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A Caminho da Santidade

Uma vida desligada de tudo o que é puramente material, dedicada a


Deus e à sua glória, ao cumprimento de sua santa vontade, cada um
dentro de sua vocação específica (leigos e religiosos), a
intimidade com Deus: eis o fim a que estamos destinados. Mas qual
o caminho que nos conduz a este fim?
Os autores espirituais costumam distinguir três caminhos ou vias
na vida espiritual:
1. A via da Purificação – Purgativa
2. A Via da Iluminação
3. A via da união (unitiva), ou da perfeição
O início do caminho da purificação é cheio de entusiasmo e
alegria. A alma descobriu o companheiro de sua alma. Cristo está
constantemente em seus pensamentos e afazeres. As alegrias se
tornam mais efusivas e as coisas dolorosas menos dolorosas. A
princípio a alma acha um gosto extraordinário em todas as coisas
exteriores que considera santificadas pela presença de Cristo: a
organização humana da Igreja, as funções litúrgicas, a música, a
união da comunidade,… Entra-se, então, por caminhos de
generosidade para com as coisas de Deus e para com os outros, com
um correspondente esquecimento próprio. É normal que muitos parem
neste primeiro estágio da via da purificação, ou porque não têm
orientação na confissão ou porque se dão por ‘satisfeitos’…
O que progride entra por caminhos de contrição pelas ofensas à
Deus (próprias e alheias), a vontade de lutar contra os próprios
defeitos e ganhar virtudes, e a preocupação por cumprir a vontade
de Deus a cada instante do dia, numa busca por agradá-lo mais e
mais. Quando se avança na via da purificação a alma ganha
delicadeza e sensibilidade, e aí costuma vir a desilusão com
realidades desconcertantes: uma desunião na comunidade, a
descoberta de defeitos humanos em um sacerdote, um escândalo
qualquer, uma arbitrariedade por parte de um Bispo num assunto de
governo da Diocese … Esta alma descobre que há uma vertente humana
associada às coisas divinas.Trata-se de uma alma superficial,
perderá a amizade que já tinha por Cristo ou procurará outra
religião; mas há aquela que aprende a lição de que a divindade não
está nas coisas terrenas, a verdadeira alegria não está em coisas
exteriores. Esta continua no caminho, crescendo em delicadeza de
alma e em vida interior.
Seguem-se as desilusões interiores: a constatação da falta de
força de vontade na luta contra os próprios defeitos, do medo ao
sacrifício, do apego às coisas materiais, da falta de sensações e
‘recompensas’ na oração e na comunhão…Trata-se de uma alma
orgulhosa, teremos então um desiludido, um amargo pessimista das
coisas espirituais; há, entretanto, outra que, humilhando-se,
aprende a lição de que deve desiludir-se de si mesma, entendendo
que nada pode sozinha e que é um zero à esquerda. Enfrenta o fato
de que deve ser Cristo quem deve por tudo. Começa então a conhecer
sua ignorância e sua fragilidade, a descobrir o seu espantoso
egocentrismo e a sua auto-complacência. Aprende a não esperar nada
em reciprocidade e a esvaziar-se de si mesma. Vê que não há nela
bem algum fora de Cristo, Ele deve ser tudo e ela nada. Ainda
aqui, há o risco de desistir de prosseguir por causa de uma falsa
humildade que a leva ao convencimento de que não merece avançar. A
alma verdadeiramente humilde confirma-se na via da purificação e
se lança à uma nova via, a da Iluminação.
A alma que está despojando-se do homem velho deve agora revestir-
se do homem novo.
O primeiro estágio da via iluminativa consiste na luz que o Senhor
concede à alma para compreender qual o real valor das coisas
exteriores (as coisas agradáveis e também as contrariedades, os
obstáculos, os defeitos das pessoas, a arbitrariedades, as
tentações, um espinho que nos atazana a vida…). Ela vê que nunca
adquirirá a paciência, a compaixão, a grandeza de coração se não
tiver sempre ao lado alguém ou algo que a leve a praticar estas
virtudes. É por meio das contrariedades e das tribulações que a
alma aprende a aderir totalmente a vontade de Deus e a descansar
somente nEle. A alma passa a aceitar estas situações de modo tão
claro, que deixa de rebelar-se contra elas, considerando-as como
manifestações da vontade divina.
A segunda fase consiste na luz que Deus concede à alma sobre as
coisas espirituais e principalmente sobre as verdades da fé.
Quando acontece esta iluminação, ocorre uma mudança assombrosa.
Não é mais como a alma que carrega a arca da fé sem nunca abri-la,
não é como a alma que adere às verdades da fé, vive seus efeitos e
conseqüências mas não consegue relacionar os fatos naturais
corriqueiros com esta fé. Se, por graça divina, persevera nesta
rota, procurando aprofundar-se cada vez mais na boa doutrina,
buscando as fontes seguras da tradição da Igreja (evitando os
levianos e os desorientados), poderá chegar mesmo a experimentar
as claras intuições própria dos Santos.
É neste ponto que a amizade divina se torna objeto de verdadeiro
conhecimento e contemplação. A alma não somente goza dessa
amizade, mas também a percebe e compreende. É o que se chama de
‘contemplação ordinária’, que consiste numa forte consciência da
presença de Deus. Cristo passa a ser a luz que irradia cada objeto
de atenção da alma; todas as coisas passam a ser vistas através
dEle. A alma atinge um alto grau de vida interior (o que não supõe
nenhum tipo de alienação: na via da purificação a alma aprendeu
que a vida interior pressupõe o exercício de todas as virtudes
humanas nas atividades cotidianas – trabalho, estudo, relações
familiares, vida política,etc… – cada um dentro de seu estado e
vocação específica). A alma goza da real intimidade com Deus.
O perigo deste estágio é o orgulho extremado e embriagante. A alma
corre o risco de se julgar perfeita e digna desta intimidade.
Costuma acontecer que os bem formados e esclarecidos imaginem que
a voz interior deva sobrepor-se à exterior e considerem-se mais
capazes de interpretar a Igreja do que a própria Igreja. Já
repararam que todas as heresias e todas as seitas procederam de
algum amigo dileto de Cristo?
Praticamente todos desfrutaram de um alto grau de vida interior.
Paralelamente ao crescimento da vida interior é imprescindível que
haja também um crescimento na devoção e na submissão à voz
exterior com que Cristo nos fala na sua Igreja. É muito difícil
distinguir a diferença entre as inspirações do Espírito Santo e as
aspirações e imaginações pessoais. Quanto mais intensa for a vida
interior, quanto mais luzes receber, tanto mais deve sentir
necessidade da mão forte da Igreja.
O aprofundamento nesta última via, a consolidação das duas, nos
leva à terceira via, a unitiva, aquela que experimentaram os
Santos e que também devemos percorrer. Aqui Deus se compraz desta
alma e a invade.
Este caminho da amizade com Cristo é algo pessoal e irrepetível e
nem sempre é retilíneo, não só porque Deus pode queimar etapas ou
mudar a ordem segundo seus desígnios, mas também porque depende
das disposições de cada alma. O que importa é saber que é
necessário dar todos estes passos, com ânimo, humildade e espírito
de superação, até o fim da vida. Eis aqui o bom combate.

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