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Diocese de Cachoeiro de Itapemirim

Seminário Diocesano Bom Pastor


Rua Bom Pastor, nº 42, Alto Bela Vista, Cachoeiro de Itapemirim/ES
E-mail: seminariodiocesanobompastor@hotmail.com - Tel.: (28) 3522-7620

Nome: João Paulo Gavi Bernadis


Professor: Ir. Mônica C. Nascimento

O caminho de Emaús e o caminho vocacional

O texto proposto de Lc 24,13-35, traz a narrativa dos discípulos de Emaús.


Talvez, um dos relatos mais conhecidos do Evangelho de Lucas seja a história dos
dois discípulos na estrada de Emaús. Nele vemos o retrato da comunidade – vacilando
na fé, descrente, desanimada, sem sentir a presença do Ressuscitado. No texto é
possível encontrar certa tendência do Evangelista a reanimar o povo, especificamente
os discípulos, mostrando que eles não estão abandonados, muito pelo contrário, estão
caminhando junto com a presença do Senhor que venceu a morte, ressuscitou e agora
caminha com eles nesse processo, no atual momento da história deles.
Fato interessante é que caminham com o ressuscitado, mas seus sentimentos
ou condição limitada de consciência não os permite encontrar-se (numa posição
dialética) verdadeiramente com Jesus. Há um confronto interno muito grande e, com
isso, uma limitação da consciência no que concerne a vivência, a experiência dialética
com aquele que para eles era “tudo”, a razão da existência, o Mestre ao qual
reconheciam a voz.
Pergunto-me, será o Cristo ressuscitado diferente, em sua essência, em seu
jeito de ser e colocar as coisas, do Cristo Humano – entendendo a palavra humano
num aspecto palpável, tocável – que eles viam, ouviam, sentiam, amavam, tocavam
com suas próprias mãos? A resposta é: Sim! De fato, Cristo estava agora com o Corpo
glorificado e por essa razão Lucas mostra que Jesus não foi reconhecido pelos seus,
mas não deixou de ser quem eles já conheciam e amavam. Nessa perspectiva, de
repente, no caminho surge Jesus, sem que seja reconhecido. O interessante é ver
como Ele se comporta. Através dos verbos que Lucas usa, é possível perceber ações
concretas. Ele “aproximou-se”, “caminhou com eles” e “perguntou”. Nessa linha, Jesus
criou um ambiente de fraternidade onde seria possível explicar tanto a vida como as
escrituras. Ele assume uma relação dialética com os dois. Quantas vezes esse tipo
de abordagem, de interação falta em nosso caminho vocacional, em nossa
comunidade – não nos aproximamos uns aos outros, mantemos distância, ficamos
numa posição de sujeito ou de objeto, não havendo interação, uma hermenêutica que
nos possibilite uma relação dialética que nos permita adentrar mais “sutilmente” no
interior do outro, fazendo-o compreender a realidade, abrangendo um nível maior de
consciência. Não caminhamos juntos, queremos dar soluções sem conhecer a
realidade do outro. Dessa forma não é possível alcançar um nível dialético.
Porém, numa situação onde há presença de conflito interno, onde há um nível
baixo de estima, sentimento de abandono, solidão, desesperança e perda da razão
de viver (pois acredita-se que ao seguir o Mestre deixa-se, automaticamente, tudo
para trás e Ele passa a assumir posição de “meta para a qual me dirigir”, este então
torna-se minha razão de vida) é mais difícil, complexo, perceber a realidade com mais
clareza e profundidade. Em outras palavras, o sujeito aqui está numa posição de
assujeitamento ou, quem sabe, num outro momento, de sujeito/protagonista, como os
discípulos, no texto, estavam frustrados com a realidade a qual não compreendiam. A
“ação” termina com a pergunta d’Ele: “O que é que vocês andam discutindo pelo
caminho?” (Lc, 24, 17); em outras palavras, Jesus oportuniza a eles para que
exponham sua realidade, sem julgamento, sem moralismo. Ele parte da realidade dos
dois.
Diante deste fato, Cléofas expõe com clareza a situação ocorrida. Diante da
morte de Jesus ele frisa uma coisa importante: “nós esperávamos que Ele fosse o
libertador de Israel” (Lc 24, 21). Eles “esperavam”, lançaram expectativas sobre o
Messias, sobre a pessoa de Jesus, portanto não esperam mais nada, se
frustraram. Há uma postura objetal diante da realidade, total passividade e não um
protagonismo concreto. Tudo aponta para entendermos que seus sentimentos vão
muito além da tristeza. O Evangelista explicita bem quem foi que matou Jesus – não
foi o povo, foram grupos de interesse bem definidos: “Nossos chefes dos sacerdotes
e nossos chefes o entregaram para ser condenado à morte, e o crucificaram” (Lc 24,
20) A cruz era a consequência lógica da vida de Jesus. Um outro aspecto bem
interessante na narrativa é o fato de que eles sabiam do túmulo vazio – dois dos
apóstolos já tinham verificado a história das mulheres. Mas isso não significava muita
coisa para eles. Nossa fé não se baseia no túmulo vazio. É a nossa fé na Ressurreição
que explica por que o túmulo estava vazio, e não o túmulo que dá consistência à nossa
fé.
Num dado momento da caminhada Jesus demonstra certa pressa e segue
como se fosse ir um pouco mais a frente deles, ao que pedem para que fique afim de
se hospedar em sua casa, uma vez que o dia ia se findando. Jesus então entra na
casa deles, se põe à mesa e: “tomou o pão e abençoou, depois o partiu e deu a eles”
(Lc 24, 30).
A este apelo dos discípulos, São João Paulo II, em sua carta apostólica «Mane
nobiscum Domine» §§19-20, afirma:
“Ao pedido dos discípulos de Emaús para que ficasse ‘com’ eles,
Jesus responde com um dom muito maior: através do sacramento da
Eucaristia, encontrou o modo de permanecer ‘dentro’ deles. Receber
a Eucaristia é entrar em comunhão profunda com Jesus. ‘Permanecei
em Mim e Eu permanecerei em vós’ (Jo 15,4). Esta relação de íntima
e recíproca ‘permanência’ permite-nos antecipar de algum modo o céu
na terra. Não é porventura este o maior anseio do homem? Não foi
isso mesmo o que Deus Se propôs, ao realizar na história o Seu
desígnio de salvação? Ele colocou no coração do homem a ‘fome’ da
Sua Palavra (Am 8,11), uma fome que ficará saciada apenas na plena
união com Ele. A comunhão eucarística foi-nos dada para ‘nos
saciarmos’ de Deus sobre esta terra, à espera da saciedade plena no
céu.”
Propositalmente – e considero essa intenção fantástica –, Lucas se serve das
palavras que recordam a Última Ceia. É a experiência da partilha, da comunidade.
Agora o milagre acontece, ao partir o Pão: “Nisso os olhos dos discípulos se abriram
e eles reconheceram Jesus” (Lc 24, 31). Neste mesmo momento, Jesus desaparece.
Isto se dá pelo fato de que, uma vez feita a experiência da presença do Ressuscitado
no meio deles, não era mais preciso sua presença física. Agora eles caem em si e
reconhecem que “estava o nosso coração ardendo quando Ele nos falava pelo
caminho, e nos explicava as Escrituras?” (Lc 24, 32)
Tal experiência da presença do Senhor Ressuscitado exige a formação de uma
comunidade fraterna de missão. Os mesmos dois que de manhã fugiam da realidade
(objeto do outro – externo) que havia em Jerusalém, lugar de morte, perseguição,
fracasso, de tardezinha se põem no caminho de volta. Cabe aqui uma indagação: o
que mudou em Jerusalém durante o dia? Nada! Continua sendo o lugar de perigo, de
morte, de perseguição, mas, a mudança ocorreu internamente, ou melhor na
consciência. Partindo de uma fé pré-pascal, eles agora têm uma fé pós-pascal. Em
lugar de desânimo, há entusiasmo e coragem, pois experimentaram a presença de
Jesus Ressuscitado. A história que começou com a comunidade se desintegrando,
termina com a comunidade se reintegrando, se unindo, na paz e na alegria, pois
puderam confirmar: “Realmente o Senhor ressuscitou, e apareceu a Simão” (Lc 24,
34). E os dois de Emaús puderam contar: “o que tinha acontecido no caminho, e como
tinham reconhecido Jesus quando Ele partiu o pão” (Lc 24, 36). Essa história pode
servir para nós como perfeito exemplo de mudança de paradigma, onde é possível
uma ruptura destes antigos conceitos, passando a uma transformação radical,
dialética, que propicia um confrontamento com a realidade, interpretando-a,
moldando-a e propondo um novo sentido para a vida.
De igual maneira, ou de forma similar, isso também se dá em nosso caminho
vocacional. Quantas vezes caminhamos com o Senhor e não O reconhecemos? Em
quantas situações, durante a caminhada, Ele me fez encontrá-lO e experimentar sua
presença restauradora e eu não O reconheci, eu não alcancei uma hermenêutica que
fosse capaz de me levar a uma relação dialética com Jesus e comigo mesmo? As
respostas para estas e outras questões virão pelo caminho, construído dia após dia,
passo a passo, nas nossas relações individuais, comunitárias e sociais.

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