da criação, isto por si só lança luz
sobre o modo de observância do Sabath. O homem como uma criatura deve
imitar a Deus, seu Criador. Isso é regra geral e aplica-se ao Sabath também.
O próprio Deus não deixou de trabalhar por completo,2 mas deixou o
trabalho específico da criação. Ele Se voltou para o gozo e a bênção do que
Ele havia criado.
Se isso fosse sempre cuidadosamente observado dois extremos teriam
sido evitados. Há o extremo do legalismo que superestima o exterior, fazendo
dele um fim em vez de um meio. Contra esse extremo legalista, é bom
lembrar que o homem — porque ele consiste de corpo bem como de alma —
é certamente chamado a dar expressão exterior de sua religião, contudo, a
relação interna do homem com Deus é sempre a mais importante. A tentação
para o legalismo sempre foi grande desde que o pecador atribui motivos
falsos para seus próprios atos. Ele pensa muito facilmente que se ele fizer
apenas o que parece externamente ser a coisa certa a fazer, aquela relação
interna é de menor importância. Por outro lado, há o extremo de um hiper-
espiritualismo que deprecia o valor do exterior completamente. Este hiper-
espiritualismo pensa que tem a autoridade de Paulo ao seu lado quando ele
afirma que todos os dias são iguais e é preciso apenas guardar o Sabath em
nossos corações. A tentação em direção a esse hiper-espiritualismo é maior
agora do que nunca antes, desde que uma civilização superior, mas não-
Cristã, sempre troca a qualidade ética da espiritualidade pelo status
metafísico mais elevado do espírito sobre a matéria. O Modernismo tem aqui
adotado, como em outros lugares, o princípio pagão em vez do princípio
Cristão, substituindo um status metafísico mais elevado por um contraste
ético.
Originalmente não havia nenhuma razão para tais extremos. O homem
de Deus era equilibrado. Como um profeta, ele via e enfatizava o interior;
como sacerdote, ele trabalhava e destacava o exterior; e como um rei, ele
mantinha os dois em equilíbrio. Desde a entrada do pecado, os homens
tentam ser ou profetas ou sacerdotes e, portanto, não têm sucesso em ser
nenhum dos dois.

O Sabath Redentivo
Nós agora vimos que, para uma compreensão correta do Sabath,
devemos vê-lo antes de tudo como uma ordenação da criação. Isso é
fundamental. A redenção intenciona restaurar a criação. Portanto, nenhuma
ordenança da redenção pode ser entendida corretamente, a menos que esteja
relacionada com a sua equivalente ordenação da criação. Por outro lado, a
redenção também é suplementar à criação. Por isso, é bem possível que haja
uma ênfase especial no sentido redentor de várias ordenanças dadas por
Deus. Agora, nas razões dadas a Israel porque o Sabath deveria ser
observado, menção é feita não somente para imitar o exemplo de Deus
(ordenação de criação), mas também sobre a libertação de Israel da casa da
escravidão do Egito. “Porque te lembrarás que foste servo na terra do Egito, e
que o Senhor teu Deus te tirou dali com mão forte e braço estendido; por isso
o Senhor teu Deus te ordenou que guardasses o dia de sábado”
(Deuteronômio 5:15). Isso introduz o elemento de redenção na medida em
que a libertação do Egito é a primeira expressão típica completa de todo o
processo de redenção do homem. Como consequência, a verdadeira
observância do Sabath sempre será caracterizada por referências à obra
redentora que se centra em Cristo. Consequentemente, apenas aqueles que
estão em Cristo, ou seja, os crentes da Antiga e da Nova dispensação, podem
realmente observar a ordenança da criação de Deus. Aqui, como em outros
lugares, o verdadeiro Cristianismo é o teísmo vindo a si mesmo. Para que o
homem realmente imite a Deus, ele deve estar em vivo contato com Deus.
Assim, o pecador deve reflexivamente virar para o Paraíso passado e
prolepticamente ao Paraíso recuperado, a fim de ver como o Sabath deve ser
celebrado. E isso o pecador pode e fará apenas se ele estiver unido a Cristo.
Daí o Sabath também é chamado de sinal entre Yahwéh e Seu povo. Seu
povo deve observar o Sabath “por aliança perpétua” (Êxodo 31:16).

O Sabath Judaico
Tendo primeiro estudado o Sabath como uma ordenação da criação e,
logo após conectá-lo com o princípio de redenção, em geral, agora nos
voltamos para as várias formas de observância do Sabath. Nós esperamos que
deva haver fases sob a forma de observância do Sabath, porque existem fases
sob a forma do próprio princípio da redenção. Além disso, também
esperamos que — desde que o próprio Cristo é o centro de todo o processo da
redenção — isso mude o modo como a observância do Sabath terá lugar em
conformidade com as mudanças da revelação de Cristo de Si mesmo para o
Seu povo.
Quanto ao Sabath judaico, nós conformemente esperamos que haja uma
forte ênfase sobre a observância exterior das ordenanças do Sabath. Havia
muitas ordenanças a respeito de exatamente como o Sabath deveria ser
observado. Agora, esta ênfase no exterior não é, como vimos, contra as
ordenações da criação, como tal, ainda assim, há muito mais ênfase no
exterior neste estado precoce da redenção do que havia na ordenação de
criação. A razão para isso é, sem dúvida, pedagógica. A redenção entrou a
princípio num momento em que a raça humana na presunção de sua
juventude rebelou-se contra o Criador. Devia, portanto, ser domada com
freios e rédeas. O poder de discernimento espiritual — mesmo quando aqui
em princípio — era tão pequeno e objetivo que a revelação se ajustou em
conformidade.
Em consonância com uma ênfase no exterior, encontramos uma igual
ênfase no negativo. Os pais mais frequentemente dizem “não” às crianças do
que “façam isso”, porque a perversidade de uma criança manifesta-se
diretamente em uma direção destrutiva.
Havia, portanto, um perigo muito grande de tendência ao legalismo nesta
fase inicial. Moisés diz aos filhos de Israel que eles não conseguiram ver o
objetivo final das relações religiosas em que eles estavam envolvidos. Ou
seja, eles não compreendiam que o sangue de touros e de bodes não tinham o
menor valor em si, mas apenas apontavam para o sangue do Calvário. No
entanto, as pessoas persistiam em pensar que se eles somente vivessem de
acordo com os preceitos da teocracia (e neste caso os preceitos com relação
ao Sabath), em um sentido exterior, tudo estaria bem. Quando esse processo
continuou e as pessoas, com o passar do tempo, em vez de obterem
conhecimento espiritual mais profundo fixaram os olhos cada vez mais sobre
o exterior, é que surgiu aquele estranho conglomerado de equívoca seriedade
moral e espiritual, que chamamos de farisaísmo.
Finalmente, há um ponto de importância específica a ser observado em
relação ao Sabath judaico. Ele é muitas vezes apresentado apenas como típico
do Sabath do Novo Testamento. No entanto, este não é o caso. O período do
Antigo Testamento é uma subdivisão de toda a história da redenção. Assim,
as características comuns de toda a história da redenção vêm à expressão
aqui. Ora, é uma característica comum de todo Sabath redentivo que seja uma
reminiscência do Sabath do Paraíso perdido e também que seja profético do
Paraíso restaurado. Conclui-se, então, que o Sabath judaico prenuncia,
mesmo que indiretamente, o Sabath eterno que resta para todo “o povo de
Deus”. A diferença entre o Sabath do Antigo e Novo Testamentos a este
respeito é que o Sabath do Antigo Testamento prefigura ambos, o Novo
Testamento e Sabath eterno, enquanto o Novo Testamento prenuncia apenas
o Sabath eterno. Além disso, o elemento típico, por ser mais abundante e por
que aparece numa fase mais precoce da revelação, será expresso mais
exteriormente. E esses princípios nós encontraremos ser importantes para a
determinação do significado de Sabath do Novo Testamento também.

Jesus e o Sabath
Já observamos que desde que Cristo é o centro de todo o processo de
redenção, o modo de observância do Sabath, naturalmente, será determinado
por Seus atos e por Suas palavras.

Visto que Cristo assumiu a verdadeira natureza humana, Ele também


observou o Sabath como uma ordenança da Criação. Além disso, dado que,
segundo a carne, Ele nasceu da nação judaica, Ele observou o Sabath judaico.
No entanto, Ele procurou restaurar e desenvolver uma compreensão espiritual
no meio da dispensação exterior do Antigo Testamento. Contra os fariseus,
portanto, Ele afirmou que o Sabath era para o homem e não o homem para o
Sabath.
Enquanto isso, Ele tinha consigo a consciência de Seu lugar único no
que diz respeito ao Sabath, bem como o Seu lugar único no que diz respeito a
todas as ordenanças redentivas. Ele sabia que Sua obra consumada
inauguraria uma nova era na história da redenção e, portanto, no modo da
observância do Sabath. Assim sendo, Ele começou a dar vislumbres deste
Seu lugar único no que diz respeito ao Sabath. Jesus curou muito no sábado.
Às vezes, Ele parece desnecessariamente ofender os fariseus. Não se pode
dizer no caso de todas as curas sabáticas realizadas por Jesus que elas não
poderiam ter esperado até o dia seguinte. Não é somente a prioridade do
homem sobre o Sabath, mas a superioridade do Filho do homem com relação
ao Sabath, que devem ser consideradas para explicar essas curas como
podendo facilmente ter esperado um dia. “Porque o Filho do homem até do
sábado é Senhor” (Mateus 12:8; Marcos 2:28, Lucas 6:5).
Jesus, com certeza, não deu instruções para uma mudança em relação ao
dia a ser observado. Mas isso é de pouca importância. Jesus não deu
instruções sobre muitas coisas que, no entanto, intencionou que os Seus
seguidores fizessem. É o fato de Sua obra consumada que é de importância.
Quanto à instrução sobre o significado dos fatos, esta seria dada pelo Espírito
Santo prometido por Cristo à Sua Igreja.

O Dia do Senhor Cristão


Com a ressurreição de Cristo, Ele mesmo e o Seu povo entraram na
realidade do descanso prefigurado no Antigo Testamento. Não que a
plenitude do grau daquele descanso já esteja inaugurada. Isso não acontecerá
até depois do Dia do Julgamento. Disso segue-se o Cristão Dia do Senhor
ainda continua típico. Mas o típico é menos exterior, menos futurista, mais
interno. A realidade já está conosco desde que já estamos “nos lugares
celestiais” (Efésios 2:6).
A transição a partir do último para o primeiro dia da semana foi
realizada gradualmente. Jesus aparentemente desejava que Seus seguidores,
momentaneamente, ainda observassem o Sabath judaico: “Orai para que
vossa fuga não se dê no inverno, nem no sábado” (Mateus 24:20). Ainda
assim, nós poderíamos hoje agir de forma contrária ao espírito de Cristo se
procurássemos reintroduzir o Sabath judaico na questão do tempo e na
questão do modo de observância. Fazê-lo seria negar que pela ressurreição de
Cristo, Ele inaugurou a verdadeira redenção da obra do pecado.
O último dia da semana foi substituído pelo primeiro conforme o
significado espiritual da ressurreição começava a ser mais plenamente
compreendido. O primeiro dia da semana foi o dia da ressurreição. Uma
compreensão mais espiritual da obra de Cristo permitiu aos apóstolos verem
o significado da ressurreição. A próprias aparições de Jesus no “primeiro dia
da semana” ajudaram a fixar a atenção neste dia. Os primeiros crentes
começaram a se reunir no primeiro dia da semana (Atos 20:7). Em 1
Coríntios 16:2, Paulo ordena que os Cristãos pusessem de parte o que
pudessem ajuntar, conforme a sua prosperidade, em todo primeiro dia da
semana. Novamente em Apocalipse 1:10, João diz que ele estava em Espírito
no dia do Senhor (Apocalipse 1:10). Thelop. Brabourne é citado como
dizendo: “Ai dos pastores que tentam provar a partir destes textos”. Agora,
não temos nenhum desejo de provar todo o assunto a partir desses textos, mas
apenas nos referimos a eles como comprovando o significado da ressurreição.
O verdadeiro argumento para a mudança do dia é o fato da ressurreição no
seu significado redentivo.

Em corroboração podemos apontar para o argumento de Paulo contra os


[16]
judaizantes. Alguns tentaram deduzir a partir de tais passagens em que
Paulo queria dizer que não havia nenhuma distinção entre quaisquer dias. Isto
seria contrário ao seu ensino geral e prático, em que ele constantemente
separou o primeiro dia da semana como o “Dia do Senhor”. Além disso, o
apóstolo está, definitivamente, argumentando contra judaizantes. Se os
judaizantes prosseguissem, eles reintroduziriam todo o esquema do Antigo
Testamento. Não fazer isso não seria um inocente descompasso com a
atualidade, um obscurantismo inofensivo. Seria impossível restabelecer o
judaísmo. O judaísmo reestabelecido seria paganismo. Isso implicava em
uma negação do significado redentor dos fatos mais centrais da obra de
Cristo. Assim, o descanso sabático não é uma fantasia inofensiva. É
inofensiva na medida em que é inconsistente. Se consistente, ele substitui o
todo do judaísmo por Cristianismo. Agora, no tempo de transição, a
consistência desse princípio ainda não era totalmente compreendida.
[17]
Consequentemente, descobrimos que Paulo não milita contra o Sabath
em vez da observância do Domingo, sendo que isso não levasse a mais nada.
Somente quando junto com a observância do Sabath é que o conjunto do
judaísmo procurava reestabelecer-se, e ele o atacava duramente.
Lentamente, ao longo dos séculos, o princípio espiritual foi entendido.
Em Tomás de Aquino, temos talvez um ponto alto do desenvolvimento. Os
reformadores em seu zelo contra o externalismo de Roma muitas vezes
desviaram-se para o outro extremo. Entre eles, os Anabatistas consideravam
desnecessário observar o Sabath, em qualquer sentido especial. Em reação a
isso, Bound publicou um tratado sobre o Sabath em 1595, que inaugurou a
Sabath Puritano com a sua grande ênfase na guarda exterior do Sabath.
Assim, a história das controvérsias sobre o Sabath mais uma vez provou que
é fácil cair em extremos. O perigo do Anabatismo por um lado, e o perigo do
farisaísmo, do outro, sempre cercaram a igreja. A partir desses perigos, nós
podemos, em grande medida, ser mantidos livres se reconhecermos em
primeiro lugar que o Sabath é uma instituição baseada em uma ordenação da
criação. Deste modo, estamos sendo “imitadores de Deus” e como Ele,
“descansamos” de nossos labores. Em segundo lugar, a guarda interna do
Sabath é de importância primordial.

Devemos nos retirar de todo o tipo de trabalho e distração que nos


impediria de fixar os nossos corações em Deus e Cristo, em privado ou em
culto público. Nenhuma quantidade de detalhada observância exterior pode
alguma vez substituir este Sabath da guarda interior. Daí, também, uma vez
que Deus fez a alma e o corpo do homem, e corpo e a alma têm as suas
necessidades, é bom notar que o Sabath “Puritano” não é necessariamente o
melhor Sabath. Devemos participar de exercícios espirituais no dia de Sabath,
mas não podemos nos envolver em exercícios espirituais a menos que
estejamos fisicamente aptos. Em terceiro lugar, a guarda exterior do Sabath
não é uma questão de indiferença. Participar em exercícios espirituais
pressupõe uma atmosfera livre de perturbações. Se perturbamos a atmosfera
do Sabath pecamos contra nós mesmos e talvez contra os nossos próximos.
[18]
O Quinto Mandamento — Autoridade

1. Observações
Nós já falamos sobre a promessa e a ameaça como relacionadas com a
lei quando discutimos o Segundo Mandamento. A razão para observar isso
aqui é que Paulo nos diz em Efésios 6:3 que este Quinto Mandamento é “o
primeiro mandamento com promessa”. Se isso não conflitar com o fato de
que promessas e ameaças são vinculadas ao Segundo Mandamento, devemos
concluir que no Quinto Mandamento a promessa está ligada a esse
Mandamento particular, enquanto que no caso do Segundo a ameaça
prometida incluía toda a lei.
Quanto ao conteúdo da promessa, nós podemos observar que não pode
significar que cada indivíduo que honra seus pais viverá por muito tempo.
Nem isso é intencionado mesmo durante o tempo do Antigo Testamento. Se
assim fosse, os fatos teriam mostrado que a promessa é falsa muitas vezes.
Isso significa que a nação cujos cidadãos respeitam os pais e idosos, em
geral, pode esperar permanecer por longos dias.

2. O que é Comandado
Para entender O que é Comandado, nós devemos notar de imediato que o
Quinto Mandamento não se limita à vida familiar, mas envolve a questão
geral da autoridade onde quer que apareça. A família é a unidade a partir da
qual a sociedade é construída, e por esta razão é mencionada e não a
sociedade e o Estado. Mas isso não nos permitem concluir que as Escrituras
não nos fornecem nenhuma base para a ética social.
Mesmo se não tivéssemos mandamentos específicos no que diz respeito
à vida social ainda teríamos uma base para a ética social na doutrina bíblica
de Deus. É a doutrina teísta de Deus, conforme estabelecida na Bíblia que
fornece a base para toda a autoridade. Nós ousamos dizer que apenas sobre
essa base existe alguma autoridade entre os homens em qualquer lugar. Sem a
concepção teísta de Deus todas as leis da natureza e da moral que
apareceriam em um mero universo do acaso. Então, não há razão para que um
ser humano exerça qualquer autoridade sobre outro. O acidente de
circunstância favorável, maior força, capacidade superior etc., não são em si
nenhuma justificação para qualquer ser humano exercer autoridade sobre
qualquer outro. Por outro lado, isto é possível dada a concepção teísta Cristã
de um Deus que é Ele mesmo a fonte da lei e autoridade entre os homens. E
até mesmo a natureza da autoridade é assim estabelecida. Falamos muitas
vezes de autoridade moral. Por isso, queremos dizer que alguém tem pela
capacidade e esforço alcançado uma posição na sociedade que faz com que os
outros considerem a sua opinião como relevante. Então, um médico tem
autoridade. Mas não é isso que é devidamente entendido como autoridade.
Por autoridade, no sentido próprio do termo, intenciona-se que alguém, em
nome de Deus, deve requerer obediência de outros a certas leis de Deus.
Aqueles que exigem obediência são servos de Deus. Eles não têm autoridade
em si mesmos. Nem é a sua autoridade diretamente delegada a eles por outras
pessoas. Se for delegado a eles por outras pessoas é porque essas pessoas são
os próprios agentes adequados de Deus para delegar autoridade. Em qualquer
caso, toda a autoridade entre os homens é delegada aos homens por Deus.
Sempre que alguém deixa de reconhecer isso, ele usurpa a autoridade.
Se ele ainda é obedecido por outros, pode ser que esses outros olhem
para além dele, para Deus e o obedeçam por amor de Deus somente.

A. A Família
Com a concepção teísta geral sobre autoridade como um plano de fundo,
não nos admiraremos que a concepção Cristã de família seja bastante
diferente da concepção do não-Cristão. Não estamos agora discutindo o
casamento. Uma discussão sobre o casamento ocorre na exposição do Sétimo
Mandamento. Aqui nós somente falamos sobre autoridade. Mas, temos que
falar de autoridade na família em primeiro lugar e, portanto, da própria
família. Se a família tivesse se originado gradualmente à medida em que o
homem saiu do estágio não-moral da existência não poderia haver nenhuma
autoridade propriamente dita. Ou, aceito que houvesse uma aparência de
autoridade dos pais sobre os filhos, não haveria ao menos nenhuma razão em
absoluto para falar da autoridade do homem sobre a mulher. O feminismo
moderno está certo se o antiteísmo estiver certo. Que o homem é mais forte
do que mulher, etc., em si, não justifica a autoridade. No fundamento teísta,
não existe tal coisa como uma lei da natureza à parte de Deus. Paulo fala
sobre a natureza nos ensinando certas coisas, mas ele concebe as leis da
natureza como sendo expressivas da vontade do Deus da natureza.

No fundamento teísta, por outro lado, é preciso prefaciar uma discussão


da autoridade parental com uma discussão sobre a autoridade do marido. A
lei da natureza nos ensina a autoridade do marido. A família precisa de
autoridade a fim de cumprir a sua finalidade. Deve haver unidade e harmonia
e essa harmonia encontra sua expressão final no marido. A história da criação
de Eva é introduzida por dizer que ela deve ser uma companheira para o
homem. É com referência a isso que Paulo fala em 1 Timóteo 2:13, que Adão
foi criado primeiro.
Não há nada de degradante para a mulher neste arranjo. O lugar que
Deus nos designou é sempre o mais honrado. Também não haveria qualquer
conflito sobre o assunto, se não fosse o pecado. Foi como um castigo pelo seu
pecado que Deus falou para Eva que o relacionamento natural se tornaria
anormal de modo que a autoridade do homem viria a ser, realmente,
despotismo (Gênesis 3:16). É em Cristo que a verdadeira relação é restaurada
[19]
em princípio. “Porque o marido é a cabeça da mulher, como também
Cristo é a cabeça da igreja...” (Efésios 5:23), aqui Paulo indica quão santa é a
questão da autoridade. Ninguém pode ousar brincar com a autoridade que é
diretamente comparada com a santa autoridade de Cristo sobre a Sua igreja.
Por outro lado, ninguém pode ousar abusar de tal autoridade uma vez que ele
realmente a possui apenas enquanto a exerce no espírito de Cristo. Se os
maridos amam as suas esposas como Cristo ama a Sua igreja, a sua
autoridade nunca pode parecer um fardo pesado. Se existe amor verdadeiro, o
marido considerará a esposa como “o vaso mais fraco”, e a considerará como
uma “esposa crente” [1 Coríntios 9:5], a fim de que as orações comuns “não
sejam impedidas” (1 Pedro 3:7; Tito 2:3-5).
Estas questões não são um motivo de frivolidade. A sociedade está
sofrendo seriamente com a negligência das ordenanças da criação de Deus. O
pecado operou estragos em todas as fases da existência humana. É
especialmente necessário — num caso deste tipo em que os Cristãos são tão
facilmente levados a seguir os conselhos da conveniência e as teorias da
psicologia que soam plausíveis — que guiemos a nossa conduta pela Palavra
de Deus. A conduta assim guiada, a longo prazo, será a mais conveniente.
Quanto à autoridade parental, o ensino da natureza é ainda mais simples
do que no caso da autoridade do marido. A relação pai-filho é uma relação
natural e não uma relação voluntária. Mas mesmo isso, por si só, não
estabeleceria a autoridade dos pais. Se não fosse que os pais têm autoridade
delegada a eles por Deus, eles não teriam nenhuma autoridade. Os pais não
têm apenas uma autoridade moral, pelo simples fato deles serem mais
avançados em idade e conhecimento, no entanto, eles têm autoridade no
sentido de que eles devem exigir obediência. No caso das crianças pequenas
isso pode ter que parecer arbitrário. Uma criança deve obedecer porque o pai
diz que deve, mesmo se ela não consiga entender as razões para determinadas
ações. É a tarefa santa dos pais cultivarem no coração dos seus filhos o
respeito pela autoridade. Portanto, se eles não conseguem exigir obediência a
si mesmos, eles destroem já no início o que devem procurar construir. O mais
rapidamente possível o pai terá que apontar a criança para a última fonte de
autoridade; heteronomia deve conduzir a teonomia, a menos que conduza à
autonomia. Pais e mães indulgentes pensam que estão apenas sendo gentis,
quando na realidade eles minam a família, a sociedade e ofendem ao Deus
todo-poderoso.
Em correspondência à demanda dos pais, o filho deve, de sua parte,
obedecer. Mas Paulo nos diz que, por vezes, as crianças podem ser “a-
storge”, ou seja, sem “afeição natural”. Acrescente-se que os pais parecem
frequentemente ser pouco mais do que animais irracionais e o que poderia
parecer à primeira vista ser uma consequência natural torna-se imediatamente
uma questão moral. Apenas enquanto os pais realmente fazem a sua parte,
pode-se esperar que os filhos farão a deles. A parte dos filhos é respeitar,
obedecer e mostrar gratidão. Mesmo quando os pais parecem merecer o mal,
os filhos não são isentos da obediência uma vez que os pais têm o seu lugar
atribuído a eles por Deus. A menos que se trate de um caso de obedecer a
vontade de Deus em vez da vontade dos homens, os filhos estão
desobedecendo a Deus caso eles desobedeçam aos seus pais.

Pode-se notar, de passagem, que a melhor pedagogia atual está


começando mais uma vez a reconhecer o valor do ponto de vista Bíblico
sobre este assunto. E. Hocking em seu “Human Nature and its Remaking”
[Natureza Humana e Sua Restauração] milita contra a teoria superficial da
pedagogia tão prevalente há alguns anos, a saber, que se deve ensinar à
criança sobre algo com autoridade, sem toda a religião. Hocking percebe que
sem que se ensine a uma criança algo positivo que deve ser aceito como a
verdade, a vontade da criança não será realmente desenvolvida. Em vez de se
tornar uma personalidade forte, e capaz de fazer escolhas responsáveis, o
indivíduo acaba por ser uma cana agitada para cá e para lá por todo vento de
doutrina.

B. Autoridade Social
Chegando agora à questão da autoridade na sociedade, nós incluímos no
termo sociedade todas as relações humanas que ocorrem para além da vida da
família. Mas, nós podemos dividir isso em três subdivisões: (a) a própria
sociedade, (b) o Estado, e (c) a Igreja. Agora, existem Cristãos que estão
prontos para admitir que há tal coisa como autoridade no Estado e na Igreja,
mas não veem que precisamos de autoridade, também na esfera da sociedade.
Que nós precisamos de autoridade na sociedade será facilmente
compreendido quando nós percebemos que toda a vida humana deve ser
regulada pelas leis de Deus. Onde quer que, então, as verdadeiras leis
aparecem, ou seja, leis que são realmente naturais e, portanto, criações de
Deus, elas têm autoridade em relação a nós.
Agora podemos imaginar por nós mesmos o que, mais ou menos, o
desenvolvimento da raça humana teria sido caso o pecado não tivesse entrado
no mundo. A vida em família seria expandida para a vida em grupo. Assim, a
organização teria se tornado mais e mais complexa. E neste organismo
complexo a unidade de propósito necessário para a tarefa comum de subjugar
o mundo exigiria um exercício expandido de autoridade. Assim, a autoridade
na sociedade seria algo natural.

A especialização devido à maior complexidade da sociedade e devido a


diferentes adaptabilidades também seria introduzida. Portanto, haveria o que
hoje chamamos de autoridade moral, bem como a própria autoridade.
Mas, agora, nós não podemos apenas imaginar o que a sociedade seria.
O pecado entrou no mundo e, portanto, também na vida social. É isso que
trouxe abuso e usurpação da autoridade na sociedade em geral. Despotismo
por um lado e revolução, por outro, têm sido a ordem do dia. Foi apenas
devido à aliança de Deus com a terra e seus habitantes, ou seja, a aliança
Divina de graça comum que impediu a destruição total da sociedade da terra.
Em Gênesis 6 nos é dito que a imaginação do coração do homem é má
continuamente. Por conseguinte, Deus deve destruir a sociedade. Mas se
Deus assim o fizesse, isso implicaria na frustração de Seu próprio propósito.
Por isso nos é dito em Gênesis 8 que, embora o coração do homem continuou
mau mesmo depois de grandes castigos, Deus não mais considerou o coração
do homem, mas a Sua própria aliança em seu lugar. Ele, assim, pôs o arco nas
nuvens. Sua premissa fez com que Deus, apesar do pecado do homem,
continuasse a existência da sociedade.
Porém, como um meio para a continuidade da sociedade Deus teve que
fazer uma revelação manifesta externamente de Sua autoridade, pois sem
autoridade o homem não poderia viver por um instante e o olho do homem se
tornaria muito obscurecido pelo pecado para ver a autoridade natural. Deste
modo, na sociedade Deus levanta certos defensores da Sua autoridade. O
estado é um dom da graça comum de Deus. O estado não tem autoridade de
si mesmo. Nem é tal autoridade investida no “povo livre”. Nenhum ser
humano tem qualquer autoridade pelo fato do homem ser uma criatura de
Deus. Mas como uma criatura de Deus pode e deve como um servo de Deus
delegar autoridade Divina a fim de que a sociedade possa progredir
ordenadamente. Consequentemente, o negócio principal do Estado é prevenir
a usurpação da autoridade por qualquer indivíduo ou grupo sobre outro
indivíduo ou grupo. O paternalismo é o pecado habitual dos governos
modernos, bem como dos antigos. Um exemplo triste da tentativa de
paternalismo por voto popular foram os esforços recentes em Michigan e
Oregon para roubar os pais de seu santo direito e dever de educar os seus
filhos de acordo com os ditames de sua consciência. É muito fácil para o
humanismo usar a religião para alcançar a arma do paternalismo no governo,
a fim de infligir maior mal do que a perseguição medieval em nome do
esclarecimento e da cultura.
Praticar o abuso é fácil, é fácil por parte do governo. É mais fácil ainda
mais por parte dos governados. O princípio da autoridade exige que sejamos
obedientes ao governo porque “quem resiste à potestade resiste à ordenação
de Deus”; “não há potestade que não venha de Deus” (Romanos 13:2). E isso
é verdade mesmo se o próprio governo não está totalmente consciente desse
fato e muitas vezes possa abusar de seu poder. A revolução pode ser um
dever sagrado, mas tem sido mais frequentemente um sacrilégio. A
Revolução Francesa proclamou abertamente que não queria nem Senhor, nem
mestre. Pode-se notar que em tais lugares e em tais ocasiões, as nações que
têm mais de perto aderido às ordenanças de Deus, prosperaram mais.
Outrossim, era necessário que Deus, a fim de cumprir o Seu propósito
com a raça humana, não somente mantivesse a sua existência por Seu pacto
da graça comum, mas que a conduzisse ao Seu propósito por Seu pacto de
graça especial. A existência de uma raça humana que pecou contra o Seu
criador não teria nenhum sentido a menos que esta raça fosse levada ao seu
objetivo. E a graça comum não era suficiente para liderar a raça ao seu
objetivo. Ela não mudou radicalmente o coração do homem. Além disso, na
natureza do caso, ela foi uma medida temporária apontando além de si para o
seu pleno significado. A graça comum encontra a plena justificação de sua
existência na graça especial. O mundo existe para os crentes. Eles são o sal e
a luz da terra. Somente aqueles que estão em Cristo plena e realmente
reconhecem a autoridade de Deus. Daí segue-se que no corpo de crentes a
verdadeira sociedade evidencia-se mais uma vez, mesmo que seja apenas em
princípio. Cristo já é Rei das nações, estejam elas dispostos a reconhecê-lO
ou não. É, portanto, o negócio da igreja sustentar estritamente a autoridade de
Cristo dentro de suas fronteiras e pregar o verdadeiro conceito de autoridade
para a sociedade em geral.
Agora, nós temos falado do Estado como uma instituição da graça
comum de Deus, e da Igreja como uma instituição da graça especial de Deus
e procuramos, assim, relacioná-los com e dar-lhes um lugar dentro de uma
concepção bíblica e teísta da sociedade humana em geral. Resta agora a
sociedade no sentido mais estrito do termo, ou seja, a sociedade distinta da
Igreja e do Estado. Nós já vimos que também aqui é necessário existir
autoridade, já que toda a lei é de Deus. No entanto, existe uma diferença na
maneira como a autoridade opera. No Estado, ela opera, necessariamente, por
meio da espada. Na Igreja, opera através da Palavra. Mas na sociedade, ela
opera pela natureza. Estas distinções não são absolutas, mas, pelo menos, são
em grande parte verdade. Não há na sociedade nenhum poder convincente
dado aos indivíduos definido pelo que eles podem e devem exercer
autoridade sobre os outros. Nem o funcionamento da sociedade como tal cai
imediatamente dentro do reino da graça especial. Mas a natureza nos diz que
a sociedade se torna mais complexa enquanto o tempo avança.
Consequentemente, o desenvolvimento complexo do uso do capital é apenas
um exemplo, que necessariamente resultará. Além disso, existem várias
capacidades dadas a vários homens individuais. Assim, as ideias do
socialismo que procuram nivelar por baixo todas as diferenças entre os
homens são contrárias à natureza e, portanto, ao Deus da natureza. É em
relação ao abuso que o capital faz de seu poder que deve o motivo de um
protesto, e talvez, de uma tomada de uma atitude. Não há dúvida de que se o
capital e o trabalho fossem mais teístas em suas atitudes, o conflito entre eles
diminuiria. É o cultivo de uma atitude genuinamente teísta na sociedade, que
é oficialmente o negócio não só da igreja, mas também das pessoas Cristãs
como um organismo. Realmente, Cristãos de todos os estratos da sociedade
devem buscar um contato mais íntimo, e, na medida do possível, efetivar uma
organização.
Nós podemos notar como a concepção de sociedade, Estado e Igreja
conforme apresentados acima difere radicalmente da concepção de Platão e
de todos os outros escritores não-teístas. Escritores antiteístas não admitem
graça especial ou mesmo graça comum. Para eles, o pecado não é algo que
tenha entrado na sociedade pela desobediência do homem. Em vez disso, o
pecado é nada mais do que um mal inerente inevitavelmente presente em uma
raça em desenvolvimento. Por conseguinte, o Estado e a Igreja são
considerados como não mais do que esforços por parte da raça em
desenvolvimento para superar alguns de seus males. E segue-se daí que não
há lugar para a percepção de que em cada esfera a autoridade vem de Deus.
Certo é certo. É uma questão negar as coisas em um universo que ocorre ser o
que é. Não maravilha que, em tal caso, há abuso de poder e falta de
obediência. É somente a Divina graça comum que permite que os homens,
em qualquer sentido, exerçam corretamente a autoridade e prestem alguma
medida de obediência. O povo Cristão, portanto, não se manterá afastado de
todo e qualquer movimento na sociedade ou no estado que possa de alguma
forma aumentar o exercício da autoridade e da atitude verdadeiramente teísta
de obediência. Por outro lado, eles permanecerão sem temor “do outro-
mundano” no sentido em que eles não esperam que a genuína autoridade e
obediência ocorram na terra até que os reinos deste mundo sejam dados
Àquele que tem o direito de governar.
O Sexto Mandamento — Vida Humana

Se nós não limitarmos o significado deste Mandamento por um falso


literalismo, mas buscarmos compreender seu significado espiritual, podemos
dizer que o que é ordenado é respeitar, preservar e desenvolver a vida
humana. Matar, ou como diz o original, interromper a vida humana, nada é
senão a forma mais extrema de um curso oposto àquele que respeita, preserva
e desenvolve a vida humana. Podemos subdividir a discussão naquela que
lida com o respeito, preservação e desenvolvimento do indivíduo, e naquela
que trata com o respeito, a preservação e o desenvolvimento da sociedade, ou
melhor, o que fala sobre nós mesmos e a que fala sobre nossos próximos.

A. A Que é Comandado Para o Eu


O mandamento refere-se à vida humana. Não é admissível lidar
rudemente com a vida das plantas e especialmente animais. No entanto, as
plantas e os animais são indicados para o uso do homem. Daí a sua vida deve
ser tomada. Mesmo a vivissecção nem sempre precisa ser errada. Se isso for
feito no interesse de aliviar o sofrimento do homem, pode ser desejável. Mas
isso de passagem.

É mais importante notar que o Mandamento não tem limite quando


aplicado à vida humana. É, por vezes, pensado que somos, no mínimo, os
mestres de nossa própria vida, se não da de outros. Mas este não é
exatamente o caso. Nós não temos mais direito de lidar com a nossa própria
vida como queremos, do que temos de lidar com a vida dos outros como
quisermos. A vida humana pertence a Deus. Ele é o seu criador. Quando
alguém dispõe da vida humana de alguém, tal ato rouba a propriedade de
Deus.
Além disso, tal ato roubaria a propriedade mais valiosa de Deus. Deus
criou o homem à Sua imagem. Ele tem ricamente dotado o homem com
capacidades para que renda louvor a Deus. Seja o que for que o mundo diga
com relação ao valor do homem, é nada em comparação a simples declaração
“criado à imagem de Deus”. É impossível vestir o homem com alguma
dignidade superior. Aqueles que não defendem a criação deste universo por
Deus, têm alternado na sua acusação contra a teologia ortodoxa, entre dizer
que isso injustificavelmente eleva o homem a uma posição de privilégio, ou
indevidamente o diminui à posição de um pecador sem valor. E, claramente,
não é de admirar que o pensamento antiteísta seja tão inconsistente. Ele
sempre embaralha metafísica e ética. Estamos falando aqui da metafísica
principalmente. Sustentando que o homem é criado à imagem de Deus, o
teísmo tem uma concepção mais elevada da dignidade inerente do homem do
que antiteísmo jamais poderia ter.
Muitas vezes, é admitido, mesmo por aqueles avessos à doutrina da
criação, que o Cristianismo introduziu a ideia do valor inerente da
personalidade humana. Agora, na medida em que é verdade que o
Cristianismo representa o valor da personalidade como tal, ele não
introduziu, mas reintroduziu. Aqui, como em outros lugares, o Cristianismo
tem sido restaurador de um teísmo original. A doutrina da criação é o próprio
pressuposto da obra de Cristo. Ele veio para devolver ao homem a imagem de
Deus em plenitude (Colossenses 3:10; Efésios 4:24).
Enquanto isso, devemos observar que até mesmo o pecado não apaga a
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imagem de Deus no homem inteiramente. O homem permanece, mesmo
como um pecador, portador da imagem de Deus no sentido mais amplo do
termo. Por cauda disso permanece o fato de que o homem, sempre que o
encontramos, é o portador da imagem de Deus que torna a vida humana por si
sacrossanta.
É este fato que nos permite respeitar a vida humana em geral. É este fato
que nos permite respeitar-nos. É este fato que faz do autorrespeito um direito
humano. Devemos respeitar a nós mesmos, porque não somos de nós
mesmos.
Mas o fato de que a imagem de Deus no homem é o único objeto
possível de respeito por ele, envolve o fato de que somente um Cristão pode
realmente respeitar a vida humana, de modo geral, e apenas um Cristão
entende perfeitamente o que significa ter autorrespeito. O autorrespeito
Cristão é o único verdadeiro autorrespeito humano. Apenas um Cristão
realmente reconhece a imagem de Deus no homem. Ele, além disso, se alegra
com o fato de que por meio de Cristo aquela imagem de Deus foi restaurada
para ele no sentido mais estrito, ou seja, que mais uma vez ele tem verdadeiro
conhecimento, justiça e santidade. Todo Cristão, mesmo aquele da menor
posição social possível carrega em seu seio a consciência de ser um real
portador da imagem de Deus.

Assim, o instinto natural de autopreservação é moralizado. Paulo


reconhece que “nenhum homem jamais odiou a própria carne”, como algo
que é verdadeiramente humano. No entanto, ele logo acrescenta: “antes a
alimenta e sustenta, como também Cristo à Igreja” (Efésios 5:29). Assim, até
mesmo a vida corpórea é trazida em conexão direta com a obra de Cristo. E
isso é compatível com o ensino geral de Paulo de que o corpo é o templo do
Espírito Santo. Encontramos, então, que o autorrespeito Cristão é o único
verdadeiro autorrespeito humano e que esse autorrespeito é o reconhecimento
da imagem de Deus em nós mesmos. Nós amamos a nós mesmos por causa
de Deus.
Um ponto de importância, neste contexto, é notar que o genuíno
autorrespeito não pode existir, exceto que uma verdadeira humildade também
esteja presente. E esta verdadeira humildade não é tanto um reconhecimento
do fato de que o homem é um pequeno pontinho em um grande universo. O
materialismo grosseiro tem defendido uma tal falsa humildade. Mas um
verdadeiro teísmo reconhece a prioridade do Espírito sobre a matéria. A
verdadeira humildade é o reconhecimento do fato de que o homem maculou a
imagem de Deus e que ele é, portanto, eticamente indigno do amor de Deus.
É esta consideração que faz com que o profeta Isaías diga: “Deixai-vos do
homem cujo fôlego está nas suas narinas; pois em que se deve ele estimar?”
(Isaías 2:22). É isso que o faz anunciar as palavras de Yahwéh: “Num alto e
santo lugar habito; como também com o contrito e abatido de espírito, para
vivificar o espírito dos abatidos, e para vivificar o coração dos contritos”
(Isaías 57:15). Assim, vemos que para uma concepção verdadeiramente
bíblica sobre o homem, devemos ter em mente estes fatores: a sua dignidade
original como uma criatura de Deus, a sua deflexão ética de Deus, e sua
restauração para Deus em Cristo.

Quando um Cristão reconhece plenamente esses elementos, ele é salvo


dos dois extremos: da autoglorificação e da auto-humilhação. Não que o
verdadeiro autorrespeito seja uma posição a meio caminho entre eles. O
verdadeiro autorrespeito, como vimos, se baseia em um fundamento teísta.
Por outro lado, a autoglorificação e a auto-humilhação são construídos sobre
uma base antiteísta. Quando o homem não reconhece a Deus como seu
Criador, ele naturalmente entrará em orgulho quando as circunstâncias são
favoráveis ou ele voltar-se-á para um pessimismo cósmico e individual se as
circunstâncias são desfavoráveis. A forma mais extrema de um é a
autodeificação, e a forma mais extrema do outro é o suicídio.
Naturalmente, a loucura absoluta de ambos é patente, ainda que
admitíssemos que não-teísmo é verdade. O homem, certamente, não trouxe a
si mesmo ou o universo à existência. Ele não é derivado de nada mais, senão
de Deus. Daí, que a sua autodeificação nunca pode ser mais do que
autoengano e por seu suicídio o homem não pode remover o que ele não
produziu. Mas de qualquer forma, o homem não se sente responsável diante
de Deus quando se torna um antiteísta e, portanto, pode livremente fazer a
tentativa de remover sua vida. Não é estarrecedor, então, que haja tantos
suicídios, mas é de se maravilhar que haja tão poucos. A única maneira pela
qual podemos explicar o fato de que há tão poucos suicídios é que Deus tem,
pela Sua graça comum, suficientemente restringido a loucura do pecado no
homem a ponto de fazê-lo sentir algo de suas limitações e deveres enquanto
está na terra. Sócrates disse que não temos o direito de procurar escapar da
posição aonde os deuses nos colocaram.
Um cuidado deve ser inserido aqui no que diz respeito à questão do
suicídio. Temos dito que um Cristão se absterá do suicídio. Ao dizer isso nós
assumimos, no entanto, que o Cristão sabia o que estava fazendo. Mas pode
haver momentos de insanidade temporária. Por isso, nós não podemos julgar,
mas deixar o julgamento para Deus. Estamos interessados no princípio da
questão e este princípio é bastante claro. Há cinco casos registrados de
suicídio no Antigo Testamento: Abimeleque tirou a sua vida para evitar a
vergonha de ter sido morto por uma mulher (Juízes 9:54); Saul e seu
escudeiro cometeram suicídio para escapar de serem mortos pelos filisteus (1
Samuel 31:4); Aitofel fez a mesma coisa quando seu conselho foi rejeitado (2
Samuel 17:23) e Zinri queimou o palácio em que vivia e morreu quando Onri
capturou a cidade de Tirza (1 Reis 16:18). Agora, as Escrituras não
condenam em tantas palavras estes atos. Elas simplesmente as registram
como fatos, assim como eles fizeram muitas obras que eram más. Por
conseguinte, os suicídios registrados da Escritura não afetam o seu
ensinamento claro que o homem pertence a Deus e, portanto, não pode tirar a
sua própria vida. Os pagãos viram vagamente que o homem é colocado numa
posição de responsabilidade neste mundo. Eles sentiram que seria covardia
procurar fugir disso. No entanto, eles conceberam situações em que o vitae
taedium justificaria o suicídio. O Cristianismo não pode encontrar tal
situação. A vida pode ser extremamente cansativa para um Cristão, às vezes.
Mas tudo o que lhe é enviado, ele está seguro de que é enviado por Deus e
Deus aumentará a sua graça juntamente com seus fardos. O Cristão buscará
ser paciente na tribulação. E esta paciência não é uma mera submissão estoica
às circunstâncias irrevogáveis. O bom homem estoico e o bom Cristão não
têm nada em comum a este respeito. O Cristão está profunda e
espiritualmente alerta para as circunstâncias que o rodeiam. Ele não lançará
sobre os ombros uma couraça de insensibilidade quando os outros o
desprezam e o insultam. Ele é, antes, um mártir de Cristo, suportando tudo
por Ele, como Estevão orando mesmo para o perdão daqueles que o
apedrejavam. “Porque, se vivemos, para o Senhor vivemos; se morremos,
para o Senhor morremos. De sorte que, ou vivamos ou morramos, somos do
Senhor” (Romanos 14:8).
Mas, o suicídio é a forma mais extrema de violação contra o real
autorrespeito de alguém. Existem muitas formas menos extremas que
devemos evitar. Dentre estas, podemos mencionar a indulgência imoderada
dos próprios apetites legítimos, tais como: comida, bebida e sexo. Deve-se
ressaltar que nenhum dom de Deus é errado em si. O Cristianismo não tem
nada em comum com o princípio maniqueísta do mal inerente da matéria.
Cada dom de Deus pode ser usado com ações de graças. A igreja de Roma
esqueceu isso com seu celibato do clero. A proibição propagandista muitas
vezes esquece isso em seu zelo contra o álcool. É o abuso ou mau uso dos
dons de Deus que são pecaminosos. Nenhum Cristão que preze a si mesmo
pode deixar-se escravizar por qualquer apetite.
Pelo contrário, todo Cristão deve procurar preservar e desenvolver seu
corpo e sua alma. Qualquer organismo procura desenvolver-se. Assim
também o organismo da alma e do corpo deve desenvolver-se. A alma deve
fazer isso por implicação na interpretação da realidade de Deus, ou seja, por
uma verdadeira educação. Mas, infelizmente, o pecado efetuou uma
separação entre Deus e o homem. Portanto, o homem busca a sua educação à
parte de Deus. Consequentemente sua “educação” leva-o constantemente
para mais para longe de Deus. Somente uma verdadeira educação Cristã é
realmente o desenvolvimento da personalidade finita. Apenas um Cristão
exercita-se no que é realmente verdadeiro, belo e bom. O termo educação não
é um termo neutro ou um termo que possui sempre a mesma conotação. A
educação antiteísta opera em um vácuo, uma vez que separou os fatos de
Deus. Por isso, ela não desenvolve a personalidade. Seu desenvolvimento
aparente é legítimo e aconselhável. Por outro lado, o desenvolvimento
corporal nunca é um fim em si mesmo. A recente ênfase na cultura física e a
mania sobre esporte parece esquecer que o homem é mais do que um corpo.
Sua alma é muitas vezes negligenciada em favor do corpo.

B. O que é Comandado Quanto ao Próximo de Alguém


Podemos agora voltar-nos para o significado social do Sexto
Mandamento. E aqui está o nosso dever positivo de respeitar, preservar e
desenvolver a vida do nosso próximo, e nossa tarefa negativa de nos opormos
a qualquer coisa que possa interferir em tal propósito. Em suma, devemos
amar o nosso próximo como a nós mesmos. Fazer isso só é possível com base
no fundamento teísta. Apenas um Cristão conserva e desenvolve sua própria
vida por causa de Deus. Consequentemente, apenas um Cristão pode
realmente amar o próximo, uma vez que o seu próximo também deve ser
amado por causa de Deus. Os não-Cristãos ou não-teístas não têm nenhum
centro para o seu pensamento ou para o seu amor que possa promover a união
entre os homens. Cada um é concebido como existente por si mesmo. Disso
segue-se que o autodesenvolvimento acontece em detrimento do próximo, em
vez de, como acontece no fundamento teísta, em benefício do próximo. Não
pode haver verdadeira comunidade de interesses entre aqueles que não são
unidos a Deus por meio de Cristo. No máximo, eles cooperam para o bem de
utilidade momentânea. O homem rico não estava realmente preocupado com
seus cinco irmãos na terra. Aquele que não se ligou a nenhum laço de amor a
Deus ou ao homem enquanto esteve na terra não foi subitamente aquecido
com um amor para com os seus próximos depois de morto. Nessa triste
situação, os homens tornaram-se semelhante ao seu líder, Satanás. É uma
guerra onde cada um está contra todos. Se Adão pensou, como Milton
apresenta-o pensando, que pelo menos ele desfrutaria da companhia de Eva
quando ele comesse do fruto proibido, ele estava completamente enganado.
Foi somente devido à graça comum de Deus que o homem sentiu algo disso.
B. Bosanquet nos diz, em terminologia que parece Cristã, que o indivíduo
deve perder-se a fim de encontrar-se de novo em Deus e com o próximo. No
entanto, nenhum verdadeiro altruísmo pode alguma vez existir se Deus não é
mais que um correlativo do homem. Nesse caso, Ele não pode mais ser o
centro e o alvo do pensamento e amor. Podemos ter amor desinteressado
pelos nossos semelhantes, mas o temos apenas se primeiro amarmos a Deus.
1 Coríntios 13 enumera várias das características do verdadeiro amor para
com os próximos. Não nos é possível, agora, falar delas em detalhe. Podemos
resumi-las, dizendo que Paulo concebe o seu próximo como criado à imagem
de Deus e, portanto, ama-o por causa de Deus
Diz-se frequentemente que a contribuição do Cristianismo para a questão
do altruísmo é que ele pôs de lado as barreiras nacionais de modo que o
homem foi ensinado a reconhecer, respeitar, preservar e desenvolver o
homem, seja ele um bárbaro ou um companheiro patriota. Esta afirmação é
apenas parcialmente verdadeira. Em primeiro lugar, não pode ser
suficientemente ressaltado que o altruísmo do Cristianismo é completamente
diferente em termos de qualidade do altruísmo, por exemplo, de estoicismo.
O Cristianismo introduziu algo diferente do que era conhecido em vez de
apenas propagar de forma mais ampla o que já era praticado em esferas
limitadas. Em segundo lugar, o Cristianismo realmente não introduz este
amor genuíno ao próximo, mas o reintroduz, porque ele reintroduz o teísmo.
E isso explica o terceiro lugar, porque havia prenúncios de um verdadeiro
altruísmo em Israel, e em nenhum outro lugar (Levítico 9:24).
A partir do que foi citado antes, segue-se que o nosso amor a Deus é
anterior ao amor aos nossos próximos. Muitos hoje afirmam que a primeira
tábua da lei não tem nenhuma significância para a moralidade. A crença de
alguém em Deus é considerada um passatempo sem efeito sobre a atitude
para com o próximo. Mas o oposto é verdadeiro. Se Deus é o que o teísmo
diz que Ele é, então devemos amá-lO em primeiro lugar e acima de tudo, e se
não o fizermos, não podemos sequer amar os nossos próximos. É verdade que
a falta de amor aos seus próximos é um sinal de falta de verdadeiro amor a
Deus, mas é igualmente verdade que a falta de verdadeiro amor a Deus é uma
garantia certa da falta do verdadeiro amor para com o seu próximo. Ainda
mais, amar o nosso próximo como a nós mesmos de modo algum entra em
conflito com o nosso dever de cuidarmos de nós mesmos em primeiro lugar.
Assim, também de alguns próximos, digo, parentes, etc., mais próximos a nós
do que outros. Tudo isso é devido à providência de Deus. Não reconhecer
este fato seria contradizer a providência de Deus.
E isto leva-nos a fazer uma outra distinção. Todos os homens são nossos
próximos. Devemos amar todos os homens como a nós mesmos, ou seja, por
causa de Deus. Mas nem todos os homens são Cristãos. E os Cristãos devem
se amar em um sentido singular. Jesus ama os Seus próprios com um amor
único (João 13:1). Ele lhes deu um novo mandamento: que se amassem uns
aos outros (João 13:34). O amor aos irmãos é constantemente distinto do
amor a todos os homens, especialmente por João (1 João 3:23). O
modernismo está muito interessado em remover esta distinção, uma vez que,
em sua suposição naturalista, deve-se ensinar a paternidade universal de Deus
e a fraternidade universal do homem. O amor aos irmãos é o que dura
eternamente. Por outro lado, o amor por aqueles que não estão em Cristo
terminará quando o seu ódio a Deus for evidenciado no dia do julgamento.
Finalmente, nós devemos notar, neste contexto, o que significa que
devemos amar nossos inimigos. Quem são os nossos inimigos? Todos os que
não amam o Senhor Jesus Cristo. Eles são nossos inimigos, porque eles são
inimigos de Deus. Vimos que o dever sagrado da imprecação é baseado neste
fato: “Não odeio eu, ó SENHOR, aqueles que te odeiam”? No entanto,
enquanto nesta terra, devemos amá-los como criaturas, como portadores da
imagem de Deus. Neste mundo o princípio da antítese ética não pode e não
deve ser cumprido absolutamente. Cristo orou por aqueles que O
crucificaram. Mas isso não deve nos fazer pensar que Cristo ou Seus
apóstolos reduziram o amor aos nossos próximos ao nível prosaico do
modernismo quando Aquele sustenta, apontando para o incidente da mulher
apanhada em adultério, que há muito bem no pior de nós e muito mal no
melhor de nós, para que qualquer um de nós pense ser realmente melhor do
que outros. Cristo não reduziu o ódio e o amor a uma mistura incolor dos
dois, mas mandou-nos mantê-los à parte rigidamente e ainda assim atribui
ambos ao mesmo indivíduo. E se for dito que aqui um milagre muito grande é
exigido de nós, a única resposta é que todas as outras possibilidades são
impossíveis. Se o amor e o ódio fossem colocados juntos para formar uma
mistura, eles anulariam um ao outro e se reduziriam a absolutamente nada;
aqui está a absoluta impotência do modernismo. O amor do modernismo
inclui o Diabo e, portanto, não significa nada quando dirigido a Deus.
Se agora este princípio de amor verdadeiro para com o próximo for
cumprido, nós buscaremos desenvolver o bem-estar geral do nosso próximo
em pensamento, palavras e ações. Mas isso nos leva a um outro ponto. Até
agora, temos discutido o dever do indivíduo para consigo mesmo e para com
o seu próximo. Agora chegamos ao dever da sociedade com relação ao
indivíduo. Mas, a sociedade tem dever no que diz respeito à proteção da vida
humana? Numa base antiteísta isso não pode ser sustentado. Uma sociedade
com base antiteísta é organizada apenas por causa da utilidade. Compreende-
se facilmente como Nietzsche poderia negar o direito da sociedade no que diz
respeito a reprimir qualquer ambição do indivíduo. Nietzsche teve a coragem
de em sua convicção ridicularizar a moral Cristã como uma moral de
escravos. Mas Nietzsche viveu à frente do seu tempo. Seus ideais serão
realizados no Inferno. Deus graciosamente conteve a ira do homem
suficientemente para dar à sociedade um certo senso de responsabilidade. A
partir disso, temos visto que o estado foi organizado na base da graça comum
de Deus.
Foi ao estado que Deus delegou o poder e o dever de proteger a vida
humana. A vida humana é sagrada. Todo aquele que derramar o sangue do
homem, o seu sangue deve ser derramado (Gênesis 9:6). Esta é uma lei
sagrada de todos os tempos, uma vez que é baseada no fundamento de que o
homem é feito à imagem de Deus. A justiça de Deus exige a pena capital.
Nenhuma quantidade de sentimentalismo pode remover esta ordem Divina.
Nem mesmo as razões de utilidade ou a consideração de que algum tempo
para o arrependimento deva ser dado. Deus cuidará de todas essas questões
como Lhe aprouver se nós somente obedecermos ao Seu comando. É uma
indicação de que a “consciência Cristã” não é genuinamente Cristã — ou
seja, pronta para testar seus padrões pelos padrões da Escritura — quando em
seus argumentos ela não pergunta o que a Escritura ensina, mas o que as
Escrituras deveriam ensinar. É um falso humanitarismo que visa substituir a
ideia de melhoria pela de punição. A punição deve permanecer sempre como
a concepção primária, uma vez que a justiça de Deus foi ultrajada quando a
vida humana é ceifada ou as leis de Deus têm sido quebradas de outras
maneiras.
Nós encontramos outra manifestação de um falso humanitarismo em
grande parte do atual pacifismo. A guerra é certamente um dos maiores dos
maus resultados do pecado. Diremos, pois, que, desde que o coração humano
é pecaminoso é inútil realizar qualquer esforço para obter a paz universal?
Tal atitude é certamente muito mais próxima da verdade do que o otimismo
superficial que não lida com o pecado. No entanto, tal atitude não é bíblica.
Como Cristãos, devemos fazer todo que estiver ao nosso alcance para
remover o máximo possível, por todos os meios legítimos, das consequências
do pecado. Neste sentido, os Cristãos devem ser pacifistas na política. Mas
dizer que toda guerra é errada e recusar-se a servir em qualquer guerra é falso
pacifismo. O fato de que as nações, compostas como elas são de pecadores,
muitas vezes se voltarão para políticas de engrandecimento torna necessário e
justo que aqueles que são atacados defendam-se.
Mas aqui o argumento final aparecerá com base em um apelo ao Sermão
do Monte. A alegação é que os Cristãos não devem contra-atacar qualquer
ataque sobre o qual eles estejam, como indivíduos ou como nações. O
verdadeiro espírito Cristão é dito nunca se opor à violência com violência,
não apenas isso, mas nunca exigir reparação em qualquer forma: “Eu, porém,
vos digo que não resistais ao mau; mas, se qualquer te bater na face direita,
oferece-lhe também a outra” (Mateus 5:39). Nós teremos que examinar,
então, se as palavras ditas por Jesus suportam a interpretação dada a elas. Em
primeiro lugar, devemos fazer a concessão de que as palavras de Jesus sejam
consideradas literalmente. Não podemos leve e vagamente passar por elas e
pensar que Jesus não poderia ter intencionado dizer exatamente o que Ele
disse. Jesus proíbe expressamente o Seu povo de oferecer resistência. Mais
do que isso, Jesus vai além e diz aos Seus discípulos que em vez de resistir à
violência, eles devem oferecer oportunidade e, aparentemente, provocação
para mais violência. Eles devem “oferecer a outra face”. Eles devem oferecer
a capa quando a túnica for tomada, e andar duas milhas quando for forçado a
andar apenas uma (Mateus 5:38-41). Mesmo os Menonitas e Quakers nunca
afirmaram que Jesus ensina dessa forma. Eles muitas vezes se atreveram a ir
apenas até a metade.
Esta interpretação está de acordo com o que temos visto ser o verdadeiro
significado do amor àqueles que são nossos inimigos. Somente a graça de
Deus nos capacita para não pagar o mal com o mal (Romanos 12:17), mas a
“vencer o mal com o bem” (Romanos 12:21).
O objetivo desta atitude nós, portanto, vemos ser a conquista de outros
para o mesmo espírito. Por ajuntar “brasas de fogo” sobre as suas cabeças,
nós devemos envergonhar tão completamente nossos inimigos por seus atos
de violência e ter tão genuína tristeza por isso que eles aceitem a nossa
posição.
Nós notamos agora que uma tremenda atividade espiritual está envolvida
na atitude de não-resistência. Pois, isso não é, de modo algum, semelhante à
passividade por vezes defendida na literatura pagã. Na verdade, é o oposto
polar do princípio budista ou estoico tantas vezes comparados com ela. O
princípio antiteísta sob qualquer forma em que se manifesta apresenta uma
falsa imitação do princípio do ius talionis de Deus. Deus é um Deus de
justiça. Por conseguinte, deve haver punição equivalente na medida em que a
lei de Deus é quebrada por pecadores. Foi este princípio que foi falsificado
pelas nações quando cada indivíduo pensou ser ele mesmo a fonte do direito.
Nesse fundamento, ele procurou recompensar toda a violência feita a ele
causando vingança contra seu adversário. Assim, Lameque cantou a “canção
da espada”: “porque eu matei um homem por me ferir, e um jovem por me
pisar. Porque sete vezes Caim será castigado; mas Lameque setenta vezes
sete” [Gênesis 4:23-24]. Assim, Habacuque também fala das nações que
fazem de seu poder o seu deus. Esta era a lógica desta posição. Mas um
método tão extremo logo destruiria a terra. Deste modo, Deus por Sua graça
comum conteve a ira do homem, para que os “homens sábios” começassem a
ver uma certa proporção em matéria moral e defendessem um “olho por
olho”, o assim chamado atual ius talionis, vigente especialmente no império
dos Césares.
Mas, assim, o universo não poderia continuar a existir. Deve ser feita
uma compensação permanente a Deus. A ofensa à justiça de Deus deve ser
punida. Cristo suportou esta punição por todos os Seus próprios. Assim,
aqueles em Cristo não devem e não precisam dar lugar à ira. A vingança
pertence ao Senhor. Toda a violência que é feita é realmente feita contra o
Senhor. Cristo identifica os Seus discípulos consigo mesmo, e Ele mesmo
com Deus.
Ainda assim, este princípio não pode ser imediatamente posto em
funcionamento em sua plenitude em um mundo que tanto havia se extraviado
como o relato que nos é dado em Romanos 1. Por isso, Deus gradualmente
introduziu o princípio. Em Israel, o verdadeiro princípio foi restaurado. O ius
talionis como vigente em Israel não tem o mesmo significado que do ius
talionis vigente entre as nações e nem isto poderia ser assim, pois entre Israel
isso pressupõe o teísmo, enquanto entre as nações pressupõe antiteísmo. Em
Israel, conformemente, temos o verdadeiro ius talionis e entre as nações, o
falso. Ainda assim, Israel não era mais que uma prefiguração da punição a ser
sofrida por Cristo. Devido ao externalismo geral da dispensação do Antigo
Testamento, a lei tinha que ser cumprida externamente por indivíduos ou
governo. Em Cristo, esse externalismo foi aniquilado. Daí o ius talionis não
foi revogado, mas cumprido por Cristo. E é com base neste cumprido ius
talionis que aqueles que estão em Cristo devem manifestar seu perdão aos
seus inimigos. Somente eles o podem fazê-lo. Mas, eles podem sempre, em
todas as circunstâncias, fazê-lo?
Eles não podem! Eles podem tanto quanto as consequências para si
mesmos estão envolvidas porque, mesmo se eles morrerem eles são do
Senhor e serão recebidos por Ele. Mas eles não podem se pela sua não-
resistência eles destruírem o propósito para o qual eles devem exercer a não-
resistência. O propósito da não-resistência é realizar o verdadeiro ius talionis
de Deus. Ou seja, pela nossa não-resistência, queremos que os homens
aceitem “a justiça de Deus” que está em Cristo. Mas, assim como era
impossível — devido ao baixo estado das nações — introduzir
completamente este princípio de uma vez, assim ainda é impossível e
permanecerá impossível introduzir este princípio plenamente. O coração do
homem não mudou. A civilização tem avançado muito devido à graça
comum de Deus. E isso torna possível para o Cristianismo evidenciar-se sem
ser ao mesmo tempo aniquilado. Isso também permitiu que o Cristianismo
desenvolvesse algum impulso. Todavia, mesmo assim, nem todo indivíduo
está no mesmo nível do progresso geral da civilização. E acima de tudo, se
alguém deve realmente ser vencido pela não-resistência de um Cristão, ele
mesmo deve tornar-se um Cristão. E uma vez que aquele que está no mais
alto degrau da escada da graça comum ainda não colocou o seu pé no
primeiro degrau da escada da graça salvífica, a política de não-resistência
pode ainda ser derrotada quando for praticada em relação ao indivíduo mais
culto.
Conclui-se, então que quando a prática da não-resistência mais
provavelmente puder derrotar o seu próprio propósito, não deve ser aplicada.
Isso não é o enfraquecimento das palavras de Cristo ou de Seus apóstolos no
interesse de supostas consequências. Mas neste caso, a ação seria
autocontraditória uma vez que o propósito da não-resistência é ganhar outros.
Temos aqui um exemplo semelhante ao da pregação do Evangelho e do
testemunhar a Cristo. Pregar o Evangelho é uma ordem ilimitada e literal,
mas também é dito que não devemos lançar pérolas aos porcos para que não
se voltem contra nós e nos despedacem.
O próprio exemplo de Cristo confirma esta interpretação. Ele não dá a
outra face quando um dos oficiais do sinédrio bateu em Jesus. “Respondeu-
lhe Jesus: Se falei mal, dá testemunho do mal; e, se bem, por que me feres?”
(João 18:23). Este exemplo prova definitivamente que Jesus não quer dizer
que o Seu preceito da não-resistência deve sempre, sob qualquer
circunstância, ser aplicado. Paulo seguiu uma prática semelhante quando ele
também protestou contra ser injustamente ferido (Atos 23:3) e quando ele
exigiu que os agentes dos Filipo soltassem Silas e ele da prisão em que
estavam indevidamente presos. Agora, se nós perguntarmos por que Cristo
não aplicou o Seu próprio princípio, a resposta está de fácil acesso. Se Jesus
tivesse seguido o Seu princípio, Ele apenas fortaleceria os Seus adversários
em sua maldade. Eles eram muito insensíveis a qualquer justiça para reagir da
maneira pretendida.
Em segundo lugar, na instância do exemplo de Cristo e casos
semelhantes, a sociedade em si seria destruída pelo completo controle dos
homens maus se o princípio da não-resistência fosse cumprido. Se, então, o
objetivo da não-resistência é salvar a sociedade, a não-resistência seria não-
Cristã em tais casos.

Finalmente, o princípio da não-resistência deve ser aplicado em


consonância com aquele outro princípio já discutido, a saber, o princípio da
autodefesa. Nós não podemos permitir que outros a tirem a nossa vida. Se o
fizéssemos, nós lhes permitiríamos fazer injustiça a Deus.
Certamente, quando este mandamento for colocado diante do povo de
Deus em seu rico significado, uma grande bênção para a sociedade pode ser
esperada em resposta à oração.
O Sétimo Mandamento — Pureza

O Sexto Mandamento corresponde ao Primeiro Mandamento. A


transgressão do Primeiro Mandamento busca destruir Deus, como tal, e a
transgressão do Sexto Mandamento busca destruir o homem como tal. O
Nono Mandamento corresponde ao Terceiro, este defende o bom nome do
nosso próximo e o anterior o bom nome de Deus. O Sétimo e o Oitavo
correspondem ao Quarto, este defende a Deus na medida em que Ele deseja
culto externo e os anteriores defendem meu próximo em sua aparência
exterior. Dentre estes dois Mandamentos o Sétimo vem em primeiro lugar,
uma vez que nossos corpos são mais próximos de nós do que as nossas
posses.
Além da união da alma e do corpo, que juntos formam o mistério da
personalidade humana, Deus trouxe os seres humanos individuais à união uns
com os outros, a fim de formar uma raça. O indivíduo humano não é
completo em si mesmo. Deste modo, Deus criou uma companheira para o
homem e formou essa companheira como complemento para o homem, tanto
na alma quanto no corpo. Com a Sua própria mão, Ele uniu os dois e ordenou
que a partir de sua união a raça nascesse. Apenas na raça concluída, a
imagem de Deus no homem poderia ser verdadeiramente expressa.

Estas simples ordenações da criação têm enormes consequências. Nelas


reside, antes de tudo, o reconhecimento das diferenças entre homem e
mulher. Tentar remover essas diferenças é contra a natureza. Nós já
encontramos nos tempos do Antigo Testamento que isso foi feito. Daí as
ordenanças proibindo a troca de roupas entre os sexos, etc. Cada um dos
sexos tem um espaço natural de trabalho e o intrometer-se no campo de
trabalho do outro tende a remover as distinções criadas por Deus, e
geralmente resultam em tristes consequências.
Em segundo lugar, a santidade do casamento está envolvida na
ordenação Divina da criação. Deus colocou na raça uma atração natural entre
os sexos. Mas essa atração natural envolve também uma relação moral. Não
haveria nada moral originalmente, testemunha disso era a ausência de
qualquer sentimento de vergonha. Originalmente, o natural era bom.
Devemos ter o cuidado de distinguir este sentido do termo natural daquele
muitas vezes dado a ele. Muitas vezes a transgressão do Sétimo Mandamento
é tolerada sobre o fundamento de que transgredir assim é “natural”. Agora, é
verdade que a transgressão do Sétimo Mandamento é particularmente
“natural” desde a entrada do pecado, mas isso é porque o pecado fez com que
o verdadeiro natural seja “natural” no sentido de pecaminosidade.

Por conseguinte, também encontramos em terceiro lugar que, a fim de


obter uma ideia verdadeiramente bíblica da relação entre os sexos não
devemos começar por admitir algo deste antinatural “natural” ser verdadeira e
originalmente natural. Roma erra aqui. Todo o seu ascetismo, e em particular
o seu celibato do clero, é baseado na suposição de que o natural original é
mau até certo ponto. Portanto, aqueles que pretendem ser mais espirituais,
devem abster-se do contato com o natural, tanto quanto possível. Assim, a
posição de Roma não é meramente um retorno à dispensação do Antigo
Testamento quando havia ordenanças peculiares no que diz respeito ao
casamento, etc., para o sacerdócio. Pelo contrário, a posição de Roma é sim
uma reintrodução do semi-paganismo. As ordenanças do Antigo Testamento
não foram dadas na hipótese do mal inerente da matéria, mas na suposição de
que o homem tinha corrompido o natural. Mesmo a elevação Católica
Romana do casamento à posição de um sacramento não escapa da acusação
de ter nascido de um princípio semi-pagão. Os sacramentos na igreja Cristã
têm relação com ordenanças da redenção e não da criação. E embora seja
verdade e importante que a redenção restaurou o verdadeiro significado do
natural e, portanto, restaurou a santidade do casamento também, esta
santidade não envolve, mas, antes, exclui a ideia de sacramento. É
exatamente porque Roma não tem claramente insistido sobre a santidade
original do matrimônio que posteriormente inclinou-se a fazer do matrimônio
um sacramento.
Então, ainda mais, a sacralidade da infância está envolvida na ordenança
da criação. Parece ser algo mais do que uma fantasia desenfreada ou alegoria
injustificável ver na família, composta por pai, mãe e filho, uma analogia da
Trindade. A raça humana, e não apenas o indivíduo humano, deve expressar
analogicamente algo do mistério da Divindade. E um dos maiores mistérios
da Divindade é a interação eterna das três Pessoas da Divindade. Assim,
apenas na Trindade da família algo disso poderia ser expresso. Por isso,
qualquer interferência com o processo da família humana por razões triviais é
uma interferência relativa ao plano de Deus. Parece ser seguro dizer que a
literatura sobre o atual controle de natalidade é quase sempre motivada pela
concepção antiteísta de que a vida humana pertence ao homem, em vez de a
Deus.

Ainda mais, a originalidade do casamento monogâmico está implícita na


ordenação da criação. Este não é apenas o caso porque Deus trouxe Eva a
Adão como se fosse com Sua própria mão. Isto é significativo. Igualmente
direta é a palavra de Cristo de que as concessões feitas no que diz respeito
aos tempos do Antigo Testamento não modificam minimamente as
ordenanças monogâmicas originais. Mas o próprio fato de que Deus criou
diretamente apenas um homem e uma mulher confirma estas palavras de
Jesus; também vimos que somente por meio de casamento monogâmico a
família poderia ser elevada a ser realmente expressiva da Trindade de Deus.
Assim, vemos que o casamento monogâmico precede a revelação especial. A
Redenção também restaurou isso, mas não o apresentou pela primeira vez.
Não pode ser facilmente observado o quão radicalmente a atual
concepção evolucionista da origem e natureza do matrimônio e da família se
opõe à nossa posição. Deve-se observar que a visão atual não é baseada na
descoberta de fatos pela antropologia moderna. Será que a antropologia prova
que a relação sexual era originalmente promíscua? Será que a antropologia
ensina que o casamento e a família têm gradualmente surgido até o ponto que
vemos agora de modo que existam a partir da esfera não-moral da vida
inferior? Negamos que ela o fez. Negamos que ela possa fazê-lo. O contexto
de toda a questão não pode sequer ser tocado por qualquer ciência histórica.
O cerne da questão deve ser travado entre o teísmo e antiteísmo como dois
sistemas fatalmente opostos de filosofia. Tanto quanto os fatos são
averiguados, eles não militam contra um casamento monogâmico original
instituído por Deus.
O pecado operou estragos em toda ordenança de Deus e tem feito o
maior estrago possível aqui. O primeiro capítulo de Romanos nos dá uma
ideia dos estragos feitos. Toda a relação normal foi subvertida. Mesmo em
nome da religião, imoralidades grosseiras foram perpetradas. E Paulo nos diz
que ele não ousa sequer falar de toda a extensão à qual estas questões foram.
Os pais da igreja, consequentemente, muitas vezes falaram como se a própria
natureza do pecado pudesse ser expressa na palavra concupiscência.
O antiteísmo pode não ver, em tudo isso, motivo para reprovação moral.
Por isso, o que existe, é certo. No máximo, pode-se falar de detritos
desfigurados das algas do fundo do mar quando se vê a humanidade apenas
emergindo lentamente a partir da prática animal. Consequentemente, a maior
sagacidade é gasta para encontrar desculpas para o que é uma completa
transgressão da lei de Deus. Ou, o que mais é o casamento de
companheirismo? E o que mais é a concepção bolchevista de casamento,
senão a conclusão lógica do motivo antiteísta nesta matéria? É somente
devido a uma medida de graça comum de Deus que tem restringido a fruição
completa deste princípio antiteísta. Devido à graça comum em conexão com
os subprodutos do Cristianismo, a civilização tem sido capaz, até certo ponto,
de acorrentar a besta maligna do pecado. Mas somos informados de que no
futuro a medida da graça comum será reduzida de forma que o caos irá
desenvolver-se na medida em que os homens perderão até mesmo sua afeição
natural.
É somente com este pano de fundo que podemos entender o matrimônio
e a família Cristãos. O Cristianismo é aqui, como em outros lugares,
restaurador. E isto é verdade para a dispensação do Antigo Testamento, bem
como para a do Novo. A única diferença é que durante na Nova Dispensação
o princípio restaurador pode e deve ser mais completamente cumprido. Já
vimos que o próprio Cristo disse que a posição mais baixa do Antigo
Testamento era uma questão de tolerância devido às circunstâncias.
O âmago da ideia redentiva de casamento é que ele simboliza a relação
da Igreja com Cristo, a sua cabeça. E uma vez que Cristo restaura o homem a
Deus, o casamento simboliza toda a relação de pacto entre Deus e Seu povo.
É isso que torna o casamento, se possível, ainda mais belo e sagrado do que
já era como uma ordenação da criação.
Somente assim nós entendemos por que a ideia do casamento é dada
com tanta proeminência no âmbito da noção de aliança durante o Antigo
Testamento. Israel, como o povo de Deus, é apresentado como a noiva de
Yahwéh. Toda a profecia de Oséias lida com este motivo. Yahwéh espera que
Sua noiva seja impecavelmente pura. Idolatria é prostituição. E o grande
amor de Yahwéh é expresso em Sua disposição de receber novamente em
Seu seio a Sua esposa terrivelmente infiel. Ela era indigna de Sua escolha, em
primeiro lugar. E, tendo sido feita a Sua escolhida, ela faz de si mesma
alguém indigna de confiança uma e outra vez. Ainda assim, Yahwéh a ama e
a purifica de toda impureza.

No Novo Testamento, a mesma ideia é demonstrada. Como um aspecto


dessa ideia, podemos notar a ênfase de Paulo sobre o corpo como um templo
do Espírito Santo (1 Coríntios 6:19; 2 Coríntios 6:16). Por meio de Seu
Espírito Santo, Cristo está atraindo os Seus próprios, Sua noiva, para uma
relação íntima conSigo mesmo. Sendo isso totalmente realizado, toda a
personalidade — o corpo bem como a alma — deve pertencer a Cristo. Por
isso o Espírito Santo habita nos corpos daqueles que são de Cristo. O Cristão
“não é de si mesmo”, mas de Cristo. A impureza corporal é, portanto, um
insulto direto a Cristo e ao Seu amor redentor. Aqueles que são “comprados
por bom preço” cofiaram aos seus cuidados os tesouros de Cristo. Ainda
assim, a tentação é tão grande exatamente neste ponto. Daí a ênfase de Paulo
sobre a pureza. Essa pureza deve ser interior, em primeiro lugar. Um Cristão
deve especialmente controlar seus pensamentos e imaginação. Assim sendo,
ele deve evitar o que é sugestivo do mal. Será que o filme que, às vezes,
anuncia-se como “erótico, excêntrico, exótico, fantástico, fatalista e
futurista”, ajudar o jovem Cristão, moço ou moça, a serem puros em sua
imaginação? E a falta de pureza interior leva à impureza exterior em palavras
ou por obras, o que é expressamente proibido no Novo Testamento. A
impureza faz um Cristão impróprio para o trabalho que é de valor para o
reino de Cristo. Isso retarda ou impede uma livre vida de oração, e portanto, a
verdadeira espiritualidade para o indivíduo, e facilmente se torna um motivo
de injúria por parte do mundo.
Mais centralmente, no entanto, o fato de que o casamento simboliza a
relação de Cristo com os Seus próprios aparece quando consideramos a Igreja
como um todo, em vez de seus membros individuais. Já vimos que era o povo
como um todo que simbolizava a noiva do Deus da aliança no Antigo
Testamento. Esta mesma ideia vem ao seu clímax final no livro de
Apocalipse. O mundo é apresentado como a grande prostituta e a igreja é a
noiva. E a vida futura em glória é apresentada como a união ininterrupta e
pura de Cristo, o Esposo, e a Igreja, Sua Noiva. Quão santo, então, e quão
belo é o amor, glorificado duplamente deste modo. Aquele que peca contra
isso, peca contra a sua própria vida, seu Criador e seu Redentor.
Inculcar essa concepção teísta Cristã do amor e do casamento é o
privilégio de ministros Cristãos e do povo Cristão. Se, então, o pecado tem
sido e é tão excepcionalmente virulento nesta esfera, isso parece ser
completamente a fim de soar uma nota especial de alerta contra qualquer
influência dentro e fora do lar que tornaria mais difícil de viver conforme as
exigências de Cristo. Os Cristãos não devem brincar com os inimigos que
estão de fora dos portões, há, além disso, os perigosos inimigo que estão
dentro dos portões. Uma coisa em particular pode ser mencionada. Como
pode qualquer Cristão esperar expressar algo da bela relação de Cristo com a
igreja se ele se casar com quem é incrédulo? Casamentos firmes são mui
facilmente consumados em tempos em que as linhas entre a Igreja e o mundo
são muito tênues. O mundanismo permitido em um lugar leva a mundanismo
em outros lugares. Daí o dever sagrado de pais Cristãos fornecerem o mais
sadio ambiente dentro e fora da casa, o mais puro e o melhor do deleite e da
associação. É mais difícil do que costumava ser para um jovem rapaz guardar
o seu caminho. Somente se, em todos os aspectos, ele for ensinado a guardá-
lo de acordo com a Palavra, ele escapará das armadilhas e ciladas, e ao
mesmo tempo expressará algo nessa vida daquele amor de Cristo, que Ele
tem pelos Seus próprios.
O Oitavo Mandamento — Propriedade

O significado deste Mandamento pode ser resumido dizendo que ele


solicita ao homem que respeite, preserve e desenvolva a sua própria
propriedade e a de seu próximo. Mas isso pressupõe o direito do homem ter
propriedade. Deste modo, é esta pressuposição que deve ser atestada
primeiro. Agora, a fim de fazer isso, devemos voltar para a criação, em
primeiro lugar. Tudo o que é logicamente dedutível no que diz respeito ao
homem e à sua esfera de atividade — a partir do fato de que ele é uma
criatura — pode ser dito ser bem fundamentado na Escritura como qualquer
coisa poderia ser. Agora, já que o homem é criado tendo sido constituído de
alma e corpo, ele precisa de um plano externo no qual ele possa agir
livremente. Ele precisa dessa esfera que favoreça e conexão e união com os
outros, desde que juntos eles formam uma unidade, mas ele também precisa
de uma esfera para si mesmo onde ele possa desenvolver-se em relativa
independência. A propriedade dá liberdade para a atividade racional e moral.
O pecado fez o homem negar que ele era uma criatura sujeita às leis de
Deus. Assim sendo, ele olhou para este mundo como se apenas estivesse nele
de alguma forma. Assim, cada homem apossou-se dele conforme estava em
seu poder. Além disso, quando alguém conseguia se apossar de uma parte
dele, sentia que poderia fazer com esta tudo o que lhe agradasse, sem
responsabilidade em relação aos seus companheiros ou para com Deus. O
resultado foi que se alguém, pelo seu grande êxito em obter para si mesmo
muita terra, desenvolvia uma teoria de direito de propriedade, esta seria era
uma falsificação de uma teoria teísta. Ele diria que isso era necessário para a
sociedade. Isto é verdade, mas não o fundamento definitivo do direito de
propriedade, desde que não há razão para que a sociedade exista a menos que
seja para Deus. Não era de admirar, então, que o engrandecimento não
conheceu limites. Quando o dinheiro foi inventado para se tornar
representante da ou mesmo um substituto para a propriedade, o espírito de
engrandecimento aumentou. Especialmente quando, devido ao
desenvolvimento do comércio e dos negocias o dinheiro poderia aumentar a
si mesmo por mero investimento, isso permitiu que os homens atuassem
como verdadeiros deuses sobre a terra. Os menos afortunados do que eles
próprios eram desprezados e reduzidos a serem meras porções de
propriedade. A escravidão foi o resultado natural do abuso do original direito
legítimo à propriedade. Na escravidão isso realmente atingiu o seu clímax.
Assim, desenvolveu-se dois extremos. O extremamente rico perdeu todo o
senso de responsabilidade e os extremamente pobres perderam todo o senso
de autorrespeito. Considerar a si mesmo a propriedade de Deus é
enobrecedor; conhecer a si mesmo como um escravo do pecador egoísta é
degradante

Assim as lutas de classe surgiram e foram relativamente justificadas. Se


nenhuma das partes reconheciam Deus como Criador, é um procedimento
lógico e totalmente legítimo organizar e usar a força para criar um espaço de
atuação por si mesmos. O mundo é, então, livre-para-todos. Poder é direito.
Foi sobre este princípio que os ricos detentores de propriedade, industriais e
financiadores têm atuado muitas vezes. Hipocritamente, ou sob uma ilusão,
eles defenderam a sua posição com uma linguagem piedosa. Mais direto e
mais lógico, Karl Marx escreveu o seu, “Das Kapital”. Nele, ele francamente
abraçou uma filosofia materialista e, portanto, necessitarista da história. A
hipótese da evolução reforçou ainda mais as suas ideias. O homem e,
portanto, a moralidade e a racionalidade derivaram-se do não-moral e do
irracional. Apenas a utilidade pode restringir os homens de buscarem
apossar-se de tudo. Os governos, posto que são eles próprios derivados de tal
sociedade, não têm poder maior do que o derivado da sociedade. Logo, esses
governos também só podem aconselhar dois lobos sobre o fato de que seria
desvantajoso devorarem-se um ao outro.
A razão por que tudo isso não tem levado à destruição da sociedade é
devido à graça comum de Deus. Por meio da graça comum, Ele tem
restringido o pecado dos homens. Apenas de vez em quando um Lameque, ou
um Nietzsche aparece. Para a maioria dos homens e especialmente para os
homens que estão em posição de elevada autoridade, Deus tem graciosamente
dado algum senso de honestidade e responsabilidade. Ele até fez com que
essas bênçãos da graça comum se desenvolvessem ao longo dos tempos, de
modo que os governos e sociedades mais ordenadas se desenvolveram. No
entanto, conforme o tempo passa e os homens têm plenamente demonstrado a
sua indignidade, mesmo de receber essas bênçãos temporais, os dias de Noé
voltarão, e ouviremos falar de guerras e rumores de guerras. Quando os
homens perderem a sua “afeição natural” eles serão adúlteros, ladrões e
mentirosos. A ironia do Inferno será que os homens buscarão exercer
plenamente todos esses “dons” deles, mas não encontrarão nenhum campo
para o seu exercício.
A este mundo de pecado veio o princípio redentivo, vindo a partir de
Cristo, seu centro. Isso restaurou, em princípio, a verdadeira ideia de
propriedade. Vemos isso já no Antigo Testamento e mais plenamente no
Novo. O primeiro ponto que precisava de restauração era a própria ideia de
criação. Uma vez feito isso, os abusos dos ricos e a insatisfação dos pobres
naturalmente desaparecerão. “Também a terra não se venderá em
perpetuidade, porque a terra é minha; pois vós sois estrangeiros e peregrinos
comigo” (Levítico 25:23). Se a terra é do Senhor e, consequentemente, tudo
que é útil para o homem é do Senhor, o homem não pode ser mais do que um
mordomo que certamente terá que prestar contas de sua mordomia.
Certamente, nesse caso, um homem não pode reduzir seu semelhante a uma
porção de propriedade. Seu companheiro tem o direito de propriedade como
ele. Durante o Antigo Testamento esse princípio ainda não podia ser
totalmente posto em aplicação. Por isso os judeus ainda não foram
diretamente proibidos de reduzir os estrangeiros a escravidão. Apenas nos
tempos do Novo Testamento este princípio poderia ser mais plenamente
expresso. Da mesma forma, durante a dispensação do Antigo Testamento os
excessos de riqueza e pobreza eram verificados pelo regulamento de que
todas as propriedades após sete anos voltariam a pertencer aos seus donos
originais ou aos seus herdeiros.
No tempo de Jesus, bem como nos outros, os judeus infelizmente tinham
abusado daquelas ordenanças teocráticas-teístas Divinas. Os fariseus tinham
adicionado tantos encargos aos já prescritos no Antigo Testamento que o
pobre homem nunca poderia esperar suportá-los. Consequentemente, a maior
parte dos pobres estavam insensíveis e desanimados. O que Jesus faz em
meio a tudo isso?
Ele faz o que seria de esperar que Ele fizesse como o restaurador do
teísmo. Ele não necessariamente expressa-Se plenamente sobre o assunto. Ele
não fez isso com relação ao Sabath. Em ambos os casos, Ele deixou que isso
fosse anunciado muito posteriormente por Seus seguidores. No entanto, os
princípios são claros.
As afirmações de Jesus que têm uma influência direta sobre a questão
corroboram com a nossa expectativa de que Ele buscará restaurar um
verdadeiro teísmo. “Ninguém pode servir a dois senhores; porque ou há de
odiar um e amar o outro, ou se dedicará a um e desprezará o outro. Não
podeis servir a Deus e a Mamom” (Mateus 6:24). “E eu vos digo: Granjeai
amigos com as riquezas da injustiça; para que, quando estas vos faltarem, vos
recebam eles nos tabernáculos eternos” (Lucas 16:9). “Pois, se nas riquezas
injustas não fostes fiéis, quem vos confiará as verdadeiras?” (Lucas 16:11).
Quando se diz: “Não podeis servir a Deus e a Mamom”, pelo termo Mamom,
entende-se qualquer coisa de valor terreno, ou seja, propriedades em geral, e
o dinheiro em particular. Jesus reconhece em primeiro lugar, que é legítimo e
necessário ter dinheiro. Se não fosse assim, Ele não poderia ter recomendado
seu uso como um meio pelo qual adquirir amigos. Ele simplesmente toma por
garantida a ordenação de criação, uma vez que tinha sido novamente
expressada nas palavras do Antigo Testamento: “a terra é minha”. Em
segundo lugar Jesus reconhece o abuso feito daquilo que em si é legítimo.
Quando os homens negaram que Deus era o dono do dinheiro, então o
dinheiro tornou-se o seu deus. Contra isso, Jesus diz que eles não podem
servir a dois senhores. Sua própria prática estava de acordo com o Seu
princípio expresso. Não há evidência de que Jesus e Seus discípulos eram
muito pobres. Eles tinham uma bolsa e, por vezes, aliviavam os pobres. Ele
não era um sonhador que não tinha olhos para a necessidade social. Ele
ajudou o centurião rico e o pobre homem doente de Betesda, o rico Jairo e o
pobre Bartimeu. O homem rico não “levanta os olhos em tormento”, porque
ele era rico, mas porque ele tinha desprezado a Moisés e aos Profetas, os
quais lhe disseram para fazer uso adequado de suas riquezas. Jesus, no
entanto, nesta parábola e também em Sua recomendação ao jovem rico,
indicou que as riquezas são uma grande tentação, e que se alguém possuir
riquezas, facilmente cederá à perda de sua própria alma. Qualquer que tenha
sido o motivo específico para a exigência de Jesus de que o jovem rico
vendesse tudo o que tinha, isso aconteceu pelo fato de Jesus haver
considerado necessário para este homem em particular dispor da sua riqueza,
a fim de ser um discípulo Seu. A recusa do jovem rico mostra não somente
que ele não estava pronto para dar tudo por Jesus, mas que ele não estava
pronto para dar algo para Jesus. Ele olhou para a sua riqueza como
absolutamente e não como derivadamente sua própria. As riquezas não são
erradas em si, mas facilmente tornam-se erradas para o homem pecador.
Vemos, então, que o importante para os Cristãos observarem com
relação à questão das possessões é que a propriedade privada deve ser
respeitada, protegida e desenvolvida. Todos os meios legítimos pelos quais
isso é feito mais facilmente possível, devem receber o nosso encorajamento e
ajuda. As completamente não-naturais condições de vida nas cidades
modernas tendem, como vimos, a facilitar a quebra de todos os Mandamentos
e, especialmente, os Mandamentos que dizem respeito diretamente à vida
social. São oferecidas oportunidades maravilhosas para que Ao roubo
individual e ao banditismo sejam exercidos nas grandes cidades. Na medida
em que a centralização da produção e da indústria é necessária, medidas
devem ser tomadas que farão de tal centralização possível e consistente com a
proteção da vida e da propriedade. Daí o pregador do Evangelho não pregará
“o evangelho social” somente, mas certamente anunciará aos homens a
mensagem do Cristianismo no que diz respeito à vida social. Essa mensagem
é que os homens devem ser teístas. Se eles são, o problema do capital e do
trabalho, do socialismo e do comunismo não serão resolvidos completamente
de imediato, mas eles serão resolvidos, em princípio. Um capitalista teísta
não pode reduzir seu semelhante a uma porção de propriedade. Um
trabalhador teísta reconhecerá diferenças originadas na criação entre os
homens e ficará satisfeito com o seu pão de cada dia. Obviamente, enquanto
o pecado durar, as consequências do pecado durarão. O trabalho árduo será
necessário, e os homens buscarão escapar dele, transferindo-o para outros.
Por isso, pode ser necessário que outros possam organizar-se e protestar. E
especialmente porque sabemos bem que nem todos os homens têm fé, isso
não somente será necessário para aqueles que têm a dizer para aqueles que
não a tem, que eles também têm fé, mas também será necessário utilizar
todos os esforços legítimos para fazer a vida, tal como ela é, tão tolerável
quanto possível. O Cristão deve ajudar a remover a injustiça de homem para
com homem. Desde a entrada do pecado, o homem tem sido o lobo do
homem.
Ai do pobre modernismo! Ele tem pensado levar a mensagem de Jesus
para mais perto dos homens quando desiste da especulação sobre tais
doutrinas “abstratas”, como a da criação. O modernismo reescreveu “a
teologia como uma ciência empírica”. Ele procura realmente ajudar as
necessidades sociais com o “evangelho social”. Mas a sua negação do teísmo
do qual a criação é o ponto diretamente significativo, neste contexto, tornou
impossível para o modernismo oferecer qualquer coisa à luta entre capital e
trabalho além do que aquilo que o capital e o trabalho já conhecem muito
bem, ou seja, que o poder faz o direito. O modernismo tem sensatamente se
limitado em grande parte ao exterior, pois o verdadeiramente interior, ele não
pode tocar. Ele pode aliviar a superfície, mas não funciona para as principais
doenças internas. Apenas o Cristianismo ortodoxo tem uma mensagem real
para aqueles que estão envolvidos na “luta pela existência”.
A mensagem final que ele traz é a promessa do futuro. O modernismo
tem enfatizado o fato de que temos de ajudar os homens para esta vida, em
vez de consolá-los com a perspectiva da vida por vir. O triste resultado foi
que o modernismo não tem nenhuma mensagem, nem para esta vida ou para
a porvir. Aquele que não tem nenhuma mensagem para a vida por vir, não
pode ter nenhuma mensagem para esta vida. Se não houver uma vida por vir,
não há nenhuma mensagem de ninguém para ninguém sobre nada. Os
idealistas de todas as épocas têm sentido a necessidade de um “além”.
“Ideias” de Platão, “Noumenon” de Kant e “Absolute” de Hegel são a prova
dos esforços inúteis de idealização feitas pelo homem separado de Deus.
Utopias têm existido em multidão. Todavia, nenhuma delas ofereceu
qualquer ajuda genuína. Todas elas têm procurado algo absoluto, em vez de
uma Pessoa absoluta. Nenhuma esteve disposta a admitir que o homem
trouxe o mal sobre si mesmo. Portanto, apenas o Cristianismo oferece alívio.
A garantia de justiça futura permite que os pobres que estão em Cristo
permaneçam “puros de coração”. O Consolo é deles, consolo genuíno, como
o mundo não conhece e não consegue entender. Resta ainda um repouso para
o povo de Deus.
O Nono Mandamento — Verdade

Podemos resumir o significado deste Mandamento, dizendo que ele


requer de nós que respeitemos, mantenhamos e desenvolvamos o bom nome
de nós mesmos e de nossos vizinhos. O significado literal das palavras refere-
se a jurar falsamente em tribunal. Ou seja, de acordo com o modo de
promulgação das outras leis, que cada vez mencionam a forma mais extrema
de transgressão. Neste caso, como nos outros, devemos voltar a partir desta
forma mais extrema de transgressão ao estado original das questões a fim de
verificar qual era naquele tempo o requerimento positivo, embora não
expresso.
Agora, a fim de fazer isso, devemos observar que o homem como
criatura de Deus e como portador da imagem de Deus deveria dar a
interpretação ao universo. Ele deveria buscar aprofundar cada vez mais a
natureza da realidade criada, da qual ele mesmo fazia parte. Deus expressou
Suas ideias, Seu plano neste universo criado. Era o privilégio dos homens
buscar estes pensamentos de Deus, que são a verdade do universo criado.
Este deveria ser o homem da ciência. E ali havia espaço infinito para
expansão. Além disso, havia a garantia real do progresso. O universo criado
foi o produto da interpretação de Deus; o homem poderia, portanto, ter
certeza de que sua própria interpretação estava correta se esta apenas
correspondesse à interpretação de Deus. Se assim fosse, o homem teria
coerência consigo mesmo, como Deus teve coerência conSigo mesmo.
Assim, o verdadeiro método científico deveria ser a implicação na
interpretação de Deus. Não era para ser nem pura indução, nem pura
dedução. O universal e o particular, sempre existiram juntos. Nenhum detalhe
da existência foi considerado à parte do seu centro de referência no universo
criado, a mente do homem e, finalmente, a partir de seu centro de referência
na mente de Deus.
O homem amaria a verdade, porque a verdade era uma expressão da
mente de Deus e, finalmente, era Deus. Haveria cooperação com o seu
próximo, pois cada um teria o mesmo amor por Deus.

Então, em uma má hora o homem não queria mais ser homem. Ele
queria ser como Deus. Já não amava a Deus. Fez de si mesmo, em vez de
Deus, o centro de referência daquilo que ele agora chamava de a sua busca
pela verdade. O Diabo tinha ensinado os homens a olhar para além de Deus,
pela verdade. Ele afirmou diante do homem a ilusão de que ele pode,
eventualmente, ser como Deus. Não havia possibilidades além Deus? O
homem deveria experimentar. Ele não vivia mais pelo ipse dixit de Deus. A
história deveria provar o que era verdade.

Qual foi o resultado? Fracasso e ruína. O homem tentou ser o que ele
não podia ser. Ele era uma criatura e não poderia ser mais do que isso, visto
que existe um Deus. O homem se rebelou contra esta verdade metafísica. Ele
estabeleceu-se como um Deus. Ele, em vez de Deus, viria a tornar-se o
padrão último da verdade. Ele considerou que o seu pensamento era tão
original e tão abrangente quanto o de Deus. Esta foi a mentira. A mentira é
autocontraditória. O homem tornou-se uma casa dividida contra si mesma.
Quando ele disse que poderia ser como Deus, ele disse que a possibilidade
era maior do que Deus. Assim, as leis de Deus, o Seu plano, em suma, a Sua
afirmação foi rebaixada. Contra Ele foi estabelecida uma negação que era
apenas fundamental. Isso parecia tão inocente. No entanto, porque Deus é a
afirmação definitiva nenhuma negação pode ser estabelecida em Seu nível. A
tentativa de fazer isso nada é, senão uma fútil negação da afirmação de Deus.
Foi isso que uma criatura fez. O Diabo fez isso originalmente. Ele é, portanto,
o espírito completamente autocontraditório. Ele é autocontraditório, porque
ele contradiz a Deus. A criatura é determinada por definição. Ela não pode
viver, senão na atmosfera do plano de Deus. Uma criatura tentar viver uma
existência indeterminada implica a sua explosão. A atmosfera externa é
removida. Ela encontra-se no vácuo. O Inferno é o único vácuo completo. Por
isso no livro de Apocalipse nenhum som perturbador saiu dele para perturbar
a glória do novo Céu e da nova Terra. Isto não é devido a qualquer invólucro
artificial. É devido à paralisia dos ocupantes no vácuo. O Diabo é a mentira
metafísica.
Não é de admirar que quando o homem se identifica com a mentira
metafísica, ele deve cair na mentira lógica. Ele errou e errou tristemente em
seus esforços “científicos”. Ele deveria ter sido muito mais avançado do que
ele é. Abraham em vez de Edison teria descoberto o filamento de tungstênio.
Lindbergh chegou milhares de anos depois, tarde demais. O homem tentou
estudar os fatos à parte de Deus. Por isso, ele nunca encontrou a verdade
universal na experiência humana. Ele não procurou por nenhuma verdade
universal definitiva a mais do que a mente do homem em si poderia fornecer.
E uma vez que a mente do homem não pode, pelo fato de ser criada, conceber
nem mesmo algo como uma verdade universal secundária a menos que seja
relacionada a Deus, o definitivo Universal, não havia nenhuma unidade
trazida à experiência. A coerência tornou-se impossível para o homem desde
que ele procurou a coerência sem correspondência com Deus. As coisas não
podem e não poderiam corresponder à falsa estrutura do pensamento
pecaminoso.
Desde então também, em terceiro lugar, o homem virou-se para a
mentira ética, para a falsidade, para o mal na superfície da questão da relação
do pensamento e da expressão, para as coisas que ele conhece. Não poderia
ser de outra forma. Ele virou-se para longe de Deus. Ele já não amava a Deus.
Por isso, ele já não respeitava a si mesmo e ao próximo por causa de Deus.
Por conseguinte, quando já não havia verdade para com Deus, ele não
concebeu nenhuma necessidade de ser fiel a si mesmo ou seu ao semelhante.
Assim, a sociedade tornou-se infiel.
Mais uma vez nós devemos observar que o real estado das coisas
reconhecidamente não responde plenamente a este retrato, como dado. Se
assim fosse, teríamos o Inferno. Mas que não o tenhamos não é devido ao
homem. Deus enviou a Sua graça comum. É isso que dá ao homem um certo
senso de verdade metafísica. Ele sentiu alguma necessidade de um além
como um centro de referência; o que testemunha a lógica do idealismo. Isso
também deu ao homem um certo senso de verdade lógica. Seus esforços
científicos fizeram algum avanço, embora desajeitado. Isso finalmente deu ao
homem um certo senso de verdade ética. A pessoa média não mente por
causa do mentir. Ele tem alguma autoestima e senso de fidelidade. Na
sociedade pode-se encontrar, às vezes, até mesmo uma grande medida de
fidelidade. Mas tudo isso não afeta minimamente a afirmação de que no
íntimo dos seus corações, os homens se aliaram com o mentiroso desde o
princípio, contra a verdade desde a eternidade. Jesus diz aos fariseus que eles
falam as coisas que erma próprias de seu pai, cuja natureza é uma mentira.

Por conseguinte, quando o mandado de veracidade vem a nós na lei, ele


não vem para nós a fim de avivar as brasas da graça comum, mas para levar a
bom termo o dom da graça especial. Verdadeiramente, é o dever de todo
homem ser fiel. Deus não diminui nem abranda a Sua exigência somente
porque o homem fez-se impotente para cumpri-la. Todos os homens devem
ser capazes. Disso segue-se que todos os homens deveriam ser Cristãos. Mas
o comando vem principalmente àqueles que são redimidos, a fim de que eles
cumpram a verdade que há nEle.
Em Cristo o homem é restaurado para a verdade metafísica, antes de
tudo. O homem se reconhece como uma criatura de Deus novamente. Através
de Cristo, ele busca o ponto final de referência para toda a sua vida em Deus.
O homem é retirado do vácuo. O Espírito Santo tem servido como seu
respirador. Lentamente, o homem aprende a respirar conscientemente. Sua
experiência determinada revive novamente. Logo ela opera, e opera de forma
frutífera. O novo homem em Cristo está assentado “nos lugares celestiais”.
Isto se dá pelo ar puro que ele respira.
Assim, o homem progride novamente. Ele está agora na atmosfera da
lógica, bem como na atmosfera da verdade metafísica. Uma dificilmente pode
ser separada da outra. Seu progresso será lento, no início. O período da
adolescência será o período de sua vida presente. Depois disso ele fará seus
progressos rapidamente. O novo Céu e a nova Terra serão seus para explorar.
A principal colheita a ser feita nesta vida é a fidelidade ética. O Cristão,
ou seja, o ser humano determinado nunca pode, nem mesmo na profundidade
mais íntima de seu pensamento, pensar de si mesmo, exceto na presença da
Verdade. Os olhos dAquele com Quem temos que lidar não conhecem
escuridão. Os recessos mais escuros de nosso coração, muitas vezes
escondidos para nós mesmos, estão nus e patentes para Ele. Os sete espíritos
de Deus sondam até mesmo as profundezas turbulentas de nossas almas
totalmente reflexivas da verdade. A partir disso, aprendemos a amar a
verdade. A verdade nos torna livres da escravidão da mentira.
Como deveres específicos, então, podemos enfatizar esta veracidade
interna conosco mesmo. O autoexame é a nossa tarefa diária. E este
autoexame deve ter a Palavra de Deus como seu padrão. Os não-Cristãos
também falam de autoexame. No entanto, seus resultados são sempre
autoexaltação ou autoaniquilação. A razão para isto é que o mundo não tem
um verdadeiro padrão de autoexame. Este considera Jesus como um homem
ideal ou algum outro ideal. O Cristão tem a demanda absoluta da Palavra. Ele
sabe que o ideal é a perfeição: “Sede vós pois perfeitos, como é perfeito o
vosso Pai que está nos céus" [Mateus 5:48]. Ele sabe que está longe, muito
longe de ter alcançado esse objetivo. Isso o mantém humilde. Mas ele
também sabe que a graça de Deus está em seu coração e que, portanto, não
precisa se desesperar. Um dia ele será perfeito. A libertação do pecado e um
pleno conhecimento da verdade está diante dele. Assim, ele se esforça
nobremente enquanto segue em frente.
Assim, nós devemos estar sempre mais preocupados com o que Deus
pensa de nós do que com o que o homem pensa de nós. O mundo nos diz que
somos um povo peculiar, isto é, um povo estranho. Nós não gostamos de ser
assim considerados e somos tentados a ser conformados com o mundo, tanto
quanto nós ousamos. Perguntamo-nos se podemos fazer isso e aquilo como
Cristãos. Especialmente neste caso em relação a todos os tipos de prazeres
mundanos. Em vez disso, Deus nos diz que devemos ousar ser um povo
“peculiar”, a fim de que possamos anunciar as grandezas dAquele que nos
trouxe das trevas para a Sua maravilhosa luz. Alguns dos líderes dos judeus
acreditavam em Jesus secretamente, “Porque amavam mais a glória dos
homens do que a glória de Deus” (João 12:42). Assim, não ousamos nos
alinhar com as causas impopulares, especialmente quando o ódio que se
derrama sobre nós poderia vir daqueles que professam o Cristianismo.
Em seguida, em segundo lugar, não somente devemos respeitar a nós
mesmos como portadores da verdade, devemos manter e desenvolver-nos
como tal. O autoexame pode ajudar também a isso como tal, uma vez que nos
aponta para o ideal. Mas acima de tudo, obedecendo ao Senhor, que é o
Espírito (2 Coríntios 3:18), quando ele olha para Aquele que é a Verdade
“somos transformados na mesma imagem de glória em glória”. Então, se em
nosso caminho de progresso houverem aqueles que procuram interferir,
podemos precisar para defender nossa reputação. Falsos irmãos podem tentar
retardar o nosso progresso, porque o nosso progresso honra a Cristo. Então
para a honra de Cristo, devemos nos defender. Especialmente este é o caso,
se Cristo nos honrou, dando-nos um ofício em Sua igreja. Nesse caso,
Satanás tentará o seu melhor para nos difamar, a fim de difamar a Cristo.
Paulo dá-nos uma boa ilustração do que fazer nesse caso. Ele recebeu uma
quantidade excepcionalmente grande de ridicularizarão do adversário, porque
ele fez uma obra excepcionalmente grande para Cristo através do ofício
excepcional do Apostolado. Era o seu Apostolado que o inimigo
ridicularizava. Eles diziam que ele era um homem de imaginação fértil
obcecado com uma ideia fixa. O que Paulo faz? Ele estava disposto a
suportar muitas outras afrontas, mas quando seu ofício é atacado, ele grita:
“Não sou eu apóstolo? Não vi eu a Jesus Cristo Senhor nosso?”, “os sinais do
meu apostolado foram manifestados entre vós com toda a paciência, por
sinais, prodígios e maravilhas” (1 Coríntios 9:1; 2 Coríntios 12:12).
Em todo o tempo, o Cristão não deve apresentar-se como sendo mais do
que ele é, nem, por outro lado desnecessariamente rebaixar-se diante dos
olhos dos homens. E, especialmente, ele deve crescer na fidelidade comum
que mesmo os incrédulos manifestam. Acontece com demasiada frequência
que os Cristãos são menos confiáveis no mundo dos negócios do que os não-
Cristãos. Logo, os Cristãos desenvolveram consciências muito flexíveis com
relação às contas de supermercado, pesos e medidas, e com relação à
honestidade nos negócios em geral. Ora, isso é uma vergonha para Cristo.
Isso dá muito motivo para o mundo blasfemar o Nome santo que está acima
de todo nome.
Semelhante às obrigações com respeito a nós mesmos, são as nossas
obrigações no que diz respeito aos nossos próximos. Devemos, em primeiro
lugar, pensar fielmente sobre eles. Isso não significa que devemos considerar
todos iguais. Isso não deveria ser pensar fielmente. Sabemos que alguns não
têm a verdade. Sabemos que, no fundo, eles amam a infidelidade. No entanto,
sabemos que, pela graça comum ele pode praticar certa fidelidade geral. Por
isso devemos “folgar com a verdade” (1 Coríntios 13:6). Devemos “tudo
crer”, ou seja, acreditar em todas as coisas boas ao invés de crermos nas
coisas ruins. A suspeita não fundamentada é algo não-Cristão.
Em segundo lugar, devemos falar a verdade ao e sobre o nosso próximo.
O pensamento pronuncia-se no discurso. O que dizemos deve corresponder e
ser expressivo do que pensamos. Portanto, se sabemos que alguém é um bom
homem não ousamos dizer que ele é um homem ruim ou não completamente
um bom homem. Por outro lado, se sabemos que alguém é um homem mau,
nós não podemos, para o nosso próprio interesse ou dele, especialmente
perante o tribunal, dizer que ele é um bom homem. “Estas são as coisas que
deveis fazer: Falai a verdade cada um com o seu próximo; executai juízo de
verdade e de paz nas vossas portas. E nenhum de vós pense mal no seu
coração contra o seu próximo, nem ameis o juramento falso; porque todas
estas são coisas que eu odeio diz o Senhor” (Zacarias 8:16-17). Assim, o
mexeriqueiro que fala sem ter qualquer base mais sólida do que a de “fema”
todos os tipos de histórias sobre o Sr. Fulano de Tal e, especialmente, sobre o
Reverendo Fulano de Tal, faz coisas odiadas pelo Senhor. Pois é
especialmente com respeito àqueles que estão em um ofício de estado ou
igreja que devemos ter cuidado. Sua reputação significa muito para a
sociedade. No Antigo Testamento, os juízes são chamados de “Elohim”;
(Êxodo 21:6) e, especialmente Salmos 82:8, a que Jesus se refere em João
10:32: “Não está escrito na vossa lei: Eu disse: Vós sois deuses”. Os juízes
foram chamados deuses porque eles eram representantes de Deus e Deus
falava através deles. E, como aqueles que têm cargo na Igreja, eles
representam Deus em Cristo. Daí, a injunção de Paulo ter um cuidado
especial da reputação daqueles que eram anciãos, ou seja, governantes
representativos de Cristo. Assim, em todos estes casos, se outros têm falado
mal nós devemos, tanto quanto está em nós, buscar anular os efeitos deste
mal. Procurar acabar com falsos rumores pode ser uma tarefa difícil, mas é
nossa tarefa mesmo assim.
Uma tarefa mais difícil ainda nos espera quando observamos que é o
nosso dever conversar com outras pessoas e, especialmente, com os nossos
irmãos Cristãos sobre o seu dever de serem verdadeiros. Isto é mais difícil
quando eles têm, obviamente, falhado a este respeito. A atitude sou-eu-
guardador-do-meu-irmão? é uma atitude não-Cristã. Esta tarefa é mais difícil
se o infrator estiver em uma em um ofício de alta posição, porém o mais
necessário é que nós cumpramos a nossa tarefa. Somente assim nós podemos
procurar não somente o respeito, mas também desenvolver a fidelidade sobre
nós.
Para que estão investidos de ofícios, especialmente, para os ministros, é
necessário lembrar neste momento que, a fim de desenvolver a veracidade
eles devem buscar obter confissões de falsidade por um discreto método
amigável. Ser suaviter in modo beneficia aquele que vive em uma casa de
vidro. Qualquer pretensão de perfeição nesta realização repelirá em vez de
atrair. Assim, não se desenvolve, mas se retarda o desenvolvimento da
veracidade. Ao mesmo tempo, o segredo pode ser necessário. A Igreja
Católica Romana tem com a sua doutrina de sigillum confessionis proibido o
seu sacerdócio de revelar os segredos revelados a eles. Agora, existem
situações concebíveis em que o sigilo seria um pecado. Suponha que alguém
revele uma trama de assassinato para você. Em tal caso, o autor quebrou suas
relações com a sociedade e não tem o direito de esperar nada, senão a
punição da sociedade.
Ainda mais, se deve haver um desenvolvimento geral da veracidade na
sociedade, seus membros, em suas relações, não podem empregar quaisquer
reservatio mentalis. Nem sempre é necessário dizer tudo o que nós sabemos
(Provérbios 3:7; 29:11), mas o que se entende por reserva mental é a tentativa
deliberada de enganar por não falar toda a verdade. Por exemplo, alguém
pode questionar-lhe sobre algo que você não se importa em revelar. Você
responde-lhe dizendo que você não sabe sobre o assunto, e depois
mentalmente reserva o pensamento “quanto a qualquer coisa que é pública”.
Tal reserva mental é desonestidade e é produtiva de desonestidade.

Mas, alguém dirá que fazemos isso porque é útil para a sociedade. Nesta
base muitos moralistas têm defendido a mendacium officiousum, ou seja, a
mentira de necessidade. As razões para a defesa são (a) que tais mentiras são
feitas para um bom propósito, (b) que evitam um mal maior, e (c) que devem,
por vezes, serem empregada quando se enfrenta uma colisão de deveres.
Além disso exemplo, a Escritura é citada para provar que isso é permissível.
As parteiras dos israelitas que enganaram Faraó foram abençoadas. O próprio
Deus disse a Moisés para pedir a Faraó que deixasse Israel sair, pois este não
faria mais do que uma curta viagem ao deserto. Raabe, a meretriz que
escondeu os espiões foi mantida viva quando os outros foram mortos. O
homem de Baurim escondeu os espiões de Davi em um poço e foi abençoado
(2 Samuel 17). Ora, quanto às razões dadas, elas não são conclusivas. Quanto
à boa intenção, respondemos que o fim não justifica os meios. Que evitam
mal maior nós não podemos aceitar. Elas podem evitar o que nos parece um
mal maior. Mas, mesmo Sócrates sabia que perder a vida não é tão grande
mal quanto cortejar o desfavor dos deuses. Nem sempre somos realmente
colocados diante de uma colisão de deveres. Nosso pensamento de que somos
é geralmente devido à falta de oração e estudo das Escrituras. E se temos sido
fiéis nestes assuntos, resta para o Cristão apenas pequena dúvida se ele está
andando no caminho do Senhor. Então, como os exemplos bíblicos, não
temos nenhuma garantia de que as parteiras foram abençoadas por causa de
seu engano; foram abençoados, apesar dele, por sua fé. Em segundo lugar
Moisés testou o coração de Faraó com um pequeno pedido. Se ele tivesse lhe
concedido, o maior assunto teria sido abordado. Vendo que ele não concedeu-
lhe, não havia necessidade de mencionar mais nada. O caso de Raabe é
semelhante ao das parteiras. Ela era a única que tinha fé e foi salva por causa
disso. Finalmente, no caso do homem de Baurim estamos diante de uma
estratégia marcial e não há nenhuma garantia de que ele usou de engano.
Assim, não vemos nenhuma razão nestes exemplos para se desviar do mais
estrito princípio moral que sempre condenou a mentira de necessidade.
A mentira de necessidade é, talvez, a mais frequentemente praticada em
caso de doença grave. Agora vamos admitir, é claro que a condição mental é
importante. Segue-se, então, que a grosseria desnecessária deve ser evitada.
Mas suponha que um descrente esteja mortalmente doente. É misericórdia
para com ele esconder dele esse fato? O conhecimento do fato pode levar ao
arrependimento enquanto a falta de conhecimento do fato pode levá-lo a
confiar em sua falsa esperança novamente. E, quanto ao Cristão, ele também
tem o direito de morrer tão autoconsciente quanto possível. Casos difíceis,
sem dúvida, surgirão, mas que Cristão se atreve a dizer que a graça de Deus
alguma vez honrará medidas que são profanas?
Muito diferente é o caso com o mendacium iocosum, ou seja, ficção por
diversão. Estritamente falando, isso não é engano. O dom da imaginação
permitiu ao homem criar mundos fantásticos que deliciaram sua alma. O
mundo da ficção é baseado nisso. Assim também a conversação da vida
social pode ser animada por resposta que envolve a mendacium iocosum. No
entanto, devemos observar que uma indulgência livre do imaginativo e
romântico muitas vezes nos faz perder até certo ponto, o nosso sentido de
veracidade sóbria e nossa aptidão para lidar com o mundo prosaico da
realidade. Até mesmo escritores não-Cristãos admitiram que as fantásticas
apresentações de filmes futuristas fatalistas têm ajudado a preparar a
juventude de nossa nação para muitas carreiras de crime e especulação. A
atração do dinheiro “fácil” em vez do dinheiro “honesto” e a atração do
prazer “fácil” em vez do prazer “honesto” tem sido frequentemente evocado
pela ocupação desproporcional com o sobrenatural.

Mesmo o mendacium humilitatis que é geralmente considerado como


não mais do que o óleo que suaviza as articulações rangentes da sociedade, às
vezes, pode malmente ser distinto da hipocrisia. Demasiadas vezes aqueles
que são mais educados te ferirão “na quinta costela”, entrementes. Há aqui
uma média de ouro pela qual se esforçar.
Aquele que quer ser um Cristão, de fato, deve lembrar-se das palavras de
Jesus: “Eu sou a Verdade”.
O Décimo Mandamento — Desejo

Tem sido apontado em relação a todos os Mandamentos que o


significado literal das palavras utilizadas em todos os casos em absoluto não
esgota a implicação do propósito de Deus. O estado não pode esperar nada
mais do que a obediência exterior. Mas Deus não é satisfeito com isso. Ele
demanda perfeição interna antes de tudo.

Neste Décimo Mandamento Deus chama especial atenção a este fato,


uma vez mais. A peculiaridade deste Mandamento não deve ser encontrada
nos objetos em relação ao qual desejo é proibido. Estes objetos são
abrangidos pelo Oitavo Mandamento. A peculiaridade deste mandamento
deve ser mui encontrada em sua ênfase específica sobre a necessidade de
perfeição interior.
Deus criou o homem internamente perfeito. Por qualquer nome que
possamos buscar designar aquilo que é mais íntimo e, portanto, no comando
da vida humana, esse aspecto mais íntimo da personalidade humana foi
criado bom. É bom notar que o pensamento antiteísta deve negar este fato.
Por isso, não pode haver bondade ética até depois que a vontade operou.
Somente a operação da vontade pode produzir “natureza” ou personagem.
Agora, pode-se afirmar seguramente que em tal caso nenhum caráter ou
natureza jamais seria capaz de desenvolver-se na medida em que o sujeito da
ação seria definido em um vácuo, que não lhe conferia nenhuma força
propulsora. Cada objeto de uma ação deve ter uma “natureza”, segundo a
qual ele age ou ele morrerá de fome como o burro proverbial entre duas
caixas de feno, incapaz de escolher o que comer. Em suma, uma criatura sem
um caráter seria nenhuma criatura; ela já seria metafisicamente desprendida
de Deus, em Quem somente, ela pode viver e se mover e a ter a sua
existência.
Não é inconsistente com isto dizer que a própria Bíblia reconhece o
valor e a necessidade da escolha humana, a fim que o caráter seja
desenvolvido. Nós consentimos com isso prontamente. O ponto é, no entanto,
que se alguma coisa deve ser desenvolvida, deve estar lá desde o início. A
moral não pode se desenvolver a partir da não-moral. A evolução fala muito
de “forças inerentes” por que visa manter a continuidade entre a moral e a
não-moral, entre o homem e o animal. Por outro lado, ela ressalta a escolha
do indivíduo separada da sua natureza como a fonte da diferença entre a
moral e a não-moral. Esta é uma manifestação da autocontradição na base do
pensamento não-teísta. O teísmo evita esta dificuldade. Ele apenas dá à
vontade do homem um significado genuíno porque somente ele dá a essa
vontade um campo de operação. Seria bom para os Arminianos ortodoxos
perceberem que eles estão rapidamente jogando ao lado dos antiteístas pela
sua posição a meio caminho neste ponto. Não há poder mordaz contra o
inimigo em uma posição que consente metade do caminho.
Dizemos, portanto, que a lei de Deus foi escrita no coração do homem na
criação. Em seus desejos mais profundos, nas forças controladoras de sua
personalidade, o homem foi estabelecido para operar em relação a Deus. A
prioridade relativa do intelecto, da vontade e dos sentimentos não é de grande
importância neste contexto. Será que o subconsciente em grande parte
controla o consciente? Está bem. Você enfatizaria juntamente com a
psicologia moderna a importância dos instintos? Está bem. Você enfatizaria
alguma coisa mais? Está bem. Seja o que for que você considere a maior
profundidade da personalidade humana, é ali onde Deus quer que você seja
puro. E a menos que Ele tenha criado o homem puro exatamente nesse ponto,
ou seja, a menos que Deus escrevesse a Sua lei no “coração” do homem para
que ele espontaneamente cumprisse essa lei, o homem não poderia sequer
começar a entender o que um mandamento moral seria. Não haveria ponto de
referência moral no homem a que os Mandamentos pudessem ser
endereçados. Não seria a imoralidade, mas não a não-moralidade que levaria
o cachorro a rejeitar o seu sinal: Não furtarás.
O pecado estabeleceu este âmago interior da personalidade do homem
em oposição a Deus. O homem tem procurado ser a fonte da lei em vez de
satisfazer-se em estar sujeito à lei. Ele tem impulsionado esta questão até o
ponto dele ainda não saber mais ser ele mesmo um transgressor da lei. Sem a
lei (que é a lei promulgada no Sinai), não há conhecimento do pecado. O
homem pensa que a carne é verdadeiramente natural. E tudo o que é “natural”
é dito ser bom. Rousseau fez deste o fundamento da sua teoria da educação.
Por isso, é necessário para nós que ensinamos que (a) o natural como criado a
partir das mãos de Deus era realmente bom, (b) que o presente “natural” é
não-natural e, portanto, não é bom.
Cristo veio restaurar o original natural ou verdadeiro. Ele exigiu perfeita
obediência. Ele enfatizou isso especialmente no Antigo Testamento, enviando
a lei promulgada diante dEle. Este era o único padrão pelo qual os homens
poderiam realmente conhecer a si mesmos. Sua exigência absoluta foi
calculada para conduzir os homens a Cristo como o Único a cumprir as Suas
exigências. Assim, a lei era o aio para conduzir a Cristo. Aqueles que estão
em Cristo são perfeitos. Eles são santos. Eles estão “livres da lei”. Eles amam
a Deus de novo. O núcleo do seu ser é verdade novamente. “Oh, como amo a
tua lei”, é o refrão de sua canção. Daí o seu esforço constante para rastrear
todas as suas motivações até o seu covil mais profundo. A partir daí, são
expurgados os últimos vestígios de idolatria; do culto a imagens; da quebra
do Sabath; do desrespeito à autoridade, à vida humana, à pureza, à
propriedade e honestidade. Nenhuma leve satisfação exterior vai levá-los a
dizer: “todas essas coisas tenho observado desde a minha mocidade”. Eles
sabem que não têm guardado nenhuma das leis de Deus, em princípio. Nem
eles alguma vez dividirão a lei de Deus mecanicamente como se um
mandamento fosse quebrado e os outros permanecessem intocados.
Especialmente este é o caso em relação à primeira e a segunda tábuas da lei.
Nenhum homem pode amar o próximo, a menos que ele também ame
verdadeiramente a Deus.
Uma saudade do céu será encontrada no coração do Cristão, quando ele
olha para o Décimo Mandamento. Quando todos os motivos realmente serão
puros como meu Senhor espera que eles sejam e como eu fervorosamente
gostaria que eles fossem? Não até que eu seja reunido com os vinte e quatro
anciãos ao redor do trono, vestindo as vestes brancas da justiça de Cristo, sem
mancha nem ruga, nem coisa semelhante. Essas vestes não mais tocaram na
lama do pecado; elas permaneceram perfeitas para sempre naquela atmosfera
de justiça.
Enquanto isso, eu não esqueço a minha tarefa como um pregador da
justiça na terra. Eu busco pelos meios de graça para desenvolver retidão e
obediência à lei de Deus em geral, dentro de mim, e também dentro do meu
companheiro Cristão. E quanto a meu semelhante que não é Cristão, eu sei
que ele está “morto em delitos e pecados” [Efésios 2:1], e odeia a Deus e ao
próximo em seu coração. No entanto, também sei que Deus tem refreado esse
ódio, a tal ponto de que, enquanto na terra, é possível para ele fazer o “bem
natural”. Ele tem um certo senso da necessidade da lei. Ele, com certeza,
pensa que a lei realmente existia à parte de Deus, e, portanto, serve a um
Deus desconhecido, mas por este serviço ele é guardado de transformar a
terra no Inferno. Consequentemente eu ainda vejo nele algo da imagem de
Deus, e respeito a justiça exterior que ele pratica. Eu até colaboro com ele
para procurar desenvolver um respeito geral pela lei e ordem, a nível local,
nacional e internacional. Por essa justiça geral exterior, Deus providenciou
uma atmosfera na qual o verdadeiro povo de Deus não foi imediatamente
destruído, mas na qual eles poderiam praticar a justiça, pela graça. Assim, a
antítese entre os justos e os injustos não aparece de forma tão clara quanto
poderíamos pensar que seria. Mas, conforme o tempo passa e até o final da
história deste mundo, Deus permite que princípio fique contra princípio, o
exteriormente justo aparecerá cada vez mais injusto. Então, aquele “sem lei”,
“o homem da injustiça” que se exaltará acima da lei de Deus aparecerá e os
injustos vão adorá-lo e obrigar o justo a adorá-lo. Mas, então, também Aquele
que foi achado digno de abrir o livro com os sete selos, porque Ele tinha sido
morto como o Justo, para trazer a vitória e promover a justiça, aparecerá para
lançar a injustiça e os injustos no abismo que é sem fundo porque ali não há
nenhuma lei, nenhuma ordem, e para receber aqueles que obedecem a lei de
[21]
Deus no reino onde a lei e a ordem estão, e, portanto, descansam.

ORE para que o ESPÍRITO SANTO use esta Exposição para trazer muitos ao
conhecimento salvífico de JESUS CRISTO para a glória de DEUS PAI.

.
Sola Scriptura!
Sola Gratia!
Sola Fide!
Solus Christus!
Soli Deo Gloria!

[1]
The Idea Of God [A Ideia de Deus].
[2]
Mesmo assim, nós não usamos imoral no sentido ainda mais restrito
quando significa uma dependência de um tipo especial de pecado.
[3]
p. 643.
[4]
p. 645.
[5]
Cf. W. Lippmann, Preface to Morals [Prefácio à Moral].
[6]
A Décima Oitava Emenda (Alteração XVIII) da Constituição dos Estados
Unidos efetivamente estabelecida a proibição de bebidas alcoólicas nos
Estados Unidos, declarando ilegal a produção, transporte e venda de álcool,
embora não o consumo ou a posse privada (Nota de Tradução).
[7]
Cf. Qualquer um dos escritores idealistas sobre a história e filosofia da
religião ou muitos pregadores Modernistas, como Dr. Fosdick.
[8]
Cf. Carlyle, Heroes and Heroworship [Heróis e Adoração a Heróis].
[9]
Eddington, Science and the Unseen World [Ciência e o Mundo Invisível].
[10]
Intelligentsia: usualmente refere-se a uma categoria ou grupo de pessoas
envolvidas em trabalho intelectual complexo e criativo direcionado ao
desenvolvimento e disseminação da cultura, abrangendo trabalhadores
intelectuais (Nota de tradução).
[11]
A. C. Knudson recentemente acusou-nos com isso. Veja Doctrine of
God [Doutrina de Deus].
[12]
Ozanan, Dante e Ph. Th., P. 86, New York, 1898.
[13]
Cf. Huxley, Religion Without Revelation [A Religião Sem a Revelação].
[14]
. Cf. Há ainda outros exemplos: Salmos 95:11: “A quem jurei na minha
ira que não entrarão no meu repouso”; e Salmos 110:4: “Jurou o Senhor, e
não se arrependerá: tu és um sacerdote eterno...”.
[15]
“Meu Pai trabalha até agora” (João 5:17).
[16]
“Guardais dias, e meses, e tempos, e anos” (Gálatas 4:9-11). “Portanto,
ninguém vos julgue pelo comer, ou pelo beber, ou por causa dos dias de festa,
ou da lua nova, ou dos sábados” (Colossenses 2:16).
[17]
Muitas vezes ele pregou no dia de Sabath.
[18]
Não discutiremos separadamente o que é proibido no Quarto
Mandamento, uma vez que isso foi abordado constantemente na discussão
sobre o que é ordenado.
[19]
As seções de Efésios 5 e 6, bem como Colossenses 3, são importantes.
[20]
Veja o Segundo Mandamento.
[21]
Van Til, C., & Sigward, E. H. (1997). The works of Cornelius Van Til
[As Obras de Cornelius Van Til], 1895-1987 (ed. eletrônica). New York:
Labels Army Co.

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