Você está na página 1de 13

Disciplina: Teologia sistemática II

Aula 5: Pessoa humana e liberdade — a queda


Apresentação

Vê, coloco diante de ti hoje a vida e o bem, a morte e o mal, eu que hoje te ordeno amar Adonai, teu Deus, andando nos seus
caminhos e guardando suas ordens, seus decretos e costumes. Então viverás e te multiplicarás e Adonai, teu Deus, te
abençoará... Mas, se o teu coração se desviar e se não escutares, se te deixares arrastar e te prosternares diante de outros
deuses [a serpente...] e servires a eles, eu vo-lo declaro hoje: vós vos perdereis certamente e não tereis longos dias... A vida e
a morte eu as ponho diante de ti, a bênção e a maldição: escolhe a vida para que vivas tu e tua descendência, amando
Adonai, teu Deus, escutando a sua voz e unindo-te a Ele. Sim: é Ele a tua vida. (DEUTERONÔMIO 30, 15-20)

Na compreensão do pecado (GÊNESIS 3) à luz da liberdade e generosidade dadas à humanidade (GÊNESIS 1-2), veremos
como a opção humana por se abrir ou não a Deus apresenta sua vontade e acolhimento ao Criador, ao outro, ao próximo e à
própria criação. As relações humanas se definem nessa alteridade com o divino.

Tendo a expressão “no princípio” como referência das relações pessoais, podemos acompanhar a ação pedagógica de Deus,
que considera as consequências da liberdade humana em sua história e conduz através da realidade, na certeza da plena
abertura humana, em Gênesis 3, 15. É Ele quem toma a iniciativa e oferece possibilidades reais de abertura do coração
humano ao diálogo.

Objetivos

Refletir sobre a liberdade humana e a resistência a Deus;

Relacionar o protoevangelho Gênesis 3,15 à pedagogia de Deus;

Diagnosticar as implicações da aliança entre homem e Deus.


Um estudo de Gênesis 3

A história da criação deixou a tensão de Gênesis 2, 16-17 com


a proibição do fruto do conhecimento do bem e do mal. Assim,
Gênesis 3 segue com a chegada de um novo personagem: a
serpente.

Em ritmo crescente, logo o versículo 1 destaca a astúcia do


novo personagem, “mais que todo vivente”, que traz a nudez
comum aos humanos, sem penas nem pelos, expondo a falta
e mesmo o limite não humano. A serpente começa falando.

 (Fonte: Forest Foxy / Shutterstock).

contact_support
Serpente fala? Se fala, tem algo de humano. Seria expressão da animalidade?

Lembremos que até então não se tinha a compreensão de Apocalipse 12, 9: a serpente era de Satanás. Para o hagiógrafo1 , a
relação está no símbolo do Egito recém-saído, expressão de um Império em torno do rio que serpenteia o norte da África.

A entrada é no texto, não na cena, sem ter sido sinalizada ao leitor. Silenciosa e à espreita, ela conduz o diálogo, aproximando-se
intencionalmente da mulher, que até então estava em silêncio.

A ordem de Adonai Elohim de não comer da árvore do conhecimento do bem e do mal é apoderada pela serpente com outro tom.
Ela ordena as palavras para acentuar o negativo como a totalidade, mais como um motivo para mobilizar do que com a intenção
de uma afirmação. Diz algo que é correto, mas invertendo o que Adonai Elohim realmente falou, manipulando o discurso e
fazendo da árvore algo negativo e centro da proposição.

Nem a mulher, nem o homem se preveniram contra a serpente e se aproximam dela. O homem em silêncio, enquanto a mulher
responde às interpelações. A sugestão lhe é sedutora, centrando a atenção no fruto, deixando o mais em segundo plano.

Comentário
Os termos são concretos, sensoriais: comer e tocar. A consequência é uma realidade desconhecida, a morte, não acessível à
experiência imediata. Para entendê-la, é preciso confiar na palavra de Adonai Elohim.

O olhar é guiado, centralizado, fazendo a mulher ver a árvore e o fruto através das suas palavras e não pela realidade em si.
Mesmo com a tentativa de retificar, a mulher não consegue apresentar o sentido original. Reduzindo o olhar, reduz também a
compreensão, a consequência de si, do outro, da criação, de Adonai Elohim. O homem não é citado até o v. 7: é como se ele não
estivesse presente.

No v. 4, o ataque. A serpente torna mentirosas as palavras de Adonai Elohim, processo que modifica toda a estrutura afetivo-
cognitiva:

Ou se morre ao comer do fruto, ou não se morre.

Temos aqui proposições contraditórias. Se Adonai Elohim não disse a verdade, e sim a serpente, Ele mentiu. Portanto, a serpente
O equipara a si, colocando-se como um deus sedutor e solidário em paralelo com o anseio humano de querer ser como Deus (v.
5).

Como pano de fundo, o que evidencia é a tentação de definir por si, para si e para o outro o que é bom ou não, tornando-me
referência, tornando-me deus, em um processo de idolatria de nós mesmos. Apoderar-se do que Adonai Elohim proíbe é o
caminho para satisfazer esse desejo de se definir e de ser referência absoluta.

Com a ambiguidade da linguagem, a serpente faz indireto o uso de Adonai Elohim, tornando-O duvidoso e corrompendo a visão
que se tem Dele. Olha-se com a ideia, com a mente, não a partir da realidade. A experiência é distorcida. O cuidado amoroso de
Adonai Elohim torna-se dissimulação, ocultando o dom discreto, atrás de interesses escusos.

Não seria uma possibilidade que o homem apontou em 2, 23, quando poderia estar
compreendendo a mulher como aquilo que lhe falta, e não como dom de Adonai Elohim?

 (Fonte: Everett Historical / Shutterstock).

A orientação da serpente é sutil e intencional, mudando do “tu” de Adonai Elohim de 2, 16-17, singular, que define a humanidade
em seu ser enquanto desejosa de se abrir à alteridade, para o “vós”, plural: “não comereis” (v. 3).
Em Gênesis 3, o humano é dual, dois. A serpente envolve ambos no discurso, trazendo-os para o diálogo, apontando o fruto e
opondo os humanos a Adonai Elohim. Com o pronome pessoal plural “vós”, ela oculta a diferença entre homem e mulher,
tornando Deus a causa da frustração.

Comentário

Mesmo juntos, a mulher come primeiro e só depois dá o fruto ao homem (v. 6), utilizando de justificativas para convencer sobre o
que seja bom. Quanto maior o pecado, maior é a necessidade de justificá-lo. O homem aceitou do fruto comido primeiro pela
mulher e o comeu.

A mesma cobiça que iguala os dois, os colocando em solidariedade perante o pecado, também os separou. A aliança entre
homem e mulher, humanidade e criação, humanidade e Adonai Elohim, é quebrada pela transgressão.

A personificação do mal no pecado


A cobiça impossibilita aceitar o desejo como algo que estrutura e o torna uma provação, distorcendo tudo a partir da falta. A
animalidade se sobressai, ignorando a palavra ou fazendo-a de instrumento de contrariedade.

A serpente torna-se falsamente solidária a esse drama


humano, tratando-o com superficialidade e abrindo um abismo
entre homem e Deus com a projeção de si mesma sobre
Adonai Elohim. Inicialmente, ela coloca-se como um igual, pois
sabe e conhece o que Deus sabe e conhece. Depois, a
serpente se eleva ao denegri-Lo como se Ele fosse um ser
duvidoso. Com a contraposição das palavras de Deus e da
serpente, cabe à mulher escolher.

Ao lado dos humanos, a serpente insinua que Adonai Elohim


mentiu e ela diz a verdade, convidando-os a serem como ela.
Ao abrirem os olhos e serem como deuses, negam sua
condição de criatura e podem confrontar Adonai Elohim pelo
conhecimento.

 (Fonte: Yafit / Shutterstock).

A felicidade está na relação entre o fruto e a capacidade de serem divinos. O prometido – conhecer o bem e o mal – é justamente
o que não é alcançado. Aceitar o limite é o que torna a vida possível e plena. A lei da vida é transformada em morte. O amor
confiante é distorcido pela cobiça. O “princípio” original do homem na verdade é afetado pelo potencial agressivo da
concupiscência enquanto ato.

Assim, o pecado original introduz internamente a concupiscência, o desejo, a vontade


incontrolada, desequilibrando a pessoa humana em si e em suas relações,
modificando a própria identidade.

A relação entre vontade, inteligência e liberdade


A tentação se sobrepõe à falta, relacionada ao modo como cada um vive o próprio limite. A serpente oculta o dom, e a mulher lhe
responde (v. 2), colocando a fala de Adonai Elohim no plural (v. 3), tornando-O um legislador frustrante.

A fala da serpente vai definindo a vontade, corrompendo a inteligência: Deus mentiu


(v. 5). O advérbio de igualdade como ressalta a possibilidade de ser igual, tornando
Adonai Elohim um deus que tem tudo, sabe tudo, de poderes ilimitados, que controla
o acesso ao saber/poder, em oposição à generosidade e à discrição de Gênesis 1-2.

 (Fonte: SergeyKozlovSergeyKozlov / Shutterstock).

Tudo o que é necessário é dado à humanidade. A orientação para o fruto também (2, 9). Com conhecimento e vontade é que
cometem o pecado. Até mesmo a prova é dom necessário à própria ordenação da vontade livre e à confiança na Palavra. No ouvir,
há o desenvolvimento da fé e seus frutos. No acolhimento é que a criatura aprende a amar a Deus. Pela plena consciência, volta-
se contra Ele.

O ódio a Deus é expresso no ódio a tudo, na reação da pessoa humana em querer


dominar, na negação da sede do infinito, em uma carência de amor. Mesmo que a
morte traga remorso, o pecador morre sem se arrepender, na dor da escravidão ao
próprio pecado.

A liberdade tanto de pecar quanto de recusar o perdão é pressuposto para a escolha do Bem, da conversão. Retirá-los é solidificar
a pessoa humana no estado de pecado. A possibilidade de escolha garante a liberdade, expondo a inteligência, ainda que
fragilizada, à emissão de um juízo moral sobre suas opções. Gênesis 3 revela a liberdade para responder a Deus, a liberdade de
decidir. Trata-se de um dom que é dado: propriedade do ser e de sua vontade, dependente do próprio eu, que o distingue no
mundo.

Grudem (2017, p. 263-264) destaca a importância de se conceituar a liberdade, pois ela envolve vontade e decisão, já que a graça,
a despeito do cuidado com o fatalismo e o determinismo, não pode ser esquecida:


Não faço o bem que quero, mas o mal que não quero.

Fonte: ROMANOS 7, 19.

Assim, Deus não é responsável pelo pecado. Nossos atos geram resultados reais e mudam o curso dos acontecimentos, bem
como a oração traz resultados definidos.

Consequências nas relações humanas


A serpente é apresentada como uma realidade exterior. Os humanos, como concorrentes. A ambição guia tanto o ato de Deus em
proibir que se conheça, mantendo seus privilégios, como o dos humanos, querendo ser como Deus. A soberba, o orgulho, é o
primeiro pecado, fazendo os humanos se submeterem à lógica da serpente, um não igual, e não se realizarem enquanto imagem.
A mulher preenche a fala da serpente: ela destaca a falta de conhecimento e coloca-se a partir do limite, buscando superá-lo,
enquanto o homem fica em silêncio.


Quando a mulher viu que a árvore parecia agradável ao paladar, era atraente aos olhos
e, além disso, desejável para dela se obter discernimento, tomou do seu fruto, comeu-o
e o deu a seu marido, que comeu também.

Fonte: Gênesis 3:6.

Após o pecado, o ato de conhecer vai para a falta: ambos estão nus, como a serpente, como o deus que acreditam, o que expõe a
ruptura com Adonai Elohim.


Os olhos dos dois se abriram, e perceberam que estavam nus; então juntaram folhas de
figueira para cobrir-se.

Fonte: Gênesis 3:7.

Permanecem os dois no cenário, mas a serpente fica em segundo plano. A desconfiança permanece. O homem se esconde, à
semelhança de um julgamento de delito, quando Adonai Elohim investiga.


8Ouvindo o homem e sua mulher os passos do Senhor Deus que andava pelo jardim
quando soprava a brisa do dia, esconderam-se da presença do Senhor Deus entre as
árvores do jardim.
9 Mas o Senhor Deus chamou o homem, perguntando: “Onde está você?”
10
E ele respondeu: "Ouvi teus passos no jardim e fiquei com medo, porque estava nu;
por isso me escondi".

Fonte: Gênesis 3:8-10.

Adonai Elohim emite penas (v. 14-19) e oficializa a sentença (v. 21-24). É preciso sair da lógica da culpa e expor a contínua lógica
do dom.

“Onde estás?”
trending_flat

Essa pergunta calma que perpassa o jardim está mais para uma tentativa de
aproximação. Sem resposta, uma nova tentativa: “Por que te escondes?”.
Cheio de medo, o humano vê Deus sob a lógica de adversário que a serpente lhe implantou. Até o versículo 11, Adonai Elohim não
reage conforme o esperado: não julga, não condena, espera uma possível abertura do homem. Com seu fechamento (v. 12), ele
acusa diretamente a mulher e a Deus indiretamente, tentando atenuar a própria culpa. O dom é rejeitado na acusação covarde da
mulher. Adonai Elohim se volta para ela.

A pergunta do versículo 13 é clara e direta, “por que fizeste isto?”, assim como a resposta: “a serpente me enganou”. A culpa é
confessa e a verdade estabelecida: a serpente é mentirosa, e não Adonai Elohim. A própria culpa é secundária. A mulher não
segue totalmente a lógica da serpente e a incrimina. No entanto, homem e mulher silenciam sobre a causa do ato, tornando-se
semelhantes ao inimigo.

 (Fonte: DOMENICHINO. The rebuke of Adam and Eve (1626). In: Patron's Permanent Fund, National Gallery of Art <https://www.nga.gov/collection/art-object-page.111718.html> .).

Comentário
No confronto Deus-homem-mulher, percebemos como cada um responde à interpelação e se posiciona frente a si, a Deus, ao
outro e ao ato. Esse posicionamento atravessa a história e as relações humanas, seja no repúdio das mulheres, seja na agressão,
na perda da alteridade original, em que não há mais o face a face, e sim a disputa de posse do outro como objeto. Vamos
facilmente das relações pessoais às relações sociais e políticas.

Adonai Elohim faz justiça, apresentando as consequências humanas. Sem diálogo, com autoridade, amaldiçoa a cobiça da
serpente, na constatação de sua condição: pelo seu pecado, ela torna-se figura de morte no pó (v. 13), eterna adversária. Essa
declaração de guerra define a linhagem da mulher como aliada, conclamando toda a humanidade a reconhecer o engano que a
serpente representa. Trata-se de uma luta que a imobiliza e em que se fere (v. 15).

Seguem as consequências da ruptura contrapostas à justiça original:

Homem e mulher se escondem, com vergonha da nudez frente ao outro, e depois


fazem o mesmo com os filhos.

O face a face expõe essa vergonha como um espelho pelo qual cada um pode ver a própria falta, projetando o desejo de domínio.
A vergonha expõe o limite modificado, a consciência diante do outro. O pecado de ambos destituiu a graça, santificando-a para a
humanidade. Ao introduzir a não semelhança em relação a Deus, o pecado ofusca a imagem que cada um traz. A dor e a morte se
tornam presentes no mundo (v. 15-19).

O “crescei e multiplicai-vos” de 1, 28 se torna sofrimento e estrutura de poder (3, 16), rompendo a comunhão e violando não só a
dignidade da mulher como também a do homem.

Sem a perspectiva da fé e a opção fundamental do amor, a compreensão rebaixa o próprio homem, pois ele deixa de ser
considerado na vergonha de seu pecado e de ser chamado à conversão, limitando-o a uma relação social e materialista de poder.
É o espelho de uma relação com Deus, permanência da imagem que a serpente lhe deixou.

O “cultivar e guardar” de 2, 15 se torna penoso em 3, 17-18, situando o homem em sua fragilidade. Ele precisa, ao trabalhar o
húmus, ordenar a si próprio e à sua relação com Deus, em um caminho de bênção. As consequências do pecado afetam o corpo
e as relações, em uma lógica interna no pó, no alimento e na perenidade.

Em 3, 20, o humano nomeia a mulher (eco do versículo 16) referência na maternidade. Ela é Hawwah, mãe dos viventes, a
matriarca da humanidade. Enquanto leitura de domínio do homem sobre a mulher na expressão de nomear, isso também a situa
na superação da morte pela gestação da vida. O domínio do homem sobre a mulher expõe sua total dependência dela, em uma
relação de conflito e de confronto, expondo um longo caminho de superação.

No versículo 21, Adonai Elohim dá o dom das vestes, substituindo a tanga do versículo 7. Para os sumérios, roupas de pele são
vestimentas de reis. Aqui temos um instrumento de preservação um do outro. A diferença é delineada nos limites, relacionando
cobiça e penas.

Por fim, há a expulsão, que é sentença imediata (v. 23-24). O tom de ironia parece mais de um adversário, não combinando com o
Adonai generoso, e sim com a pretensa igualdade que a serpente definiu.
MICHELANGELO. Expulsão de Adão e Eva. Teto da Capela Sistina. (Fonte: Web Gallery of Art <https://www.wga.hu/frames-
 e.html?/%2Fhtml%2Fm%2Fmichelan%2F3sistina%2F1genesis%2F4sin%2F04_3ce4.html> ).

Atividade
1. Após ler Gênesis 3, 1-13, identifique as falas de cada personagem:

1. Deus a. (v. 1) “É verdade que Adonai Elohim vos proibiu comer do fruto de toda árvore do
jardim?”. (v. 4) “Oh, não! Vós não morrais”. (v. 5) “Mas Deus sabe que, no dia em que dele
2. Homem
comerdes, vossos olhos se abrirão e sereis como deuses, conhecedores do bem e do mal”.

3. Serpente
b. (v. 2) “Podemos comer do fruto das árvores do jardim”. (v. 3) “Mas do fruto da árvore
4. Mulher que está no meio do jardim, Adonai Elohim disse: '‘Vós não comereis dele, nem o tocareis,
para que não morrais’.” (v. 13) “A serpente enganou-me e eu comi”.

c. (v. 10) “Ouvi o barulho dos vossos passos no jardim; tive medo, porque estou nu; e
escondi-me”. (v. 12) “A mulher que pusestes ao meu lado apresentou-me deste fruto e eu
comi”.

d. (v. 9) “Onde estás?”. (v. 11) “Quem te revelou que estavas nu? Terias tu porventura
comido do fruto da árvore que eu te havia proibido de comer?”. (v. 13) “Por que fizeste
isso?”.

O proto-evangelho: Gênesis 3, 15 e a pedagogia de Deus


Após as interpelações de Adonai Elohim ao homem (v. 9.11) e à mulher (v. 13), Ele não condena e ainda anuncia a esperança da
reconciliação no versículo 15. A serpente que rasteja no pó da terra é referência da própria derrota, em uma inimizade eterna com
a mulher e sua descendência2 , bem como a reconciliação entre Deus e humanidade. A solidariedade entre os humanos é
sustentada.

A transcendência do terceiro na relação homem-mulher é também o impulso em outra dimensão. Com o Criador, ambos tornam-
se partícipes da criação de uma nova pessoa, fruto de “uma só carne” (2, 24), dando-lhe um nome e auxiliando em sua liberdade:
caminho e superação no cuidado com um outro, e não mais referência absoluta em si.

A alta dignidade da mulher só então é revelada: por ela e pela descendência, a


humanidade coloca a serpente sob os pés. Mãe dos viventes, a mulher gera a
humanidade, sendo especial alvo do ataque às famílias.
 (Fonte: baldyrgan / Shutterstock).

A inegável luta histórica da mulher pela garantia de sua dignidade muitas vezes ocorre como defesa do contratestemunho de
inumeráveis violências culturais, políticas e mesmo pessoais. Ao expor-se, ela ainda corre o risco de se associar a novas formas
de submissão. O desenvolvimento de legislação em seu favor define inúmeros crimes, devendo ser compreendida como proteção
da sociedade à vida, em solidariedade que busca ordenar o coração humano.

A conciliação de Deus e Seu povo


Israel percorre um longo e difícil caminho, destacando não só os patriarcas como as matriarcas na constituição do povo de Deus.
Israelitas ordenam seu potencial agressivo nas tentativas de se sobreporem a outros povos e entre si, como os querubins face a
face, tendo a Arca da Aliança no campo de visão (ÊXODO 25, 18ss.) e a guarda da árvore da vida (3, 24) e do sepulcro de Jesus
(MATEUS 28, 2ss.).

A serpente será compreendida como referência ao mal, que conduz à morte (NÚMEROS 21, 6ss), bem como a vontade de vida e
de salvação (NÚMEROS 21, 8ss), reconhecendo Deus em dependência da verdade. Na caminhada, Israel vai vivendo a certeza de
que sua condição não é destino ou capricho dos deuses, mas consequência de seus atos (DEUTERONÔMIO 9, 5ss), assim como
reconhece que Deus é bom, misericordioso e justo, atuando na história do seu povo.

 A Criação de Adão, afresco de Michelangelo Buonarroti. Capela Sistina, Vaticano.

Gênesis 3 e toda a Sagrada Escritura vão nos apresentando tanto o caminho do afastamento como o da aliança. Ao oferecer a
possibilidade de renúncia à própria liberdade no que é capaz de ameaçar a dignidade do outro, desenvolve uma atuação socio-
histórica que possibilita a vida humana.

Assim, o pecado original é uma doutrina de fé, bem como todo ato de não ouvir a verdade é considerado pecado. Aqui temos
tanto o mal físico como o mal moral3 .

No decorrer da história, patriarcas e matriarcas se dedicaram juntos na preservação da unidade da criação. O papel da mulher de
3, 15 só será plenamente claro com a vinda do novo Adão, assumindo em si toda a limitação humana e elevando-a à filiação
divina, ordenando o sofrimento em direção ao outro.
Atividade
2. Relacione cada parte de Gênesis 3 com características próprias da humanidade em sua relação com Deus.

1. Situação de tentação a. Consequências existenciais do pecado.

2. Interpelação de Deus
b. Família como lugar de unidade e superação.

3. Sentenças
c. Liberdade humana.

4. Expulsão do paraíso
d. Autogestão humana e afastamento da vida em deus.
5. Anúncio da salvação
e. Distinção entre a lógica de deus e a do humano.

3. Considerar a descendência da mulher é não só definir a dignidade da mulher como relacioná-la à vitória da serpente através da
maternidade.

Tendo a família como ponto de partida da criação:

a. Enumere três atitudes da mulher que apresentam essa superação da cultura da morte em uma comunhão de vida;

b. Identifique três ideias comuns na realidade de hoje que distorcem essa ação da mulher, contribuindo para romper a
comunhão.

Notas

Hagiógrafo 1

Adjetivo
Relativo à hagiografia. Diz-se dos livros do Antigo Testamento, exceto os dos Profetas e o Pentateuco.

Substantivo masculino
O que escreve a história dos santos.

Fonte: Dicio <https://www.dicio.com.br/hagiografo/> .

Mulher e sua descendência 2

É importante destacarmos a menção à mulher na esperança da Nova e Eterna Aliança. Sofrimento e lágrimas das mães e seus
filhos no cotidiano da vida, no deixar ir para se tornarem adultos responsáveis e mesmo para construírem a própria família (2, 24).
Elas devem silenciar seu impulso da proteção e de tentar reter, envolvendo a paternidade.

A situação só se dá após o pecado, não destruindo totalmente a verdade original, em uma identidade histórica de ser no mundo.
Na necessária e vital abertura ao outro, na experiência mais concreta da gestação e nos primeiros meses de vida, a mulher aceita
em si, em sua interioridade, o dom de trazer a vida de outrem. Ela é responsável por deixar o outro sair quando estiver pronto, no
parto após a gestação, assim como nas saídas de cada um para o mundo, e mesmo para deixar o lar.

Mal físico e moral 3

Referências
O mal físico envolve o plano material, como a fome e a miséria; o moral, a finalidade própria do homem em relação ao seu fim. A
luta é sempre entre o amor a si e ao próximo, tentando submeter, destruir, além da renúncia de si pelo outro.
DUSSEL, E. El dualismo en la antropología de la cristandad. Buenos Aires: Guadalupe, 1974.
Assim, o mal é tanto uma carência da ordem devida como uma direção à própria finalidade, fruto do limite enquanto criatura. É
também garantia
FORTEA, da liberdade
J. A. História e dados
do mundo possibilidade
anjos. São de conversão,
Paulo: Palavra uma característica
& Prece, 2012. do amor paciente de Deus, que retira sempre
um bem maior.
____________. Summa Daemoniaca. São Paulo: Palavra & Prece, 2010.

GRUDEM, W. Teologia sistemática. 2. ed. São Paulo: Vida Nova, 2017.

LADARIA, L. F. Introdução à Antropologia Teológica. 7. ed. São Paulo: Loyola, 2014.

MARTINS. J. G. (Org.). Teologia sistemática. Curitiba: Intersaberes, 2015.

MERECKI, J. Corpo e transcendência. Brasília: CNBB, 2014.

OLIVEIRA, R. A. de. Da relação corpo-alma à mente-cérebro: a antropologia cristã e as novas cristologias. In: Perspectiva
Teológica. Belo Horizonte, v. 46, n. 129, p. 215-245. Maio/Ago. 2014. Disponível em: // www.faje.edu.br/ periodicos/ index.php/
perspectiva/ article/ view/ 2799 <//www.faje.edu.br/periodicos/index.php/perspectiva/article/view/2799> . Acesso em: 28 out.
2018.

RATZINGER, J. Introdução ao Cristianismo. 8. ed. São Paulo: Loyola, 2015.

TILLICH, P. Teologia sistemática. São Leopoldo: Sinodal, 2005.

WÉNIN, A. De Adão a Abraão ou as errâncias do ser humano. São Paulo: Loyola, 2011.

Fechar

Próxima aula

Escolha de Israel para a vinda do Messias;

Passagem do Antigo para o Novo Testamento;

Jesus, Deus em carne.

Explore mais

As questões existenciais humanas estão sempre presentes na arte ao expressarem o próprio drama humano. Veja esta versão e
perceba a relação entre a aula anterior, esta e a próxima. Há trabalhos a partir da mesma ideia no YouTube com outras versões:
Performance com a canção Everything da banda Lifehouse <https://www.youtube.com/watch?v=uFRYdGihOl4> .

Com a mesma veia artística, veja esta versão mais detalhada:


A paixão de Cristo - o canto das Írias <https://www.youtube.com/watch?v=wKUuvjiQsFQ> .

Você também pode gostar