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Curso “Esoterismo na História e Hoje em Dia”

https://lp.seminariodefilosofia.org/curso-avulso-esoterismo-na-historia-e-hoje-em-dia/

Autor: Olavo de Carvalho


Transcrição: André Carezia, 15/out/2021 [andre@carezia.eng.br]

Aula 4

Boa noite a todos. Sejam bem-vindos.

Hoje eu vou complementar algumas coisas que eu disse na aula passada a respeito da maçonaria. Eu
creio que alguns pontos foram assentados. Não há nenhuma maneira de se descrever a maçonaria
como uma espécie de governo mundial secreto, mesmo porque não há uma “central” maçônica que
comande a rede toda das lojas. Uma ação de tipo hierárquico, no caso, é absolutamente impossível.

Porém, nós podemos tomar como modelo para a nossa explicação o que aconteceu com o movimen-
to comunista a partir da década de 80, onde a antiga organização hierárquica com comando central
em Moscou e ramificações no mundo inteiro foi substituída por um sistema de redes, onde os focos
locais têm muito mais autonomia e agem mais por um princípio de “solidariedade analógica” do
que em obediência a uma palavra de ordem. A experiência mostrou que este sistema funcionava
muito melhor do que a antiga organização de tipo militar.

Porém, quando os comunistas descobriram isto, esse negócio já era mais velho do que andar pra
frente, porque esta é exatamente a organização da maçonaria. A maçonaria não tem um comando
central; ela tem um conjunto de doutrinas que não funcionam apenas como doutrinas, mas funcio-
nam como a própria estrutura, a própria ordem interna, o próprio princípio de funcionamento da
maçonaria. Não são princípios teóricos. Não é algo que você tem que “acreditar”. Independente-
mente de você acreditar ou não, a coisa vai funcionar porque a estrutura é esta.

Como eu expliquei na aula passada, essa estrutura coincide exatamente com a ética formal do Kant,
onde nenhum valor ou princípio pode ser afirmado. Por exemplo, existe a regra maçônica de que
para ser maçom você tem que acreditar em Deus, mas é qualquer Deus que seja. Você não pode
chegar lá e dizer que crê em Nosso Senhor Jesus Cristo. Você pode acreditar no seu coração e na
sua intimidade, mas isto não tem validade para a maçonaria, porque outro pode acreditar em Buda,
outro no culto da abóbada celeste, outro na confraria do repolho místico, outro no que ele quiser.
Isto quer dizer que a devoção concreta a Nosso Senhor Jesus Cristo não tem mais valor, dentro da
maçonaria, do que qualquer outra coisa. Existem, inclusive, vários ritos maçônicos diferentes que,
nos seus juramentos, usam vários livros diferentes. Alguns usam o Corão. É uma divisão pequena
da maçonaria, mas ela existe, e jurar pelo Corão é tão válido quanto jurar pela Bíblia. Aliás, quando
você jura pela Bíblia, você jura apenas a crença em Deus, não necessariamente no Deus da Bíblia.
A Bíblia funciona mais como um objeto simbólico para dar respeitabilidade ao ritual do que como
transmissor de um conteúdo. Ao conteúdo você pode aderir ou não conforme você queira.

Portanto, o que sobra como princípio unificador é a ética formal, que é, por sua vez, a estrutura do
Estado laico moderno. O Estado laico moderno é, ele mesmo, uma espécie de extravasamento da
maçonaria. Como disse o William McKinley, presidente dos EUA, “a nossa sociedade política é a
maçonaria.” McKinley foi assassinado, mas não por ter dito isso; foi por outros motivos. Apesar
que nós não sabemos se houve alguma intriga interna da maçonaria, se ele fez alguma burrada que
os caras não gostaram. Teoricamente ele foi morto por um anarquista, o que não quer dizer que a
maçonaria não tivesse também elementos no movimento anarquista. No livro do James Billington,

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“Fire in the Minds of Men”, ele mostra que realmente tinha.

Isso quer dizer que a idéia do indiferentismo religioso está profundamente arraigada na maçonaria.
Têm saído dezenas de livros, sobretudo dos discípulos do René Guénon e do Schuon, mostrando a
afinidade de maçonaria e catolicismo, sobretudo através da interpretação de símbolos. Tudo isto
está certo, só que não é obrigatório na maçonaria. Se você quer, você pode acreditar nisso sem ne-
nhum problema. Um exemplo é o do François Chenique, “O Culto da Virgem ou A Metafísica do
Feminino”. Quando eu vejo esse livro, eu lembro do que falava o Ezra Pound, quando mostravam
um poema para ele: “Molto bello, ma non funziona." Isto é tudo teoria. Este livro se baseia nas idéi-
as do abade Stéphane, que é muito querido pela escola tradicionalista, o qual explica a vida da Vir-
gem pela doutrina hinduísta. Ou seja, a Virgem deixa de ser a fonte da mensagem e se torna um ob-
jeto a ser estudado por uma grade conceitual que a abrange. De certo modo, no mesmo instante em
que o sujeito está explicando a função metafísica e cosmológica da virgem, ele está negando a prio-
ridade dela como Mãe de Deus. Intelectualmente a coisa faz sentido, e François Chenique é um ho-
mem muito culto e simpático, mas será que ele entende da Virgem mais do que aquelas três crianci-
nhas de Portugal? Não é possível, porque aquelas conhecem a Virgem não porque leram no livro do
abade Stéphane ou na doutrina hinduísta, mas porque conversaram com ela. Assim como aquele
menino de Ruanda, Emmanuel Segatashya, conhece Jesus Cristo não porque leu alguma coisa, mas
porque Jesus Cristo conversava com ele e ele perguntava as coisas diretamente a Jesus Cristo.

A maçonaria não funciona como um governo secreto porque não tem um comando secreto. Existe,
evidentemente, uma hierarquia entre as lojas, mas essa hierarquia é mais costumeira do que outra
coisa. Não é oficial. Eu me referi na última aula ao fenômeno das arqui-lojas, que está descrito no
livro de um autor que se chama Gioele Magaldi. Ele chama de “Ur-Lodges”. Ur, em alemão, quer
dizer “arqui” ou “super”. Ur se refere à origem, como na palavra arquétipo. São lojas exclusivamen-
te de bilionários, pessoas extraordinariamente poderosas. Na influência que exercem, essas lojas são
muito mais poderosas do que as lojas que têm o padeiro da esquina e o homem do posto de gasoli-
na. Mas não é uma hierarquia oficial.

A pergunta que surge é a seguinte: se não existe este comando, se não é uma organização hierárqui-
ca nesse sentido, se todas as hierarquias maçônicas são mais simbólicas do que outra coisa, então
como é possível que a maçonaria exerça essa influência enorme no mundo? Ninguém pode negar
isso. Basta estudar a história da Revolução Francesa, da guerra civil espanhola, da revolução russa.
Em toda a história moderna a maçonaria está ali presente, não necessariamente dirigindo os aconte-
cimentos como os teóricos da conspiração imaginam, mas ela está de certo modo onipresente. O se-
gredo é o seguinte: o que a maçonaria exerce no mundo não é um poder de controle; é uma hegemo-
nia. Ou seja, quando Antônio Gramsci inventou a teoria da hegemonia, ele estava atrasado em quase
200 anos. A maçonaria já estava exercendo a hegemonia exatamente pelos meios que ele propõe, só
que com muito mais sutileza e muito mais eficiência do que o coitado do Antônio Gramsci lá na ca-
deia poderia ter imaginado.

Um dos modos de controle dessa hegemonia é o seguinte: um membro da maçonaria está unido a
ela por uma série de juramentos de fidelidade, por uma série de compromissos com os seus compa-
nheiros – irmãos, como se chamam – que se sobrepõem a qualquer obrigação moral ou legal exter-
na. Se você é um cidadão brasileiro, então teoricamente você está submetido à constituição brasilei-
ra. Mas você jurou obediência à constituição brasileira? Você prometeu que, se você a infringisse,
eles poderiam matar você? Pois na maçonaria você faz isso. Você faz uma série de juramentos de fi-
delidade, não à organização abstratamente, mas aos seus companheiros. Ou seja, onde quer que
você esteja, você vai ter que favorecê-los acima de qualquer outra pessoa. Existe, além dos jura-
mentos, uma série de sinais de reconhecimento [00:10] pelo qual um maçom reconhece o outro ma-

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çom e o grau da maçonaria em que ele está. É todo um vocabulário de sinais, uma coisa enorme-
mente complicada que muitos maçons nem conhecem direito. Mas suponha que você é um juiz ma-
çom que está julgando um réu, e por um sinal ele se identifica para você como um maçom. Você é
obrigado a favorecer aquele sujeito, não porque você quer, não porque você é desonesto, mas por-
que você está comprometido com isto. Ou seja, acima das leis de qualquer país, e acima da moral
vigente, qualquer que ela seja, haverá um comprometimento maçônico. É claro que os maçons estão
em vantagem sobre os outros. Isto é espontâneo. Não é uma ação planejada.

Nos EUA, a maçonaria está em decadência, baixando de 5 milhões de membros para 2 milhões de
membros nos últimos 30 anos. A despeito disto, ela continua tendo uma influência. Ademais há ou-
tro fenômeno. Por funcionar desta maneira – por ter essa série de juramentos de fidelidade – ela é
um terreno fértil para que associações mais secretas ainda se desenvolvam dentro dela. Foi exata-
mente o que aconteceu com os Illuminati, fundado por Adam Weishaupt em 1776. Esse ano não é a
data de fundação da América, porque a América não existia; não tinha a constituição, não tinha o
Bill of Rights, não tinha nada, e era apenas um território cheio de gente, mas é a data de fundação
da ordem dos Illuminati por Adam Weishaupt. E quando George Washington assume a presidência,
ele já é imediatamente informado de uma tremenda infiltração Illuminati dentro da maçonaria local
através do livro “Proofs of a Conspiracy”, do John Robison. O negócio já estava mal parado e fora
do controle naquela época. Imagine então o que esses bilionários maçons das arqui-lojas podem fa-
zer nas outras lojas; eles fazem o querem.

Não há uma estrutura de governo maçônico, mas há vários sistemas de poder que crescem dentro da
maçonaria, e isto acontece quase que necessariamente. É por isto que você encontra maçons com as
mais diferentes crenças e ideologias, mas no conjunto a coisa sempre expande a sua influência,
mesmo que o número de membros diminua. Note que a maçonaria não sai por aí recrutando pesso-
as; para virar maçom, você tem que ser apresentado por um outro maçom. Esse sistema de lealdades
e preferências está profundamente imbricado na estrutura do Estado moderno, e ele é a base do Es-
tado moderno.

Nós podemos odiar o Estado moderno o quanto quisermos, mas será que existe algum outro modelo
de Estado que possibilite a convivência de religiões diferentes no mesmo espaço? Não, não existe.
Este é o negócio. No meu livro “O Jardim das Aflições”, eu defini claramente os EUA como um Es-
tado maçônico, e defini a maçonaria como uma religião. Você não pode dizer que o Estado laico
americano não tem religião, porque ele tem; a religião dele é a maçonaria, e a maçonaria é uma es-
pécie de religião sem dogmas. Ele é constituído de uma série de fórmulas rituais e obrigações regu-
lamentares que se impõem a todos, sem que haja necessariamente um culto. Pode haver esse aspec-
to de culto nos graus mais elevados da maçonaria, mas a maior parte dos maçons nem fica sabendo
disto, e também não interessa. E não é por isto que a maçonaria exerce o poder que tem.

Algumas pessoas dizem que a maçonaria é um culto satânico. Em certos graus, em certas lojas,
pode até ser, mas em outros não precisa ser. Ninguém liga. Tanto faz se você está cultuando o sata-
nás aqui e o outro está cultuando Jesus Cristo na esquina. Os efeitos da maçonaria no mundo são os
efeitos da ética formal kantiana. É o esvaziamento dos objetos de crença, de culto, de devoção, e o
que entra no lugar são obrigações formais regulamentares. O Estado moderno é todo feito de forma-
lismos jurídicos, e os valores morais com que você preenche esses formalismos não têm validade
pública; eles recuam para a dimensão da crença íntima, ou da liberdade do indivíduo, o qual não
pode impor os seus valores ao vizinho. Então tudo depende de qual o grupo que no momento está
sabendo usar melhor essa máquina hegemônica. Atualmente, o grupo que a usa melhor é o grupo is-
lâmico. Em toda parte no ocidente, por mais maçônico que ele seja, o aparato legal está sendo usado
para proteger o Islã, sobretudo a invasão islâmica pela imigração, e para reprimir de maneira cada

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vez mais ostensiva a prática pública do cristianismo.

Eu não tenho a menor condição de investigar o seguinte: até que ponto vai a penetração islâmica
dentro da maçonaria. Eu sei que se não houvesse essa penetração, fenômenos como esse que eu es-
tou mencionando agora não poderiam acontecer jamais. De repente você vê um monte de presiden-
tes, ministros de Estado, juízes de direito, desembargadores, comandantes militares, todo mundo fa-
vorecendo o avanço islâmico, sem ser muçulmano pessoalmente, ou sem ser muçulmano publica-
mente. O indivíduo que é uma síntese perfeita do maçom e do islâmico é o próprio René Guénon.
Ele acreditava, ou dizia acreditar, que a maçonaria, por ser iniciática, poderia ser a raiz ou semente
de uma renovação cristã, mas ela não pode ser isso de jeito nenhum. Pois você pode ler o livro “O
Reino da Quantidade” e ver o retrato devastador que o Guénon pinta da modernidade, mas todos es-
ses elementos que ele chama de “anti-tradicionais” foram introduzidos na civilização cristã através
de maçons.

Na aula anterior, eu me referi a isso com relação às corporações de ofícios. As maçonarias são her-
deiras das iniciações de ofícios, onde a prática de um ofício, ou de uma arte, ou de uma técnica era
parte da devoção religiosa do sujeito. Era a realização da sua verdadeira vocação neste mundo como
base para a sua santificação. No século XVIII, com a constituição de Anderson, não apenas se corta
esta conexão da maçonaria com a sua raiz católica, mas as ordens maçônicas atuam decisivamente
no sentido de liquidar as corporações, substituindo-as por esses órgãos meramente formais e jurídi-
cos que são os sindicatos. Alguém entra no sindicato dos gráficos ou no sindicato dos metalúrgicos
para receber uma iniciação? Alguém fica lá rezando Ave-Maria? Alguém vai explicar ali os misté-
rios dos sacramentos? Claro que não. O sindicato é uma versão materializada e rebaixada do que
eram as corporações de ofícios. Quem operou essa transformação foram sobretudo políticos e líde-
res maçons do tempo da Revolução Francesa. Não começou com a Revolução Francesa, porque o
próprio rei – que também era maçom – começou dando o primeiro golpe nas corporações de ofícios;
depois a revolução acabou com tudo.

Quando você vê os governos francamente anti-cristãos, anti-espirituais e grosseiramente materialis-


tas que se espalharam pelo ocidente e que fizeram, [00:20] por exemplo, a guerra dos Cristeros no
México, a Revolução Francesa, a guerra civil espanhola, você se pergunta do que é que o Guénon
está falando em “O Reino da Quantidade”. Foram eles mesmos, os maçons, que instauraram o reino
da quantidade, na medida em que eliminaram os ritos e símbolos voltados a conteúdos concretos,
deixando só a ética formal. O mundo inteiro, assim, virou uma espécie de código civil, sem conteú-
do espiritual nenhum, baseado apenas na funcionalidade e nos fatores acessíveis à ciência, que são
os fatores quantitativos. Note que estou falando de ciência no sentido atual.

Como, então, a maçonaria poderia restaurar a espiritualidade católica? Em primeiro lugar, ela não
tem iniciações sacerdotais nenhumas. Quando você vai investigar aquelas iniciações que eles cha-
mam de sacerdotais, descobre que elas são, na verdade, iniciações de tipo cosmológico: mistérios
do cosmos, da sociedade, da história, da matéria. Você não pode ter uma iniciação sacerdotal se o
deus em que você diz acreditar é um deus vazio, um conceito de Deus. O conceito abstrato de Deus
vale para todos os deuses que passem pela imaginação humana. Existe um conceito hinduísta, um
conceito cristão, um conceito católico, um conceito protestante, um conceito budista, e assim por di-
ante. O mesmo conceito abstrato vale para todos, mas esse deus abstrato não pode ser objeto nem de
culto nem de devoção; ele pode ser apenas objeto de crença. Você acredita que ele existe, assim
como você acredita que existe a gravitação universal, ou que existem as partículas subatômicas.
Essa crença é uma atitude intelectual, uma admissão intelectual de algo que você considera verdade.
Há um universo inteiro de distância entre isto e a fé religiosa. Um deus abstrato não pode ser objeto
de culto e, digo mais, nem de conhecimento. Se você considera este deus abstrato, então vale para

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ele a crítica que fazia o Kant: este deus é incognoscível sob todos os aspectos; ele não pode ser ob-
jeto de experiência de maneira alguma, porque ele é um universal abstrato.

Isto tem algum reflexo no mundo islâmico, porque nas mesquitas o altar ao qual se dirigem as pre-
ces é um espaço vazio chamado mihrab. Não tem nada ali. Você pode preenchê-lo subjetivamente
com o conteúdo que você queira. Você pode pensar o que você quiser de Deus, contanto que você
não diga. Pois se você disser, você estará associando Deus a algum conteúdo concreto, e o associa-
cionismo é a pior das heresias no mundo islâmico. Desse Deus você nada sabe.

Quando nós vemos a influência terrível que o Islã está exercendo no mundo ocidental, só podemos
concluir que tem de ser através da penetração deles na maçonaria. Dizer que o René Guénon não
teve nada a ver com isto é negar o óbvio, porque ele foi o maior ponto de contato que houve no sé-
culo XX entre as duas coisas. Antes já existia. O próprio Angel Millar, que é um maçom e nada diz
contra a maçonaria, mostra no livro dele os contatos profundos que houve entre tariqas e lojas ma-
çônicas desde o começo do século XIX, pelo menos.

Este favorecimento chega ao ponto de que no exército americano você não pode rezar um Pai-Nos-
so em voz alta porque isto pode ofender a minoria muçulmana que está ali. Mas o Pai-Nosso em si
mesmo não está ofendendo alguém. Ele não está falando nada contra ninguém. Mas a Sura al-Fati-
ha, que é o primeiro capítulo do Corão, diz literalmente o seguinte nas linhas finais:

Ihdinā ṣ-ṣirāṭal-mustaqīm
Ṣirāṭal-laḏīna an’amta ‘alayhim
ġayril maġḍūbi ‘alayhim walāḍ ḍāllīn

Quer dizer o seguinte:

Guia-nos pela senda reta


O caminho daqueles a quem favoreceste
Não o dos abominados nem o dos extraviados

Na teologia, os abominados são os judeus e os extraviados são os cristãos. Se você ouve a Fatiha,
você está sendo insultado no mesmo momento. Se você é cristão ou judeu, você está sendo chama-
do de extraviado ou de abominado. Então não é a mesma coisa você rezar o Pai-Nosso ou Ave-
Maria em público, ou você rezar a Fatiha. A Fatiha já é, em si, uma declaração de guerra, ou no
mínimo uma declaração de rejeição total dos abominados e dos extraviados. Ou seja, a suposta
ofensa que um muçulmano recebe ao ouvir o Pai-Nosso está apenas na interpretação que ele faz, na
reação dele; ele se sente ofendido porque aquilo não é muçulmano. Mas o cristão ou o judeu que
ouve a recitação da Fatiha está sendo ofendido literalmente e ostensivamente, e esta pequena dife-
rença não é levada em consideração.

Ora, mas nós não estamos dentro de uma civilização que uns dizem que é cristã e outros dizem que
é maçônica? Como é que uma religião externa, que domina uma outra civilização estranha a esta,
chega a ser tão favorecida a este ponto? Por que a prece judaico-cristã ofende os caras, embora não
haja nada de ofensivo, e a ofensa explícita tem que ser aceita de cabeça baixa e quietinho? É um fa-
vorecimento muito ostensivo, e eu não vejo outra maneira de explicar isso senão através da penetra-
ção islâmica na maçonaria.

No governo Obama, via-se uma presença enorme de muçulmanos nos altos círculos, a começar pelo
chefe da CIA, o John Brennan, que é um cara ostensivamente convertido ao Islã. Recentemente eu

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vi uma divisão do exército americano que nomeou como capelão um imã muçulmano. Ali deve ha-
ver entre 5% e 10% de muçulmanos, e portanto os outros 90% vão ter que ouvir diariamente esta
ofensa. É claro que é um favorecimento muito desproporcional para ser mera coincidência ou ape-
nas um erro. É claro que isto faz parte de uma obra de engenharia social para ensinar os judeus e
cristãos a ouvirem a ofensa quietinhos e de cabeça baixa.

A maior parte da bibliografia anti-maçônica circulante pode ter algumas informações boas, mas no
fim das contas é inútil porque ela não está entendendo exatamente o processo. Alguns livros dizem
que a maçonaria, nos altos graus, cultua o diabo. Pode até ser, porém o ponto não é este. O ponto é
que você não precisa cultuar o diabo para você estar favorecendo a expansão hegemônica, que é o
que interessa. E eu não creio que isto possa ser compreendido desde a esfera meramente doutrinal.

Eu creio que, com isto, fica delineado qual é o problema atual com a maçonaria. Claro que, entre os
que estão me ouvindo, deve haver alguns maçons. E, se você está dentro da organização, então você
está numa posição muito boa para estudar esse processo e compreendê-lo, [00:30] sine ira et studio,
sem raiva e sem um escudo. Nós temos que nos abrir à verdade, apareça ela como aparecer, e não
julgar exceto aquilo que peça para ser julgado. E sobretudo nós temos que tomar muito cuidado
para não cometer injustiças e sair acusando pessoas de heresia ou de satanismo. É preciso ter calma.
Nós estamos tentando entender como a coisa funciona. Quando entendermos tudo, então, se for o
caso, podemos emitir um julgamento a favor ou contra; não antes disto.

O mesmo tipo de análise tem que ser feito com relação à dita “escola tradicionalista”, que é o canal
através do qual o conhecimento público das iniciações chegou ao ocidente. Porém, todo ele chegou,
através do René Guénon, com esta idéia de que as iniciações no ocidente acabaram, que elas já não
existem mais desde a Idade Média, que só o que sobrou foi a maçonaria e a companheiragem. Mas
por que o René Guénon, que acredita que as únicas tradições iniciáticas ainda resistentes são de tipo
maçônico, também sugere que a restauração da cristandade no ocidente tenha de ser feita sob o
guiamento de mestres islâmicos e não de simples mestres maçons? Pois a maçonaria já é ocidental,
e portanto o choque cultural de ver a cristandade restaurada sob a égide maçônica seria menor do
que vê-la restaurada sob o guiamento de mestres espirituais islâmicos. Ou seja, o René Guénon está
consciente do estado em que está a maçonaria, e ele está consciente também de que o mundo mo-
derno – o mundo do reino da quantidade que ele tanto condena – apareceu graças à influência de
maçons. Ele sabe que tem esse abacaxi na mão, mas ele simplesmente não trata desse problema.
Quando você vai investigar tudo aquilo que ele condena no mundo moderno, descobre que aquilo
entrou em circulação através de maçons. E, se a maçonaria se comprometeu tão profundamente com
o mundo moderno que o Guénon tanto odeia, então ela simplesmente não pode ser o instrumento da
restauração espiritual do ocidente. Daí o que o Guénon faz? Ele não está tentando fazer da maçona-
ria a força guiadora do ocidente, porque ela já o é. Ele está tentando é fazer do Islã uma força guia -
dora da maçonaria. Foi isso o que ele fez, e nós estamos vendo os efeitos hoje.

Por outro lado, nós temos hoje consciência de que os sacramentos da Igreja Católica são todos inici-
áticos. Pelo menos vocês têm, e dentro da Igreja Católica uma fração ínfima tem. Iniciação é dar ao
indivíduo humano uma potência espiritual que ele, por si, não tem. A potência da santificação e da
divinização do ser humano não existe naturalmente. É através do batismo que você adquire isto.
Cada um dos outros sacramentos abre novas possibilidades espirituais. A iniciação sacerdotal, por
exemplo, entrega para você as chaves dos dois reinos (“o que unirdes aqui será unido no céu; o que
separardes aqui será separado no céu”). O fiel comum, por mais santificado que esteja, não tem isto.
A Santíssima Virgem Maria não tem isto, ela não faz parte do sacerdócio, ela não faz parte do clero,
ela não pode rezar uma missa. Isto é uma possibilidade reservada para aqueles que tiveram esta ini-
ciação. O crisma ou a confirmação, do mesmo modo, abre para você a possibilidade de você se tor-

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nar um defensor da fé. Ou seja, não é qualquer um que pode bancar o defensor da fé; você precisa
ter recebido isto.

Eu acredito realmente que só existe um caminho iniciático no mundo: são os sacramentos da Igreja
Católica. Não há outros. O protestantismo participa deles de maneira menor, porque conserva al-
guns sacramentos. A Igreja Ortodoxa conserva todos, e as Igrejas católica e ortodoxa reconhecem
mutuamente os seus sacramentos. No resto eu não conheço. Se o indivíduo passa por um processo
de santificação e divinização, evidentemente alguns atributos divinos têm que aparecer personifica-
dos nele. A mim me parece óbvio. O principal desses é o poder sobre a matéria. Se você estudar a
vida do padre Pio, você vai ver que a matéria não resistia ao que ele pedia a Nosso Senhor Jesus
Cristo. O que ele pedia, Nosso Senhor Jesus Cristo fazia. Então a matéria não era obstáculo sufici-
ente para ele. Ali você vê a ação divina direta no mundo.

Se você entra nas igrejas hoje em dia, a doutrina fundamental da Igreja Católica, que é o milagre,
está totalmente ausente. Por que isto acontece? Porque a Igreja Católica também foi contaminada
pela ética formal. Ela pode falar de valores morais que todo mundo aceita porque são vazios. Todo
mundo pode ser a favor de "justiça social”, por exemplo, mas o que é exatamente justiça social?
Cada um pode interpretar como quiser. Uns acham que a justiça social é o comunismo, outros
acham que é o capitalismo. É o tipo do preceito vazio, que corresponde à ética formal kantiana.
Hoje em dia você só vê a Igreja pregando ética formal. Quando você entra na questão decisiva, que
é a presença real efetiva de Deus no mundo, a ação de Deus no mundo material, não se fala mais. E
esta é a diferença fundamental. O sujeito pode até dizer que passou por iniciações Sufi e agora se
transformou em Alá, mas então ele que tome um pedaço de barro, assopre, faça-o virar um passari-
nho e sair voando.

Você pode dizer que Deus é incognoscível e inacessível. Sim, ele o é na sua essência, mas não pode
sê-lo na sua ação, senão você jamais teria ouvido falar dele. Ou então tudo que você ouvisse falar
dele seriam apenas coisas que você pensou. A Bíblia, a doutrina da Igreja, o catecismo, são idéias.
São coisas que estão sendo ditas sobre Deus. Elas podem ser verdadeiras, mas elas não são a pre-
sença efetiva, a ação de Deus. As escrituras foram reveladas para os evangelistas, para os profetas,
dois mil anos, quatro mil anos, cinco mil anos atrás. Os escritos não estão sendo revelados para
você neste momento. Você está apenas lendo, e interpretando aquilo de acordo com a sua cabeça.
Como é que você vai saber que a sua interpretação corresponde exatamente à intenção do profeta ou
do evangelista? Apenas através de uma ação divina que não está no texto. É algo a mais além do
texto.

Daí o post que eu coloquei hoje no Facebook: de onde vem a palavra “humildade”? Vem de “hú-
mus”, aquilo que há na terra e torna a terra fértil. [00:40] Nós, os fiéis, somos como a terra. A terra
e o chão não se movem. A terra não vai subindo a escada para chegar no céu; ela aguarda a chuva e
a semente, que vêm do céu, e sob as quais você não tem nenhum controle. Você pode apenas pedir.
Este “pedir” – esta prece – é a atitude fundamental e é o único caminho possível para a santificação
e divinização do ser humano. Quando eu falo de santificação e divinização, falo de algo que está
sendo prometido para você e que vai ALÉM da salvação. Muitas pessoas podem ter sido salvas sem
chegar a este ponto. Foram salvas porque simplesmente foram perdoadas, o que não quer dizer que
a presença delas no mundo manifesta a presença e ação do próprio Deus. A maioria das pessoas que
são salvas, são salvas assim: apenas perdoadas.

Quando o René Guénon diz que as iniciações abrem caminho para algo que vai além da salvação,
ele está com toda razão, só que é justamente disto, e não de outra coisa, que a doutrina católica está
falando. Ela não está prometendo apenas a salvação da alma. O Cristo não disse aos apóstolos “tudo

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que eu fiz vós o fareis”? Como é que com a mera salvação da alma você poderia fazer isso? O
Apóstolo não diz “não sou mais eu que estou aqui, mas é o Cristo que está aqui em mim”? Como é
que com a perspectiva da mera salvação ele poderia obter isso? Como é que sem uma iniciação ele
poderia obter isso? Seria impossível. E, no entanto, essas possibilidades superiores existem e a his-
tória dos santos está repleta delas. Repleta de realizações que, do ponto de vista meramente terres-
tre, são absolutamente impossíveis. A começar pelo famoso fenômeno dos corpos incorruptíveis,
que não apodrecem passados mil anos. Isto é a marca de uma ação divina que está diante de você fi-
sicamente.

O pessoal fala muito de espiritualidade. Quando ouço falar de espiritualidade, eu já começo a prote-
ger a minha carteira. Não se trata de espiritualidade, mas de Deus, da ação divina real, da pessoa
real. Quando você perde essa perspectiva, o número de questões absurdas que aparecem na sua ca-
beça, e de polêmicas religiosas absolutamente inúteis e destrutivas, prolifera que é uma coisa incrí-
vel. Se você entende que a fé não é uma crença – uma crença é apenas a admissão mental de uma
verdade – e sim um ato de confiança numa pessoa real, que é a pessoa de Nosso Senhor Jesus Cris-
to, então você começa a entender que a maior parte das dúvidas teológicas não podem ser resolvidas
por meios humanos. Você tem que aguardar que o próprio Deus fale. Se ele não falar, isto quer di-
zer que você não precisa saber daquilo naquele momento; quer dizer que, no entender de Deus, você
não precisa ter a resposta. Eu me lembro do famoso ditado russo: “Um só idiota consegue fazer
mais perguntas do que 60 sábios conseguiriam responder”.

As polêmicas religiosas surgem dessas perguntas – E isso? E aquilo? E aquilo outro, como você ex-
plica? Esta curiosidade insana está tão, tão longe do espírito cristão, que a própria Bíblia diz mais
de uma vez “não se meta em assuntos que estão superiores à sua capacidade”. A maior parte das
dissensões teológicas são deste tipo. Como é que você sabe se é de um jeito ou de outro? Eu não sei.
Essas duas palavrinhas mágicas, “não sei”, estão na base da vida cristã. Quando perguntaram a Nos-
so Senhor Jesus Cristo sobre o fim do mundo, ele respondeu: “Eu não sei, só Deus Pai sabe.” Ou
seja, existe algo que o próprio Cristo não sabe. Eu entendi isto da seguinte maneira. Jesus Cristo é o
logos, a inteligência divina, a razão divina. Deus Pai é a onipotência, a vontade divina. Portanto, o
mundo acabará não em decorrência de alguma lei geral que tenha que ser cumprida, mas de uma li-
vre decisão da vontade soberana de Deus Pai. Por isso é que não há como saber. Se fosse possível
saber, então Deus Pai estaria sob o controle intelectual de Deus Filho, o que não é possível. Se o
próprio Jesus Cristo admite que há um limite para o que ele conhece, qual é a nossa dificuldade de
dizer “não sei”? Nessas discussões entre católicos, protestantes, ortodoxos, existem problemas reais
mas sem solução.

Todos nós nos apegamos a idéias às quais nós aderimos na adolescência. Eu aprendi algumas coisas
na infância, e essas eu mantenho. Mas, do que eu pensava na adolescência, eu joguei tudo fora. Era
tudo besteira, porque na adolescência eu estava buscando me definir – definir a minha figura, defi-
nir a minha personalidade – e não estava interessado na verdade. Então o que eu chamava de verda-
de era apenas aquilo que reforçava a minha auto-imagem. Eu precisava disso, como uma espécie de
muleta psicológica, e a minha personalidade cairia se alguém me demonstrasse que aquilo era falso.
Ora, eu não alcançaria a maturidade enquanto não estivesse disposto a jogar fora todas as minhas
idéias e a moldar-me à verdade tal como ela fosse aparecendo aos poucos.

O interesse por esses assuntos “espirituais” se espalhou no ocidente a partir do século XIX, primeiro
com o movimento ocultista que antecipou a chamada Nova Era dos anos 60, e depois com a escola
tradicionalista, que entrou criticando o ocultismo e tentando substituí-lo por uma coisa intelectual-
mente mais elevada. Tudo isso se espalhou de uma maneira extraordinária, mas em geral eu não
vejo nas pessoas interessadas nisso o interesse por Deus. Eu não vejo. Eu vejo um interesse cogniti-

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vo de compreender certos mistérios e decifrar certos símbolos. Tudo isso é muito bonito e às vezes
pode ajudar, mas também pode atrapalhar do mesmo modo.

No meio tradicionalista, eu não vi nenhum exemplo de virtude superior. Eu vi virtudes normais,


pessoas educadas e simpáticas, que não são ladrões. Mas um exemplo de santidade eu não vi. Eu
não vi ali ninguém fazer milagre, ninguém curar sequer uma hemorróida com uma oração. Não vi.
Então tudo isso me parece muito pobre. É de uma riqueza intelectual formidável, é claro, mas que
em comparação com a mais mínima ação real de Deus no mundo é nada.

No fim das contas, a grande conclusão final deste curso – ainda temos mais uma aula, mas eu já es-
tou enunciando a conclusão – é esta: quase tudo o que no mundo está se vendendo como esoterismo
e iniciação não tem nada de iniciático. Ou a coisa tem o poder de transfigurar você no próprio Nos-
so Senhor Jesus Cristo, ou não tem nada.

Vamos fazer uma pausa e voltamos. [00:50]

***

[Comentário de Stella Caymmi, que tira uma conclusão e quer saber se é certa: “Porque se você
não ama Nosso Senhor Jesus Cristo e não o busca, a ele e apenas a ele, acaba tudo sendo uma bus-
ca de poder e conhecimento no mundo, mas que nada tem a ver com a busca e o seguimento da
pessoa de Cristo, que é o único que, através de seus sacramentos e seus santos, onde a intervenção
de Deus no mundo se torna clara (os estigmas de São Francisco, Santa Rita, padre Pio, a incorrup-
tibilidade dos corpos, o milagre de Lanciano), pode te dar não apenas a salvação mas essa divini-
zação a que São Paulo se refere: os santos que lavaram suas vestes no sangue do Cordeiro.”]

A sua conclusão está certíssima, embora expressa de maneira meio confusa.

É importante ter em vista o seguinte: o René Guénon compara a realização de milagres ao que no
hinduísmo corresponde ao que eles chamam de poderes (ou “siddhis”) e que são apenas manifesta-
ções externas de um estado interior. Um brâmane, por exemplo, que chegou a um certo nível de rea-
lização, adquire certos poderes, mas Guénon diz que esses poderes não têm valor nenhum, que o
que importa é o estado espiritual interno. A comparação dos siddhis com os milagres cristãos é ab-
solutamente inviável, porque os milagres cristãos não são poderes adquiridos por um indivíduo hu-
mano; são a própria ação de Deus. Não é o padre Pio que faz o milagre, mas é Jesus que faz o mila -
gre usando-o como instrumento. Na verdade, o padre Pio não tem poder nenhum. Isso está muito
claro no Evangelho. Não há poder a não ser o do próprio Cristo.

Então a sua conclusão está muito certa. O que quer que você busque fora disso realmente é outra
coisa.

[Pergunta de Luis Pancotte: “Eu gostaria de entender melhor qual é o grau de infiltração da ma-
çonaria na Igreja Católica do Brasil, e se a maçonaria está infiltrada pelo Islã aqui também.”]

A resposta é “não sei”, porque simplesmente não há estudos sobre isto. Existem estudos esplêndidos
feitos em outros países, como na Espanha, por exemplo. O brilhante historiador Ricardo de la Cier-
va, que é um homem bastante sereno, objetivo, imparcial, que não escreve com raiva, escreveu tal-
vez mais de dez livros a este respeito, livros que para mim são indispensáveis. O próprio Angel
Millar, que é um adepto da maçonaria, me parece um historiador bastante razoável e objetivo.

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No Brasil, porém, a bibliografia maçônica que existe ou é maçônica ou é anti-maçônica histérica,
que não adianta nada. O negócio é todo mundo se acalmar e tentar entender o que está acontecendo.

Se a maçonaria está infiltrada pelo Islã no Brasil, também não tenho a menor idéia. Não há estudos
sobre isto. Sobre a maçonaria americana, você pode ver os vídeos e livros de um sujeito chamado
Bill Schnoebelen, que foi um grão-mestre maçônico e desistiu, passou para a igreja protestante e faz
umas conferências que são uma riqueza de erudição absolutamente monstruosa. Ele é um anti-
maçom, mas não é um anti-maçom hidrófobo idiota; ele sabe do que está falando.

[Pergunta de Ana Maria Silveira Campos: “A Igreja Católica deveria se unir urgentemente à bi-
zantina pelo nosso bem?”]

Mas é claro que sim. A divisão das igrejas, tanto o cisma do oriente quanto o cisma do ocidente, não
é coisa boa. Unificar as igrejas, como bem percebia Leibniz, é uma coisa urgente. Porém, você acha
que alguém está querendo isso? Se alguém em Roma estivesse querendo isso, já teriam feito a fa-
mosa consagração da Rússia, pedida por Nossa Senhora em 1917, que os caras não fizeram até ago-
ra. Isto quer dizer que existem pessoas e grupos interessados no contrário.

Eu não creio que seja possível nenhuma conciliação sem concessões de parte a parte. Mas no Con-
cílio Vaticano II a Igreja Católica fez muitas concessões onde não devia, e não fez as que devia.
Mexer na doutrina fundamental não pode, mas há uma série de coisas de ordem ritual e de doutrina
social que pode ser cedida.

[Pergunta de Maurício: “Qual era a motivação estratégica das transformações das corporações de
ofícios em sindicatos?”]

É muito simples. Os próceres da Revolução Francesa estavam interessados na criação de um regime


capitalista moderno. Portanto, a livre contratação do trabalho era uma condição indispensável, e as
corporações de ofícios tinham o monopólio de certas profissões. O mercado de trabalho não era li-
vre.

Não se pode negar que o advento do capitalismo moderno criou recursos econômicos absolutamente
fabulosos, salvando da fome e da morte milhões de pessoas. Nós não podemos deixar de reconhecer
isso. Algum benefício disso resultou para a humanidade. Não adianta você ficar cuspindo no capita-
lismo quando a sua própria sobrevivência depende dele. Como dizia o Petre Tsutsea: só o evangelho
é absoluto, o resto é tudo relativo. Ou seja, essas condenações morais que nós fazemos ao capitalis-
mo, ao comunismo, têm que ser mediadas pela consciência da relatividade das situações humanas.
Jogar fora toda a análise que o próprio Karl Marx faz do capitalismo, só porque você é contra o re-
gime comunista, é fanatismo idiota. Do mesmo modo, não se pode jogar fora tudo que o capitalismo
deu à humanidade só porque você acha que graças a ele o crime de usura se espalhou pelo mundo.
Realmente não pode ser assim. Nós temos que julgar as coisas não pelas palavras, mas pelo que
substantivamente elas referem.

Eu acho, por exemplo, que o Ludwig von Mises explicou muito bem a questão dos juros. Ele diz
que a diferença entre o rico e o pobre não é só que o rico tem mais dinheiro, mas que o rico não pre-
cisa gastar o seu dinheiro na mesma hora, enquanto o pobre precisa: ele ganha o dinheiro e já tem
que gastar para comer. Então existe um tempo. Quando você empresta o dinheiro, você está empres-
tando um dinheiro atual em troca de um dinheiro meramente virtual que vem depois, e você tem que
ser remunerado por isto. Para saber quanto, só há um critério possível: quanto o cliente está disposto
a pagar. Se você, na hora do meu aperto, me empresta um dinheiro e eu lhe prometo pagar aquilo

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com 50% de juros, então qual é o problema? Emprestar um dinheiro para um sujeito que está que-
rendo montar uma firma, e cobrar juros dele, não é a mesma coisa que emprestar dinheiro a um po-
bre ou a uma viúva com juros escorchantes. Não é a mesma coisa. [01:00] As palavras são as mes-
mas – juros, usura – mas a coisa não é. Muitas pessoas que defendem a doutrina social da Igreja a
entendem na base das palavras.

Ontem mesmo eu estava explicando: o pensamento é uma criação humana. É você que cria as suas
idéias, cria as frases, cria as afirmações e as negações. Isso só vale quando você segue de perto a
criação divina, que é a própria realidade. Dizia São Tomás de Aquino: nós falamos com palavras,
Deus fala com palavras e coisas. As nossas palavras só valem quando elas acompanham as coisas
reais, não quando elas adquirem uma autonomia e você começa a tirar conseqüências do que você
mesmo pensou. Por isso eu falei do pensamento pesado. Geralmente o pensamento é leve e sai vo-
ando, como dizia o Lupicínio Rodrigues, depois copiado pelo Caetano Veloso. Pensar é fácil. De
pensar morreu um burro, um urubu, um papagaio. Mas existe um pensamento pesado, que é aquele
que se recusa a tirar conseqüências e espera que as coisas se manifestem, porque só Deus tem o
controle total do curso da realidade. Nós temos que esperar que a realidade fale. Eu expliquei isso
uma vez sob o título “contemplação amorosa”, e agora estou lançando esse tema do “pensamento
pesado”, ou seja, o pensamento que não se move facilmente pela sua própria iniciativa, mas que es-
pera as coisas falarem. Ou, como está no Tolstói, que espera que a própria vida fale.

Eu creio que pelo menos 90% das discussões teológicas são nesta base. Ontem eu estava explicando
que a questão da fé e das obras é uma questão que não faz sentido algum, porque a fé não é uma
coisa que você recebe pronta de uma vez por todas. A fé é um processo, uma dialética interior. Por
isso é que você pede para Deus aumentar sua fé; se ela viesse pronta, não seria necessário aumentá-
la. Portanto a simples fé já é uma ação. Ela não é uma coisa, um estado que você conquistou e no
qual você permanece. Ela é uma obra. O simples fato de você continuar tendo fé já faz parte da
obra! E as obras, por sua vez, os bens que você faz? Uma coisa é você ter uma crença e agir em fun-
ção desta crença, ter uma prática coerente com esta crença. É claro que as obras da fé cristã não são
assim. Se é apenas você que está praticando um bem porque aquilo decorre da sua crença, você está
na esfera do humano. Mas quando é o Espírito Santo que está agindo através de você, então esta
obra não é a aplicação da fé, e sim a própria fé. Então qual é o problema? Os caras que ficam discu-
tindo se o que salva é a fé ou a fé e as obras estão todos loucos. Me mostre uma fé que não seja
obra. Para não ser obra, ela precisaria vir pronta de uma vez por todas.

Daí alguém disse que a fé como virtude é dada pronta, e depois o desenvolvimento da fé é esforço
nosso. Mas ele não percebeu o que falou, porque a palavra “virtude” quer dizer “potência”, portanto
uma possibilidade concreta. Esta possibilidade lhe foi dada, mas a possibilidade em si é nada. Quan-
do o Apóstolo diz que “a fé sem as obras é morta”, ele não quis dizer que “se você professa uma fé,
mas não age em função dela, você é um mau cristão”. Isto é o sentido vulgar da coisa. Mas ele não
disse que a fé sem as obras é diminuída. Ele disse que é MORTA. Morto é aquilo que não tem vida,
não age. Ou seja, ela não é nada, é apenas uma possibilidade teórica. A partir do momento em que a
fé começa a se desenvolver interiormente em você, ela já é obra, já é ação.

Então para que ficar discutindo? Estão todos loucos?

[Comentário de aluno: “É como aquilo que o Sr. fala da genialidade, citando Goethe: se você é
gênio, então trabalhe e faça as coisas direitinho.”]

Não, é muito mais do que isso. Goethe está falando de obrigações sociais e mundanas que advêm da
genialidade. Ele está falando em outro plano. O que eu estou dizendo é que a fé, em si, já é ação do

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Espírito Santo e ação humana. Não é uma coisa que vem pronta. A virtude é potência, e a potência
sem o ato não existe. Não é mais fraca.

Isto não tem nada a ver com hipocrisia, com o sujeito dizer uma coisa e não agir em função dela.
Isto é um preceito idiota da moral burguesa, uma figura de linguagem da moral burguesa, chamar o
outro de hipócrita porque ele não age em função das suas crenças. Você acha que a Bíblia vai per-
der seu tempo falando as coisas nesse nível? Não, ela está falando algo muito mais profundo e mui-
to mais sério. Ela está dizendo que se a própria fé não é uma obra ela não existe. A fé não pode
existir como coisa pronta.

[Pergunta de aluno: “Os maçons falam da origem mítica em relação aos templários. Existe funda-
mento nisso?”]

Existe algum fundamento nisso, mas nós precisamos distinguir entre o que é a continuidade históri-
ca concreta de uma organização e aquilo que o James Billington chama de “linhas de significação”,
que se repetem e prosseguem ao longo dos anos sem que haja nenhuma pessoa conectando uma coi-
sa com a outra. É como o que se vê em literatura comparada, onde certas figuras reaparecem mesmo
que um sujeito não tenha lido o outro. Aquela figura, por assim dizer, está no ar; está impregnada na
cultura e alguém repete aquilo.

Eu acredito que a continuidade histórica milenar que os maçons alegam é mais na idéia das linhas
de significação do que da continuidade concreta de uma organização. Ela existe, mas não como
continuidade concreta. Não sei se está certo ou errado, mas eu acho que está certo. Então está certo
dizer que existe a continuidade, e também está certo dizer que não existe a continuidade, porque
existe num sentido e não existe no outro. É a velha técnica do Aristóteles: você descasca os vários
níveis de significação de uma afirmação, e vê que em alguns desses níveis a afirmação é verdadeira
e em outros não. Isso é que é dialética.

[Pergunta de Bruno Barros: “O que dizer de pessoas que buscam iniciações em sociedades
relacionadas com o mal? Como pode o ser humano, criado por Deus, buscar o decaído”]

É exatamente isso que eles querem, e a liberdade humana consiste nisso. Você pode optar pelo mal.
É o lema do Dr. Freud: “Se o céu não me ouvir, eu vou mover o Aqueronte”, que é o inferno. Ou
seja, se Deus não me ouvir, pelo menos o diabo ouve. Você, no seu desespero, acredita que não está
sendo ouvido por Deus – claro que não, você só fica xingando e Deus não vai ouvir ofensas – e daí
você terá uma audiência garantida no inferno. Você pode ser levado a isso por desespero, por ter
nascido mau, por engano, ou por milhões de outros motivos. Você pode estar num tal estado de es-
tupidez espiritual que não distingue mais entre Deus e o diabo.

Hoje mesmo eu coloquei uma notinha dizendo o seguinte: o senso estético é a primeira qualidade
intelectual humana. É a primeira que se manifesta, e existem milhares de testes que mostram que
bebês recém-nascidos sabem distinguir o bonito e o feio: ele dá uma risadinha diante de coisa bonita
e chora diante de coisa feia. Ora, o sujeito pode perder isso, e então ele perde todo o discernimento.
Hoje há um esforço monstruoso por parte da indústria cinematográfica e da indústria de mídia para
sufocar [01:10] o discernimento estético já nas crianças. Filmes como Shrek, por exemplo, imbecili-
zam um bebê. A feiúra pode ter um fascínio, mas não é um fascínio da beleza e sim o fascínio do te-
mor que o escraviza e lhe dá uma espécie de síndrome de Estocolmo. Aquilo o atemoriza de tal ma-
neira que você não agüenta o medo e lhe dá o nome de amor ou de atração.

[Pergunta de Felipe Vianna: “Qual relação podemos identificar entre o nascimento e desenvolvi-

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mento da filosofia moderna, de um lado, e o esoterismo e formalismo da maçonaria de outro?”]

A ligação é total. Fichte, se não era pessoalmente um maçom, era um apologista da maçonaria. E
Hegel, pelo que Jacques D’Hondt mostra no livro “Hegel Secreto”, não era maçom mas recebeu um
dinheiro da maçonaria para escrever certas coisas. Eu sempre digo que Hegel é um gênio filosófico
autêntico, mas é 171. Há muita coisa a aprender com ele, mas é preciso tomar cuidado com certas
coisas.

Se vocês lerem o meu livrinho sobre Maquiavel, verão que a concepção tinha do Estado futuro é
muito parecida com a da democracia laica moderna. Eu não sei qual era a ligação de Maquiavel
com a maçonaria, mas eu acredito que um bocado de líderes maçons leu Maquiavel e depois todo
mundo leu Maquiavel.

[Pergunta de aluno: “Qual a diferença entre a santificação e a divinização? O processo de canoni-


zação pode ser falseado?”]

Eu sugiro que você consulte, para isto, a própria doutrina da Igreja. Procure um bom catecismo da
Igreja e veja as sutilezas.

Sobre a canonização, tudo no mundo pode ser falseado, mas evidentemente há um limite. Esse limi-
te é dado pela própria intervenção divina no mundo. Eu acredito que uma certa parte da elite vatica-
na já passou do limite faz muito tempo.

[Pergunta de Aldir Guedes Soriano: “O Sr. poderia explicar a contribuição do cristianismo na for-
mação das instituições americanas, conforme o livro do Benjamin Morris, ‘The Christian Life and
Character of the Civil Institutions of the United States’”?]

Eu mesmo recomendei este livro, que é uma maravilha.

Muitos dos founding fathers eram maçons, a começar pelo próprio George Washington. Só que, no
fim da vida, o George Washington escreveu que fazia trinta anos que não ia a uma sessão maçônica.
Ele entrou na maçonaria porque era oficial do exército britânico na juventude, e no exército britâni-
co você só sobe na escala se você for maçom, já que todos os comandantes são maçons. Então ele é
um dos milhares de oficiais que entraram na maçonaria, mas nunca mostrou o menor interesse por
isto. Por outro lado, existem provas cabais de que o George Washington rezava para o Deus da Bí-
blia.

É claro que a influência bíblica ali era imensamente mais decisiva, pelo menos entre os founding
fathers, do que a influência maçônica. Depois a influência maçônica se afirmou sobretudo na esfera
do simbolismo. A cidade de Washington só foi construída depois de George Washington, e bastava
o arquiteto ser maçom para fazer tudo com simbolismo maçônico.

Aqui nos EUA, a igreja predominante é a protestante, embora os católicos sejam 30% do país. Ou
seja, a maior das denominações singulares é a católica, mas todas as protestantes juntas são majori-
tárias. Sendo assim, as relações entre maçonaria e protestantismo são muito ambíguas, indo desde a
cumplicidade total até a hostilidade aberta. Essa é uma questão que não pode ser respondida em blo-
co, mas requer um estudo caso a caso. Esse Bill Schnoebelen, por exemplo, é um pastor protestante
e talvez o pior inimigo que a maçonaria já teve aqui nos EUA. Por outro lado, o Billy Graham era
maçom, pelo que eu sei. Dos presidentes americanos, 17 foram maçons. O Ronald Reagan não era
um membro ativo da maçonaria; era um maçom honorário, que recebeu o grau de presente sem pre-

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cisar fazer os ritos, mas de qualquer modo tinha o rabo preso lá. Acredito que o Donald Trump tam-
bém, mas eu expliquei para vocês a questão da dissensão interna entre maçons oligárquicos e demo-
cratas, que vai decidir o futuro da humanidade pelas próximas décadas. Eu espero que os democra-
tas vençam. Lembrem que os democratas não são os do partido Democrata, é o contrário.

[Pergunta de aluna: “Os oligárquicos seriam as grandes fortunas?”]

As grandes fortunas, claro. O pessoal do Bilderberg, George Soros, Rockefeller, essa gente toda.
Realmente eles têm o plano da governança global, que tem que estar na mão deles.

Mas não pensem como o Armindo Abreu, que pôs até um ponto de exclamação no título do livro.
Eu nunca vi ponto de exclamação em frase nominal. “Poder Secreto!” Não acreditem nisso, porque
o poder deles é limitado. Esses planos de governo global são muito mais antigos do que parece. O
educador João Amos Comenius, no século XVI, já tinha essa idéia, e ela reaparece nas obras de
Francis Bacon. Toda hora aparece um plano de governo global. No fim do século XIX aparece o
Cecil Rhodes, fundador da Rodésia, que faz um plano e começa a distribuir bolsas de estudos para
criar uma intelectualidade capaz de promover esse governo mundial. O Cecil Rhodes morreu e as
bolsas continuaram sendo distribuídas, o que não quer dizer que todo sujeito que recebeu uma bolsa
do Rhodes é um globalista. Do mesmo modo, nem todo mundo que recebeu uma bolsa dos
Rockefeller é um globalista. Eric Voegelin recebeu, graças a Deus, uma bolsa da Fundação
Rockefeller. Essas bolsas não são um sistema infalível de escravização das mentes, assim como
estudar na London School of Economics não faz de você automaticamente um membro da Fabian
Society. Não se pode pensar por impregnação de símbolos. Nem o Partido Comunista tem esse
controle da cabeça das pessoas, quanto mais a Sociedade Fabiana.

Eu acredito que 80% das pessoas que estudaram na London School of Economics não têm absoluta-
mente nada a ver com fabianismo. Simplesmente estudaram lá, como poderiam estudar em qualquer
outro lugar. O mesmo acontece com bolsistas do Rhodes ou Rockefeller. É a coisa mais absurda do
mundo imaginar que você é controlado pelo sujeito que está dando dinheiro para você. Eu acho que
o George Soros não controla nada. Eu acho que os intelectuais que trabalham para ele controlam a
cabeça do velho, que é um idiota. Eu comprovei pessoalmente que ele é um idiota. Nem sempre o
George Soros está entendendo o que um sujeito que “trabalha para ele” está falando.

Sempre é preciso levar em conta aquele critério do Georg Jellinek: onde há uma intencionalidade, e
onde há uma confluência acidental de fatores. Isto é básico em todos os estudos humanos.

Tem gente que gosta de brincar de portador de inside information. O sujeito diz que o Olavo, por
exemplo, trabalha para o George Soros e a Hillary Clinton; que ele fala bem do Trump só para dis-
farçar que ele trabalha para a Hillary; que no fundo é inside information. Aí, com inside
information, você vira um islamo-sionista, [01:20] um comuno-capitalista, um comuno-liberal.
Ontem eu estava vendo um show do Les Luthiers, aquele conjunto cômico argentino, e um
pergunta: “Qual é o seu partido?” O outro responde: “Partido liberal estatista.” Esse negócio de
inside information é tudo coisa de moleque. Quem tem realmente inside information lida com ela
com muito cuidado, e não tira conclusões sobretudo por impregnação de imagens.

Por hoje é só. Na próxima aula eu tirarei conclusões gerais, resumirei tudo, e darei mais algumas
novidades. Muito obrigado pela atenção e até semana que vem, se Deus quiser.

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