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Fundamentos da Pequena Via

Muito se fala, nos meios católicos, acerca da Pequena Via de Santa Teresinha
do Menino Jesus. A sua influência na espiritualidade dos dois últimos séculos nunca
será excessivamente louvada. Quantos santos não penetraram na doutrina da Flor do
Carmelo e encontraram lá abundantes frutos espirituais a ponto de São Pio X chamá-la
de “a maior santa dos tempos modernos”?
O elogio do Papa Sarto não é despropositado. Na alma de qualquer um que
anseia amar a Deus no mundo moderno a Pequena Via ressoa profundamente. O
caminho proposto por Terezinha é claro e não atordoa o peregrino que começa a
percorrê-lo. O alto cume de santidade, ao qual Deus chama a todos, pode desnortear e
amedrontar a alma que se vê incapaz de escalá-lo. Se houvesse um elevador que nos
ajudasse a subir o monte da santidade, certamente o tomaríamos devido às nossas
fracas forças. E é dessa forma que Terezinha define o seu caminho: um elevador que
leva aos mais altos cumes do amor a Deus.
Entretanto, a facilidade do caminho pode enganar a muitos. Por esse motivo,
tem se difundido uma versão da Pequena Via que é, de certa forma, contrária à
intenção de Teresinha. Utiliza-se, infelizmente, da Pequena Via para justificar uma
certa passividade na vida de apostolado, uma preguiça nas grandes obras ou, mesmo,
um contentamento com o medíocre. Por esse motivo, cabe uma volta às fontes da
Pequena Via, à própria vida de Teresa de Lisieux, para vermos os fundamentos
profundíssimos dessa espiritualidade e escaparmos aos reducionismos fáceis e
preguiçosos. Desse estudo, nossa alma pode sair de seu marasmo habitual e, quem
sabe?, adentrar na Pequena Via definitivamente.

A) A Misericórdia de Deus

A base da espiritualidade de Teresinha é a contemplação do Misericórdia de


Deus. Para a santa, a Misericórdia é o atributo divino pelo qual os outros atributos são
contemplados. Essa constatação, que, num primeiro momento, não carrega nada de
extraordinário, tem efeitos profundos na vida espiritual.
A Misericórdia é o atributo divino pelo qual Deus Se dá livre e gratuitamente. É
devido a ela que Deus Se encarnou, sofreu, morreu e ressuscitou por nós, pecadores
que merecíamos apenas Seus castigos e, por fim, o próprio inferno. Apesar de Deus
não precisar absolutamente de nós, a Sua Misericórdia O impeliu a sofrer e a doar-Se
inteiramente por aqueles que não mereciam.
Baseada na completa gratuidade da Misericórdia, Teresinha constata que a
maior alegria de Deus é dar-Se às suas criaturas. Foi assim quando Ele nos criou sem
nenhuma necessidade de nos criar; foi assim quando nos resgatou em Jesus Cristo e
continua sendo assim com cada alma que é perdoada e recebe a graça de Deus.
Assim, já se pode constatar que a doutrina de Teresinha opõe-se frontalmente
qualquer tipo de voluntarismo na vida espiritual, segundo o qual o homem, por sua
própria vontade e esforço, consegue salvar-se. Nada mais contrário à intuição
teresiana. Deus alegra-Se mais ao doar-se a uma pequena criança sem méritos do que
a alguém que exige d’Ele o ‘pagamento’ por suas ações. No primeiro caso, a
Misericórdia triunfa, no segundo, uma má concepção de Justiça, segunda a qual Deus é
simplesmente um ‘contador’ de méritos. Entretanto, a concepção teresiana, se mal
interpretada, poderia levar ao erro contrário: o quietismo, que diz que o homem não
precisa fazer absolutamente nada para salvar-se. No decorrer do artigo, quando for
explicitada a ascese de Teresinha, esse erro será devidamente debelado.

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