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O papel de Satanás na Queda

Após um considerável número de anjos terem pecado e tornando-se


demônios, o diabo conspirou para a queda de Adão e Eva, a fim de impedi-
los de glorificar a Deus, O qual odiava com ódio aterrador, visto que Deus
rejeitara os demônios, excluindo-os eternamente da graça.

O diabo primeiramente atacou Eva quando ela se encontrava sozinha,


provavelmente perto da árvore do conhecimento do bem e o mal. Ali ele a
enganou, e Eva, tendo sido enganada (embora não consciente disso),
também enganou a seu marido, Adão. Ora, o primeiro homem não foi
enganado devido ao amor por sua esposa, mas, sim, por seu (de Eva) logro,
e somente então os olhos de ambos foram aberto (Gn 3:7). O diabo foi,
portanto, a causa sugestiva da Queda, e por isso é chamado de “homicida
desde o princípio” e “mentiroso” (João 8:44).

Para alcançar seu objetivo, Satanás se valeu de uma serpente,


considerando-a um instrumento adequado [apropriado, conveniente] para
ele. Ele falou a Eva por meio da serpente. Destarte, não estava invisível
quando falou, nem simulou uma voz. Ele não se comunicou pessoalmente
com a alma de Eva, mas lhe dirigiu a palavra por meio da serpente, da qual
havia tomado posse. Não se deve ver essa questão como uma metáfora,
nem uma parábola ou ilusão. De semelhante modo, o diabo não surgiu
como uma aparência de serpente; trata-se de história genuína – um evento
que efetivamente aconteceu. Tanto o diabo quanto a serpente estiveram
ativamente envolvidos neste fato. Tratava-se de uma serpente, no
verdadeiro sentido da palavra, isto é, um animal real – o que é evidente a
partir dos seguintes pontos:

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(1) Da própria narrativa: “Mas a serpente, mais sagaz que todos os
animais selváticos que o SENHOR Deus tinha feito, disse à mulher:
É assim que Deus disse: Não comereis de toda árvore do jardim?”
(Gn 3:1)
(2) Também do verso 14, no qual isto é afirmado com relação à
serpente:
“Visto que isso fizeste, maldita és entre todos os animais domésticos
e o és entre todos os animais selváticos”. Não se pode negar que a
serpente era uma criatura irracional, e, portanto, incapaz de proferir
um discurso inteligente e inteligível. Desse modo, é certo que uma
criatura racional falou por meio da serpente, e que tal criatura
inteligente era má e pecaminosa. Consequentemente, não poderia ser
ninguém mais a não ser o diabo, que, por essa razão, é
frequentemente chamado, nas Escrituras, de “serpente”, “dragão” ou
“a antiga serpente”. “Ele segurou o dragão, a antiga serpente, que é o
diabo, Satanás” (Ap 20:2). Foi ele quem enganou Eva: “…Mas
receio que, assim como a serpente enganou a Eva com a sua
astúcia...” (2 Co 11:3). Sua cabeça foi pisada por Cristo, “que, por
sua morte, destruiu aquele que tem o poder da morte, a saber, o
diabo” (Hb 2:14)

Visto que Moisés narra de maneira extremamente concisa os eventos do


primeiro mundo (isto é, o mundo antes da Queda), o método pelo o qual se
implementou o engano não foi documentado. Destarte, toda conjectura
neste caso é apenas especulação vazia, tais como a indagação se o diabo
falou com Eva em apenas uma ou em várias vezes ocasiões; se ele lidou
com Eva de uma maneira diferente; se veio como um mensageiro de Deus,
declarando que o tempo da provação do casal havia chegado ao fim, e,
portanto, estavam então livres para comer do fruto; se ele veio como amigo

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e mestre para aconselhar e apresentar os benefícios resultantes do comer da
árvore; ou se o diabo veio como um inimigo de Deus, desejando privá-la
daquilo que lhe traria felicidade e a tornaria semelhante a Deus. Tudo isto
são conjecturas. É também possível que o diabo tenha apresentado outros
pretextos ou argumentos lógicos enganosos. É melhor nos calarmos quanto
a essas questões e outras questões similares do que desencaminhar o leitor
com aquilo que apenas aparentemente é racional. Aquilo que não aprouve
ao maior e mais sábio mestre nos revelar, não devemos almejar conhecer.
Esta é um exercício seguro por meio do qual podemos nos afastar de várias
tentações.

Estou convencido de que Eva estava bem ciente do fato de que animais,
incluindo evidentemente a serpente, não possuíam intelecto racional nem
capazes de dialogarem. Embora ela desconhecesse a queda dos anjos, não
obstante, ela poderia ter deduzido que aquele acontecimento (a fala da
serpente) não era algo comum. Estou convencido de que se permitiu a Eva
anelar por um nível maior de conhecimento e comunhão com Deus, sendo
isso lhe sido prometido no pacto das obras. Também lhe foi permitido
aspirar por um conhecimento mais profundo com relação ao reino da
natureza, que ela poderia obter por meio da experiência, assim como a
multiforme sabedoria de Deus pode ser conhecida aos anjos por meio da
igreja (Ef 3:10).

Estou convencido de que ela não comeu ignorantemente da árvore, antes,


sabia muito bem que não lhe era permitida comer dele nem tocá-la. Tendo
desejo de crescer no entendimento, Eva foi seduzida a comer da árvore.
Não foi coagida, mas fez isso por sua própria vontade. Num primeiro
momento, Eva não teve consciência desse logro, mas se tornou consciente
disso apenas após ter enganado Adão. Ademais, Adão não foi o primeiro a

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ser enganado, nem foi engando pela serpente, mas, sim, como diz o
Apóstolo em 1 Timóteo 2:14, engando por uma Eva enganada – e
subsequentemente a ela. Estou convencido de que se Adão tivesse se
mantido firme, Eva teria que sofrer sozinha o castigo.
Contudo, dado que Adão também pecou, toda raça humana se tornou
culpada, como Paulo disse: “assim como por um só homem o pecado
entrou no mundo...” (Rm 5:12). Ele não se refere simplesmente ao pecado
de Eva, mas ao pecado de toda raça humana, que se compreende plena e
completamente em Adão e Eva, os quais eram um só em virtude de seu
casamento. Na verdade, Paulo se refere especificamente ao pecado de
Adão, que era o primeiro homem, a primeira e única fonte, tanto de Eva
quanto de toda raça humana.

O comer dessa árvore não foi um pecado menor, ainda que o ato de
ingestão do fruto em si seja uma questão de somenos importância. Pelo
contrário, foi um crime hediondo no qual se inclui a transgressão de toda a
lei. Tratou-se de uma violação do amor, obediência e da aliança, resultando
na perdição de si mesmo (Adão) e de seus descendentes. Esse pecado é
agravado pelos seguintes fatos:

(1) Foi cometido contra o próprio Deus, O qual o primeiro casal


conhecia em Sua majestade e glória, o Deus que, mediante sua
bondade multiforme, os uniu a Si mesmo;
(2) Foi cometido por uma pessoa santa que tinha a habilidade necessária
de se abster disso, e de resistir a toda tentação;
(3) Ora, abster-se de comer dessa única árvore configurava-se como uma
exigência mínima e exequível, visto que o casal possuía tudo em
abundância naquele belo jardim;

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(4) A felicidade ou condenação de si mesmo e de seus descendentes
dependia disso. Destarte, em Romanos 5, o comer do fruto é
corretamente denominado de “pecado” (Rm 5:12), “transgressão”
(Rm 5:14), “ofensa” (Rm 5:15) e “desobediência” (Rm 5:19).

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