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PUC-SP
DOUTORADO EM FILOSOFIA
SÃO PAULO
2017
PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
PUC-SP
DOUTORADO EM FILOSOFIA
SÃO PAULO
2017
Banca Examinadora
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Ao meu pai, Cornélio Pacheco (in memoriam), a minha mãe, Maria
Aparecida e as minhas irmãs Márcia e Aparecida e ao meu cunhado
Givaldo, aos Mons. Ausônio Tércio, Ausônio Filho (in memoriam) e
João Agripino Dantas (in memoriam) pela dedicação, pelo cuidado
que sempre cativaram pelos meus estudos e pela atenção durante os
períodos em que mais precisei.
AGRADECIMENTOS
ABREVIAÇÕES
AI Autobiografia Intelectual
ARH L’Antinomie de la Réalité Humaine et le problème de l’anthropologie
philosophique
CC A Crítica e a Convicção (La Critique et la Conviction)
CI O Conflito das interpretações
CCMM I compiti della comunità ecclesiale nel mondo moderno
CCMEB Du conflit à la convergence des méthodes en exegese biblique
CRLTL Contribuição de uma reflexão sobre a linguagem à uma teologia da
palavra
DA Le Discours de l’Action
DI Da interpretação – ensaio sobre Freud
EM L´Essai sur le mal de Jean Nabert
ESP Evénement et sens dans le discours
ES Evento e sentido
FC Finitude et culpabilité (para citações do Avant-propos)
FERL A filosofia e a especificidade da linguagem religiosa
FK Filosofar após Kierkegaard
GMKJ Gabriel Marcel e Karl Jaspers. Philosophie du mystère et
philosophie du paradoxe
HA Hegel aujourd´hui, Études théologiques et religieuses
HB A hermenêutica bíblica
HF L’Homme Faillible
HFHB Hermenêutica Filosófica e Hermenêutica Bíblica
HI Hermenêutica e ideologias
HIR Hermenêutica da ideia de Revelação
HT Hermenêutica do Testemunho
HV História e verdade
L1 Leituras 1
L2 Leituras 2
L3 Leituras 3
LM Le Mal: un défi à la philosophie et à la théologie,
MP Eventi e annuncio (Manifestation et proclamation)
ND Nomear Deus
OS Parole et Symbole
SM A Simbólica do Mal
SS Filosofia ed ermeneutica in la sfida semiologica,
SMA Soi-Même comme un Autre
TR1 Tempo e Narrativa 1, 1994
TR2 Tempo e Narrativa 2, 1995
TR3 Tempo e Narrativa 3, 1997
UVI The Unity of the Voluntary and the Involuntary as a limiting idea
(L’Unité du Volontaire et de l’Involontaire comme idée-limite)
VI Le Volontaire et l’Involontaire
13
INTRODUÇÃO
A esperança não é um tema que vem depois dos outros temas, a ideia
que fecha o sistema, mas um impulso que abre o sistema, que rompe o
encerramento do sistema: é uma maneira de reabrir o que fora
indevidamente fechado2.
Por evento, Ricœur entende que não seja um tempo relativamente curto
diante de um determinado tipo de acontecimento da história, mas é tudo o que
produz, de certa forma, uma mudança dentro da narrativa. Esse acontecimento é
capaz de mostrar o início e o fim do determinado acontecimento ou mesmo
acrescer um novo relato ou ponto daquela história3.
Sendo a ressurreição o evento que pode nos animar a ter uma esperança,
apesar de todo mal, ela desvela o reverso da queda adâmica, pois, como
metáfora, ela é um movimento que reorienta a existência humana,
1
Ver: HUSKEY, Rebecca Kathleen. Paul Ricoeur on Hope: Expecting the Good. New York:
Peter Lang Inc., International Academic Publishers, 2009, pp. 04-08; 24- 35.
2
RICŒUR, Paul. A hermenêutica bíblica. Trad. Paulo Meneses, São Paulo: Edições Loyola,
2006, p. 110.
3
“O evento (...) é a vinda à linguagem de um mundo mediante o discurso”, [que] pretende
descrever, exprimir ou representar (...) [um] sistema da língua virtual e fora do tempo”
(RICŒUR, Paul, Hermenêutica e ideologias, Trad. Hilton Japiassu. Petrópolis: Vozes, 2008,
p.46).
14
Os textos que serão utilizados são os que ele escreveu de 1947 a 1972,
para ser mais preciso: Le volontaire et l’involontaire (1950), L´homme faillible
(1960), La symbolique du mal (1960), Histoire et Vérité (1955), Le conflit des
interprétations (1969) e L´herméneutique du témoignage (1972)5, porém nada
impede, pela extensão e evolução no pensamento de Ricœur, que possamos citar
um ou outro livro ou artigo após essa data.
Ler todas essas obras e artigos foi uma tarefa árdua para superar não
poucas escolhas, que poderão ser contempladas nas referências bibliográficas6.
4
RICŒUR, Paul. A Simbólica do Mal. Trad. Hugo Barros e Gonçalves Marcelo, Lisboa:
Edições 70, 2013, p. 442.
5
Para citação dos textos de Paul Ricœur, utilizaremos as versões em língua portuguesa, nos
demais casos, utilizaremos em primeiro lugar do original ou alguma tradução que seja boa e
que esteja à mão. Quando o texto se tratar de uma tradução nossa, nada citaremos. Quando
traduzido por outro, após o título da obra será elencado o tradutor.
6
Existe uma grande maioria de escritos desse período se encontram em livros e periódicos de
difícil acesso, por isso fotocopiamos, ordenamos em ordem cronológica e temática, os
15
escaneamos para pdf a fim de que se possa dispor para futuros investigadores ou até mesmo,
de acordo com a legislação e direito autorais, publica-los.
7
O próprio Ricœur utiliza essas terminologias em seus textos: _________________. Os
incidentes teológicos: as pesquisas atuais concernentes à linguagem. Trad. João A. Goes, in
Artigos de Filosofia Contemporânea traduções. Lisboa: Solessolares, 2015 (Publicado como:
Les incidences théologiques des recherches actuelles concernant le langage. Polycopié, Paris:
Institut d’études Œcuméniques, 1969).
16
8
“Uma abordagem racional da esperança é própria da religião, mas da religião nos limites da
simples razão. Kant aproxima expressamente a religião da questão: ‘o que posso esperar?’” (A
Liberdade segundo a Esperança, in O Conflito das Interpretações, 1999, p. 406). A religião nos
limites da simples razão, para Ricœur (Cf. A hermenêutica filosófica e a Hermenêutica Bíblica,
in Hermenêutica Bíblica, 2006, pp. 67; 95; 113-114), não é somente uma aplicação de
importância secundária dos pressupostos estabelecidos nas Críticas, nem uma redução
racionalista da religião, que a levaria a ser de todo absorvida pela razão, mas o abrir-se de um
novo horizonte de reflexão. Ela tem tanto uma dimensão comunitária, a comunidade ética,
quanto a dimensão histórica. Nesse interim, o pecado original é concebido como símbolo da
queda originária do ser humano ou mal radical. O simbolismo é também aplicado ao Anticristo:
“A aparição do Anticristo, o quiliasmo, o anúncio da proximidade do fim do mundo, podem,
perante a razão, adotar o seu bom significado simbólico” (KANT, I. A religião nos limites da
simples razão. Trad. Artur Morão. Lisboa: Edições 70, 1992). Pode-se dizer assim que a
interpretação dos pontos chaves do cristianismo sob a luz da moralidade pura é, de fato, um
modo de fazer hermenêutica.
9
Ver: Hermenêutica e ideologias, 2008.
17
10
Cf. DOSSE, François, Paul Ricœur: Los sentidos de una vida (1913-2015). Trad. Pablo
Corona, Argentina: Fondo de Cultura Económica de Argentina, S.A, 2013, pp. 601-632.
11
Ricœur tenta “vencer a diversidade de nosso campo de conhecimento e as variações de
opiniões” (RICŒUR, Paul. História e Verdade. Trad. F. A. Ribeiro, Rio de Janeiro: Companhia
e Editora Florence, 1968, p. 46). Basta visar o que foi abordado em alguns de seus escritos.
Para se ter uma ideia ampla de sua filosofia podemos citar: Karl Jarspes et la Philosophie de
l´existence. Paris, 1947(foi uma publicação com a colaboração de M. Dufrenne); Da
interpretação – ensaio sobre Freud. Rio de Janeiro: Imago, 1977; O conflito das interpretações.
Porto: RES, 1999; Leituras 1: Em torno ao político. Trad.: Marcelo Perine e Nicolas Nyimi
Campanário. São Paulo: Loyola, 1995; Leituras II: A região dos filósofos. Trad. Marcelo Perine
e Nicolás Nyimi Campanário, São Paulo: Edições Loyola, 1996; Leituras 3: Nas fronteiras da
filosofia, trad. Nicolás Nyimi Campanário São Paulo: Edições Loyola, 1996; A simbólica do
mal. Trad. Hugo Barros e Gonçalves Marcelo, Lisboa: Edições 70, 2013; Philosophie de la
volonté II: Finitude et culpabilité. 1. L´homme faillible, Paris: Aubier, 1960; Philosophie de la
volonté I. Le volontaire et L`involontaire, Paris: Aubier/ Montaigne, 1950.
12
Cf. MONGIN. Olivier. Paul Ricœur. Trad. Armando Pereira da Silva, Lisboa: Instituto
Piaget, 1997.
13
História e Verdade,1968 p. 46. Como nos diz Jevolino, D., em sua Introdução a Ricœur.
Trad. José Bortolini. São Paulo: Paulus, 2011, p. 34: “A Compreensão filosófica do Paradoxo
humano exige uma Reflexão que perpassa sucessivas mediações”, ou seja, para Ricœur, a
18
manter o diálogo sempre aberto nos debates mais ásperos. Nesse sentido, ela é
justamente o ambiente vital da comunicação, a luz de todos os debates.
filosofia, a reflexão filosófica não é um começo, mas sim um recomeço, ela não inaugura a
linguagem, mas parte e se alimenta de uma linguagem que é pré-filosófica, ou seja, a linguagem
dos símbolos e dos mitos”.
14
Ibidem, p. p. 60.
15
Ver RICŒUR, Paul, Paul Ricoeur e a bíblia, in A Hermenêutica Bíblica trad. Paulo Meneses,
São Paulo: Edições Loyola, 2006, pp. 15- 23; STEWART, D. Le langage de la transcedence
[chez E. Kant, J, Ramsey et Ricœur) in Bulletin de la société américaine de philosophie de
langue française 3, 1991, Paris, pp. 173-182 ; LÉNA, Marguerite. L´esperance selon Ricœur,
in Colloque Intentionnalité dans la Phénoménologie française : inspirations, controverses,
perspectives - Cracovie, 14-15 octobre 2009. In sitio <www.lumiere-et-
vie.fr/resources/...files/LV_2954_pages_5-22.pdf>;BOUGEIOIS, H., GILBERT, P.,
JOURJON, M. L´expérience chrétienne du temps, Paris: Congitatio Fidei. 1987.
19
obra da sua maturidade. É um tema que surge no interior da sua obra através de
temas que tocam a existência humana como: o mal, a falta, a culpa, a escatologia,
liberdade, a fé, religião, a linguagem.
16
A Liberdade segundo a Esperança, in O Conflito das Interpretações, 1999, pp. 391-414.
Dentro da obra Le Volontaire et l’Involontaire a esperança encontra seu lugar e ao mesmo
tempo sua miséria. Ricœur, longamente debate o husserlianismo ao perguntar sobre a vontade
e a afetividade. Ainda reflete sobre o estoicismo e o orfismo: A admiração, canta o dia,
maravilha-se do visível, a esperança transcende a noite. A admiração diz: o mundo é bom, ele
é a pátria possível da liberdade e eu posso consentir. Já a esperança diz: o mundo não é a pátria
da liberdade, eu consinto o que é possível, e espero ser libertado do terrível (Cf. Le Volontaire
et l’Involontaire, 1950, p. 599).
17
Cf. CHAGEUX, Jean-Pierre; RICŒUR, Paul. La natura e la Regola: alla radici del pensiero.
Milano: Raffaelllo Cortina Editore, 2010, p. 18.
20
18
Temos que ter muita atenção ao lermos Ricœur quando ele fala sobre os termos fronteiriços.
Essa é uma grande dificuldade daqueles que desconhecem o conjunto de obras de Ricœur que
vai de 1947 a 1972. Exemplo é o termo Reino de Deus. Na teologia tem um significado que é
totalmente diferente do qual Ricœur se debruça. Em nosso filósofo, o Reino de Deus é uma
metáfora limite que serve como referente último e ponto de encontro dos discursos bíblicos
(sapienciais, proverbiais, parabólicos). Jesus ao falar sobre o Reino de Deus projeta as formas
do discurso (ordinário ou descritivo) a limite (da revelação), mostrando, assim, uma lógica
absurda e paradoxal, expressões limites, que é idêntica ao que se nomeia nos discursos bíblicos.
Ricœur nos diz que considera “que o que Jesus prega é o Reino de Deus, o qual se inscreve na
nominação de Deus pelos profetas, pelos escatólogos e pelos apocalípticos. E o que é a Cruz
sem o grito: Deus meu, Deus meu, por que me abandonaste? E o que é a Ressurreição se ela
não é um ato de Deus homólogo ao do Êxodo? Assim, uma cristologia sem Deus parece tão
impensável quanto Israel sem Yahweh. E não vejo como ela não poderia deixar de se diluir em
uma antropologia individual ou coletiva, inteiramente horizontal, e desprovida de seu poder
poético” (Entre a Filosofia e Teologia II: Nomear Deus, in Leituras 3, 1996, p 198).
21
19
Desmitizar a Acusação in O Conflito das Interpretações, 1999, p. 337.
20
Da Interpretação: Ensaio Sobre Freud, 1977, p. 47.
21
“Aquilo que na velha teodiceia era apenas o expediente do falso saber, torna-se a inteligência
da esperança; a necessidade que nós procuramos é a do símbolo racional mais alto que esta
inteligência da esperança engendra” (A Liberdade segundo a Esperança in O Conflito das
Interpretações, 1999, p. 422).
22
22
Segundo Schérer: “Paul Ricœur não é apenas um homem de suspeita, mas também um
homem de fé” (SCHÉRER. R. L´Homme du soupçon et l´homme de foi, in Critique 21 nº 223,
dez. de 1965, p. 1056). Fé nesse contexto pode ser compreendida como manifestação do voto
nas possibilidades de fazer e refazer a história. O filósofo, assim, trabalha com a restauração
através de uma rememoração (Ver: RICŒUR, Paul. Do texto à ação – Ensaios de hermenêutica
II. Tradução de Alcino Cartaxo e Maria José Sarabando. Porto: Rés Editora, 1994), pois o
esquecimento das hierofanias “é a contrapartida da grandiosa tarefa que é alimentar os homens,
satisfazer as necessidades dominando a natureza mediante uma técnica planetária” (A
Simbólica do Mal, 2013, pp. 480-481).
23
Ver História e Verdade, 1968, p. 336. É da mesma opinião MOLTMANN, Jürgen.
Résurrection et avenir de Jésus-Christ in Théologie de l´espérance. Paris: Les Editions du Cerf
et Maison Mame, 1970, pp. 177-181.
24
Ver Religião, Ateísmo, Fé in O Conflito das Interpretações, 1999, pp. 431-443.
23
25
Ibidem, p. 189.
26
Pode-se ver na Simbólica do Mal, p. 39-40 e 45 que: a sujidade é uma mancha simbólica que
infecciona e é provocada por um agente externo à pessoa. Chega quase a causar um sentimento
de indignidade moral. É preciso que um elemento exterior determine o que vem a ser o puro e
o impuro para que o homem sinta sua sujidade. A falta designa tanto sujidade, como pecado.
Ela é a realização concreta do mal; é a culpabilidade em ato. Há de se esclarecer também que
a Pecabilidade é a condição da humanidade inclinada para o mal e chega a praticá-lo
efetivamente. Enquanto a falibilidade é uma possibilidade.
27
A Símbólica do Mal, 2013, p. 197.
28
O pecado é um conceito religioso que se aplica a violação, o afastamento da aliança ente Deus
e o Homem. Um ato cometido por cada um. (Ver ROBERTO, Francesco. Diccionário de
Teologia Moral, Barcelona: Editorial Liturgica Española, 1957, p. 921).
29
Para Ricœur as diversas correntes fenomenológicas somente conseguiam mostrar uma
debilidade do ser que se expunha ao mal e, consequentemente, capaz de praticar o mal, contudo,
sem ser um ser mau. Ver RICŒUR, Paul. Refléxion faite. Paris: Esprit, 1995, pp. 25-30.
24
A esperança não é uma fuga porque por ela não deixa o ser para se
refugiar noutra coisa qualquer. Ela não é uma abstração desencarnada porque
está comprometida com o consentimento e, neste sentido, o consentimento
representa a experiência vivida na esperança:
30
“Le paradoxe est, au niveau même de l´existence, le gage du dualisme au niveaux de
l´objectivité. Il n´y a pas de procédé logique par lequel la nature procède de la liberté
(l´involontaire du volontaire), ou la liberté de la nature. Il n´y a pas de système de la nature et
de la liberté (…) une ontologie paradoxale n´est possible que secrètement réconciliée. La
jointure de l´être est aperçue dans une intuition aveuglée qui se réfléchit en paradoxes ; elle
n´est jamais ce que je regarde, mais cela à partir de quoi s´articulent les grands contrastes de
la liberté et de la nature” (Le Volontaire et L´Involontaire,1950, p. 22).
31
“Il est en tous cas clair que l´unité de l´homme avec lui-même et avec son monde ne peut être
intégralement comprise dans les limites d´une description du Cogito, que la phénoménologie
se transcende elle-même dans une métaphysique” (Ibidem, p. p. 439).
32
“La patience immanente - celle qui demeure dans le jeu – est la figure de l’espérance qui
transcende. Ainsi l’espérance n´est point le triomphe du dualisme, mais le viatique sur le
chemin de la conciliation. Elle est l´âme mystérieuse du pacte vital que je puis nouer avec mon
corps et mon univers” (Ibidem, p. p. 452).
25
33
História e Verdade,1968, p. 11.
34
Idem.
35
Da Interpretação: Ensaio sobre Freud, 1977, p. 422.
36
Ibidem, p. p.421.
26
Esse tema, central na obra de Ricœur, tem uma relevância especial para
a ontologia, por causa da finitude do homem e de seu caráter existencial.
Compreender essa hermenêutica da esperança e como se processa a dimensão
ético-religiosa é transportar-se para uma outra vida dos acontecimentos
históricos. A compreensão histórica coloca assim em jogo todos os paradoxos
da historicidade: como é que um ser histórico pode compreender historicamente
37
Hermenêuticas dos Símbolos e reflexão filosófica I, in O Conflito das Interpretações,1999,
p. 309.
38
Op.Cit., p.p.422.
27
39
Ricœur é influenciado por Narbert ao acreditar que certos aspectos da realidade humana não
podem ser acessadas nem por uma descrição empírica, nem por uma descrição pura, mas
através de um sentimento como é o caso da falta que mostra a desigualdade do homem consigo
mesmo, como ele mesmo nos diz: “Cet équilibre de la méthode réflexive (…) devait être rompu
: non plus cette fois par une équivoque tenant au maniement de la méthode réflexive, mais par
une expérience, un sentiment ‐ le sentiment de ‘l’injustifiable’ ‐ qui ne peut plus être traité
comme une donnée de la réflexion”. (RICŒUR, Paul. Préface, in Élements pour une éthique.
Paris: Aubier, 1971).
40
Ao tomar temas teológicos como pecado, culpa entre outros, Ricœur se volta para os estudos
dos textos, das metáforas e das narrativas que se refere a esses temas. Tenta assim mostrar a
implicação pessoal dentro desses textos. Além do mais, os símbolos que tais textos contêm
transbordam da esfera religiosa a uma poética, revelando mais do que está escrito.
41
Ver Cf. Préfacio a Bultmman in O Conflito das Interpretações, 1999, pp. 370-390.
28
1 A problemática do Mal
42
Quando citarmos A Simbólica do Mal citaremos a partir da tradução da Edições 70 de 2013.
43
“Gostaria de deter-me e examinar a questão inicial posta nas primeiras linhas do ensaio sobre
o lugar – periférico ou central – da intepretação da linguagem religiosa em minha filosofia (...)
Não há dúvida de que a experiência religiosa expressa em histórias, símbolos e figuras é uma
fonte de grande importância de meu gosto pela filosofia. Reconhecer isso não é para mim uma
fonte de embaraço – tanto mais que não creio que um filósofo possa estar isento de
30
pressupostos. Sempre se filosofa a partir de alguma parte. Essa afirmação não concerne só ao
fato de pertencer a uma tradição religiosa, mas engloba toda uma rede de referências culturais
de um pensador, inclusive as condições econômicas, sociais e políticas do seu engajamento
intelectual (...) o ponto de partida consiste em pôr uma questão, tida como expressão de um
espanto, que determina uma espécie de campo de gravitação para todas as questões ulteriores
(...) A escolha da questão, certamente, não é arbitrária. Mas é difícil separar o que a filosofia
deve ao estado do problema quando começa a filosofar e a iniciativa que toma reorganizando
o conjunto da problemática em relação a um novo centro” (Resposta a David Stewart in A
Hermenêutica Bíblica, 2006, pp. 93-94).
44
Sobre a esperança Ricœur nos diz que “pode dizer respeito à filosofia não tanto propondo-lhe
um objeto – mesmo que seja um objeto além de todos os objetos, um objeto transcendente- mas
requerendo uma mudança na organização dos sistemas filosóficos” (A esperança e a estrutura
dos sistemas filosóficos in Hermenêutica Bíblica, 2006, p. 101).
45
Cf. RICŒUR, Paul. Gabriel Marcel et Karl Jaspers: Philosophie du mystère et philosophie
du paradoxe. Paris: Temps présent, 1948.
31
46
Ver : Karl Jaspers et la philosophie de l’ existence (em colaboração com M. Dufrenne) com
Prefácio de Karl Jaspers, Paris: Éditions du Seuil, 1947, pp. 119-120.
47
Ver : KANT, E., Crítica da Razão Pura, B, 422, Lisboa: Edição da Fundação Calouste
Gulbenkian, 2001, p. 366.
48
Karl Jaspers et la philosophie de l’ existence, 1947, p. 17.
49
Ibidem, pp. 234-241.
50
Idem.
32
É interessante notar que para Ricœur, não poderíamos nos acercar a uma
noção de mal apropriada somente por uma antropologia de caráter filosófico,
pois haveria tantas noções do mal que nos perderíamos entre elas. Nosso
filósofo, descrevendo as estruturas puras do Voluntário e do Involuntário, funda
uma base que permite escapar à ontologização gnóstica do mal, relacionando a
falta como acontecimento, queda, acidente. Ele mostra as estruturas finitas do
homem que permitem se opor ao peso que o Ocidente teve na concepção de
homem e do mal52.
51
“Les approches de la justification ne sont prémisses qu’aux êtres sur lesquels ne pèsent pas
excessivement les disgrâces de la nature, ou à ceux que leur passé ne voue pas à une souffrance
sans apaisement, ou à ceux qui ne sont pas entièrement privé de la confiance des autres
hommes” (NARBERT, Jean. Essai sur le mal, PUF, 1955, 2ª ed., Paris: Aubier, 1970, p. 150).
52
“Seule une description pure du volontaire et de l’involontaire en deçà de la faute peut faire
apparaître la faute comme chute, comme perte, comme absurdité, bref institue de contraste qui
lui confère sa pleine négativité. La description pure donne à une théorie de la faute l’arrière-
plan, la finitude d’une ontologie fondamentale” (Le Volontaire et l´Involontaire, 1950, p. 50).
33
53
Para Ricœur : “la “décision de comprendre le mal par la liberté est elle-même un mouvement
de la liberté que prend sur soi le mal; le choix du centre de perspective est déjà la déclaration
d´une liberté que se reconnaît responsable, qui jure de tenir le mal pour commis et avoue qu´il
dépendait d´elle qu´il ne fût pas” (L´Homme Faillible, 1960, p. 15).
54
“(...) l´effort pour comprendre toujours plus étroitement liberté et mal l´un par l´autre”
(Ibidem, p. p.14).
34
Ao falarmos sobre o mal, poderíamos supor que Ricœur faça uma teologia
ou algo dogmático em relação a esse tema, mas o que ele faz é uma
fenomenologia-hermenêutica.
55
Cf. RICŒUR, Paul. Tradizione/alternativa. Tre saggi su ideologia e utopia. Brescia:
Mocelliana, 1980, pp. 59-87.
35
reflexão e mundo. A filosofia não é um início absoluto, mas uma dúvida, uma
interrogação sobre um saber no qual e a partir do qual essa se interroga e da qual
duvida. Por isso, a filosofia é reflexão. A filosofia de Ricœur, em especial na
Simbólica do Mal, provoca um progresso no pensamento, fundando uma relação
circular que se instaura entre fenomenologia e simbólica. De um lado, a
criticidade da reflexão fornece o espaço para o realismo da experiência, pois
realça a possibilidade de aparecer e evidenciar que existe um caráter simbólico,
de ambiguidade irredutível, que pode ser recuperada pela reflexão. Com a devida
análise a reflexão procura justificar o conhecimento prático, sem ser capaz de se
adequar, mas recuperando o verdadeiro sentido.
56
“Tenter de comprendre le mal par la liberté est une décision grave; c´est la décision d´entre
dans le problème du mal par la porte étroite, en tenant dès l´abord le mal pour ‘humain trop
humain’. (…) Ce n´est aucunement une décision sur l´origine radicale du mal, mas seulement
la description du lieu où le mal apparaît et d´où il peut être vu ; il est très possible en effet que
l´homme ne soit pas l´origine radicale du mal était contemporain de l ´origine radicale des
choses, il resterait que seule la manière dont il affecte l´existence humaine le rend manifeste”
(L´Homme Faillible, 1960, p. 14).
57
Cf. RICŒUR, Paul. Liberté, in Encyclopédie Universalis France, IX, Paris, 1971, p. 980.
37
Uma visão ética do mundo, ou seja, “o esforço por compreender cada vez
mais intimamente a liberdade e o mal à luz recíproca com que se esclarecem
mutuamente”58, que pretenda dar conta da presença do mal no mundo se cruza
com a liberdade. Pois, “ uma liberdade que se faça a cargo do mal tem uma via
aberta a uma compreensão de si mesma excepcionalmente plena de sentido”59.
É pela liberdade que o homem é capaz de projetar o futuro das ações que
pretende cumprir60. É também pela liberdade que o homem é capaz de examinar
seu passado e rever as ações, mesmo aquelas que não desejaria colocar, pois
denunciam o mau uso que fez da liberdade. Essa visão ética do mundo encontra
limite na liberdade humana pelo fato de não ser absoluta.
(Essa) visão ética não somente é certo que a razão do mal radical na
liberdade, senão que, ademais, a confissão do mal é a condição da
consciência da liberdade, já que é nessa confissão que podemos
surpreender a sutil articulação do passado com o futuro, do si com seus
atos, do não-ser com a ação pura no coração mesmo da liberdade61.
58
“l`effort pour compreendre toujours plus étoilement liberté et mal l`un par l`autre” (Finitude
et Culpabilité, 1960, p. 14).
59
RICŒUR, Paul. O mal: um desafio à filosofia e à teologia. Trad. Maria da Piedade Eça de
Almeida. Campinas: Papirus, 1988, p. 25.
60
O exemplo mais significativo é dado na intepretação da tragédia de Édipo no Da
interpretação: Ensaio sobre Freud.
61
Op.Cit., p. 25.
38
A visão ética do mundo é limitada, pois não é possível atribuir todo mal,
como raiz, ao homem. Ele ao pôr o mal, a liberdade se torna vítima de um
Outro64. O mal, assim, é um desafio, porque é sempre escandaloso, mostra-se
sempre com uma lógica mais complexa que a que estamos habituados. Ao
mesmo tempo que ele resiste a uma harmonização conceitual, estimula o
pensamento sobre o agir humano perante o mal e o sentindo dessa realidade. Por
isso é que o mal é injustificável.
62
“Por um lado, o mal entra no mundo tanto quanto o ser humano o põe, o ser humano só o põe
enquanto cede ao assédio do adversário. Tal estrutura ambivalente do mito da queda assinala
já de per si os limites da visão ética do mal e do mundo: ao pôr o mal, a liberdade é vítima de
outro” (O mal um desafio à filosofia e à teologia, 1988, p. 25).
63
Cf. Hermenêutica dos Símbolos e reflexão filosófica I, in O Conflito das Interpretações,
1999, p. 286.
64
Cf. L´Homme Faillible, 1960, p. 14.
39
Desta forma, em uma visão ética, não somente verdadeiro afirmar que a
liberdade seja a razão do mal, mas que a confissão do mal é a condição
da consciência da liberdade, pois é nessa confissão que podemos
entrever a sútil articulação do passado e do futuro, do eu e dos atos, do
não-ser e da ação pura no coração mesmo da liberdade. Essa é a
grandeza que representa a visão ética do mundo65.
65
“Ainsi, dans une vision éthique, il n´est pas seulement vrai que la liberté soit la raison du
mal, mais l´aveu du mal est aussi la condition de la conscience de la liberté; car c´est dans cet
aveu que peut être surprise la fine articulation du passé et du futur, du moi et des actes, du
non-être e de l´action pure au cœur même de la liberté. Telle est la grandeur d´une vision
éthique du monde” (L´Homme faillible, 1960, p. 16).
66
“(...) procède d´une anthropologie pessimiste dominée par la théorie du mal radical”
(L´homme Faillible, 1960, p. 92). Esse proceder nada é que a escolha de uma máxima má ou
boa. Diante dessa escolha se pautaria todas as outras máximas. Conforme diz Kant: “como
fundamento antes de todo o uso da liberdade dado na experiência (da primeira juventude
remontando ao nascimento), e que é representado como existente no homem desde seu
nascimento; não que o nascimento seja justamente a causa disto” (KANT, I., A religião nos
limites da simples razão. Trad. Artur Morão. Lisboa: Edições 70, 1992, p. 369).
67
Cf. Ibidem, pp.84-86.
40
68
A Liberdade segundo a Esperança, in O Conflito das Interpretações, 1999, p. 356.
69
“Os postulados são determinações teóricas, e certo, mas eles correspondem a postulação
pratica que constitui a razão pura enquanto exigência de totalidade. A própria expressão
postulado não deve induzir em erro; ela exprime, no plano propriamente epistemológico e na
linguagem da modalidade, o caráter ‘hipotético’ da crença existencial envolvida pela exigência
de acabamento, de totalidade, que constitui a razão pratica na sua pureza essencial. Os
postulados correspondentes serão para sempre preservados de se transformarem no ‘fanatismo’
e na ‘loucura religiosa’ (Schwärmerei) pela crítica da ilusão transcendental; esta desempenha
a seu respeito o papel de ‘morte de Deus’ especulativa” (Ibidem, p. 407).
70
Demitizar à acusação, in O Conflito das Interpretações, 1999, p. 339.
41
71
A Liberdade segundo a Esperança, in O Conflito das Interpretações, 1999, p. 411.
72
Ibidem, p. 395.
73
Ibidem, p.393.
42
74
“l´espace de manifestation du mal n´apparaît que s´il est reconnu et il n´est reconnu que s´il
est adopté par choix délibéré” (L´Homme Faillible, 1960, p. 14-15).
75
“Contrariamente à tradição do Cogito e à pretensão do sujeito de se conhecer a si mesmo por
intuição imediata, é preciso dizer que nós apenas nos compreendemos pela grande digressão
dos signos da humanidade depositados nas obras de cultura. Que saberíamos nós do amor e do
ódio, dos sentimentos éticos e, em geral, de tudo aquilo a que nós chamamos o si, se isso não
tivesse sido trazido à linguagem e articulado pela literatura?” (Do Texto à Ação, 1994, p. 123)
76
A liberdade segundo a esperança in O Conflito das Interpretações, 1999, p. 415. Alguns
escritos evidenciam a opção pelos textos sagrados: RICŒUR, Paul. A filosofia e a
especificidade da linguagem religiosa. Trad. João Alvares Goes, in:
http://plasrt.sersanford.edu.pt/intries/Ricœur filosofiaelinguagem/ acesso em 15 de fevereiro
de 2015 às 23h. RICŒUR, Paul, Entre a filosofia e a teologia II: Nomear Deus, in: Leituras 3:
Nas fronteiras da filosofia, trad. Nicolás Nyimi Campanário São Paulo: Edições Loyola, 1996,
pp. 181-204; La Bible et l’imagination, in Revue d’histoire et de philosophie religieuses 66,
1982, pp. 339-360. Hermenêutica da ideia de Revelação e Mitos da Salvação e da razão, in
Escritos e Conferências 2, Trad. Lúcia Pereira de Souza, São Paulo: Edições Loyola, 2011, pp.
145-215.
43
Ricœur assinala que as explicações dadas não lançam o homem para fora
de si e, muito menos as satisfazem. A linguagem da razão é limitada e derivada,
por isso, defende que as linguagens mais arcaicas possam nos dar uma resposta
à questão do mal e da liberdade. Por isso, a filosofia deve seguir o caminho pelas
expressões menos elaboradas, mais balbuciantes da confissão do mal. “Uma
fenomenologia da confissão é, pois, a descrição das significações, e das
77
Existência e Hermenêutica in O Conflito das Interpretações, 1999, p. 6. Para Ricœur,
interpretar um texto não se limita a captar a intenção do autor, o seu fundo histórico do texto,
nem mesmo apreender o jogo de significação internas ao texto sem referências ao real fora do
texto. Antes, a interpretação tem por fim compreender o mundo literário e teológico
desenvolvido no texto. Por mundo do texto (literário), ele compreende “o mundo apresentado
pela ficção diante dela mesma, por assim dizer como o horizonte da experiência possível no
qual a obra desloca seus leitores. Por mundo do leitor, entendo o mundo efetivo em que a ação
real se desvela. É um mundo no sentido em que a ação se produz no meio de circunstâncias
que, como o termo sugere, ‘rodeiam’ a ação; ou, para utilizar a expressão de Hannah Arendt,
na Condição Humana, a ação passa-se em uma ‘rede de relações’ no meio das quais o agente
é desvelado em palavras e ações” (A esperança e a estrutura dos sistemas filosóficos, in A
hermenêutica bíblica, 2006, p. 126).
78
Op.Cit., p.p.18.
44
79
Culpabilidade, ética e Religião in O Conflito das Interpretações, 1999, p. 416.
80
Em Ricœur “uma visão ética pode dar conta sem dúvidas” (Ibidem, p. 17). Em relação a isso
Renaud diz: “A questão sobre a possibilidade do mal, na medida em que implica a não
necessidade dessa possibilidade, afasta a identificação filosófica entre o mal e a essência do ser
humano. Em outros termos, o mal, não é natural, mas ético. Ricœur não apresenta a
problemática rigorosa nestes termos, mas indica que o ponto de partida é a visão ética do mundo
[...]” (RENAUD. Michel. Fenomenologia e Hermenêutica. O projeto filosófico de Paul
Ricœur. Revista Portuguesa de Filosofia, Braga, 41, 1985, p. 417).
81
“(...) esse temor seja o meio privilegiado através do qual o homem acede a uma ordem
diferente, uma ordem como que hiperética onde o temor fosse totalmente confundido com amor
(...) a abolição da crença não poderia ser outra coisa senão o horizonte (...) o futuro escatológico
da moralidade humana. Antes de banir o temor, o amor transforma-o e o transpõe (...) só o
amor perfeito bane o temor” (A Simbólica do Mal, 2013, p. 61).
45
82
Cf. Ibidem, pp. 41-61.
83
Ibidem, p. 61.
84
Ibidem, p.205.
85
Referindo-se à doutrina Pelagiana, Ricœur mostra que a transgressão de um interdito leva,
aqueles, a pensar que “o mal é uma espécie de involuntário no próprio seio do voluntário, já
não em face dele, mas nele, e isto é o servo-arbítrio” (O pecado Original in O Conflito das
Interpretações, 1999, p. 281).
46
87
A mancha é “uma coisa qualquer que infecta por contato” ,
independentemente de toda intenção subjetiva e que “opera como uma força no
campo de nossa existência, que é inextricavelmente psíquica e corporal”88. Ela
é uma “substância”, algo que infecta nosso ser psíquico e corporal. Assim, o mal
da mancha, que provém da mancha, tem uma positividade que não resulta do
querer humano, pois existe independentemente de todo ato do sujeito. O homem
descobre sua existência através das penas a que é submetido. O mal sofrido
conduz o homem a se acusar de um mal cometido, que muitas vezes é
inconsciente. Ao acusar-se desse mal cometido, o homem confessa, expressa,
por suas emoções, o que está em seu interior, esperando de alguma maneira que
seja perdoado. Esperando, por assim dizer, um evento futuro que o possa remir.
O homem, ao confessar o mal cometido, mostra que a sua “linguagem é a luz da
emoção, através da confissão a consciência de culpa é trazida à luz da palavra;
através da confissão o homem continua a ser palavra mesmo na experiência do
seu absurdo, do seu sofrimento, da sua angústia”89. Isso mostra que o mal afeta,
seja ele sofrido ou cometido, a existência humana.
86
A Simbólica do Mal, 2013, p. 43.
87
Ibidem, p. 45.
88
Ibidem, p. 42.
89
Ibidem, p. 24.
47
A punição justa não abarca tudo o que possa estar implícito na angústia
do manchado. Ao existir, a exigência de que o homem sofra de forma justa, para
Ricœur, “nós esperamos que essa tristeza tenha não só uma medida, mas um
90
Ibidem, p. 47. A tradução que aqui se encontra é das Edições 70. No original está: “Ce mal-
pâtir tient au mal∙agir comme la punition procède inéluctablement de la souillure” (La
symbolique du maL, 1960, p. 192).
91
Ricœur explica que a “ligação entre a mancha e o sofrimento, e que é vivida em temor e
tremor, manteve-se com uma tenacidade tanto maior quanto pôde constituir, durante bastante
tempo, um esquema de racionalização, um primeiro esboço de causalidade; se sofres, se estás
doente, se falhas, se morres, é porque pecastes; o valor sintomático e detentor do sofrimento
em relação à mancha converte-se em valor explicativo e etiológico do mal moral” (A Simbólica
do Mal, 2013, p. 47).
92
RICŒUR, Paul. Hermenêutica da Ideia de Revelação in Escritos e Conferências 2:
hermenêutica. Trad. Lúcia Pereira de Souza, São Paulo: Edições Loyola, 2011, pp. 145-195.
(Esse artigo foi publicado com o título Herméneutique de l´idée de Révelation, in: VV AA., La
révelation, Bruxelas, Faculté Universitaires Saint-Louis, 1977, 207-236).
48
Aquele que crê nesse regime da mancha vive sob a ameaça do castigo,
passa, dessa forma, de uma consciência da mancha a uma moralidade. O homem
antecipa a punição tomando consciência das consequências de seus atos e se
prepara para assumir o castigo como justa punição de uma violação. Esse
assumir a punição reduz a culpa e obtém a restauração da ordem do mundo e de
si mesmo.
93
A Simbólica do Mal, 2013, p. 59.
49
por causa das somas dos pecados, mas porque a consciência está “vergada diante
da fatalidade do sofrimento vingador”94.
94
Idem.
50
95
A transição da mancha para o pecado é nos dada quando “o símbolo da mancha é dominado
pelo de ‘amarra’ que ainda é um símbolo de exterioridade, mas que exprime mais a ocupação,
a possessão e a escravidão que o contágio e a contaminação: ‘Que o mal e o mal que está no
meu corpo, que está nos meus músculos e nos meus tendões desapareça hoje’, suplica o
penitente; no entanto, ao mesmo em que o esquema da mancha se incorpora no da possessão,
as noções de transgressão e de iniquidade são acrescentadas (...) É já na relação pessoal com
um deus que determina o espaço espiritual no qual o pecado se distingue da mancha; o penitente
experimenta o ataque dos demônios como sendo a contrapartida do afastamento do deus (...) o
penitente toma consciência do seu pecado enquanto dimensão da sua existência e já não como
uma simples realidade que o assombra” (A Simbólica do Mal, 2013, p. 64)
96
Idem.
51
mais como uma realidade exterior que o assalta. O pecado é uma grandeza
religiosa determinada pela categoria do perante Deus97.
97
Ibidem, p. 66.
98
Ibidem, p. 65.
99
Ibidem, p. 68.
100
Cf. ELLUL, J. Le fondement théologique du droit. Paris: Delachaux & Niestlé, 1946, p. 79.
52
Para manter viva sua unidade existe, assim, uma tensão entre a
consciência absoluta, mas informe, e, por outro lado, a lei finita que esfarela a
exigência, pois para o homem não se é justo, nem se é culpado completamente.
Ele é justo ou culpado conforme determinações concretas. Ricœur nos mostra
que “a lei é um ‘pedagogo’ que ajuda o penitente a determinar o seu modo de
ser pecador” 102 . Assim, ideal de perfeição e de justiça vai além dos atos
singulares, o pecado deve ser remetido para muito além de enumeração de faltas,
pois o ritmo da exigência indeterminada e dos mandamentos determinam a
revelação interiormente radical do pecado como seu contrário, a obediência do
seu coração.
101
Op.Cit., p.75.
102
A Simbólica do Mal, 2013, p. 76.
103
Cf. Ibidem. pp. 86-100.
53
O pecado se opõe à fé. Essa oposição é marcada nos textos bíblicos por
uma relação ferida do pecador para com Deus 104 . O simbolismo do pecado
exprime, fundamentalmente, a ruptura de uma relação, “a perda de um vínculo,
de uma raiz, de um solo ontológico” 105 . A imagem principal do desvio em
relação à linha reta, o extravio da viagem, ao não transpor, constantemente,
concorre para uma ação anormal. Mas essa ação é interpretada com uma
desobediência, ela é colocada como uma intenção malvada do homem que toma
a iniciativa de opor-se a Deus. A oposição do querer humano à vontade divina
situa a origem da ruptura do diálogo e da situação consequente do desvio e da
perdição na qual o homem se encontra depois da queda. Assim Ricœur nota que
“a ruptura do diálogo, transformada numa situação, faz do homem um ser
estrangeiro ao seu lugar ontológico”106.
104
Acerca dessa relação ferida do homem para com Deus pode-se consultar; FAUS
GONZÁLEZ, J.I., Proyecto de Hermano. Visión creyente del hombre. Santander, 1987;
ALSZEGHY, Z. e FLICK, M., El hombre bajo el signo del pecado: Teología del pecado
original, Salamanca, 1972; GUILLUY, J., La culpabilité fondamentale. Péché originel et
anthropologie moderne, Lille, 1975.
105
Op.Cit., p.87.
106
A Simbólica do Mal, 2013, p. 89.
107
Ibidem, p. 90.
108
Ricœur ao citar Jr 2, 5 e o Sl 90, confirma a ligação entre sopro e ídolo respectivamente com
as citações: “(...) indo atrás da nulidade dos ídolos? Eles próprios se tornaram vaidade do ídolo
somos consumidos pela tua ira, ficamos angustiados pelo teu furor! Colocaste as nossas culpas
54
incapaz de salvar aqueles que recorrem aos seus ídolos: “A imagem existencial
do ‘vão’ vem fundir-se com a imagem do ‘ídolo’ que precede uma reflexão
teológica mais elaborada sobre os falsos deuses [...] ‘os deuses pagãos não valem
nada’”109. Nada é a definição do homem que se fia nos ídolos. Essa vaidade dos
ídolos descobre o vazio e o não-sentido dessa existência livre pelo absurdo que
se revela no abandono do homem por Deus110.
diante de ti, os nossos pecados ocultos, à luz da tua face. Todos os nossos dias se esvanecem
pela tua indignação; os nossos anos dissipam-se como um suspiro” (A Simbólica do Mal, 2013,
p. 93).
109
Ibidem, p. 91.
110
“O esquema do ‘nada’ do ídolo e do idólatra é a réplica, do lado do homem, do esquema da
‘Cólera de Deus’ (...) o homem abandonado é a manifestação de Deus na qualidade de Aquele
que abandona. O esquecimento de Deus pelo homem reflete-se no esquecimento do homem
por Deus; assim Deus já não é o ‘Sim’ da palavra que disse, e assim aconteceu; ele é o ’Não’
que suprime o malvado, os seus ídolos e toda a sua vaidade (...)talvez o próprio ‘ Não’ da
interdição, no mito da queda seja uma projeção na esfera da inocência de uma negação emanada
do próprio pecado; talvez que toda a ordem da criação (...) seja suportada pela afirmação das
oposições e de uma desproporção original: ‘Que assim seja’” (Ibidem, p. 93). Podemos ver
também Is 49, 7 e Is 49, 15, nesses textos estão implícitos a ideia de conversão.
55
como pelo seu desaparecimento do mundo. Mas ela não dá conta inteiramente
da experiência judaica do pecado.
111
A Simbólica do Mal, 2013, p. 97.
112
Ibidem, p. 87. “O profeta não hesita em exortar ao ‘retorno’, como se este dependesse
inteiramente do homem, e a implorar pelo ‘retorno, como se ele dependesse totalmente de
Deus: ‘converte-me e eu deixar-me-ei converter (Dt 7, 5). Perdão e Retorno coincidem, então,
no ato de doação de um ‘coração de carne que substitui um ‘coração de pedra(...) Esse poder
suspensivo da escolha humana que parece tornar o perdão condicional leva-nos à famosa
escolha:(...) ‘ Repara que coloco hoje diante de ti, a vida e o bem, a morte e o mal. Assim, o
simbolismo do ‘retorno’ e do ‘perdão’, considerado na sua terra natal, mantém suspensas todas
as aporias da teologia respeitantes à graça e a vontade, à predestinação e à liberdade; mas talvez
contenha também em si a reconciliação hiperlógica dos termos que a especulação isola e
propõe” (Ibidem, p. 97-98).
113
Ibidem, p. 97.
56
O pecador vive sob a posse do mal que o aliena e altera a origem do seu
querer e do seu agir. Seu poder de fazer o mal é cercado de uma impotência, uma
paralisia pelo poder do mal radical que envolve a liberdade na origem de sua
difusão e a torna indisponível. O simbolismo do pecado aponta uma relação entre
o mal radical e o próprio homem, entre uma destinação originária do homem.
114
“O conceito de pecado original é um falso saber e deve ser suprimido como saber, saber
jurídico da culpabilidade dos recém-nascidos, saber quase biológico da transmissão de uma
tara hereditária, falso saber que bloqueia numa noção inconsistente uma categoria jurídica de
dívida e uma categoria biológica de herança (...) o falso saber é ao mesmo tempo verdadeiro
símbolo, verdadeiro símbolo de alguma coisa que só ele pode transmitir. A crítica não é,
portanto, simplesmente negativa: o fracasso do saber é o inverso de um trabalho de
recuperação do sentido, pelo qual são encontrados a intenção ‘ortodoxa, o sentido reto, o
sentido eclesial do pecado original (...) mas símbolo racional” (O pecado original in O Conflito
das Interpretações, 1999, p. 265).
58
Esse simbolismo do pecado nos diz que por mais positivo e sedutor que seja, ele
nunca poderia fazer do homem um nada, não poderia mudar a disposição e as
funções da humanidade do homem.
115
Gn 15,13-16.
116
A Simbólica do Mal, 2013, p. 110.
117
“O simbolismo do ‘retorno’ e do ‘perdão’, considerando na sua terra natal, mantém
suspensas todas as aporias da teologia respeitante à graça e à vontade, à predestinação, e à
liberdade” (Ibidem, p. 98).
59
118
Cf. ANTÓN MARTIN, José Maria, El sentimento de culpabilidade en Paul Ricœur (tese),
Universidade Complutense, Madrid, 1983, detêm-se na obra de Ricœur L´homme faillible e faz
notar que o interesse de nosso autor era antropológico e não ético.
119
Cf. A Simbólica do Mal, 2013, p. 118.
60
120
Cf. L´Homme Faillible, 1960, pp. 10-11.
121
Op.Cit., pp. 23-24.
122
Ibidem, p. 125.
123
Nota-se que para Ricœur a consciência do pecado se tornará o critério e a medida da falta; o
sentimento de culpabilidade coincidirá exatamente com a consciência que o culpado tem de si
mesmo e não se distinguirá do “para si” da falta. Contudo, culpabilidade não é sinônimo de
falta.
61
é esse homem capaz de anunciar ao Rei que o seu poder é fraco e vão.
A culpabilidade é a tomada de consciência dessa situação real e, se é
que podemos nos expressar assim, o “para si” dessa espécie de “em
si”124.
124
A Simbólica do Mal, 2013, p. 118.
125
Ibidem, p. 119.
62
126
Idem.
127
Ibidem, p.120.
63
128
“Procurai o bem e não o mal para que possais viver, e, deste modo, IHWH, Deus dos
Exércitos estará convosco, como vós o dizeis! Odiai o mal e amai o bem, estabelecei o direito
à porta; talvez IHWH, Deus dos Exércitos, tenha compaixão do resto de José” (Amós, 5,15) e
ainda: “É o Senhor que dá a morte e dá a vida, faz descer à sepultura e faz voltar. É o Senhor
que nos humilha e nos exalta” (1Sm 2,6-7).
129
“A ruptura do diálogo, transformada em uma situação, faz do homem um ser estrangeiro ao
seu lugar ontológico” (A Simbólica do Mal, 2013, p. 89). Ricœur insiste em uma concepção do
ser humano como ser de mediação, descartando a afirmação cartesiana na qual o homem se
situa entre o ser e o nada, como se o entre constitui-se o lugar ontológico do homem. Ricœur
nos diz que : “(...) l´homme n´est pas intermédiaire parce qu´il est intermédiaire ; il est
intermédiaire parce qu´il est mixte et il est mixte parce qu´il opère des médiations. Sa
caractéristique ontologique d´être-intermédiaire consiste précisément en ceci que son acte
d´exister, c´est l´acte même d´opérer des médiations entre toutes les modalités et tous les
niveaux de la réalité hors de lui et en lui-même” (L´Homme Faillible, 1960, p. 23).
130
Ricœur, a partir da falibilidade, na Simbólica do Mal, não reflete o homem diante da
antropologia de Platão, Pascal e Kierkegaard, mas reflete o pathos do homem, ou seja, pensar
através de uma reflexão que não tenha origem diretamente do eu, mas do objeto que está diante
do eu. Dessa forma, o homem pode ter condições de possibilidade. Ele, assim, envereda por
uma ontologia filosófica, falando da patética da miséria, para não cair em uma ontologia
absurda do ser e do nada. (Cf. CLAVEL, Juan Masiá; MORATALLA, Tomás Domingo;
OCHAÍTA, J. Alberto. Entre el mal y la esperanza: hermenéutica de los símbolos, in: Lecturas
de Paul Ricœur. Madrid: Pontifícia Universidade de Comillas, 1998, pp. 18-29).
64
131
Jr 31, 29.
132
Ez 18, 3. A passagem da imputação coletiva para a individual foi possível devido ao
afrouxamento do laço comunitário e ao advento do individualismo em uma época na qual o
povo de Israel perdeu sua existência política como nação. Ver: VVAA. Commentário a la
Biblia Liturgica, Roma: Edições Paulinas, 1980, p. 671; LIVERANI, Mario. Para além da
bíblia: história de Israel. São Paulo: Loyola/Paulus, 2008; BRIGHT, John. História de Israel.
7.ed. rev. e ampl. São Paulo: Paulus, 2003.
65
da vontade que os coloca. Deste modo, “rompe-se a lei da dívida secular; cada
um paga por suas falhas; cada um pode a cada momento recomeçar, ‘voltar ao
eterno’”133.
133
A Simbólica do Mal, 2013, p. 123.
134
Ibidem, p. 122.
135
Idem.
136
Ibidem, p. 124.
66
137
Ibidem, p.147.
138
Ibidem, pp. 143-144.
139
O farisaísmo evidencia a dimensão do escrúpulo, porque toda vida religiosa, era regrada
segundo as prescrições farisaicas (Cf. SCHUBERT, Kurt. Os Partidos Religiosos Hebraicos
da época Neotestamentária. 2ª ed. São Paulo: Paulinas, 1979, p. 27).
140
Os fariseus ofereceram uma solução única para este problema. Eles construíram o Halakhah,
mas, ao invés de cercar o indivíduo por todos os lados com as leis de uma única cidade ou país,
eles fizeram com que o indivíduo cercasse as leis por todos os lados. Eles ergueram uma
constituição, uma politeia, para ser posta dentro do indivíduo, e não fora dele; um sistema de
leis que o indivíduo pudesse carregar consigo e ao qual pudesse ser fiel sempre e em qualquer
lugar. A cidadania, a partir daí, estaria disponível a todos que internalizassem o sistema do
Halakhah (Cf. RIVKIN, Ellis. The Internal City: Judaism and Urbanization, Journal for the
Scientific Study of Religion, 5(2):225-240, 1966, p. 235).
67
consciência de sua eleição e de seu destino singular que o torna à parte de outros
povos, pois “o sinal distintivo de Israel entre os povos, é o fato de ter a Lei, esta
lei”141. Essa lei procede de uma estrutura inevitavelmente contingente. Ela é uma
prescrição divina que teve ligação com um acontecimento do passado: a
transmissão da Lei. Esse acontecimento revelou de maneira completa e
definitiva a vontade de Deus e, consequentemente, o sentido da vida humana142.
141
A Simbólica do Mal, 2013, p. 136.
142
Ex 19, Ex 20. 1-17 e Ex 31. 18.
143
Cf. Op. Cit., pp. 143-144.
144
A Simbólica do Mal, 2013, p. 145.
68
145
Dt. 5.
146
Op. Cit.,.125.
69
147
Ibidem, p. 126.
148
A Simbólica do Mal, 2013, p. 148. Para Pelágio (350-423) não há o pecado original, a Graça
Divina não é essencial para a Salvação e o homem possui capacidade de decidir o seu futuro
por causa do livre-arbítrio, sem depender necessariamente da graça divina, pelo fato das
pessoas resistirem voluntariamente a tudo que se refere a Deus e à necessidade de pertencer a
Ele (Cf. VALERA, Juan B., Las Bases Antropológicas de Pelagio en su Tratado de las
Expositiones, Publicaciones de la Universidad Pontificia de Comillas, Madrid, 1980, p. 201).
É interessante, também, notar segundo Delumeau: “Embora a narrativa do pecado de Adão e
Eva figure no primeiro livro do Antigo Testamento, o Judaísmo (farisaísmo) antigo não
centralizou sua teologia sobre o primeiro pecado. Foi somente nas vizinhanças da Era Cristã
que alguns escritos judaicos (não-canônicos) fazem remontar a Adão os castigos que pesam
sobre a humanidade, mas sem marcar nitidamente a transmissão do estado pecaminoso do
primeiro pai à sua raça” (DELUMEAU, Jean. O pecado e o medo: a culpabilização no ocidente
(séculos 13-18), Trad. Álvaro Lorencini. Bauru: EDUSC, 2003, p. 98).
70
149
Cf. A Simbólica do Mal, 2013, p. 117. Ricœur, em anos posteriores à publicação da Simbólica
do Mal (1960), em outro escrito Kierkegaard e o mal (originalmente com o título Kierkegaard
et le Mal, in Revue de théologie et de philosophie, 13, n. 4, 1963, pp 292-302), diz que o filósofo
Kierkegaard constrói e descobre o pecado no desespero. Portanto, pecado não é mais um salto,
mas um estado estagnante, uma maneira insistente de ser. Deste modo, desespero é pecado;
pecado que não é uma negação, mas uma posição (Cf. RICŒUR, Paul. Kierkegaard e o mal,
in Leituras 2, 1996, pp. 13-46).
150
Gl 3,10.
151
A Simbólica do Mal, 2013, p. 157.
152
“Porque o pecado não os dominará nunca mais, porque vocês não estão debaixo da Lei, mas
sob a graça” (Rm 6,14).
153
Rm 7,7.
71
entretanto, é ocasião e instrumento154. Ou melhor, essa Lei vem fazer com que o
pecador tome consciência de sua falta155. A falta como pecado conduz à morte.
Logo, a lei que deveria mostrar o caminho seguro para a vida reta se transforma
em instrumento de morte156. Quem causa a morte não é, todavia, a Lei, mas o
pecado que a utiliza157.
Paulo ainda afirma que a lei não está somente a serviço do pecado, mas é
impotência diante desse158. Essa impotência corrompe toda pretensão de querer
ser salvo pela lei. Se o pecado exerce sobre o homem um domínio, digamos,
superior à Lei, toda tentativa de reduzir a força do pecado pela fraqueza da lei
está condenada ao fracasso.
O homem acredita que não faz o mal, mas que outro o faz em seu lugar.
Esse outro que o homem tenta colocar a sua responsabilidade é exterior, mas, ao
mesmo tempo, reside no homem. A carne é a habitação do pecado no homem,
ou seja, o “eu alienado no seu conjunto, por oposição aos ‘desejos do Espírito’,
constitui o homem interior; a cisão entre mim e mim mesmo, e a projeção para
154
Rm, 7,8,13.
155
Rm 5,20.
156
Rm 7,10.
157
Rm, 7, 12-13. Cf. GREISCH, J. Paul Ricœur. L’itinérance du sens. Grenoble: Millon, 2011.
158
Rm 7,7-13;7,14-25.
159
Podemos perceber esse antagonismo da vontade nas palavras de Paulo: “Sabemos que a lei
é espiritual, mas eu sou humano e fraco, vendido como escravo do pecado [...] o querer bem
está em mim, mas não sou capaz de fazê-lo. Não faço o bem que quero, e sim o mal que não
quero. Ora, se faço aquilo que não quero, não sou eu que o faço, mas é o pecado que mora em
mim” (Rm 7, 14; 18-20). Ricœur complementa, por assim dizer, essas palavras de Paulo: “é um
eu que se aliena de si mesmo, e se opõe a si mesmo e se projeta na exterioridade” (A Simbólica
do Mal, 2013, p. 160).
72
160
Ibidem, p. 310. Ricœur, na mesma página, afirma que “o conceito paulino de ‘carne’ até o
do ‘corpo’, indica não uma realidade substancial, mas uma categoria existencial, que não só
cobre todo o campo das paixões, mas engloba a vontade moralizante de se glorificar na lei”.
161
“Eles desconhecem a justiça de Deus e procuram afirmar a sua própria justiça e, assim, não
se submetem à justiça de Deus” (Rom 10,3).
162
Gn 15.
163
“A Lei, que veio quatrocentos e trinta anos depois, não anula a aliança previamente
estabelecida por Deus, de modo que venha a invalidar a promessa” (Gl 3,17).
73
daquele que a promessa indica à fé. Ela prepara para receber o Evangelho
mediante a fé em Cristo.
164
“Maldito seja todo aquele que não persevera em tudo o que está escrito no Livro da Lei, em
ordem a cumpri-lo” (Gl 3,10).
165
A Simbólica do Mal, 2013, pp. 160-161.
166
A liberdade é algo enigmático e irredutível. Esse enigma é a expresso pela noção de servo-
arbítrio que Ricœur adota como um conceito indireto. No livro de Maurizio Chiodi é colocado
que: “O servo-arbítrio é um ato do homem, pois vem dele e é também um estado, porque se
74
1.4 A justificação
transforma numa situação padecida, em servidão [...] em suma, por mais que a liberdade do
homem possa ser ‘serva’, nela o mal não é originário como a bondade”[“Il servo arbitrio è un
atto dell´uomo, perché viene da lui, ed è anche uno stato, perché si tramuta in una situazione
subita, in servitù [...]; insomma, per quanto ‘serva’ possa essere la libertà dell´uomo, il male
però in essa non è originario quanto la bontà”] (CHIODI, Maurizio. Il camino della libertà.
Fenomenologia, ermeneutica, ontologia della libertà nella ricerca filosofica di Paul Ricœur,
prefazio de Paul Ricœur, Brescia: Morcelliana, 1990, p. 181)
167
A Simbólica do Mal, 2013, p. 169.
168
Idem.
169
Ibidem, p. 170.
75
170
“A catividade é, literalmente, uma situação social, intersubjetiva; ao tornar-se símbolo do
pecado, essa cifra mostrou o carácter de alienação inerente ao pecado; o pecador está ‘no’
pecado, como o hebreu ‘na’ servidão; o pecado é, por conseguinte, um mal ‘ no qual’ o homem
é apanhado” (Ibidem, p. 110).
171
Ibidem, p. 173
172
Ibidem, p. 174.
173
Idem.
76
174
Ibidem, p.110.
77
desesperada de justiça coincide com a boa vontade, ou seja, com a vontade que
aprova a exigência de um mandamento santo, justo e bom, crendo que ele pode
fazer o que ele quer e que ele pode obter a justiça pelas obras prescritas pela lei.
175
Segundo Melo “A forma que Jaspers analisa o tema da liberdade, da finitude, do fracasso,
da transcendência é diferente dos autores de sua época, porque o autor estabelece uma análise
singular da realidade própria da existência (...) Para Jaspers, a existência se configura de dois
modos, como Existenz e como Dasein. A existência empírica ou o Dasein apresenta-se no
pensamento jasperiano com um significado distinto de outros pensadores que também
utilizaram este termo, pois significa a existência humana que se orienta unicamente de sua
relação com o mundo. Pode-se dizer que é o existente que está-aí, ou seja, presença objetiva
no mundo ou a realidade fornecida pela experiência (...) A compreensão sobre o homem como
aquele ser que se exerce na dimensão do Dasein nos convida, pois, a pensá-lo como mera
manifestação empírica, o que significa que o existente é visado somente no âmbito das
realizações no mundo e das suas determinações. Como escreve Jaspers: ‘a existência empírica
(Dasein) existe somente em relação com seu mundo circundante, diante do que reage e sobre o
que atua’” (JASPERS, 1968, p. 109. Tradução nossa). Esse ser que ‘aí está’ e que partilha com
os outros a pertinência a um mundo se diferencia da existência que se coloca no âmbito das
possibilidades. “Segundo Jaspers, a existência se configura também como um ‘poder-ser’, ou
seja, como abertura para empreender escolhas que se realizam no campo da liberdade e, assim,
da autenticidade. Diferentemente do Dasein, que permanece no campo do vivido
objetivamente, a existência possível será sempre a existência que se escolher. O que nos
permite afirmar que para o nosso autor a existência possível estará sempre à frente de si,
projetando-se no risco das opções” sic. (MELO, Fernanda Araújo. Para uma filosofía da
transcendencia em Karl Jaspers, in Revista Estudos Filosóficos, nº 8/2012). Ver também:
HERDEU Y BOHIGAS, J. Transcendencia y revelación de Dios. Metafísica de las “cifras”
según Karl Jaspers, metafísica del testimonio según Jean Nabert. Barcelona: Ed. de la Facultat
de Teologia, 1983.
78
Como então libertar essa liberdade que está presa sob o jugo de sua
escolha? Que condições podem existir para essa libertação e, consequentemente,
sua justificação?
176
Cf. A Simbólica do Mal, 2013, p. 146.
79
Para nosso autor, se o mal está sempre já-aí, ou seja, não é algo objetivo
nem tem uma origem atribuível, é necessário percorrer o mundo dos símbolos e
dos mitos que tentam explicar o mal179.
177
Ibidem, p. 145.
178
Para Ricœur, o mito se define como “narração tradicional destinada de maneira geral a
instaurar todas as formas de ação e de pensamento pelos quais o homem se compreende a si
mesmo em seu mundo” (Ibidem, p. 12). Os mitos, assim, são entendidos como símbolos de
segunda ordem que nos descobrem e manifestam “a união do homem com o sagrado” (Ibidem,
p. 12). Podemos comprar essas definições com a de Lévi-Strauss em seu livro Mito e
Significado, 1977 no qual o mito não é somente definido por sua estrutura, por sua lógica, mas
algo que diz algo a mim, que expressa o sagrado, que tem um referente, que tem uma função
simbólica.
179
É bem claro nos textos de Ricœur Heméneutique. Les finalités de l´exégèse in: La Bible en
Philosophie. Approches contemporaines, Paris: Centre Thomas-More, 1983, pp. 27-57 e em A
paternidade: do Fantasma ao Símbolo in O conflito das Interpretações, 1999, pp. 457-485, que
Ricœur dedicou muito tempo a estudar os textos bíblicos, míticos, proféticos, sapienciais entre
outros que põem em relevo a finitude humana que se choca com o mistério do mal e encontra
a Transcendência e gera a esperança.
80
180
A Simbólica do Mal, 2013, p. 185.
181
“A função simbólica, é, certamente, a capacidade de colocar toda a troca (e entre elas as
trocas de signos) sob uma lei, sob uma regra, logo sob um princípio anônimo que transcende
os sujeitos. Mas, é mais ainda a capacidade de atualizar essa regra num acontecimento, numa
instância de troca, de que a instancia de discurso e o protótipo; esta compromete-me como
sujeito e situa-me na reciprocidade da questão e da resposta. Um sentido demasiado
frequentemente esquecido da palavra símbolo lembra-nos isso: sob a sua forma social, e já não
apenas matemática, o simbolismo implica uma regra de reconhecimento entre sujeitos” (A
questão do Sujeito, in O Conflito das Interpretações, 1999, p. 256).
81
182
A Simbólica do Mal, 2013, p. 185.
183
Ibidem, p. 187.
184
Idem.
185
“O mito como narrativa que relaciona a experiência presente da culpa com a totalidade do
sentido” (Ibidem, p.188).
186
Cf. Ibidem, pp. 188-189.
82
Essa é a dificuldade que a opção pelo mito nos impõe, mas ninguém pode
se interrogar a partir de um lugar que não existe, por isso é preciso se situar em
algum lugar e, esse lugar, para Ricœur, no qual se pode escutar, ouvir e
compreender a instrução dos mitos em seu conjunto, é no mito adâmico.
187
A Simbólica do Mal, 2013, p. 251.
188
Ibidem, p. 254.
83
O mal que é o cativeiro do homem deve ser superado. Superado por uma
redenção anunciada pelo mito adâmico e comprovada pelo filósofo fundado na
força reveladora do símbolo. Na verdade, o que é a “descrição do pecado e a
simbolização de sua origem, por meio do mito adâmico” senão “o reverso de
uma palavra de libertação e de esperança”189.
189
Ibidem, p. 442
190
Hermenêutica dos Símbolos e Reflexão Filosófica I, in O Conflito das Interpretações,1999,
pp. 289-290.
84
191
A Simbólica do Mal, 2013, p. 328.
85
No mito adâmico, o mal não pode ser reduzido ao mal atual, porque está
no homem com um fundo de uma trágica pecabilidade, por isso, esse mito
reafirma algo de trágico. Ele evidencia que a antropologia não se basta e que a
simbólica do mal não pode exaurir a questão do mal. Em suma, não pertence à
esfera da competência de uma antropologia do mal a solução dos problemas que
foram suscitados. A resposta viria, segundo, Ricœur, no campo de uma poética
da liberdade e através do homem que ascende à possibilidade de uma
antropologia filosófica192 ou mesmo uma cristologia capaz de incluir na vida
mesmo de Deus, em uma dialética da pessoa divina, a figura do servo sofredor
evocada como possibilidade suprema do sofrer humano193.
192
A Simbólica do Mal, 2013, p. 346.
193
Ibidem, p. 347.
86
194
Ibidem, p. 261.
195
Ibidem, p. 262.
196
Ibidem, p. 253.
197
Cf. GIACOIA Jr., Oswaldo radi. Reflexões sobre a noção de mal radical, in Studia Kantiana.
Revista da Sociedade Kant Brasileira. Vol. I, nº. 1, set. 1998, pp. 183-202.
87
198
Ibidem, p. 265.
199
Para Kant “o entendimento pensa um objeto em si, mas apenas como objeto transcendental,
que é a causa do fenômeno e, por conseguinte, não é ele o próprio fenômeno” que espécie de
coisa em si mesma (objeto transcendental) seja a matéria é-nos dada, sem dúvida,
completamente desconhecida” (KANT, I., Crítica da Razão Pura, Lisboa: Fundação Calouste
Gulbenkian, 2001, p. 371). Ou seja, o que Kant chama de a coisa em si, não se pode conhecer;
porque eu conheço a coisa em mim. O que eu conheço, conheço submetido a mim; submetido
ao meu espaço, ao meu tempo, às minhas categorias, isto é a coisa em mim, que ele chamará
"fenômeno", opondo-o ao "noumeno", a coisa em si. Quando eu conheço algo, transformo,
modifico a coisa em si, que, como tal, é inadmissível. É contraditório que eu conheça a coisa
em si porque quando a conheço está em mim, ingressa em minha subjetividade, que a modifica.
Para uma melhor abordagem do problema ver: BONACCINI, J. A. Kant e o problema da coisa
em si no Idealismo Alemão. Rio de Janeiro: Relume-Dumará, 2003; HATMANN, N. A filosofia
do idealismo Alemão. Trad. J. Gonçalves Belo. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian 1983.
88
Ricœur afirma que “por mais radical que seja o mal, ele jamais será
originalmente como a bondade”202. Ou seja, o mito da queda somente é possível
no contexto de um mito de criação e inocência, no qual a bondade é sempre mais
200
A Simbólica do Mal, 2013, pp. 269-270.
201
Gn, 1, 26.
202
Op.Cit., p.175.
89
203
A Simbólica do Mal, 2013, p. 175.
90
Sobretudo, para Ricœur, a serpente indica que o mal já está aí. O mal não
é somente acontecimento, ele forma parte da conexão inter-humana que
transmite a tradição através da linguagem. Por isso o mito adâmico é um mito
antropológico como vimos.
204
Hermenêutica dos Símbolos e Reflexão Filosófica I, in O Conflito das Interpretações, 1999,
p. 290.
205
A Simbólica do Mal,2013, p. 276.
91
206
Ibidem, p. 267.
92
interditos. Por sua liberdade, o homem se coloca com uma criatura de si para si.
Esta situação finita da criatura, é o desejo do mal infinito que se apodera da
liberdade e coloca que Deus não quer a autonomia do homem, mas a sua
servidão.
207
A Simbólica do Mal, 2013, p. 235.
93
208
Ibidem, p. 331.
209
Sobre se a religião é uma consolação ilusória Ricœur discutiu no Ensaio sobre Freud, 1977,
pp. 193-211.
94
210
A Simbólica do Mal, 2013, p. 271.
211
Ibidem, p. 277.
212
Hermenêutica dos Símbolos e Reflexão Filosófica I, in O Conflito das Interpretações,1999,
p. 290.
95
Alguém poderia objetar que não é somente pelo pecado que a história
humana é fornecida, mas também pela estrutura cósmica. O curso do mundo
parece indiferente “à exigência ética da qual o homem é, simultaneamente, o
autor e servo; do espetáculo das coisas do curso da história, da crueldade da
natureza e dos homens, procede um sentimento absurdo universal que convida o
homem a duvidar do seu destino”215. Desta maneira, surge com violência a visão
trágica do mundo que não deixa aparecer a visão moral.
213
Rom 7,7b.
214
Segundo Sören Kierkegaard o pecado, entra no mundo subitamente, quer dizer, mediante um
salto. Este salto põe ademais a qualidade, e no mesmo momento de ser posta a qualidade tem
lugar o salto de qualidade, de maneira que a qualidade supõe o salto e o salto supõe a qualidade.
O mito apenas exterioriza o que é interior. Isso quer dizer que o pecado acontece em outras
partes, de maneira que, segundo o autor, daria nos mesmos termos no mundo apenas um Adão
como mil Adãos Assim, Kierkegaard aproxima o pecado de Adão dos outros pecados e Adão
dos outros homens e coloca que nesse movimento é que surge a queda, e a psicologia não
poderia explicar a queda, porque se trata de um salto quantitativo. (Cf. KIERKEGAARD,
Sören. El concepto de la angustia, Buenos Aires: Libertador, 2004, p. 36).
215
A Simbólica do Mal, 2013, p. 277.
96
Na visão moral, Deus é um Deus ético. Ele zela pela execução da lei e
julga a retribuição a cada um, segundo as obras. O julgamento divino é
processado na história. A história “é um tribunal, os prazeres e as dores uma
retribuição, e onde Deus, por sua vez, se torna um juiz. Da mesma forma, a
totalidade da experiência humana assume um caráter penal”216. O sofrimento é,
muitas vezes, sinal e sanção do pecado. Pela consciência moral o sofrimento não
é um problema. Ele é a justa punição de um ato mau. Quando a consciência
religiosa percebe que a lei da retribuição não dá conta de todas as maldades do
mundo, “o sofrimento surge como enigma quando a exigência de justiça já não
pode compreender”217. Nesse ínterim, o sofrimento “injustificável” coloca em
questão o Deus ético. Pois, apesar de Deus ser “todo poderoso; Deus é
absolutamente bom; contudo, o mal existe”218.
216
Ibidem, p. 332.
217
Ibidem, p. 333.
218
O Mal: um desafio a teologia e a filosofia, 1988, p. 21.
219
Conforme Rateux “a crítica kantiana consiste, no mesmo movimento, em desqualificar todas
as teodiceias passadas e mesmo futuras ou possíveis (atacando a ideia diretora que sustenta
todas, em lugar de refutar tal ou tal tentativa particular, e a consumar, de alguma maneira, o
fim de toda teodiceia, entendido no duplo sentido de ponto final e de objetivo alcançado,
admitindo como única defesa legítima aquela fundada sobre o conceito a priori de Deus como
ser moral e sábio que nos concede razão prática” (RATEUX, Paul. O Ensaio de Teodiceia
Leibniziano e a Crítica de Kant. Trad. Vivianne de Castilho, in Cadernos de História e
Filosofia da Ciência, Campinas, Série 3, v. 21, n. 1, p. 143-167, jan.-jun. 2011).
97
sobre o inocente, o mal não encontra a sua justificativa. Nesse sentido resta a
pergunta: seria Deus malvado? Quererá ele a dor do inocente?
220
A Simbólica do Mal, 2013, p. 346.
99
221
Ibidem, pp. 346-347.
222
Ibidem, p. 200.
100
223
Ibidem, p. 347.
224
A Simbólica do Mal, 2013, p. 278.
101
somente o inverso do pecado mas também outro polo do mal humano, pois o
“mal que assumo torna evidente uma origem do mal que já não posso assumir,
mas da qual participo sempre que por minha causa o mal entra no mundo como
pela primeira vez. Seria possível afirmar que a admissão, a confissão, do mal
como próprio do humano suscita uma admissão de segundo grau, a do mal como
desumano”225.
225
Ibidem, p. 332.
226
Ibidem, p. 279.
102
227
Interpretação do mito da Pena, in O Conflito das Interpretações, 1999, pp. 347-368.
228
Ibidem, p. 342.
229
Idem.
103
Por conseguinte, uma vez que o mito adâmico exclui a solução trágico-
lógica, suprime o trágico para exaltar que o mal é uma categoria dentro da lógica
do Ser, Ricœur opta por buscar o fim do trágico na Cristologia. Esta é uma
pressuposição claramente exprimida e que orienta o início de sua meditação
sobre finitude e culpabilidade.
O mito adâmico tem em si uma tensão escatológica, uma vez que contém
em si a promessa de uma realização, a salvação. Por escatologia, Ricœur entende
230
A Simbólica do Mal, 2013, p. 190.
231
Ibidem, p. 345.
104
sendo “uma doutrina capaz de incluir na própria vida de Deus, numa dialética
das “pessoas” divinas, a figura do servo sofredor que evocamos [...] como
possibilidade suprema do sofrer humano”232. Desta maneira, o mito adâmico
pode ser lido a partir dos símbolos do fim. As histórias bíblicas: Abraão, do Filho
de Davi, do Servo de YHWH, do Filho do Homem representam a etapa de uma
originária e progressiva escatologização. É, portanto, no movimento inverso ao
Fim que compreendemos o início.
232
A Simbólica do Mal, 2013, p. 346.
233
Rom, 6, 23
234
Rom 5, 20
235
Rom 6, 23
236
Cf. Interpretação do mito da Pena, in O Conflito das Intepretações, p. 365.
237
Rom. 3,21
238
Rom, 1, 28
105
ruptura com o judaísmo pelo qual é sem as obras da lei que o homem é
justificado, “mas agora, sem a lei, a justiça de Deus se manifestou porque nós
estimamos que o homem é justificado pela fé sem a prática da lei”239. Logo, o
perdão é algo que supera um fato psicológico ou de uma realização dual, pois
ele é um acontecimento cósmico e comunitário.
239
Rom 3, 21-28.
240
Essa é a mesma figura enigmática que se encontra em Is 42, 1,9; 49,1-6; 50, 4-11; 52, 13-
53,12.
241
A Simbólica do Mal, 2013, p. 343.
106
seja qual for o sentido deste “Servo Sofredor”, quer seja um personagem
histórico, individual ou coletivo, ou a figura de um Salvador por vir, ele
revela uma possibilidade inteiramente nova: que o sofrimento confere
sentido a si mesmo, através de um consentimento voluntário, no meio
do não-sentido do escândalo. Na visão jurídica e penal da vida, a
culpabilidade tinha de ser a razão do sofrimento (...) é então que o
sofrimento do “Servo Sofredor” institui um vínculo entre o sofrimento
e o pecado, a um outro nível que não o da retribuição.
242
Ibidem, p. 344.
243
Ibidem, p. 347.
244
Cf. Jó 19,25.
245
Segundo Fisichella “a cristologia pode assumir diversas outras especificações, dependendo
do acento colocado sobre alguns aspectos da vida de Cristo; os próprios nomes explicitam o
conteúdo dessas especificações. Assim ter-se-á uma cristologia: kenótica, porque o texto aos
Filipenses 2,7 é tomado como um ponto de partida” (VV.AA. Lexicon – Dicionário teológico
enciclopédico, São Paulo: Loyola,1993, p. 159).
107
246
A Simbólica do Mal, 2013, p. 347.
247
Idem.
248
Ibidem, p. 346.
249
Cf. Hermenêutica dos Símbolos e Reflexão Filosófica II, in O Conflito das Interpretações,
1999, pp. 309-310.
108
250
História e Verdade, 1968, p. 11.
109
251
Cf. A Liberdade segundo a esperança in O Conflito das Interpretações, 1999, pp. 391-414.
252
Ibidem, p. 402.
253
Na Conversação como Bertrand Révillon ao ser perguntado porque Ricœur muitas vezes era
chamado de filósofo cristão, mas não gostava, diz simplesmente que era cristão de profissão
protestante, crente, mas que fazia questão de manter a distância entre uma fé e seu
procedimento filosófico. Ainda diz que se definia como alguém que professa um cristianismo
filosófico (Cf. RICŒUR, Paul, Conversation. Bertrand Révillon a rencontré… Paul Ricœur.
Dieu n’est pas tout-puissant, Panorama (1999), n.340, 26-30 tr.it. di D. Zappalà, ‘900, l’ora del
perdono, «Avvenire», 22 maggio 2005, 22).
110
deve ser constituída no exterior da ética. Sendo assim, a religião é uma maneira
de re-descrever a realidade e o ser, como intencionalidade do sujeito mediada
por símbolos, que em Ricœur, é sempre a abertura de si no mundo.
254
Em nota sobre a Hermenêutica dos textos religiosos em Paul Ricœur a Pontifícia Comissão
bíblica diz que: “A linguagem religiosa da Bíblia é uma linguagem simbólica que «faz pensar»,
uma linguagem da qual não se cessa de descobrir as riquezas de sentido, uma linguagem que
visa uma realidade transcendente e que, ao mesmo tempo, desperta a pessoa humana à
dimensão profunda de seu ser” (PONTIFÍCIA COMISSÃO BÍBLICA. A interpretação da
Bíblia na Igreja. São Paulo: Paulinas, 1999, p. 60).
111
255
“Trazer a linguagem, sempre novamente, este advento do ser que permanece e em seu
permanecer espera pelo homem” (HEIDEGGER, Martin. Conferências e escritos filosóficos,
in Os Pensadores XLV, Trad. Ernildo Stein. São Paulo: Abril Cultural, 1973, p. 372).
112
humana. E se ela se liga à existência humana, logo é aquela que pode expressar,
através dos textos, sagrados a esperança.
256
RICŒUR, P. Teoria da interpretação: o discurso e o excesso de significação. Trad: Artur
Morão. Lisboa: Edições 70, 1976, p. 73.
257
Cf. Demitizar a Acusação, in O Conflito das Interpretações, 1999, p. 336.
258
PEREIRA, Miguel Baptista. Para uma Filosofia do Símbolo in sitio
<http://www.uc.pt/fluc/dfci/publicacoes/para_uma_filosofia_do_simbolo> acesso em 24 de
junho de 2015 às 10h15.
113
259
RICŒUR, Paul, La critique et la conviction. Entretien avec Francois Azouvi et Marc de
Launnay, Calmann Lévy, Paris, 1995, p. 190.
260
Ibidem, p. 222.
261
RICŒUR, Paul, Entre filosofia e teologia II: Nomear Deus, in Leituras 3, Trad. Nicolás N.
Campanário, São Paulo: Edições Loyola, 1996, p. 281.
262
Cf. Évenement et sens dans le discours, in Archivio di Filosofia, Roma, 1971, p. 6-7.
114
Dito isso, uma reflexão filosófica que pretenda iniciar sua reflexão do
zero, que pretenda iniciar a partir de si, sem pressupostos, não é menos
dependente que uma teologia que se encerra em uma Palavra anterior que não
lhe pertence. Contudo, uma filosofia que pretenda começar a partir das verdades
que reflexiona, a partir de pontos de intersecções é uma filosofia hermenêutica,
que não é tomada sem pressupostos, mas que parte para assumir todos os
pressupostos. Assim, Ricœur mira a linguagem religiosa263 para ser articulada
no ambiente de confronto de interpretações.
263
Segundo Jeanne Marie Gagnebin, “a definição por Ricoeur do religioso como a ‘referência
a uma antecedência, a uma exterioridade e a uma superioridade’, sendo que estas três noções
são constitutivas da maneira como sou precedido no mundo do sentido’, aponta não tanto para
uma confissão determinada, mas, muito mais, para o reconhecimento do sagrado como aquilo
que, simultaneamente, nos precede e nos ultrapassa” (GAGNEBIN, Jeanne Marie. Lembrar
escrever esquecer. São Paulo: Editora 34, 2006, p. 177).
264
“Religious symbols are capable of revealing a modality of the real or a structure of the
World that is not evident on the level of immediate experience” (ELIADE, Mircea.
Methodological Remarks on the Study of Religious Symbolism, KITAGAWA, Joseph M.
(org). History of Religions: Essays in Methodology, Chicago: University of Chicago Press,
1959. p. 98). Contudo, em Ricœur não podemos reduzir a compreender o símbolo pelo símbolo:
“Esse discernimento no símbolo é necessário para romper com o pensamento explicativo e
redutor; é suficiente, inclusive, para uma fenomenologia descritiva, à medida que examina,
retém e religa; existe para ela um ‘mundo’ dos símbolos. Compreender, para ela, é desdobrar
as múltiplas e inesgotáveis intenções de cada símbolo, reencontrar as analogias intencionais
entre mitos e ritos, percorrer os níveis de experiência e de representações que o símbolo
unifica” (A Simbólica do Mal, 2013, p. 371).
115
Efetivamente é através dos mitos que eu digo qualquer coisa que não se
reduz à dominação da natureza, ao nomear e que não pertence a uma
linguagem utilitária; esse dizer é significativo através da relação do
homem com o outro, com todas as coisas, com o ser. Existe, portanto,
um mundo da “representação”. A representação, para Hegel, são todas
as figuras. Existe um mundo de figuras que dá a pensar265.
265
RICŒUR, Paul. Hegel hoje, p. 16. Trad. António Campos, in
<http://patros.uromal.it/bisste/2089/1Paul%Ricœur%20ilHegelaujourd´huitraditaliano.pdf>.a
cesso dia 03 de setembro de 2013, às 20h30).
266
Da Interpretação: Ensaio sobre Freud, 1977, p. 425.
116
267
“Le commencement de la philosophie est une révolution copernicienne que centre le monde
des objets sur le Cogito: l´objet est pour le sujet, l´involontaire est pour le volontaire, les motifs
pour le choix, les pouvoirs pour l´effort, la nécessité pour le consentement ; c´est au sens de
cette première révolution copernicienne que le Tour est l´horizon de ma subjectivité. Tout cet
ouvrage est sous le signe de cette première révolution copernicienne. Mais
l´approfondissement de la subjectivité appelé une deuxième révolution copernicienne, qui
déplace le centre de référence de la subjectivité à la Transcendance. Ce centre, je ne le suis
pas et ne peux que l´invoquer et l´admirer dans ses chiffres qui sont ses signes épars” (Le
Volontaire et l´Involontaire, 1950, pp. 443-444). Diz Teixeira, Em Paul Ricœur e a
Problemática do Mal, que, para Ricœur, é necessário que haja “uma segunda revolução
copernicana que desloque ‘o centro de referência da subjetividade à Transcendência’, fazendo
sair a consciência da sua tentação autista. O tema deste descentramento da consciência constitui
o motivo central da interpretação: interpretar é decifrar um sentido que advém à consciência,
não sendo por esta constituído. Esta interpretação, complicada no descentramento do Cogito,
deixa-se guiar numa tríplice direção: para trás (desejo biológico), para a frente (imaginação
poética) e para cima (transcendência). Este horizonte é dividido em três domínios simbólicos,
que simultaneamente se configuram como outras tantas fontes de sentido: os sonhos e
fantasmas do inconsciente, as obras da cultura e as representações do Sagrado. Este terceiro
foco de simbolização, no entanto, parece deixar a filosofia titubeante, por nele haver um
inquietante ‘excedente’ de sentido, que parece estar em descontinuidade com os outros. Os dois
primeiros são da imanência; este último não está ‘em linha’ com eles. É aqui que a consciência
se torna acolhedora, escuta, renunciando a ser o único lugar de sentido para o homem. Para lá
de tudo está a unidade misteriosa do Ser” (TEXEIRA, Joaquim de Souza, Paul Ricœur e a
Problemática do Mal, Lisboa: Didaskalia, 1977, p. 36). Cf. L´Homme Faillible, 1960, pp. 21-
58.
268
Cf. Hermenêutica dos Símbolos e Reflexão Filosófica I, in O Conflito das
Interpretações,1999, pp. 312-317.
269
Ibidem, p. 313.
117
algo sobre a realidade que eles significam e que se manifesta graças à função
significante. Assim, os símbolos estão sempre plenos da realidade.
O filósofo não pode silenciar sobre o fenômeno religioso, pois nele está
presente o problema e a solução para o homem: o início, o fim, o mal, a
salvação 272 . Esses problemas são dados indiretamente, em uma linguagem
270
Hermenêutica dos Símbolos e Reflexão Filosófica II, in O Conflito das Interpretações,
1999, p. 313.
271
“La métaphore est seulement lia surface linguistique qui doit à sa bi-dimensionnalité le
pouvoir de relier la sémantique au pré-sémantique dans la profondeur de l'expérience
humaine” (Parole et symbole, 1975, p. 21).
272
Cf. ESLIN, Jean-Claude, Paul Ricœur lecteur de la Bible, in Cahier l´Herne Ricœur 1, Paris:
Essais, 2008, pp. 125-135.
118
273
A Simbólica do Mal, 2013, p. 25.
274
Ibidem, p. 169.
119
275
Ibidem, p. 170.
276
Cf. Idem.
277
A Simbólica do Mal, 2013, p. 328.
120
278
Ibidem, p. 363.
279
Idem.
280
Cf. Hermenêutica dos Símbolos e Reflexão Filosófica II, in O Conflito das Interpretações,
1999, p. 317.
281
Changeux diz que: “Les mythes sont des combinatoires fantastiques où quelque chose est dit
de plus important que ce qui est dit dans un discours disponible à l’époque, discours
pseudoscientifique, pseudo-historique, où est perdue la dimension poétique, métaphorique.
(…) Il faut retrouver l’élément ludique du mythe. Il relève déjà de la curiosité intellectuelle et
121
O símbolo, assim, tem uma dupla função: de ausência, pois diz coisas sem
as coisas e de presença, pois sempre significa algo, diz um sentido distante. Os
símbolos, desta forma, falam de uma forma mais profunda do ser humano e de
sua existência.
284
Hermenêutica dos Símbolos e Reflexão Filosófica II, in O Conflito das Interpretações, 1999,
p. 327 e Cf. Hermenêutica da Ideia de Revelação, in Escritos e Conferências 2, 2011, pp. 33-
34.
285
História e Verdade, 1968, p. 11.
286
CLAVEL, Juan Masiá; MORATALLA, Tomás Domingo; OCHAÍTA, J. Alberto. La
Productividad reflexiva de la vía hermenéutica de la fenomenología, in: Lecturas de Paul
Ricœur. Madrid: Universidade Pontificia de Comillas, 1998, pp. 141-243.
123
287
Introdução in O Conflito das Interpretações, 1999, III.
288
Da Interpretação: Ensaio sobre Freud, 1977, p. 432.
289
Cf. Ibidem, pp. 490-455.
290
“Não há símbolo antes do homem que fala, mesmo que a potência do símbolo esteja
enraizada mais abaixo, na expressão do cosmos, no querer/dizer do desejo, na variedade
imaginativa dos sujeitos” sentido (Ibidem, p. p. 23). Logo, a manifestação dos símbolos está
definida pelo duplo sentido que eles carregam. Ver JAVET, P., Imagination et Réalité dans la
philosophie de Paul Ricœur, in Revue de Théologie et de Philosophie 17,1967, pp. 145-158.
124
possível, mas é a razão que exige a felicidade e é a sensibilidade que atesta essa
possibilidade. Desta forma, a imaginação da felicidade é intermediária entre a
razão e a sensibilidade. Todavia, a imaginação do homem é verdadeiramente
criadora, seja no sentido que cria uma nova possibilidade, seja no sentido que
ela fornece a energia necessária para realizá-la. Assim, a imaginação é livre.
Contudo, é interessante lembrar que o homem não cria nada do nada, mas
simplesmente abre novas possibilidades no interior e uma matéria infinitamente
mais rica de intenção que formam os símbolos. Desta maneira, para encontrar o
sentido dos símbolos deve-se recorrer à sensibilidade e ao rol de jogos da
estrutura da linguagem, pois “é na linguagem que o cosmos, o desejo, o
imaginário tem acesso à expressão; é sempre preciso uma palavra para recuperar
o mundo e fazer com que ele se torne hierofania”291.
291
Existência e Hermenêutica, in O Conflito das Interpretações,1999, p. 15.
292
Cf. JERVOLINO D., Il cogito e l’ermeneutica. La questione del soggetto in Ricœur, Genova:
Marietti, 1993, pp. 13-20.
293
O símbolo sempre se anuncia em “uma região da linguagem como lugar de significações
complexas onde um outro sentido ao mesmo tempo se revela e se oculta em um sentido
imediato” (Da interpretação: Ensaio sobre Freud,1977, p. 141).
125
294
Cf. LEEUWEN, Theodoor Marius van, The Surplus of Meaning: Ontology and Eschatology,
in: The Philosophy of Paul Ricœur, Amsterdam: Editora Rodolpi, 1981, pp. 35-67.
295
Javet diz que na filosofia ricœuriana a imaginação simbólica desemprenha um papel mais
fundamental daquele que havíamos reconhecido até o presente momento, pois ela nos coloca
em comunicação com aquela fonte última, não só de significação, mas do ser que é o logos
divino (Cf. JAVET, P. , Imagination et Réalité dans la philosophie de Paul Ricœur, in Revue
de Théologie et de Philosophie 17,1967, p. 155).
126
não mais como um sujeito oposto ao objeto, mas inserido no interior do ser do
qual participa.
296
Cf. ROCHOT, B.; GUEROULT, M., Descartes selon l'ordre des raisons, Revue d'histoire
des sciences et de leurs applications, 1954, vol. 7, n°2, p. 182,
hptt/web/revues/home/prescript/article/rhs_0048-7996_1954_num_7_2_3417 acesso em 22/
09/2015 às 21h05.
297
“(…) l’idée de moi-même apparaît profondément transformée du seul fait de la
reconnaissance de cet Autre qui cause la présence en moi de sa propre représentation. Le
Cogito glisse au second rang ontologique” (RICŒUR, Paul. Soi-même comme autre, Paris:
Seuil, 1990, p. 20).
127
Sobre a etapa reflexiva pode-se dizer que a psicanálise não é uma ciência
da observação, mas uma disciplina interpretante enquanto busca o seu objeto.
Não através de uma observação direta, mas através de uma decodificação, um
trabalho de desmascaramento. Os resultados da psicanálise não tendem para o
domínio do objeto da psicanálise, mas a verdade e a saída da consciência de si-
mesmo, mediante a referência do sentido a um “tópico” e a uma “energia” não
percebida pelo sujeito. A psicanálise, assim, chega ao sentido e ao
298
Cf. Hermenêutica dos Símbolos e Reflexão Filosófica II, in O Conflito das Interpretações,
1999, p. 324.
299
Gisel mostra em seu texto como a questão hermenêutica se inscreve na reflexão filosófica
de Ricœur a partir do próprio Husserl. O Cogito fornece a certeza do Eu, mas não como verdade
do si. Para chegar ao si, a fenomenologia introduz um desvio através de sinais objetivos que o
sujeito põe no mundo e recupera o sentido daquele objeto operando uma redução eidética que
passa da tese do mundo natural, a tese do sentido do mundo graças a uma distância causada
pela redução (Cf. GISEL, Pierre. Ricœur, in: Estudes théologiques et religieuses 49, pp. 4. in
sitio < http://www.chrftusre.org/www1/ofm/sbf/edit/Kingdom/giselpierreRicœur Update.pdf >
acesso dia 23 de janeiro de 2015 às 13h40).
128
300
A perspectiva da qual Ricœur analisa o inconsciente não é psicanalítica, mas a
fenomenológica, pois “L´empire du ‘caché’ est d´abord plus vaste que l´inconscient des
psychanalystes” (Le Volontaire et L´Involontaire,1950, p. 351).
301
Existência e Hermenêutica, in O Conflito das Interpretações, 1999, p. 24.
302
Cf. Hermenêutica Bíblica, 2006, pp. 102-116. A esperança constitui em Ricœur um lugar
filosófico de primeira importância que atravessa suas obras a começar por Gabriel Marcel et
Karl Jaspers: Philosophie du mystère et philosophie du paradoxe, 1948.
129
2.2 A Fé e a Religião
303
Da Interpretação: Ensaio sobre Freud, 1977, p. 421.
130
304
Cf. BARTH, Karl. Revelação de Deus Como Sublimação da Religião. Trad. Dorival Alves
de Oliveira São Paulo: Fonte Editorial. 2002.
305
Da Interpretação: Ensaio sobre Freud, 1977, p. 423.
306
Idem.
307
Ibidem, p. 421.
131
não que tudo seja linguagem, como às vezes se diz, com excesso, em
concepções em que a linguagem perdeu a sua referência ao mundo da
vida, ao da ação e ao do comércio entre as pessoas. Mas, se nem tudo é
linguagem, tudo na experiência, só tem acesso ao sentido sob a condição
de ser trazido à linguagem. A expressão ‘trazer a experiência para a
linguagem’ convida a considerar o homem falante senão como o
equivalente do homem, ao menos como a condição primeira do ser-
homem. Mesmo se, em um momento, fôssemos levados a fazer da
categoria do agir a categoria mais eminente da condição pessoal, o agir
propriamente humano se distinguiria do comportamento animal, e,
308
“A metáfora não é viva apenas por vivificar uma linguagem constituída. Ela o é por inscrever
o impulso da imaginação em um ‘pensar a mais’ no nível do conceito. Essa é a luta para ‘pensar
mais’, sob a condução do ‘princípio vivificante’ é a ‘alma’ da interpretação” (Metáfora Viva,
2000, p. 465).
132
como maior razão ainda, do movimento físico, pelo fato de que ele deve
ser dito, isto é, trazido para a linguagem, para ser significante309.
309
Abordagens da Pessoa, in Leituras 2: A região dos Filósofos, São Paulo: Edições Loyola,
1996, p. 169.
310
RICŒUR, Paul. Prefácio, in Ideologia e poética. Marxismo e hermenêutica para a
linguagem religiosa, XII. Tradução para português por João Alvares Goes, in:
<http://plasrt.sersanford.edu.pt/intries/Ricœur/ >acesso em 24 de janeiro de 2015 às 10h).
311
Cf. Religião, Ateísmo, Fé, in O Conflito das Interpretações, 1999, p. 438.
133
312
Ibidem, p. XIV.
313
Para Grampa, “Il linguaggio poetico porta altrove, mette nel cuore di ogni esperienza
linguistica un radicale decentramento: siamo en relazione con l´origine del linguaggio: io
esisto nell´ascolto” (GRAMPA, G., Nota bibliografica, in Ideologia e Poetica. Marxismo e
ermeneutica per il linguaggio religioso, Milão: Vita e Pensiero, 1979, p. 335).
314
É como aquele escutar que diz Heráclito no fragmento 50: “Auscultando não a mim, mas o
logos” e que Heidegger discutiu em sua Conferência sobre o logos de 1951. (Ver:
HERÁCLITO, Fragmentos, in: Os Pré-Socráticos. Col. Os Pensadores. Trad. José Cavalcanti
de Souza et al. São Paulo: Abril, 1989, p. 45 e HEIDEGGER, M., Logos: Heráclito, fragmento
50 in Ensaios e Conferências. Traduções de Márcia Sá Cavalcante Schuback, Emmanuel
Carneiro Leão e Gilvan Fogel. 5.ed. Petrópolis: Vozes, 2008, pp. 183-203.
134
315
Ricœur nos diz que a relação entre palavra e escritura tem uma implicação geral de “Não
construir rapidamente uma teologia da palavra que não inclua, inicialmente e desde o princípio,
o lugar da palavra na escritura” (Do texto à Ação, 1994, p. 125).
316
Ver: DORNISCH, L., I sistemi simbolici e l´interpretazione della scrittura: introduzione
all´opera di Paul Ricœur, in: Paul Ricœur, Ermeneutica biblica. Linguaggio e simbolo nelle
parabole di Gesù, Brescia: Morcelliana, 1978, pp. 7-30.
317
A paternidade: do fantasma ao símbolo in O Conflito das Interpretações,1999, p. 473.
135
evento 318 e sentido. Essa relação é aquela do círculo hermenêutico 319 que se
exprime na linguagem poética, mesmo não o reduzindo. Ricœur afirma que é
uma base pré-linguística de cada linguagem que não se deixa exprimir.
318
A categoria do Evento da palavra se limita unicamente a atualização do sistema na instância
do discurso. Ele não entra na problemática da compreensão. Pois, uma coisa é a atuação de
uma língua no discurso, outra é a compreensão do discurso. Essa é a diferença essencial entre
efetuação e a compreensão do discurso. Ver RICŒUR, Paul, Évenement et sens dans le
discours, in Archivio di filosofia, 1971, pp. 15-34.
319
Ricœur em sua hermenêutica propõe examinar as relações entre o texto e o viver. Ele coloca
inúmeras questões dentro de um círculo que se torna eternamente renovado e que adquire a
mesma importância para os autores e leitores do texto. A isso Ricœur chama de Círculo
Hermenêutico.
320
Cf. História e Verdade,1977, p. 360.
321
Cf. Gabriel Marcel et Karl Jaspers: Philosophie du mystère et philosophie du paradoxe,
1948, p. 186. O termo afirmação originária é um legado de Nabert. Esta se constitui para além
136
de minhas escolhas e de os meus atos singulares. Ou seja, a ideia de liberdade nos conduz a
uma tomada de consciência da experiência de afirmação radical e originária, para além dos atos
de escolha singulares.
322
Cf. Le Volontaire et L´Involontaire,1950, p. 441.
323
História e Verdade,1968, p. 280.
324
Cf. Ibidem, p. 293. “A angústia tem objeto indeterminado e significa uma ameaça a minha
totalidade Para além do meu corpo em partes vulneráveis, de meu psiquismo em funções
discordantes”
325
Ibidem, p. 291.
326
História e Verdade,1968, pp. 294-296.
137
327
Ibidem, p. 304.
328
Ibidem, p. 294.
329
Ibidem, p. 293.
330
Ibidem, p. 311.
331
Existe uma diferença entre consentimento e decisão. Esse é uma propriedade do futuro. Ele
está voltado para o passado, sob a anterioridade. Diferentemente, o consenso, está antes da
138
335
“Une véritable Transcendance est plus qu´une idée-limite; c´est une présence qui inaugure
un véritable bouleversement dans la théorie de la subjectivité; elle y introduit une dimension
radicalement nouvelle, la dimension poétique” (Ibidem, p. 456).
140
336
História e Verdade, 1968, p. 204.
337
Cf. Idem.
338
Cf. O Texto “Sagrado” e a comunidade, in Hermenêutica Bíblica, 2006, pp. 279-283.
339
Cf. Ibidem, pp. 105-138.
141
340
RICŒUR, Paul. A filosofia e a especificidade da linguagem religiosa. Trad. João Alvares
Goes, in: http://plasrt.sersanford.edu.pt/intries/Ricœur_filosofiaelinguagem/ acesso em 15 de
fevereiro de 2015 às 23h, p. 7.
341
O discurso da polissemia é uma condição da criatividade da linguagem. É graças à polissemia
que a linguagem como estrutura e significado findos se abrem a significados infinitos. É bom
lembrar que a polissemia nasce do jogo semiológico e do semântico. Ela se desenvolve no
interior da frase, ou melhor, da obra. Mais ainda, na metáfora existe um uso criativo da
polissemia, de modo que essa não venha reduzida, mas venha para construir (ver: RICŒUR,
Paul. Creativity in Language, Word, Polysemy, Metaphor, in Philosophy Today vol. 12 nº2,
1973, p. 105). Pode-se dizer que esse uso da polissemia requer a suspensão da referência
primária para abrir para uma referência secundária.
342
Cf. O Pecado Original, in O Conflito das Interpretações, 1999, pp. 264-281.
142
343
Ricœur afirma que “encore une fois, je ne veux pas durcir une opposition qui deviendrait
insignifiante à force d´être dichotomique. Je veux néanmoins l´établir fermement afin de rendre
plus signifiants les échanges entre les deux pôles” (Manifestation et proclamation, 1974, p.
58). Ver também: Estrutura e Hermenêutica, in O Conflito das Interpretações,1999, pp. 32-34.
344
Cf. Ibidem, pp. 264-271.
143
345
“si lascia descrivere come modo di abita lo spazio e il tempo” (RICŒUR, Paul. Eventi e
annuncio in E. Castelli, Il sacro: studi e ricerche, nº2 Padova: Arq. di filosofia, 1974, p. 59).
346
“Os ritos se pronunciam na diacronia, mas fazem-no ainda em termos de sincronia, visto
que só o fato de os celebrar equivale a mudar o passado em presente” (Estrutura e
Hermenêutica, in O Conflito das Interpretações,1999, p. 45).
347
“Questo carattere ‘legato’ del simbolismo, la sua aderenza costituisce tutta la differenza
trai il simbolismo, la sua aderenza costituisce tutta la differenza trai l simbolismo e la
metafora. Questa è una libera invenzione del discorso, quello è legato alle configurazioni del
cosmo” (Manifestation et proclamation, 1974, p. 63). Em outras palavras, a metáfora tem o
poder de redescrever a realidade que extravasa a linguagem, permitindo-lhe clarificar os
diferentes planos do símbolo que escapam a esfera linguística. O símbolo, por sua vez,
representa o princípio constituinte da expressão metafórica como ele mesmo nos diz: “Le
symbole suscite dans la théorie de la métaphore des développements nouveaux qui, autrement,
resteraient dissimules. En ces sens, c´est la théorie du symbole qui permet d´achever celle de
la métaphore” (RICŒUR, Paul. Parole et symbole, in Revue des sciences religieuses. Vol. 49,
n°1- 2, 1975b, p. 149).
348
Op.Cit., p. 64.
144
349
Cf. Ibidem, p. 56-57.
350
É interessante notar que quando deixamos que a imagem se torne uma descrição de uma
“realidade”, destruímo-la, porque “a fé bíblica representa Deus, o Deus dos profetas e o Deus
da Trindade, como um pai. O ateísmo, se assim podemos dizer, ensina-nos a renúncia à imagem
do pai. De forma, que superada como ídolo, a imagem do pai pode ser recuperada como
símbolo. Esse símbolo seria uma parábola do fundamento do amor; seria a contrapartida, numa
teologia do amor, da progressão que nos conduziu da simples resignação a uma vida poética.
Tal é, o creio, a significação religiosa do ateísmo. É preciso que o ídolo morra para que comece
a falar um símbolo do ser” (Religião, Ateísmo, fé in O Conflito das Interpretações, 1999, p.
456).
145
No símbolo está algo que não pode ser exprimido pela palavra, que
aparece como condição de possibilidade da linguagem metafórica poética e que
Ricœur chama de “legado” do símbolo, pois entre a manifestação e a
proclamação, assim como entre o ressurgimento simbólico do sagrado e a
“virtualidade” iconoclasta há um equilíbrio sutil e frágil manifesto na história da
Igreja cristã, como a dialética do sacramento e da predicação351.
351
Manifestation et proclamation, in E. Castelli, Il sacro: studi e ricerche, nº 2 Padova: Arc. di
filosofia 1974, p. 77.
352
Ricœur fala que é na “‘Poética’ da liberdade e do ser-homem que excede as possibilidades
de uma antropologia filosófica” (A Simbólica do Mal, 2013, p. 304).
353
Ibidem, p. 374. As expressões-limite são subversões da linguagem que enveredam por uma
lógica absurda impelindo as formas do discurso, seja ele ordinário ou descritivo, a seu limite
para falar sobre o Reino de Deus, por exemplo.
146
354
Cf. Manifestation et proclamation, 1974, p. 69.
147
355
“O símbolo ‘Reino de Deus’ pode ser designado como o referente comum desses diferentes
tipos de discursos e, portanto, igualmente a seu funcionamento como expressões-limite.
Poderíamos arriscar-nos a chamar o símbolo ‘Reino de Deus’ de referente-limite dessas
expressões-limites” (Paul Ricœur e a Hermenêutica Bíblica, in Hermenêutica Bíblica, 2006, p.
203).
356
Paul Ricoeur e a Hermenêutica Bíblica, in Hermenêutica Bíblica, 2006, p. 206.
148
Ricœur é fiel ao seu método. Para ele, o que deve ser interpretado na obra
é o mundo do texto e não a intenção escondida do autor que vai buscar no mundo
da obra (coisa do texto)357 o que os textos bíblicos oferecem para a hermenêutica
filosófica, pois “a interpretação de um texto completa-se na interpretação de si
de um sujeito que doravante se compreende melhor, se compreende de outro
modo, ou que começa mesmo a compreender-se” 358 . Dessa forma, há uma
apropriação da parte do leitor que vence a distância cultural, tornando próprio
um sentido que antes era estranho:
357
Sobre a coisa do texto Ricœur nos diz que “a tese hermenêutica, diametralmente oposta à
tese estruturalista – não ao método e às pesquisas estruturalistas - é que a diferença entre a fala
e a escrita não poderia abolir a função fundamental do discurso (o qual engloba estas duas
variantes: oral e escrita) O discurso consiste em que alguém diz algo real para alguém sobre
algo. Sobre algo: a inalienável função referencial do discurso. A escrita não a abole, mas a
transforma. No discurso oral, interlocutores, face a face, podem a título último referenciar
aquilo sobre o que falam juntos ao mundo limítrofe que lhes é comum. Apenas a escrita pode,
ao dirigir-se a qualquer um que saiba ler, referir-se a um mundo que não está aí entre os
interlocutores, a um mundo que é o mundo do texto e que, todavia, não está no texto. Eu o
chamo, com Gadamer, a coisa do texto. A coisa do texto, eis objeto da hermenêutica. Ela não
está nem atrás do texto como o autor presumido, nem dentro do texto como a sua estrutura,
mas desdobrada diante dele” (Nomear Deus, in Leituras 3,1996, p. 185-186). Através da escrita
o texto é autônomo da intenção do autor e daquela do leitor. O texto assume a configuração de
uma obra com um estilo particular que depende de seu gênero literário. O mundo do texto
depende daquele estilo e do gênero literário do texto, assim não se pode ressaltar o conteúdo
do texto ignorando a forma literária. Como cada método hermenêutico porta um aspecto da
realidade, assim cada forma literária porta uma diversa coisa do texto.
358
Do Texto à Ação, 1994, p. 155.
149
359
Idem. “Se a palavra revelação quer dizer algo, o seu sentido deve ser procurado do lado da
‘coisa’ que os textos dizem, como um certo traço do mundo bíblico (Nomear Deus in Leituras
3 1996, p. 186).
360
Idem.
150
Dessa forma, tem-se que o texto assume uma configuração de obra com
um estilo particular dependente do gênero literário. Essa obra abre o mundo do
texto a uma referência própria e, consequentemente, a natureza dessa referência
é poética, implicando, assim, a suspensão da referência ordinária e descritiva,
em vista de uma referência dupla e redescritiva da realidade, que revela a
pertença do homem ao real por meio da ficção362.
361
Cf. RICŒUR, Paul. Tempo e Narrativa 1: A intriga e a narrativa histórica, trad. Claudia
Berliner, São Paulo: Martins Fontes, 2012, p. 96-140.
362
Cf. Hermenêutica da ideia de Revelação,2011, pp. 176-178. Em Ricœur, “o mundo do texto
não é, portanto, o da linguagem quotidiana; neste sentido, ele constitui uma nova espécie de
distanciação que poderia dizer-se do real consigo mesmo. É a distanciação que a ficção introduz
na nossa apreensão da realidade. Já dissemos que uma narração, um conto, um poema não
existe sem referente. Mas este referente está em ruptura com o da linguagem quotidiana; pela
ficção, pela poesia, abrem-se novas possibilidades de ser-no-mundo, na realidade quotidiana;
ficção e poesia visam o ser, já não sob a modalidade do ser-dado, mas sob a modalidade do
poder-ser. Por isso mesmo, a realidade é metamorfoseada graças ao que poderíamos chamar as
variações imaginativas que a literatura opera no real” (A função da Hermenêutica da
distanciação, in Do Texto à Ação, 1994, p. 114).
363
Nomear Deus in Leituras 3, 1996, pp. 186-187.
151
(...) não é simples, mas múltipla. Ou antes, ela não é monocórdia, mas
polifônica. As expressões originárias da fé são formas complexas de
discurso são tão diversas quanto narrações, profecias, legislações,
provérbios, preces, hinos, formulas litúrgicas, escritos sapienciais.
Essas formas de discurso nomeiam Deus todas juntas. Mas elas o
nomeiam diversamente.
364
Ibidem, p. 188.
365
Cf. Ibidem, p. 189.
152
366
Nomear Deus, in Leituras 3, 1996, p. 189.
367
Ibidem, p. 190.
368
Ibidem, p. 192
153
anunciada pelo profeta, não há nenhuma síntese racional, mas uma confissão
dupla e plena que somente a esperança pode unir369.
369
Cf. Hermenêutica da Ideia de Revelação, in Escritos e Conferências 2, 2011, p. 155.
370
Cf. Ibidem, pp.163-165
371
Cf. Nomear Deus, in Leituras 3, 1996, p. 195.
154
nominação de Deus é que Deus é designado ao mesmo tempo como Aquele que
se comunica sob as mais diversas modalidades múltiplas [...] e Aquele que se
reserva”372, ou seja, onde ele se manifesta, mas, ao mesmo tempo, guarda para
si seu maior segredo: a nomeação inominável.
372
Idem.
373
Paul Ricœur e a Hermenêutica Bíblica, in Hermenêutica Bíblica, 2006, p. 137.
374
Cf. Ibidem, pp. 267-278.
155
Há, entretanto, uma tensão semântica que está entre a forma narrativa e o
processo que impele a ir além dos limites da narração, criando uma incoerência
narrativa. Esse processo é o processo metafórico deflagrado pela presença das
expressões-limite. Ricœur quer entender como esse processo se dá e investiga
todo o corpus das parábolas e faz notar, que este forma um sistema próprio em
torno da tensão entre uma situação de crise e a resposta a essa situação.
375
À escuta das parábolas mais uma vez atônitos, in Hermenêutica Bíblica, 2006, p. 226.
376
Ibidem, p. 192.
156
A palavra Deus é mais ampla que a palavra Ser e abre um horizonte que
nenhum discurso pode delimitar, pois ela flui dos múltiplos discursos que se
mostram incompletos.
377
Nomear Deus, in Leituras 3, 2011, p. 201.
378
Cf. Paul Ricœur e a Hermenêutica Bíblica, in Hermenêutica Bíblica, 2006, p. 193.
157
Bultmann. Para esses, as parábolas dizem somente sobre uma tomada de decisão
em tempo de “crise”. Essa crise para Ricœur é o Reino de Deus, o qual desorienta
e confunde a forma do discurso que foi modificado, tornando-se indicativo do
ponto de encontro com o infinito que está no centro do problema379.
379
Ibidem, p. 194.
380
Ibidem, pp. 196-198.
381
Ian Thomas Ramsey (1915-1972), britânico, foi professor de Filosofia da Religião na
Universidade de Oxford. Ele tentou evitar que a linguagem religiosa fosse interpretada como
uma simples linguagem comum. Os termos como causa, bom, criação são modelos e
representam situações familiares que podem ser utilizadas para compreender outras situações
menos familiares. Cf. RAMSEY, Ian Thomas. Religious Language: An Empirical Placing of
Theological Phrases, London: SCM Press, 1957.
158
transcendente. Pois, “o atributo intervém para levar a seu limite o que o contraste
sugere no contexto da linguagem ordinária. É então aquilo pelo qual a palavra
Deus preside o resto da linguagem e aquilo em que a completa”382. Os modelos
qualificadores permitem que vejamos a lógica contida nas parábolas e
provérbios que, sem eles, passam em silêncio e sem expressão. Ou seja, a partir
desses modelos podemos compreender a lógica embutida na linguagem
religiosa.
382
Paul Ricoeur e a Hermenêutica Bíblica, in A Hermenêutica Bíblica, 2006, p. 201.
383
Ibidem, pp. 201-203.
384
Ibidem, p. 201.
159
Diante de tudo isso que foi dito, cabe uma pergunta: qual poderia ser o
referente último, ou melhor, o âmbito da realidade da ficção poética do
qualificador “Deus” ou “Reino de Deus”? Para Ricœur, as expressões-limite
orientam as experiências-limites da vida humana, pois
385
Ibidem, p. 207.
160
Ricœur nos faz ver que a linguagem religiosa com seus extremismos é
adequada para falar da experiência humana e que essa inclusive é marcada de
extremismos. É na linguagem religiosa que se revela a dimensão do
incondicionado, presente na experiência humana: “o que a linguagem religiosa
faz é redescrever, o que ela redescreve é a experiência humana. Nesse sentido,
devemos dizer que o referente último das parábolas, provérbios e dizeres
escatológicos não é o ‘Reino de Deus”, mas a realidade humana em sua
totalidade”387, assim como essa é interpretada à luz dos recursos miméticos da
386
Idem.
387
Ibidem, pp. 207-208.
161
388
Em Jaspers as situações, como a morte, a culpa, o sofrimento, tem um ponto de convergência:
o limite de nossa existência empírica. Esse limite não é o que impede alguém de escolher, por
assim dizer, determinadas coisas, mas se trata de um limite a toda existência empírica, ou seja,
é um ponto que a existência empírica não consegue atravessar. Essas situações “They are like
a wall we run into, a wall on which we founder. We cannot modify them; all we can do is to
make them lucid, but without explaining or deducing from them something else […] but in the
end we can do nothing but surrender. The meaningful way for us to react to boundary situations
is therefore not by planning and calculating to overcome them” (JASPERS, K., Philosophy.
Traduzido por E. Ashton. Chicago: University of Chicago Press v.2 pp. 180-181).
389
A partir do primeiro capítulo podemos ver que a fé, formulada sob a hipótese do
cumprimento da liberdade adquire algo como uma decisão antecipada, que realiza o círculo
hermenêutico: crer para compreender e compreender para crer. É antecipada, pois supera de
fato a reflexão.
390
A filosofia e a especificidade da linguagem religiosa, 1990, p. 26.
162
391
Paul Ricœur e a Hermenêutica Bíblica, in Hermenêutica Bíblica, 2006, p. 209.
392
Ibidem, p. 212.
163
393
Metáfora Viva, 2000, p. 464.
394
Op.Cit., pp. 213.
395
Metáfora Viva, 2000, p. 464.
164
396
Ibidem, p. 213.
165
397
“Entre a lógica da justificação pela fé e a lógica das parábolas. Evocamos simplesmente a
estranha lógica da superabundância” (Ibidem, p. 215).
398
“A linguagem poética, tal como a das parábolas, provérbios e ditos proclamatórios segundo
a ‘ qualificação’ trazida pelo símbolo ‘Reino de Deus’ (...) significa que o referente último da
linguagem parabólica (proverbial e proclamatória) é a experiência humana centrada em torno
das experiências-limite que correspondem às experiências-limite do discurso religioso” (Paul
Ricoeur e a Hermenêutica Bíblica, in Hermenêutica Bíblica, 2006, p. 137).
399
Os qualificadores que operam no discurso religioso (provérbios, parábolas) têm
correspondência com as experiências-limites da vida e nos orientam a ter o uso de um certo
pensamento conceitual que preserva a tensão entre imagem e significado. Essa “(...) relação
entre as expressões-limite e as experiências-limite pedem a mediação do conceito limite (...)”
(Ibidem, p. 139).
400
Cf. Ibidem, p. 216.
401
Ibidem, p.217.
402
Ibidem, p. 218.
166
Incondicionado. Entre essas duas existe uma distância que Kant chama “limite”.
Dessa forma, há um ato que a razão põe para o intelecto ou a consciência para o
objeto, não esgotando a capacidade da razão. Por isso, para Kant, a metafisica é
a pretensão do intelecto de absolutizar-se na Ilusão transcendental.
Consequentemente, a busca pelo Incondicionado é sempre “vazia”, pois não é
mais plena do objeto.
Ricœur expõe que essa conclusão depende do fato que Kant conhece
somente a linguagem empírica, então Ricœur pensa ser através da linguagem
metafórica, possível a apresentação do Incondicionado.
403
Cf. Resposta a Lewis S. Mudge, in Hermenêutica Bíblica,2006, pp. 86-88.
404
Cf. Existência e Hermenêutica, in O Conflito das Interpretações,1999, p. 19.
405
Paul Ricoeur e a Hermenêutica Bíblica, in Hermenêutica Bíblica., 2006, p. 220.
167
406
Ibidem, p. 221.
407
Idem.
408
Uma hermenêutica Filosófica da Religião in Leituras 3, 2006, p. 38.
168
perdoar a todos e envia seu filho, Cristo, para salvar o mundo. E, nesse ponto, o
indivíduo se torna solidário por causa de uma humanidade ferida pelo pecado,
mas reconfigurada em Cristo. Ele se torna solidário do ser humano, a ponto de
dar a sua vida pelo outro, para que o outro se beneficie da salvação ofertada por
Deus. Essa lógica da expiação é usada para resolver o problema do sofrimento
do justo.
409
“L´idée de Dieu comme idée kantienne est le degré-limite d´une liberté qui n´est créatrice”
(Le Volontaire et L´Involontaire, 1950, p. 455).
169
410
Paul Ricœur e a Hermenêutica Bíblica, in Hermenêutica Bíblica, 2006, p. 192.
170
411
“A segunda ingenuidade não é a primeira ingenuidade, ela é pós-crítica e não pré-crítica, é
uma douta ingenuidade” (Da Interpretação: Ensaio sobre Freud, 1977, p. 400).
412
No primeiro capítulo vimos que a filosofia de Ricœur, em Le Volontaire et l´Involontaire,
Philosophie de la Volonté e em 1- Finitude et Culpabilité 2- La Symbolique du mal, propõe-se
escutar a experiência humana em uma fenomenologia e em uma hermenêutica dos símbolos do
mal, dos mais primitivos até os mais atuais. Analisando, assim, o discurso filosófico se esforça
para encontrar o sentindo da existência humana.
171
413
RICŒUR, Paul. Hermenêutica Filosófica e Hermenêutica Bíblica, col. Filosofia
Contemporânea. Porto: Nouss, 2014, p. 79. (Originalmente teve por título Herméneutique
philosophique et herméneutique biblique, in VV. AA., Exegesis. Problèmes de méthode et
exercices de lecture (Genèse 22 et Luc 15) Bibliothèque théologique, aos cuidados de F.
Brovon e G. Rouiller, Paris: Delachaux et Niestlé, 1975, pp. 216-228).
414
A proposta de Rudolf Bultmann é um tanto quanto provocante: “A concepção do universo
do Novo Testamento é mítica”. Ele começa fazendo uma breve descrição do universo sob a
perspectiva do Novo Testamento. O universo é considerado como dividido em três andares:
céu, que é a moradia de Deus; a terra que não é só o lugar do acontecer natural e cotidiano, mas
também o cenário da atuação de poderes sobrenaturais; e o inferno. Nas três primeiras páginas
já sentimos o que iremos encontrar nas demais: ele diz que o fato de demônios poderem possuir
o homem, de Deus dirigir seu pensar e querer, as manifestações do Espírito Santo, a revelação
de Deus na história, toda doutrina da salvação, bem como a crucificação e a ressurreição, tudo
isso é linguagem mitológica. Afirma ainda que "a linguagem mitológica é inverossímil para o
172
ser humano de hoje, pois para este a concepção mítica do universo é algo passado”
(BULTMANN, Rudolf. Jesus Cristo e Mitologia. São Paulo: Novo Século, 2003, pp. 5-7).
415
Na obra de Ricœur é possível ver três momentos nos quais a insurgência do problema
hermenêutico coincide com o cristianismo e com a primeira geração cristã, revelando os nexos
entre a hermenêutica filosófica e a bíblica. São eles: 1) Em relação ao Antigo testamento;2) A
instituição da relação entre hermenêutica e existência a partir das Escrituras e 3) As Escrituras
são textos como todos os outros. Para um melhor detalhamento da questão ver GRAMPA. G.
Nota bibliográfica, in: Ideologia e poética. Marxismo e ermeneutica per il linguaggio religioso.
Milão: Vita e Pensiero, 1979, pp. 327-332. Grampa nos mostra ao comentar Ricœur que o
cristianismo é sempre conotado como um momento insuperável, pois é um momento
interpretativo da vida a partir de textos escritos.
173
416
Cf. Paul Ricœur e a Hermenêutica Bíblica, in Hermenêutica Bíblica, 2006, p. 191-192;
RICŒUR, Paul, I compiti della comunità ecclesiale nel mondo moderno, in Teologia del
rinnovamento, Assisi, Pagani Ed. Cittadella, 1969, pp. 166. ________________, Os incidentes
teológicos nas pesquisas atuais concernentes à linguagem, Trad. João Alvares Goes, in:
Artigos de Filosofia Contemporânea traduções. Lisboa: Solessolares, 2015, (Essa foi uma
comunicação intitulada de Les incidences théologiques des recherches actuelles concernant le
langage no institut d’études Œcuméniques em Paris no ano de 1969); Contribution d’une
réflexion sur le langage à une théologie de la parole; in Revue de théologie et de philosophie
18 n°5-6, pp. 333-348.
417
Cf. Événement et sens dans le discours, 1971, p. 06.
174
Pode-se dizer que a teologia da história de sua parte, se tida como certa,
diz que o fato em si é inalcançável. Retém que o sentido do evento não surge
pelo evento, mas da conexão histórica estabelece entre evento e intérprete. O
evento percorrendo a conexão histórica pode buscar sentido nessa e “sentir-se”
na história, na sua concatenação.
418
Para Ricœur “os eventos começam a ser explicados quando eles são transformados em uma
história através de uma intriga [Portando, para Ricœur, a história é tanto um artefato literário
quanto uma representação da realidade, ou seja,] “há mais ficção na história do que a concepção
positivista de história admite.” (RICŒUR , Paul. Hermeneutics and The Human Sciences. Ed.
Trans. John B. Thompson. New York: Cambridge University Press, 1981 p. 289).
419
Ibidem, p. 3-8.
175
420
Idem.
421
Cf. Événement et sens dans le discours, 1971, pp. 04-10.
176
como intepretação de uma promessa. Assim, Ricœur diz que a esperança mostra
mais que uma simples possibilidade de fazer coincidir o horizonte temporal em
um só horizonte. Ela envolve uma ligação supralógica, que vai além das
antinomias tradicionais que se harmonizam na esperança. Ela projeta o futuro
como cumprimento da promessa contida na ressurreição de Cristo, pois “a
esperança é esperança de ressurreição, de ressurreição dentre os mortos”422.
422
A liberdade Segundo a Esperança, in O Conflito das Interpretações, 1999, p. 412.
177
423
RICŒUR, Paul. Contribuição de uma reflexão sobre a linguagem para uma teologia da
palavra Trad. João Alvares Goes in: Artigos de Filosofia Contemporânea. Traduções. Lisboa:
Solessolares, 2015, p. 02.
178
Por esse motivo Ricœur, estuda como advém cada processo da palavra e,
assim, aplica os resultados à teologia segundo dois critérios. O primeiro, que
podemos chamar de “sistemático”, quer unificar o domínio da teologia sob um
único “Processo da palavra”. O segundo, que chamamos “crítico”, quer
confrontar esse processo com a ciência hermenêutico-linguística. O Verbo fez-
se carne, assim, fez-se linguagem, discurso, discurso humano. Por isso, Ricœur
nos diz: “Que o Logos se torne discurso, seja elevado à categoria de nossa
palavra [mots], é isso o Geschehen que cria o encontro entre a teologia da
palavra e os estudos linguísticos”.426
Cada texto escrito é autônomo, distanciado e por essa razão é mudo. Cabe
ao leitor lhe dar vida. Mas como pode isso acontecer? Recuperando o sentido.
Assim como o autor é capaz de frisar, por meio da estrutura linguística a sua
intenção pondo um evento de discurso sensato cujo sentido depende da
estruturação linguística, do mesmo modo, mas inversamente, o leitor, através da
424
Idem.
425
RICŒUR, Paul. Du conflit à la convergence des méthodes en exégèse biblique, in Exégèse
et herméneutique, Paris: DUFOUR, 1971, p. 46.
426
Op.Cit., p.04.
179
427
Cf. RICŒUR, Paul. Du conflit à la convergence des méthodes en exégèse biblique, in
Exégèse et herméneutique, 1971, p. 05.
180
428
Cf. Ibidem, p. 06.
181
429
Cf. Du conflit à la convergence des méthodes en exégèse biblique, in Exégèse et
herméneutique, 1971, p. 12.
430
Cf. Ibidem, p. 13.
431
Ibidem, p. 14.
432
CfHeidegger, M. Ser e Tempo I. Petrópolis: Vozes, 1995.
182
Isso não significa que o Cristo, como Palavra, dilua-se em uma espécie
de revelação geral, mas ao contrário: a unicidade do Cristo funda e recolhe todas
outras figuras da manifestação do ser na palavra433.
433
Ibidem, p. 01.
434
Cf. RICŒUR, Paul. Os incidentes teológicos as pesquisas atuais concernentes à linguagem.
Trad. João Alvares Goes, in Artigos de Filosofia Contemporânea traduções. Lisboa:
Solessolares, 2015, p. 15-16.
435
“O ‘aí’ é o ponto de encontro, no qual o nada e o Ser são o mesmo. Sendo ‘guardião do
nada’, o homem é também o único ser que pode perguntar pelo Ser, ainda que, em sua errância,
tenha perdido o sentido desta pergunta. Se considerarmos o que Hegel diz da questão religiosa,
a saber, que só o homem possui religião (e Hegel leva a questão ao ponto extremo de comparar
o homem com o animal a este respeito), a afirmação de Heidegger soa também como uma
questão religiosa, mas de uma religião despojada do sagrado e totalmente secularizada”
(SANTOS, José Henrique. O trabalho do negativo: ensaios sobre a Fenomenologia do
183
O ato de Deus é, desta forma, ato de bondade que o homem acolhe, pois
não há um indício da vitória do ser sobre o nada. Esse ato é, assim, ato de palavra,
a palavra é o centro da fé cristã.
Espírito. São Paulo: Edições Loyola, 2007, p. 250). Para um aprofundamento maior no tema,
disponibilizamos a seguinte bibliografia: BOULNOIS, Olivier. Être et représentation. Paris:
Presses Universitaires de France, 1999 e MARION, Jean-Luc. Dieu sans être, Paris: PUF, 1991
e O visível e o revelado, São Paulo: Edições Loyola, 2010.
436
Hermenêutica de Ideia e Revelação, in Escritos e Conferências 2, 2011, p. 146.
437
Ibidem, p. 148.
184
a força das coisas ditas que move o escritor. A coisa pede para ser dita,
eis o que é revelado analogicamente pela expressão do símbolo de
Niceia: Creio no Espírito Santo [...] que falou pelos profetas438.
Em Ricœur, o mais importante não é o fato em si, mas o fato vivido pelo
homem e, por conseguinte, a sua dimensão poética, ao mesmo tempo receptiva
e ativa, cujas dimensões e características dependem do tipo de trabalho
expressivo com que se manifesta.
438
Ibidem, p. 168.
439
Idem.
185
440
Cf. Hermenêutica da Ideia de Revelação, in Escritos e Conferências 2, 2011, pp. 36-37.
441
Hermenêutica e Ideologia, 2008, p. 46.
186
Para Ricœur,
O discurso, assim como obra tem três traços: totalidade finita pela
composição de frases, nesse ponto Ricœur, nota que a “obra literária é o
resultado de um trabalho que organiza a linguagem”443; a obra é codificada em
um gênero literário e por último um estilo que liga o indivíduo a toda obra.
Essas três características são critérios, ou melhor, caminho para a compreensão
daquilo que quer ser dito no discurso. Essas características da obra nos mostram
como se pode ter uma compreensão do evento que se dilui no tempo e o sentido
que permanece como é o caso da Ressurreição. Há um evento, a ressurreição
do Cristo, essa se dilui temporalmente, mas permanece o sentido de que,
também eu poderei ressuscitar. Ou seja, remete o indivíduo que escreve e que
escuta à obra na própria obra, na própria individualidade da obra, através das
estruturas do gênero literário, pois o “discurso não se dá alhures: ele se verifica
nas estruturas da obra e por elas”444.
442
Ibidem, p. 45.
443
Ibidem, p. 51.
444
Ibidem, p. 52.
187
Existe uma relação entre fala e escrita, quando se escreve algo, esse
escrito torna-se independente do autor. Certamente, do falar ao escrever há uma
falta de harmonia, entre o que o autor quis dizer e o significado expresso pelo
texto. Ricœur nos diz que “o texto deve poder, tanto do ponto de vista
sociológico como psicológico, descontextualizar-se de maneira a deixar-se
recontextualizar numa situação nova: é o que faz, precisamente, o ato de ler”445.
Isto é, o texto transcende o seu autor, permitindo novas interpretações.
445
Ibidem, p. 119.
446
Ibidem, p. 55.
447
Cf. Ibidem, p. 37.
448
A Liberdade segundo a Esperança, in O Conflito das Interpretações, 1999, p. 392.
188
449
Hermenêutica Filosófica e Hermenêutica Bíblica, col. Filosofia Contemporânea. Porto:
Nouss, 2013, p. 88.
450
Op.Cit., p.39.
451
Cf. Hermenêutica de Ideia de Revelação, in Escritos e Conferências 2, 2011, pp. 170-195.
452
Cf. A filosofia e a especificidade da linguagem religiosa, 1975, p. 22.
189
Ricœur aplica esse conceito não religioso à Bíblia e faz com que a
hermenêutica filosófica seja aplicada à hermenêutica teológica. É compreensível
que a Bíblia, enquanto texto escrito, siga as mesmas regras de cada texto escrito.
Como resultado, a hermenêutica geral ou filosófica é o instrumento que deve se
aproximar do texto inspirado para dele sacar o seu significado. Isso se dá porque
“a tarefa primeira da hermenêutica não é suscitar no leitor uma decisão, mas
permitir, antes de mais nada, aquele modo de ser que existe na ‘coisa’ do texto,
de alargar-se”453.
453
Hermenêutica Filosófica e Hermenêutica Bíblica, p. 90.
454
Cf. Filosofia e Profetismo I, in Leituras 3, 1996, pp. 83-114.
190
455
Hermenêutica Filosófica e Hermenêutica Bíblica, pp. 90-91.
456
Cf. Hermenêutica de Ideia de Revelação in Escritos e Conferências 2, 2011, p. 180.
191
457
Hermenêutica Filosófica e Hermenêutica Bíblica, 2013, p. 91.
192
Pode-se dizer que a Bíblia, dentro de o que foi falado, como texto a ser
explorado pela hermenêutica filosófica, abre, como a poética, uma possibilidade
dada, que permite transcender àquilo que foi escrito.
458
Ibidem, p. 92.
459
Idem.
460
Cf. RICŒUR, Paul. L´ herméneutique du témoignage, in Lectures 3, Paris: Seuil, 1994, pp.
134-137. (Esse artigo foi publicado em La testimonianza, in Archivio de Filosofia, CEDAM,
Padova: Ed. Castelli, Roma, 1972, pp. 35-61)
461
Op. Cit., p. 94.
193
462
“Une philosophie pour qui la question demande à joindre à l´idée de l´absolu une expérience
de l´absolu; une philosophie qui ne trouve ni dans l´exemple ni dans le symbole la densité de
cette expérience (…) c´est le problème du témoignage absolu de l´absolu” (L´herméneutique
du témoignage, in Lectures 3, 1994, p. 105).
194
Para haver uma experiência do absoluto o homem deve ter algo dentro de
si que lhe permita reconhecê-la. Esse algo está em uma conjuntura interior da
afirmação originária e na exterioridade dos atos na qual existem todos os
caracteres de uma afirmação absoluta do absoluto463.
463
Cf. L´Herméneutique du témoignage, in Lectures 3, 1994, pp. 105-115.
464
“l´acte qui accomplit la négation des limitations qui affectent la destinée individuelle. Elle
est dépouillement” (Ibidem, p. 106).
195
465
“son sens importe plus que son historicité. Comme tel, il constitue plutôt une catégorie de
l´imagination productrice” (Ibidem, p. 137).
196
466
Da Interpretação: Ensaio sobre Freud, 1977, p. 88.
197
A trama (intriga) sendo a imitação da ação, requer que a ação possa ser
identificada em suas estruturas. A semântica da ação nos permite compreender
a rede conceitual que distingue o campo da ação dos movimentos físicos.
467
Ibidem, p. 87.
198
medida que essa análise pode ser considerada como uma antropologia filosófica.
Tanto a rede conceitual como as articulações simbólicas da ação são portadoras
de recursos e estruturas temporais que explicam a capacidade da ação para ser
contada. Essa é uma grande vantagem para superar a dicotomia entre a relação
sujeito/objeto, rompendo o primado da consciência pelo objeto e esculpindo a
estrutura fundamental do cuidado como ser-no-mundo. Uma das características
principais do cuidado é a intratemporalidade que é o terceiro nível em uma
organização hierárquica da temporalidade, cujo primeiro nível é a temporalidade
e o segundo a historicidade.
Ricœur nos mostra que a literatura não será capaz de ser compreendida,
se não se configurar a uma ação humana prefigurada. Assim, nosso filósofo nos
diz que a mímesis é enucleada, na compreensão da ação, pois “imitar ou
representar a ação é, em primeiro lugar, pré-compreender o que é o agir humano:
sua semântica, sua simbólica, sua temporalidade”469.
468
Cf. Tempo e Narrativa I, 2012, pp. 109-112.
469
Ibidem, p.112.
199
Sendo a trama uma mediadora por causa de seu caráter temporal, toda
narração combina uma cronologia e uma não cronologia, a primeira é episódica
a segunda configuracional. O ato configurante471 junta os diversos incidentes e
consegue a unidade de sua totalidade temporal 472 . A composição de uma
história é, do ponto de vista temporal, extrair uma configuração de uma
sucessão.
470
Cf. Ibidem, p.
471
Ricœur toma esse termo de empréstimo, para abranger todo campo da inteligência narrativa,
de Louis Mink no livro The Autonomy of Historical Undestanding 1942, conforme nos
informa Farhang Erfani em seu livro Paul Ricœur: Honoring and Continuing the Work, New
York: Lexington Book, 2011, p. 133.
472
Cf, Ibidem, p. 116.
473
Ibidem, p. 123.
474
Ibidem, p. 123-124.
200
475
Os incidentes teológicos as pesquisas atuais concernentes à linguagem, 2015, p.3.
476
Hermenêutica Filosófica e Teológica, 2013, p. 11.
477
Ibidem.
478
Hermenêutica da Ideia de Revelação, in Escritos e Conferências 2, 2011, p. 189.
201
uma retomada reflexiva e, por outro, que a afirmação originária desenvolve uma
interpretação do tipo reflexiva, em ambas, os resultados coincidem.
479
“Chacune de ces qualités auxquelles nous donnons le nom de divin correspond à un acte
tout intérieur par lequel nous le concevons et échouons tout aussitôt à le réaliser et à incarner”
(L´herméneutique du Témoignage, in Lectures 3, 1994, p. 131).
203
Sobrevém que Deus se manifesta na história sem que essa o objetive. Dá-
se, também, renunciar a consciência soberana que quer fazer-se isoladamente.
Essa renúncia coincide com a aceitação da dependência da consciência pela
manifestação histórica do divino.
480
Hermenêutica da Ideia de Revelação, in Escritos e Conferências 2, 2011, p. 192.
204
481
Da Interpretação: Ensaio sobre Freud, 1977, p. 419.
482
Ibidem, p. 433.
205
483
Ibidem, p. 423.
484
Cf. Filosofar após Kierkegaard, in: Leituras 2, 2006, p. 43. (Esse artigo foi publicado
originalmente com o título Philosopher après Kierkegaard, in: Revue de théologie et de
philosophie, 13, n. 4, 1963, pp. 303-316).
206
485
História e Verdade, 1968, p. 95.
207
486
Prefácio a Bultmann, in O Conflito das Interpretações, 1999, pp. 369-390.
208
487
Mito e História, in A hermenêutica bíblica, 2006, p. 257.
488
Cf. A Liberdade segundo a Esperança, in O Conflito das Interpretações, 1999, p. 393
489
Demitizar a Acusação, in O conflito das Interpretações, 1999, p. 456.
209
490
Idem.
491
Cf. Ibidem, pp. 335-340.
492
Cf. Ibidem, pp. 391-414.
493
Cf. Ibidem, pp. 415-429.
210
494
A Liberdade segundo a Esperança in: O Conflito das Interpretações, 1999, p. 400.
211
495
Cf. MOLTMANN, Jürgen. Réssurrection et avenir de Jésus-Christi, in Théologie de
L´espérance. Paris: Les Editions du Cerf et Maison Mame, 1970. Pp. 68-89.
496
Ibidem, p.295.
497
Resposta a David Stewart, in Hermenêutica Bíblica, 2006, p. 97.
498
Ibidem, p. 404.
212
mas não do saber; porque existe o problema do mal de maneira que o mesmo
poder com que o homem tem a moralidade de fato, torna-se, na realidade, um
não-poder. Desta forma, a contingência do mal é a expressão de uma natureza
necessariamente cativa da liberdade.
O ato de fé é algo radical, chega ao ponto que o homem não pode nem
imaginar algo que permita a compreensão da Revelação como algo que toca o
homem. A razão e a Revelação não são distantes uma da outra, contudo não pode
ser uma teologia racional ou uma filosofia que coloque a pergunta e a teologia
dite a resposta.
499
Ibidem, p. 412.
213
O homem, quando diz o seu ato de fé, percebe que existe algo na
experiência humana que faz desse ato não algo mais absurdo, mas adequado a
sua vida, ao ponto de abri-la para horizontes inesperados, nisso está a esperança.
Uma esperança racional, nascida no interior do conflito, do sofrimento humano
e transmitidos através dos símbolos e literatura, como é o caso do símbolo do
mal e da literatura bíblica.
500
“Comme Jaspers l´a bien compris, une philosophie de l´existence subjective et de la
Transcendance s´enveloppent mutuellement selon un incessant renversement” (L´ Volontaire
et l´Involontaire, 1950, p. 448).
501
“Mais nous accordons volontiers que ce transcendement de la description en sagesse et en
poétique, dont le chaînon intermédiaire est la redécouverte du corps propre, n´est pas un
désenveloppement, comme si la description contenait la solution des problèmes métaphysiques
[…] Il reste vrai néanmoins que si du point de vue de la ‘poétique’ de la volonté de bond à
l´existence de soi et le bond à l´être de la Transcendance ne sont qu´un seul et même acte
philosophique, du point de vue d´une doctrine de la subjectivité, comme celle que nous
développons dans cet ouvrage, le mouvement d´ approfondissement et de réflexion reste un
autre bond, le bond vers le Tout-Autre” (Ibidem, p. 440).
214
Isso não significa aceitar a teologia racional 502 , pois com a razão o
homem descobre somente o que é contingente. É, portanto, no risco de aceitá-la
que ele se descobre inserido no ser, ser como ato e como horizonte. Essa
estrutura de um contínuo autotranscender-se garante a presença do divino como
um divino que não pode ser objetivado.
502
Ricœur em Hermenêutica da ideia de Revelação, 2011, p. 171, Ricœur diz que: afastará sua
proposta de um “projeto de teologia racional, que outros filósofos considerados respeitáveis
acreditam praticável”.
503
História e Verdade, 1968, p. 10.
215
504
L´antimonie de la réalité humaine et le problème d’anthropologie philosophique, in Il
Pesiero, 1960, p. 275.
216
história sem lhe pertencer, contudo, essa esperança, do ponto de vista filosófico,
é um sentimento racional com o qual o homem se percebe e que não pode se
afigurar a um saber absoluto.
505
Conforme Ricœur: “La transcendance non apparaîtra plus tard comme une position
absolue e présence qui sans cesse précède mon pouvoir propre d´affirmation, bien que celui-
ci semble toujours sur le point de l´englober” (Le Volontaire et l´Involontaire, 1950, p. 35).
506
História e Verdade, 1968, p. 313.
507
A Liberdade segundo a Esperança, in O Conflito das Interpretações, 1999, pp. 395-396.
219
508
Ibidem, p. 398.
509
Cf. Ibidem, pp. 391-414.
510
Ibidem, p. 395.
220
511
“(...) a descontinuidade na narração é a mesma que na pregação. Também para a narração,
há hiato entre a cruz e as aparições do Ressuscitado: o túmulo vazio é o enunciado deste hiato”
(A Liberdade segundo a Esperança, in O conflito das interpretações, 1999, p. 398).
512
Ibidem, p. 399.
513
Idem.
221
Pois bem, uma liberdade que desafia a morte é uma liberdade que tem
por possível a ressurreição, que é animada pela paixão pelo possível e que de
outra maneira se opõe à resignação514. Esse é precisamente o ponto que Ricœur
vê uma resposta ao primado da necessidade, pois
514
A Ressurreição seria a motivação da minha espera pela minha liberdade, uma felicidade:
“Nul acte ne donne le bonheur; mais les rencontres de notre vie les plus dignes d´être appelées
des ‘événements’ indiquent la direction du bonheur; (…) Les événements qui parlent de
bonheur son ceux que lèvent des obstacles un vaste paysage d´existence ; l´excès, le trop,
l´immense, voilà le signe que nous sommes ‘ dirigés- ver le bonheur” (L´Homme Faillible,
1960, pp. 85-86).
515
Op. Cit., p.437.
516
“Pelos seus dons (o artista) encontra um caminho de volta ao mundo fantasioso para a
realidade: ele cria uma realidade nova, a obra de arte, onde ele ser torna efetivamente o herói,
o rei, o criador que ele desejou ser, sem ter a necessidade de fazer o desvio de uma transposição
efetiva do mundo” (Sobre a Interpretação: Ensaio Sobre Freud, 1977, p. 274)
517
Para ser mais exato, o princípio de realidade é capaz, na psicanalise, da adaptação da vida
psíquica em relação à necessidade inquebrantável do mundo real. Ela corresponde a uma
atitude de resignação que põe em xeque a onipotência do desejo, como Ricœur mesmo diz: “A
tomada de consciência que a psicanálise oferece ao homem moderno é difícil, ela é dolorosa,
222
por causa da humilhação narcísica que inflige. Mas por este preço ela aparenta-se como
reconciliação de que Ésquilo pronunciou a lei: ‘pelo sofrimento, o compreender’ (Agamemon,
verso 177)” (Uma Interpretação Filosófica de Freud, in O Conflito das Interpretações, 1999,
p. 158)
518
Cf. SCHILLER, F., Textos sobre o Belo, o Sublime e o Trágico. Lisboa, Imprensa Nacional-
Casa da Moeda, 1997.
519
A Liberdade segundo a Esperança, in O Conflito das Interpretações, 1999, p. 397.
520
“Il est le consentement hyperbolique que ne perd dans la nécessité comme le stoïcisme était
le consentement imparfait que m´exilait du tout que pourtant il s´efforçait d´admirer” (Le
Volontaire et l´Involontaire, 1950, p. 448)
223
521
“Le stoïcisme ne soupçonne pas que mon corps a précisément cette signification insolite de
n´être ni jugement ni chose, mais vie en moi sans moi, ignore comme chair du Cogito, il est
repoussé parmi les choses indifférentes” (Ibidem, p. 441)
522
“Nós todos ainda sentimos muito pouco respeito pela natureza, que (nas palavras obscuras
de Leonardo, que lembram o Hamlet) `está cheia de inúmeras razões [`ragioni’] que nunca
penetram a experiência’. Cada um de nós, seres humanos, corresponde a uma dessas inúmeras
experimentações por meio das quais as `ragioni’ da natureza são compelidas a compartilhar a
experiência” (FREUD, S., Cinco lições de psicanálise, Leonardo da Vinci e outros trabalhos.
Trad. Durval Marcondes Vol. XI, In:
https://blogpsicologiablog.files.wordpress.com/2012/01/freud11.pdf. Acesso em 10 de janeiro
de 2016 às 14h). Entre parênteses adição nossa.
523
Cf. Ensaio Sobre Freud, 1977, p. 528.
224
524
“l´espérance c´est la percée du possible contre le nécessaire; c´est l´affirmation que, quoi
qu´il arrive, l´homme peut être, parce qu´il lui est donné d´être possible”. (RICŒUR, Paul, La
foi soupçonné, in Foi et Religion. Semaine des Intellectuels Catholiques, nº 71, 1971, p. 69).
525
Rom. 6, 23.
526
Interpretação do Mito da Pena, in O Conflito das Interpretações, 1999, p.366.
225
527
A Liberdade segundo a Esperança, in O Conflito das Interpretações, 1999, p. 399.
528
Para Ricœur o evento, em Hermenêutica e Ideologia, é: 1) uma efetuação histórico-social a
partir de um “sistema da língua (...) virtual e fora do tempo”; 2) o discurso remete à pessoa que
o pronuncia; 3) “o evento (...) é a vinda à linguagem de um mundo mediante o discurso”, no
sentido que o discurso faz referência a um mundo que “pretende descrever, exprimir ou
representar”; o discurso dirige-se ao interlocutor, constitui-se como diálogo. O discurso é
evento “na atualização de nossa competência linguística em performance (...) “se todo discurso
é efetuado como evento, todo discurso é compreendido como significação”. O discurso-evento,
então, seria ultrapassado pelo evento-significação, ultrapassagem que seria “típica do discurso
enquanto tal” (Hermenêutica e Ideologias, 2008, pp. 466-47).
529
A Liberdade segundo a Esperança, in O conflito das interpretações, 1999, p.399.
530
Ibidem, p.401.
226
531
Cf. Culpabilidade, Ética e Religião, in Conflito das Interpretações, 1999, p. 429.
532
Idem.
533
Idem.
534
GREISCH, Jean, L´Itinérance du sens, Paris, Editions Jérôme Millon, 2001, p. 34.
535
Cf. KIERKEERGAARD. A Doença para a Morte, in Os pensadores, São Paulo: Abril
Cultural, 1979, pp. 310-450.
536
Culpabilidade, Ética e Religião, in: Conflito das Interpretações, 1999, p. 426.
227
537
Ibidem, p. 426.
538
“Refleti sobre a significação (...) reencontrar as intenções do conceito, o seu poder de remeter
para aquilo que não é conceito, mas anúncio, anúncio que desnuda o mal e anúncio que
pronuncia a absolvição (...) reencontrar as setas de sentido a que visam o próprio Kerygma” (O
Pecado Original, in O Conflito das Interpretações, 1999, p. 265).
228
momento, para, mais à frente, abordá-la com maior precisão em uma relação
entre conteúdo representativo da esperança e o desejo de realização.
539
Cf. MARCEL. G. Homo Viator, Trad. José Maria Torres, Salamanca, Ediciones Sigueme,
2005.
229
O método de Gabriel, por fim, pode se definir como dialético, não tanto
pelo sentido abstrato de tal expressão, de um esforço de superação que se apoia
540
Gabriel Marcel et Karl Jaspers : Philosophie du mystère et philosophie du paradoxe, 1948,
p. 102.
541
Ibidem, p. 67.
542
Idem e JARPERS, K., Introdução do pensamento filosófico, São Paulo: Cultrix, 1972.
230
543
Cf. Gabriel Marcel et Karl Jaspers: Philosophie du mystère et philosophie du paradoxe,
1948, p. 34.
544
Cf. Ibidem, pp. 52-53.
545
Cf. Ibidem, p. 78.
231
546
Cf. Ibidem, pp. 81-85.
547
Cf. Ibidem, pp. 228-299
232
3.3 O consentimento
548
Para Ricœur em Le Volontaire et l’Involontaire (1960) não tem a mesma perspectiva de
Freud. É apenas a partir da obra Ensaio Sobre Freud (1965) que o nosso autor se mostrará mais
aberto ao diálogo com a abordagem freudiana do inconsciente. No primeiro texto, Ricœur
critica o que chama de “realismo freudiano”, que apresenta o inconsciente como uma realidade
que deseja, imagina e pensa (cf. Le Volontaire et l’Involontaire, 1960, pp. 361-371) no qual o
caráter autônomo implica uma relação determinista para com o sujeito (cf. Ibidem, pp. 370-
376).
233
549
“Le consentement qui réaffirme l´existence non choisie, son étroitesse ses ténèbres, sa
contingence, est comme un choix de moi-même, un choix de nécessité tel l´amor fati célébré
par Nietzsche. Audace et patience ne cessent de s´échanger au cor même du vouloir. La liberté
n´est pas un acte pur, elle est en chacun de ses moments activité et réceptivité; elle se fait en
accueillant ce qu´elle ne fait pas” (Ibidem, p. 454)
550
“Ainsi la même volonté qui bondit dans le futur e le décide, c´est-à-dire le tranche, acquiesce
à une situation que porte la marque de l´intériorité et invite à considérer les causes qui
poussent derrière et non les fins qui appellent en avant. Je ne peux vouloir le nouveau sans
trouver l´ancien e me trouver déjà-là. La nécessité est une situation toute faite dans laquelle je
me découvre impliqué” (Ibidem, p. 322-323).
234
551
“je ne change rien dans le texte des choses que je n´adopte le contexte implacable de la
nécessité” (Ibidem, p.323).
552
“Je transforme toute nécessité en ma liberté, alors ce qui me borne et parfois me brise
devient le principe d´une efficacité toute nouvelle, d´une efficacité entièrement désarmée et
dénuée” (Idem).
553
Cf. L`Homme Faillible, 1960, p. 131.
235
554
“La nécessité est toujours avec moi, et chacun a la totalité de la vie et de la mort. Je la fais
mienne d´une façon inimitable qu’est proprement consentir. Elle serait plutôt patience que
possession. La patience supporte activement ce qu´elle subit; elle agit entérinement selon la
nécessité qu´elle souffre” (Le Volontaire et l´Involontaire, 1950, p. 324).
555
“éprouver est toujours plus que comprendre” (Ibidem, p. 82).
236
Pode-se dizer que em Ricœur existem dois pontos que justificam uma
conexão entre consentimento e esperança: encarnação e o mal.
556
Há que atacar as ilusões da consciência de si. Ilusão esta que, aliás, resultou da destruição
duma ilusão anterior: a ilusão da coisa. Ao dizermos: «A reflexão é reflexão (…) reflexão sobre
si própria. Mas o que significa o Si? Admito aqui que a posição do Si é a primeira verdade
para o filósofo, pelo menos para essa vasta tradição da filosofia moderna que parte de
Descartes, desenvolve-se com Kant, Fichte e a corrente reflexiva da filosofia continental.
(Hermenêutica dos Símbolos e Reflexão Filosófica II, in O Conflito das Interpretações, 1999,
p. 320; Cf. Da Interpretação: Ensaio Sobre Freud, 1977, p. 50). Nesses textos Ricœur mostra
explicitamente a sua inserção na tradição da filosofia ocidental. Para toda esta tradição a
primeira verdade, o molde de toda a verdade, é bem a primeira verdade cartesiana: “Penso,
existo”, que é uma verdade que se põe a si mesma, é autoposição, ou como Fichte dizia: é um
juízo tético. Ela é, ao mesmo tempo, posição de uma existência e de um ato de pensamento,
porquanto eu existo enquanto penso. Esta verdade não pode ser nem verificada nem deduzida
de nenhuma outra, ou não seria primeira verdade, por isso é que ela é autoposição de si mesma.
Entretanto, “essa primeira referência à posição do Si como existente e pensante não basta para
caracterizar a reflexão” (Hermenêutica dos Símbolos e Reflexão Filosófica II, in O Conflito
das Interpretações, 1999, p. 320). Há um segundo caractere que diz que “a reflexão não é
intuição; ou, em termos positivos: a reflexão não é o esforço para reapreender o ego do ego
Cogito no espelho dos seus objetos, das suas obras e, finalmente, dos seus atos” (Idem).
237
557
“affirmation altière de la conscience comme absolu, c´est-à-dire comme créatrice ou comme
productrice de soi” (Le Volontaire et l´Involontaire, 1950, p. 436).
558
“La liberté n´est un acte pur; elle est en chacun de ses moments activité et réceptivité; elle
se fait en accueillant ce qu’elle ne fait pas: valeurs, pouvoirs et pure nature” (Ibidem, p.536).
238
559
“la figure infirme de la Transcendance” (Idem).
239
560
Cf. Ibidem, p. 256.
240
561
Cf. Ibidem, pp. 100- 104.
562
Ibidem, pp. 120-153.
241
563
“Le mal est le scandale qui toujours sépare le consentement de la cruelle nécessité” (Ibidem,
p. 451).
242
564
Para Ricœur, a reflexão é um trabalho permanente de apropriação promovida pela exegese
dos testemunhos involuntários, inconscientes e irrefletidos da nossa atividade criadora. Ela é o
esforço de captar o Cogito, não em um processo imediato, mas pela mediação temporal como
revelação. O ser humano somente acende a sua intimidade através da analogia e da mediação,
no caso de Ricœur, ao menos nesse momento de seus escritos, pelos símbolos e pelos textos.
Assim, a reflexão não parte da consciência, mas dos objetos, das obras e dos atos que procura
ver a lei a sua gênese, conforme mesmo nos diz: “A reflexão é a apropriação do nosso esforço
para existir e do nosso desejo de ser, através das obras que testemunham esse esforço e esse
desejo. É por isso que a reflexão é mais do que uma simples crítica do juízo moral, ela reflete
sobre este ato de existir que nós desenvolvemos no esforço e no desejo” (Hermenêutica dos
Símbolos e Reflexão Filosófica II, in O Conflito das interpretações, 1999, p. 324).
565
Ver RICŒUR, Paul. L´antinomie de la réalité humaine et le problème de l´anthropologie
philosophique, in Pensiero v.5, nº 3, setembro-dezembro, pp. 273-290.
566
Em L’homme faillible, Ricœur mostrar que aquele mesmo ser humano capaz de agir bem é
também capaz do mal. Ou seja, no caminho do bem para a qual é destinado, o ser humano corre
o risco do fracasso, do autoengano, de sucumbir no mal.
567
Cf. Karl Jaspers et la philosophie de l´existence, 1947, p. 388.
243
568
Cf. Le Volontaire et l´Involontaire, 1950, p. 451.
569
“L´implication de la Transcendance dans l´acte du consentement prend alors une figure
toute nouvelle : l´admiration est possible parce que le monde (en tant que totalité) est une
analogie de la Transcendance ; l´espérance est nécessaire parce que le monde est tout autre
que la transcendance. L´admiration, chant du jour, va à la merveille visible, l´espérance
transcende dans la nuit. L´admiration dit : le monde est bon, il est la patrie possible de la
liberté ; je peux consentir. L´espérance dit: le monde n´est pas la patrie définitive de la liberté ;
je consens le plus possible, mais j´espère être délivré du terrible et, à la fin des temps, jouir
d´un nouveau corps et d´une nouvelle nature accordés à la liberté” (Idem).
244
570
Cf. Religião, Ateísmo, Fé, in O Conflito das Interpretações, 1999, p. 438.
245
571
A Simbólica do Mal, 2013, p. 165.
572
Cf. Idem.
573
Ricœur diz bem claramente, que ao irmos por esses tema fronteiriços que “é pois impossível
fazer uma reflexão filosófica sobre a falta omitindo esse fato, que, na realidade, é embaraçoso
para a reflexão, mas que nem por isso deixa de ser verdadeiro, a saber, que o sentido último da
falta só se pode manifestar através dos enormes contrastes instalados pelo primeiro pensador
apaixonado da cristandade: 1) justificação pela prática da lei ou justificação pela fé; 2)
vangloriar-se ou crer;3) obra ou graça. Tudo aquilo que atenua esses contrastes dissipa-lhes o
sentido” (Ibidem, p. 166).
246
574
Culpabilidade, Ética e Religião, in O Conflito das Interpretações, 1999, p. 427.
575
Cf. Ibidem, p. 426.
576
“Se a pregação de Jesus e da Igreja primitiva procede assim do foco escatológico, é preciso
repensar toda a teologia a partir da escatologia. O Deus que vem é um nome (Ver: Nomear
Deus in Leituras 3, 1996. pp. 181-204.), o Deus que se mostra é um ídolo. O Deus da promessa
abre uma história, o Deus das epifanias naturais anima uma natureza” (Ibidem, p. 426). Citação
entre parênteses nossa.
577
“Se a pregação cristã refere-se à esperança como um éschaton que julga e completa a história
sem pertencer-lhe, essa esperança de intenção escatológica causa impacto na reflexão filosófica
sob a forma de um sentimento racional presente; recebo ‘o penhor da esperança’ quando
percebo de maneira fugidia a consonância dos múltiplos sistemas filosóficos ainda que
irredutíveis a um único sistema coerente; é nesse sentido que faço meu o admirável teorema de
Spinosa ‘quanto maior o nosso conhecimento das coisas singulares, tanto maior nosso
conhecimento de Deus’; não ignoro ser a escatologia incuravelmente mítica aos olhos da
consciência filosófica do verdadeiro e que por sua vez toda referência à racionalidade acabada
do todo da história é aos olhos do pregador do Último Dia queda e recaída numa culposa
teologia natural; não ignoro ser difícil , senão impossível, superar essa mútua exclusão;
entrevejo, não obstante, que é possível converter em tensão viva essa mortal contradição; viver
filosoficamente a esperança cristã como razão reguladora da reflexão, pois a convicção da
247
passagem, que mesmo a “esperança laica” parece superar uma visão puramente
ética do esforço histórico e moral do homem para aprofundar o significado mais
profundo da aventura humana dentro de uma perspectiva temporal e coletiva.
A dimensão religiosa da vida e da história abraça uma concepção mais
completa da existência do homem.
Kant ofereceu em sua ética alguns pontos para conciliação que dá uma
completude ao destino humano. Isso se verifica quando ele unifica os
elementos que eram separados pelo rigorismo ético: “a virtude, isto é, a
obediência ao puro dever, e a felicidade, ou seja, a satisfação do desejo. Esta
reconciliação é o equivalente kantiano da Esperança”578.
unidade final do verdadeiro é o próprio Espírito da Razão” (História e Verdade, 1968, pp. 10-
11).
578
Culpabilidade, Ética e Religião, in O Conflito das Interpretações, 1999, p. 427.
248
Ah! Por que não posso pegar tudo e abraçar tudo! Como é cruel escolher
e excluir! Assim é a vida: de amputação em amputação; e no caminho
possível ao real não há senão esperanças arruinadas e poderes
atrofiados580.
579
“L´homme, c´est la Joie du Oui dans la Tristesse du fini” (L´Homme Faillible, 1960, p. 156).
580
“Ah! que ne puis-je tout prendre et tout embrasser! et qu´il est cruel d´élire et exclure! ainsi
va la vie: d´amputation en amputation; et sur le chemin du possible au réel ce ne sont
qu´espérances ruinées et pouvoirs atrophiés” (Le Volontaire et l´Involontaire, 1950, p. 420).
581
“[...] la philosophie de l’acte, évoquée dans la thèse de 1924, s’exalte peu à peu dans une
revendication culminante, celle de ‘l’affirmation originaire’, au sens d’un désir d’être, d’un
effort pour exister, auxquels nous sommes toujours inégaux” (CAPELLE, P. (ed.) Jean Nabert
et la question du divin. Paris: Cerf, 2003. Postface, p. 143).
582
Cf. Le Volontaire et l´Involontaire, 1950, p. 420
249
583
História e Verdade, 1968, p. 114. Em Francês o texto se encontra dessa forma : “(...) nous
incline non à un pessimisme actif, ni à un optimisme tragique – ce qui est finalement la même
chose – mais à un sens épique de notre existence personnelle replacée dans la perspective
d´une épopée plus vaste de l´humanité et de la création” (Histoire et Vérité, 1967, p. 113).
584
“La paternité est ainsi placée dans la mouvance d´une théologie de l´espérance” (Le
Volontaire et l´Involontaire, 1950, p. 479).
250
585
“ma vie ne m´apparaît comme valeur que tout à la fois menacée, menacée par la mort et
transcendée par d´autres valeurs” (Ibidem, p. p. 116).
586
Culpabilidade, Ética e Religião, in O Conflito das Interpretações, 1999, p. 429.
587
História e Verdade, 1968, p 308.
588
Prefácio a Bultmann, in O Conflito das Intepretações, 1999, p. 381.
251
589
Ver nota de rodapé na qual se faz uma distinção entre: A Liberdade segunda a Esperança,
in O Conflito das Interpretações, 1999, p. 394.
590
Ibidem, pp. 393-394.
252
591
Hermenêutica dos Símbolos e Reflexão Filosófica II, in O Conflito das Interpretações, 1999,
p. 328.
592
Le Volontaire et l´Involontaire, 1950, p. 141
593
Idem.
594
História e Verdade, 1968, p. 82.
595
Idem.
253
596
Idem.
254
(...) o sentido cristão da história não se esgota com esse sentido das
decisões e das crises, da grandeza e da culpabilidade mescladas. Em
primeiro lugar, por que o pecado não é o centro do credo cristão: não é
nem mesmo um artigo do Credo cristão; não crê no pecado, e sim na
salvação futura 598.
597
Ibidem, p. 16.
598
História e Verdade, 1968, p. 94.
255
599
Idem.
600
Cf. Ibidem, p. 96.
256
A esperança tem seu impacto com o plano existencial concreto, pois ela
é tecida nos próprios atos do homem, na sua aspiração, nos seus desejos, na sua
tensão até o cumprimento. A Esperança entra no coração daquilo que parece
uma insuperável discórdia que se lança na consciência filosófica. Essa mortal
contradição que lacera o homem, pela Esperança pode dar uma vida à tensão
que encontra seu estímulo próprio na contradição.
601
Ibidem, p.98
257
Ricœur, faz uma revisão dos conceitos teológicos, com base no discurso
da pregação sobre o Reino de Deus que se anuncia602. Ou seja, a religião no
nome tem que se opor à religião do mito. A religião do nome cria uma história,
a do mito se dedica a um universo cheio de deuses. A história contada em casa
é a esperança da história, pois cada ato narrado confirma a promessa feita, um
ainda não a se realizar. Existe assim uma constituição temporal dessa
promessa. Essa promessa não é esgotada com a vinda do Cristo, ela prossegue
em uma cristologia, como evento, em uma perspectiva escatológica. 603 A
ressurreição, assim seria um evento passado, que desembocaria na esperança
escatológica. A interpretação do túmulo vazio como memorial da nostalgia.
602
Inspirado por Martin Buber, Ricœur pretende fazer uma revisão dos discursos religiosos
contidos dentro dos textos bíblicos. Ele é influenciado por duas obras: BUBER, Martin. Eclipse
de Deus: consideração sobre a relação entre religião e filosofia. Trad. de Carlos Almeida
Pereira. Campinas, SP: Versus, 2007; Eu e Tu, trad. Newton Aquiles Von Zuben, São Paulo:
Cortez&Moraes, 1979.
603
Ricœur se interessa pela substituição que faz Moltmann de tirar a Ressurreição como
acontecimento findo e colocar sua perspectiva na pregação escatológica.
604
Ver: KELLY. Anthony J. O efeito da Ressurreição: transformação da vida e do pensamento
cristãos, São Paulo: Edições Loyola, 2015._
258
605
“ A teologia incide sobre as relações de inteligibilidade no elemento do testemunho; é uma
lógica da interpretação cristológica dos acontecimentos da salvação. Ao dizer isto permaneço
no fundo anselmiano e barthiano: a teologia é um intelecto fidei (...) Para o Filósofo, Cristo é
o esquema da esperança; ele tem a relação com uma imaginação mítico-poética, que diz
respeito ao acabamento do desejo de ser” (Desmitizar a Acusação, in O Conflito das
Interpretações, 1999, p. 340).
606
A Liberdade segundo a Esperança, in Conflito das Interpretações, 1999, p. 401.
259
CONCLUSÃO
607
“Tel est le pari. Seul peut s´irriter contre ce mode de pensée celui qui estime que la
philosophie, pour commencer de soi, doit être une philosophie sans présuppositions” (Finitude
et Culpabilitè, 1960, p. 488).
260
ato da leitura dentro de uma ontologia hermenêutica, pois o ser é para Ricœur,
um ser interpretado.
A ideia de Deus, é uma ideia limite que se sobrepõe à liberdade. Pois ela
é um exercício não violento da imaginação que se propõe educar o indivíduo
sem violência. Deus não passa de uma descrição subjetiva, pois uma verdadeira
transcendência é mais que uma ideia limite. Ela e uma presença que inaugura
uma inversão na teoria da subjetividade. Essa introduz uma dimensão nova que
é a dimensão poética. O homem espera, quando aceita como possível para si,
que a necessidade que o constitui seja o mundo no qual Deus o doa. Dessa forma,
a esperança abre ao homem a possibilidade de um mundo transfigurado, de um
264
mundo reconciliado, no qual deve se reconhecer. Este mundo exige, por um lado,
uma aposta, pois o homem, com razão, descobre a contingência e, por outro lado,
exige uma linguagem que supere os limites da razão, sem desprezá-la.
possamos dizer o logos de Cristo não pode ser posto, pelo filósofo, na
interpretação da obra, sem uma razão integral.
608
“l´éspérance n´est point le triomphe du dualisme, mais le viatique sur le chemin de la
conciliation”. (Le volontaire et l’involontaire, 1950, p. 452).
267
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