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Compilado dos textos do curso “Os quatro temperamentos” do site do

Padre Paulo Ricardo

O curso “Os quatro temperamentos” visa estimular nas pessoas o


autoconhecimento, para que dessa forma se trabalhe o defeito dominante e
chegue à santidade. O propósito do curso é A SOBREPOSIÇÃO DA GRAÇA
SOBRE O TEMPERAMENTO, desse modo acabando com a “síndrome de
Gabriela”, “Eu nasci assim, eu cresci assim, vou ser sempre assim”. Espero que
os textos do curso possam ajudar aqueles que não puderem ter acesso ao
site.

Salve Maria Santíssima !!!


Viva Cristo Rei !!!
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Os Quatro Temperamentos
Introdução
O papel que desempenha o temperamento na vida espiritual costuma ser
objeto de dois mal-entendidos: de um lado, há quem defenda uma ataraxia
que nada tem de católica; de outro, há quem, rendido à desesperança, pense
que o temperamento é um fato biológico invencível. Entre tais extremos,
encontra-se a verdade, sempre serena e modesta, da genuína espiritualidade
cristã.

O objetivo geral deste curso, dedicado ao tema dos temperamentos, é


oferecer aos alunos um conhecimento básico sobre si mesmos que possa
ajudá-los a alcançar a santidade. Antes, porém, de entrarmos diretamente
no assunto que aqui nos ocupa, é conveniente estabelecer algumas noções
prévias que servirão de “pano de fundo” para as próximas aulas.

Deve-se saber, em primeiro lugar, que a santidade consiste em unir-se a


Jesus Cristo já nesta vida, por meio da graça divina, a fim de unir-se a Ele por
toda a eternidade no céu. A esta união, incoativa neste mundo
e consumada no outro, se resume o fim supremo e a vocação única da nossa
existência.

Comparada com ela, qualquer atividade, qualquer conquista, qualquer


sucesso que tenhamos aqui, seja como padres ou religiosos, seja como pais
ou profissionais, não passa de uma trivialidade sem importância. Pela mesma
razão, qualquer desgraça, dor, tribulação ou injustiça que venhamos a sofrer
é um momento passageiro que redundará em glória e felicidade eternas, se
tivermos a graça de nos unirmos a Cristo por todo o sempre no céu.

Eis por que a única tragédia verdadeiramente digna desse nome é o inferno.
Os que para lá vão, condenados a nunca ver a Deus face a face, frustraram
de modo irreparável o único objetivo para o qual foram criados. Diante de
tão lamentável destino, toda a “glória”, todos os prazeres, todas as falsas
alegrias que neste mundo tiveram os precitos são não apenas ninharia e
loucura, mas motivo de dores e remorsos que jamais conhecerão fim.
Daqui se vê, pois, a importância desta vida: é nela, como numa longa e muitas
vezes sofrida peregrinação, que temos a oportunidade de preparar a nossa
eternidade, e é à luz dessa meta, ao mesmo tempo árdua, se pensamos na
insuficiência das nossas forças, e esperançosa, se nos fiamos dos auxílios de
Deus, que devemos medir o valor de todas as outras coisas.

Pois bem, sabemos que, feitos para a glória do céu, temos de ser santos e
que, para ser santo, é necessário unir-se a Jesus Cristo. Ora, o que une duas
pessoas não é outra coisa senão o amor, que é uma forma muito especial
de amizade, porque só os que se conhecem e se querem bem, de forma
mútua e manifesta, podem ser amigos e amar-se como tais. Por isso, quanto
mais amor tivermos a Jesus, mais unidos a Ele estaremos e, por conseguinte,
maior será a nossa santidade.

Aqui, no entanto, se nos depara uma dificuldade: se devemos nos unir a


Jesus, onde encontraremos o amor com que iremos amá-lo? Afinal, sendo
Ele não somente verdadeiro homem, mas verdadeiro Deus, é digno de um
amor que em muito supera qualquer afeto humano que lhe possamos dar. O
nosso carinho, a nossa estima, a nossa amizade, por mais sinceros que sejam,
são de per si insuficientes, no plano meramente humano, para nos unir a
Cristo. Temos necessidade, numa palavra, de um amor proporcionado à
grandeza de Deus, razão por que tal amor só pode ser, também ele, de
natureza divina.

Sabendo da nossa incapacidade, Deus, que nos amou antes que


pensássemos em amá-lo, deu-nos a solução: trata-se da graça santificante,
de ordem estritamente sobrenatural, pela qual somos elevados à condição
divina e enriquecidos com a capacidade de amar a Deus com o amor com
que Ele quer ser amado.

Prova disso é a vida dos inúmeros santos da nossa Igreja. Nela, vemos com
clareza meridiana que a graça divina é não somente uma realidade viva, mas
um poder efetivo e fecundo, que realiza na alma humana uma modificação
de tal ordem, que ela se torna capaz de atos de amor a Deus que, em si
mesmos, não podem ser fruto da nossa simples natureza. De fato, assim
como seria um milagre que uma pedra pensasse, assim também é como um
“milagre” que o homem, de coração tão pequeno e mesquinho, ame a Deus
com o amor do próprio Deus.

Redimidos, pois, pelo Sangue de Cristo, dele recebemos esse dom


preciosíssimo que é a graça sobrenatural, qual semente do amor divino que
podemos e devemos cultivar, para que ela frutifique nos mesmos atos de
amor que vemos na vida dos santos, isto é, em frutos de santidade, de união
íntima com Nosso Senhor.

Ora, o objeto de estudo deste curso é justamente o “terreno” em que Deus


deposita a semente da graça, ou seja, o substrato humano, em sua dimensão
fisiológica, que a graça não só não destrói como supõe, aperfeiçoa e sobre o
qual se desenvolve, segundo o conhecido adágio da Escola: gratia non tollit
naturam, sed perficit. A graça, com efeito, supõe a natureza humana, com
todas as características que lhe são inerentes, e é por isso que, conhecendo
como funciona o nosso temperamento, isto é, a compleição (complexio) ou
conjunto de disposições afetivas, emocionais, passionais etc. que nos
caracteriza, poderemos trabalhar melhor e com mais consciência na nossa
santificação, isto é, no cultivo da graça divina.

A razão disto é óbvia: não somos anjos, mas seres humanos, unidades de
corpo e alma, e é neste “terreno”, em que convergem o material e o
espiritual, o intelectual e o sensitivo, que está plantada a graça e, portanto,
há de crescer a árvore frondosa de uma santidade perfeita. E o
temperamento é uma, não a única, das propriedades deste terreno que
devem ser levadas em conta se queremos entender e orientar de forma
inteligente a dinâmica da santidade.

Por isso, a santidade não se alcança por certa ataraxia, como se fôra
necessário “reprimir” ou anular todas as nossas paixões. Antes, pelo
contrário, é preciso ordená-las, orientando-as segundo as disposições
temperamentais de cada um, para fazê-las servir à nossa vida espiritual. É
fato que as paixões predominantes de cada temperamento podem às vezes
ser um grande obstáculo; mas se as conhecemos e, com a ajuda da graça,
aprendemos a dominá-las racionalmente, podem ser um auxílio poderoso,
como um “combustível”, para caminharmos a passos rápidos na senda da
perfeição.
Por outro lado, também é preciso advertir que os temperamentos não são,
no sentido forte do termo, determinantes. O que isto significa? Significa que,
por mais que cada indivíduo tenha seus traços temperamentais, que tendem
a permanecer estáveis ao longo da vida, não existe uma pré-determinação
biológica que impeça esta ou aquela pessoa de vencer os aspectos negativos
do seu temperamento ou de adquirir, com esforço e constância, as boas
qualidades que comumente caracterizam outros tipos temperamentais.

Nesta matéria, é preciso lembrar sempre que somos livres e, por mais “peso”
que tenha o corpo, está sempre em nossas mãos decidir a que tendências,
vícios, qualidades etc. daremos livre curso. No fim das contas, não estamos
nunca “aprisionados” no nosso temperamento: Deus nos deu um para
ajudar-nos a amá-lo, pois, sendo seres corpóreos, também a nossa dimensão
físico-biológica entra em jogo na hora de nos entregarmos a Ele com tudo o
que somos e possuímos.

Antecedentes históricos
Embora conte com o apoio de uma longa tradição de médicos e filósofos
antigos e medievais, será que ainda faz sentido falar de temperamentos hoje
em dia? Não será sinal de retrocesso ou, pelo menos, de estar pouco atualizado
classificar as pessoas em sanguíneas ou fleumáticas, melancólicas ou coléricas?

A doutrina dos temperamentos é de origem antiga. Seu antecedente remoto


é o médico grego Hipócrates, que no séc. IV a.C. formulou a teoria dos quatro
humores ou fluidos corporais. Para Hipócrates, haveria no corpo humano,
em proporções mais ou menos iguais, quatro tipos de líquidos: o sangue, a
bílis negra (ou atrabílis), a bílis amarela e a fleuma, de sorte que as doenças
físicas seriam consequência de um desequilíbrio entre eles.

Essa ideia foi retomada séculos mais tarde, já em época cristã, pelo médico
romano Galeno, para quem os humores, além de sua função fisiológica,
estariam vinculados também às disposições emocionais de cada indivíduo.
Assim, os contornos temperamentais da pessoa, isto é, sua disposição a ser
desta ou daquela maneira, se deveriam, fundamentalmente, à
preponderância de um dos quatro humores hipocráticos.
Desta forma, uma maior proporção de sangue, por exemplo, conformaria um
temperamento sanguíneo, caracterizado por ser alegre, bem disposto etc.,
ao passo que uma maior concentração de bílis negra daria origem a um
temperamento melancólico, predisposto à introspecção e à tristeza. O
temperamento, por conseguinte, não seria mais do que o resultado da
mistura (κρᾶσις, em grego) dos humores no organismo, um dos quais, por
sua maior proporção em relação aos outros, marcaria as grandes tendências
reativas da pessoa.

Trata-se, obviamente, de uma concepção de temperamento baseada em


conhecimentos médicos bastante rudimentares, com pouco ou nenhum
apoio na medicina atual. Isso não significa, porém, que a teoria clássica dos
temperamentos tenha caducado de todo. É verdade, repita-se, que
explicações como a de Galeno já não têm direito de cidadania nas discussões
científicas atuais, mas daí não se segue que seja falso o que o médico romano
e, com ele, toda a grande tradição medieval foram capazes de constatar:
existem, sim, modos de ser, tendências comportamentais mais ou menos
marcadas, quer as classifiquemos como sanguíneas, melancólicas etc. ou
não.

Mas — poderíamos perguntar-nos — não seria melhor abandonar de vez a


ideia de temperamento, inspirada numa medicina antiquada, em métodos
ultrapassados e, quiçá, em uma visão de mundo há tempos superada? Ora,
embora seja certo, não custa insistir, que a explicação teórica que apela à
existência dos quatro humores é inadequada, a observação que a motiva é
acertada. O que a teoria humoral tem de válido e certo, mesmo para os dias
de hoje, é o fenômeno que atesta, ainda que não consiga explicá-lo
suficientemente.

Isso nada tem de estranho, se levarmos em conta que a história da ciência


nos apresenta uma sucessão de explicações, muitas delas rivais e
incompatíveis entre si, para um mesmo fato observável. Um exemplo disso
são as várias teorias propostas ao longo do tempo para um fenômeno tão
básico como a queda dos corpos. Os físicos antigos, por exemplo, pensavam
que os corpos graves sempre caem por terem, em sua composição mais
fundamental, uma maior quantidade do elemento terra, cujo lugar natural
seria o chão, ao contrário do fogo e do ar.
Essa explicação, que hoje nos pode parecer uma infantilidade, só foi
descartada séculos depois, quando Newton elaborou o conceito de força
gravitacional e encontrou as constantes matemáticas que governam o
fenômeno da atração mútua entre os corpos. A teoria newtoniana, por sua
vez, foi “posta em cheque” séculos mais tarde, quando Einstein propôs um
novo modelo explicativo, baseado na curvatura do espaço-tempo, para
aquilo que tanto Newton como os físicos gregos tentaram desvendar, cada
um ao seu modo e com um diferente “aparato conceitual”: por que caem e
se atraem os corpos?

Do mesmo modo, ainda que os humores corporais não tenham a função que
Galeno lhes atribuía, é fato constatável que há grandes tendências
temperamentais, catalogáveis segundo distintos critérios, em virtude das
quais algumas pessoas são mais pensativas, outras mais expansivas, estas
mais superficiais, aquelas mais profundas etc.

Esses tipos de personalidade se notam logo na primeira infância, época da


vida em que a pessoa, mais ou menos livre das influências da educação, da
cultura, dos hábitos bons e maus que todos vamos adquirindo no correr dos
anos, manifesta mais claramente suas predisposições características, isto é,
o “tempero” próprio do seu modo de ser e sentir, de agir e reagir.

Também a psicologia moderna, embora sem levar em conta a teoria clássica,


reconhece a existência de fatores biológicos e genéticos que, em maior ou
menor medida, condicionam a forma de ser, os afetos, disposições e
capacidades de cada pessoa. No entanto, se o temperamento não é nada
além de uma determinação biológica ou se, por outro lado, entram em jogo
na formação da personalidade outros fatores antropológicos (cultura,
educação etc.), já não depende do fenômeno em si, mas de certos
“pressupostos implícitos” que os psicólogos modernos assumem antes de
estudá-lo. Eis por que, durante o séc. XX, surgiram duas grandes escolas de
psicologia experimental dedicadas ao tema dos temperamentos: uma de
inclinação mais biologista, inspirada na obra do professor russo Pavlov,
acolhida sobretudo na Europa, e outra aberta à possível influência de fatores
não biológicos, que vingou mais nos Estados Unidos.
Seja como for, o fato é que todos possuímos, graças à nossa constituição
como seres corpóreos, algumas tendências herdadas, inscritas em nossa
própria biologia, o que não implica de forma alguma que delas sejamos
reféns, pois também é certo e evidente que é possível nos aproveitarmos
delas para aprimorar o nosso caráter e — é o que aqui mais nos interessa
— crescer espiritualmente.

É conveniente, pois, conhecer a natureza peculiar do “terreno” que nos foi


dado trabalhar, com suas propriedades e possibilidades; mas nos é
necessária também certa “inconformidade”: por termos a compleição física
e afetiva que temos, tendemos a nos comportar desta ou daquela maneira,
mas está em nossas mãos adubar esse terreno, potencializando suas
qualidades positivas, e preservá-lo de ervas daninhas e outras pragas,
atenuando suas qualidades negativas.

Que ninguém pense, repitamos uma e outra vez, estar condenado a não ser
santo por ter um temperamento determinado, mas tampouco tenhamos a
ingenuidade de pensar que um dia poderá alcançar a santidade quem não
tiver um conhecimento mínimo e realista do próprio temperamento,
respeitando-lhe a dinâmica específica e corrigindo as qualidades negativas.
Não somos iguais, e é por isso que temos de conhecer o que temos de
peculiar, seja para usá-lo proveitosamente, seja para corrigi-lo sabiamente.

Definição
Ainda que uma parte de nós seja resultado de educação e hábito, uma boa
parte do que somos se deve à constituição física que possuímos, e é sobre a
base natural de disposições e inclinações de que nos dotou a natureza que
devemos construir o nosso caráter.

O temperamento, de acordo com o Pe. Antonio Royo Marín, pode ser


caracterizado como “o conjunto de inclinações íntimas que brotam da
constituição fisiológica de um homem” [1]. Analisemos com mais detalhe a
definição.
O temperamento, por referir-se às inclinações dependentes da constituição
fisiológica, é algo inato a cada indivíduo. Trata-se, por conseguinte, de uma
propriedade de índole natural, que nos há de acompanhar sempre, do berço
ao cemitério, ainda que a possamos trabalhar, como iremos vendo ao longo
das próximas aulas.

Além disso, por referir-se às inclinações íntimas, o temperamento diz


respeito, propriamente, ao nosso “mundo interior”, isto é, ao conjunto de
tendências passionais, afetivas e emocionais que marcam o nosso modo
natural de ser. É possível, por exemplo, que uma pessoa, por causa de sua
constituição física, tenha a tendência natural a desenvolver certas doenças.
Não é, pois, a esse tipo de inclinação que se refere o temperamento, palavra
que aqui reservamos para designar, segundo a definição de Royo Marín,
aquelas predisposições de origem orgânica a um modo de ser e comportar-
se determinado.

É nesse sentido que dizemos que algumas pessoas são naturalmente (isto
é, por temperamento) mais inclinadas a estímulos sexuais, enquanto outras
demonstram ter-lhes maior resistência. Outras, por exemplo, são mansas por
si sós, ao passo que algumas se irritam com facilidade. Há quem seja sóbrio
no comer, enquanto outros tendem a ser mais “glutões”. Ora, o que o
temperamento põe em evidência é que tais inclinações não se
devem unicamente à educação recebida nem só aos hábitos contraídos,
sejam bons ou maus, mas também à constituição fisiológica (complexio) de
cada pessoa.

Daí se vê a importância de termos do nosso temperamento um


conhecimento mínimo. Se bem é certo que muitas de nossas inclinações
provêm da educação que recebemos e dos hábitos que adquirimos, outras
muitas nos são naturais e inerentes, radicadas em nossa própria compleição
física, razão por que é insensato e pouco realista pensar que as podemos
anular de todo, fazendo violência indevida contra o que somos: podemos e
até devemos educá-las, direcionando-as para o bem a que nos inclinam e
disciplinando-as para não nos conduzirem ao mal a que tendem, mas isso
não deve ser confundido com um vão desejo de “nascer de novo”, com outro
corpo e como outra pessoa.
Ouçamos o que a esse respeito nos diz o Doutor Angélico. Em seu comentário
à Ética a Nicômaco, de Aristóteles, escreve Santo Tomás, tratando da
chamada “virtude natural”: “Os hábitos ou costumes das virtudes e dos vícios
parecem existir, de alguma maneira, em certos homens naturalmente. Com
efeito, alguns deles já desde o nascimento parecem ser justos, temperantes
ou fortes por causa de sua disposição natural, por força da qual se encontram
inclinados aos atos das correspondentes virtudes” [2], isto é, da justiça,
temperança ou fortaleza. E isso, como diz o Aquinate, se vê desde a infância:
“já desde o nascimento” (statim a sua nativitate).

Ora, essa predisposição natural a atos seja de virtudes ou vícios tem sua raiz
não apenas no que é comum a todos os homens, a saber: na inteligência, que
capta naturalmente os primeiros princípios do agir humano, e na vontade,
que é movida naturalmente pelo bem apreendido pela inteligência, mas
também no que é próprio e exclusivo de cada um, isto é, o apetite
sensitivo [3]. E o que isso quer dizer? Quer dizer que, devido à sua
constituição natural (ex naturali complexione), ou seja, ao seu
temperamento, alguns homens são mais inclinados à ira, outros aos prazeres
sensíveis etc., de modo mais ou menos intenso.

E é justamente sobre esta base natural de disposições que iremos conquistar


as virtudes morais, cuja aquisição, se depende, sim, do nossos esforços, pode
também ser ajudada ou atrapalhada por nossas inclinações naturais. Por isso,
se conhecemos quais são nossas tendências naturais, podemos planificar de
modo mais consciente e realista a construção do nosso caráter, fazendo o
nosso temperamento florescer de forma ordenada e coerente.

Quanto a este ponto, é conveniente fazer uma última distinção. O caráter


não é o mesmo que temperamento. Este, como dito várias vezes, é o
“complexo de tendências profundas que derivam das constituição fisiológica
do indivíduo”, ao passo que o “caráter é o conjunto de disposições
psicológicas” e também espirituais “que resultam do temperamento,
enquanto modificado pela educação e os esforços da vontade e fixado pelo
hábito” [5]. Noutras palavras, com o temperamento se nasce; o caráter se
constrói.
Por isso, é importante não perder de vista que nossas inclinações naturais,
por mais positivas que sejam, não são ainda virtude moral, mas
um caminho até ela, e esta só a podemos alcançar usando a nossa
inteligência e vontade, isto é, por deliberação e repetição de atos. Porque
cada indivíduo, insistamos de novo, além de ter em comum com os outros a
mesma natureza específica, tem também uma “natureza” peculiar e própria,
que provém do seu princípio material, isto é, do seu próprio corpo, por causa
do qual cada um de nós é diferente e, portanto, deve-se esforçar de forma
diferenciada para adquirir certas virtudes e disciplinar aquelas inclinações
negativas que podem acabar gerando vícios [5].

Aqui, no entanto, parece surgir um problema. Se, de fato, a formação do


caráter depende de nossas bases temperamentais e estas, por sua vez, são
sempre individuais, já que dependem da constituição de cada qual, que
sentido tem falar dos “quatro temperamentos” clássicos: sanguíneo,
colérico, fleumático e melancólico? Afinal, classificar as pessoas, sempre
únicas e irrepetíveis, não equivaleria a lhes negar individualidade e, por isso
mesmo, destruir a própria noção de temperamento?

A resposta não é difícil: não, dado que, como se vê pela experiência,


existem constantes inegáveis. É verdade que somos todos diferentes, mas,
por sermos todos homens, possuímos algumas “semelhanças estruturais”
que permitem tipificar-nos de forma mais ou menos precisa. Essas
constantes, se bem conhecidas e identificadas, ajudam a que nos
conheçamos melhor, e é por isso que, nas próximas aulas, estudaremos um
a um os quatro tipos de temperamento reconhecidos pela nossa tradição
filosófica e espiritual.

Referências

1. Teología de la perfección cristiana. 4ª ed., Madrid: BAC, 1962, p. 728, n. 504.

2. In VI Ethic. l. 11, n. 2

3. Cf. id., l. 11, n. 3.

4. A. Tanquerey, Compêndio de teologia ascética e mística. Trad. port. de João F.


Fonte. 4.ª ed., Porto: Apostolado da Imprensa, 1948, Apêndice II, p. 9.

5. Cf. S. Tomás de Aquino, STh I-II, 51 1.


Divisão
Os temperamentos podem ser de quatro e somente quatro tipos, em função
do grau de excitabilidade e de permanência das impressões recebidas: de um
lado, estão os coléricos e sanguíneos; de outro, os fleumáticos e melancólicos.

Vimos já, nas aulas anteriores, que os temperamentos costumam ser


divididos em quatro tipos fundamentais. É verdade que existem outras
tentativas de classificação, inumeráveis e quase sempre incompatíveis entre
si, mas a divisão tradicional tem a vantagem de ser não somente mais
simples, mas também exaustiva, como veremos a seguir.

Pois bem, como podemos conhecer o nosso temperamento? Nesta matéria,


que diz respeito às tendências predominantes que se originam da nossa
constituição fisiológica, não há outro modo de acesso ao temperamento
senão a experiência, isto é, a observação direta dos nossos grandes traços
comportamentais, sobretudo na infância, quando manifestamos de modo
mais “puro” de que forma e com que intensidade reagimos aos estímulos
externos.

Isso já nos dá uma pista de por que são quatro, e somente quatro, os tipos
básicos de temperamento. Essa divisão quadripartite nada tem a ver, pois,
como os quatro humores da teoria de Hipócrates e Galeno, senão que é o
resultado das respostas às duas perguntas seguintes:

1. Quanto à excitabilidade. Quando sou afetado por algo externo ou me lembro


de um afecção passada, as emoções irrompem dentro de mim pronta e
intensamente?

2. Quanto à durabilidade. Uma vez surgida a emoção, ela permanece por muito
tempo, de forma profunda, ou desvanece logo em seguida?

Em função da resposta que dermos a estas duas perguntas, com um sim ou


um não, teremos quatro combinações possíveis, correspondentes à divisão
tradicional dos temperamentos.
Assim sendo, se à primeira pergunta respondemos sim, então é provável que
sejamos ou coléricos ou sanguíneos de temperamento, ou seja: diante de
uma impressão qualquer (por exemplo, uma injustiça ou afronta), a nossa
reação tende a ser forte, intensa e imediata. O colérico e o sanguíneo,
portanto, se caracterizam fundamentalmente por um alto de grau de
excitabilidade.

Mas se a nossa resposta é negativa, então somos provavelmente


ou melancólicos ou fleumáticos, temperamentos marcados, ao contrário dos
outros dois, por uma baixa excitabilidade, por reagirem com pouca
intensidade às impressões recebidas e, por via de regra, não responderem
instantaneamente, logo após o estímulo.

A segunda pergunta, por sua vez, diz respeito à duração das impressões.
Desta forma, se lhe respondemos não, é provável que
sejamos sanguíneos ou fleumáticos, ou seja, as impressões tendem a durar
pouco em nós, sem deixar vestígios nem nos afetar de maneira muito
profunda. Se respondemos sim, é porque somos
ou coléricos ou melancólicos, nos quais permanece por longo tempo a
impressão recebida.

É por isso que são quatro e somente quatro os tipos de temperamento, que,
vale a pena a pena insistir, não são mais do que tendências predominantes.
É preciso ter sempre em mente que, na prática, não existe nenhum
temperamento “quimicamente puro”: na vida real, que tem as suas
complexidades e “zonas cinzentas”, os temperamentos se encontram mais
ou menos mesclados. O que os quatro tipos básicos da classificação
tradicional buscam salientar são os traços dominantes da constituição
fisiológica de um indivíduo [1].

Vejamos, pois, a título de conclusão, quais são as características principais de


cada um dos temperamentos, segundo o grau de excitabilidade e a
durabilidade das impressões.

o Colérico. É facilmente excitável, sua reação é intensa e exuberante e a


impressão tende a durar muito tempo. Suas emoções são fortes e profundas,
como um fogo que se acende rápido, se expande com violência e não se deixa
apagar.

o Sanguíneo. Como o colérico, é facilmente excitável, reage também com


intensidade, mas tende à superficialidade, quer dizer, nele a impressão
costuma durar pouco. A resposta é rápida, mas logo se esvai, como um fogo
que se acende de imediato, impetuoso e ardente, mas que se apaga logo em
seguida. É o típico “fogo de palha”.

o Melancólico. É pouco excitável, sua reação é, por via de regra, pouco intensa,
mas muito profunda e perdurável. Sua resposta é lenta, mas deixa na alma
um sulco permanente. É como uma fogueira difícil de acender, mas que,
quando acesa, dificilmente se apaga. Por isso, tende a não se esquecer, às
vezes por anos a fio, de uma ofensa ou desentendimento ocorrido na infância
ou na adolescência.

o Fleumático. É pouco ou quase nada excitável, razão por que é de pouca


intensidade a sua reação, quase sempre volátil e superficial. É como um fogo
que custa acender e, mesmo depois de aceso, se apaga com a primeira
lufada.

Referências

1. Cf. Antonio Royo Marín, Teología de la perfección cristiana. 4ª ed., Madrid: BAC,
1962, p. 729, n. 505.

Apetite sensitivo
Por mais fortes que sejam nossas inclinações naturais, tudo em nós, incluindo
os apetites concupiscível e irascível, está permeado de racionalidade, ou seja,
está em maior ou menor medida ao alcance de nossas decisões livres, do nosso
poder transformar-nos a nós mesmos.

Na terceira aula do curso, demos uma definição sumária do que entendemos


por temperamento, isto é, o conjunto de inclinações íntimas que brotam da
constituição fisiológica de um homem. Na aula seguinte, apresentamos
como exaustiva a classificação tradicional dos temperamentos em quatro
tipos: colérico, sanguíneo, fleumático e melancólico, em função do grau de
excitabilidade e de permanência das impressões.
Hoje, iremos aprofundar-nos um pouco no que deixamos apenas assinalado
no final da última aula, a saber: que o temperamento, por ser um traço de
índole natural, arraigado na constituição física de cada indivíduo, está
intimamente vinculado ao chamado apetite sensitivo.

Para entendermos melhor este ponto, é importante não perder de vista o


que já ficou dito na introdução: nós, seres humanos, não somos nem anjos
nem simples animais. Somos, ao contrário, um composto de corpo e alma,
que constituem esta unidade substancial que identificamos como homem.
Por isso, não é correto dizer, como pensavam alguns dualistas antigos, que a
natureza humana seria puramente espiritual, e que estaria temporariamente
aprisionada em um corpo.

Não. Nem a alma está no corpo como num cárcere nem o corpo, por si
mesmo, é algo ruim e prejudicial à alma. A alma humana é, por essência,
forma do corpo, de cujas faculdades depende, em certa medida, para exercer
muitos de seus atos. É por isso que, de uma perspectiva cristã, a morte,
embora seja natural, é um estado anômalo, no qual a alma se encontra
separada de um corpo com o qual tende naturalmente a estar unida.

É verdade que entre os anjos e os simples animais existem algumas


semelhanças. Uns e outros têm, ao seu modo, capacidade de conhecimento
e desejo por aquilo que conhecem como bem. Nos anjos, porém, esta
capacidade de conhecer e querer são puramente espirituais e recebem o
nome de inteligência e vontade, ao passo que nos simples animais o
conhecimento e o desejo radicam exclusivamente nas faculdades do corpo
e, por isso, não podem ultrapassar a esfera da sensibilidade. Nos brutos,
portanto, o conhecimento é sensível e a capacidade de querer se
chama apetite sensitivo.

Isso significa, entre outras coisas, que a “vontade” animal é instintiva, ou


seja, está determinada a querer numa única direção, que é a que lhe
propõem aqueles bens que o animal pode captar sensorialmente. Ele está
programado para, ao sentir fome, ir atrás de comida, sem que nenhum
motivo de ordem superior o possa inclinar em outra direção. Nos anjos, por
outro lado, a vontade é plenamente livre, isto é, pode aderir, se assim quiser,
a este ou àquele bem, sem que nada os obrigue a seguir um único caminho.
Foi porque, logo após criá-los, Deus submeteu os anjos à prova, a fim de que
eles, antes de verem cara a cara o sumo Bem, o amassem livremente, num
ato de fé e humildade meritórios.

Pois bem, os seres humanos somos uma espécie de “ponto médio”. Ao


contrário dos anjos, espíritos puros livres de toda materialidade, não
conhecemos a verdade por espécies infusas, com um só golpe de vista, senão
que precisamos, a partir dos dados sensoriais, alcançá-la por abstração, em
um longo e às vezes laborioso processo de observação, análises,
comparações etc. Eis por que dizia o adágio antigo: “Nihil est in intellectu quin
prius fuerit in sensu”, isto é, nada há na inteligência humana que não tenha
passado antes pelos sentidos.

Trata-se, como se vê, de um conhecimento ao mesmo tempo superior ao dos


simples animais, que não conhecem mais do que as sensações que
experimenta, e inferior ao dos anjos, que conhecem a verdade em toda sua
amplitude com um só olhar, sem necessidade alguma de receber impressões
externas e, a partir delas, elaborar juízos e silogismos.

Temos, pois, um conhecimento intelectual, superior, e outro sensitivo,


inferior. E é este último que aqui mais nos interessa, pois a ele está ligada a
nossa “vontade” inferior, ou seja, o nosso apetite sensitivo. Isso não significa,
em sentido próprio, duas vontades. O que temos são dois tipos de apetite: o
primeiro é o racional, chamado propriamente de vontade, que se caracteriza
por ser livre; o segundo é o sensitivo, que, por ser uma faculdade do nosso
organismo, está determinado a desejar um único tipo de objeto. É graças a
essa dupla dimensão apetitiva, uma racional e livre, outra sensitiva e
biológica, que os seres humanos somos capazes de sentir muita fome e, ao
contrário dos animais, decidirmos livremente fazer jejum por amor a Deus.

No entanto, em nós o apetite sensitivo não é mera animalidade, como nos


produtos. Ainda que radique no nosso organismo, esse apetite pertence a
um ser racional. Em que, porém, ele se assemelha ao dos animais? Em que a
sua estrutura é a mesma. Senão vejamos.

Em geral, chamamos apetite à inclinação de algo a uma coisa que lhe é


conveniente. O objeto, pois, de um apetite é o bem, dado que o bem, por
definição, é o que convém ao apetite: “Appetitui conveniens”. Ora, o
chamado apetite sensitivo nada mais é do que aquele tipo de apetite que se
inclina a um bem apreendido pelos sentidos, o que supõe, obviamente, o
conhecimento sensível deste bem e implica, ademais, a natureza orgânica de
tal potência.

O apetite sensitivo, por sua vez, divide-se em concupiscível e irascível,


porque são dois os modos fundamentais de relacionar-se com um bem
apreendido sensorialmente. Este bem, com efeito, pode ser apreendido
como conveniente aos sentidos, ou seja, como deleitável, por estar presente
ou ser de fácil aquisição. Neste primeiro caso, o que entra em movimento é
o apetite concupiscível. Cabe também a possibilidade de que o bem seja
apreendido, não como um prazer fácil e imediato, mas como algo que,
apesar de valioso, é árduo, difícil de conseguir. Neste segundo caso, o que
entra em movimento é o apetite irascível.

Essas distinções põem em evidência que a classificação quadripartida dos


temperamentos nada tem de arbitrária, senão que se baseia na dinâmica
constitutiva do nosso apetite sensitivo, em sua dimensão tanto concupiscível
como irascível. O que cada temperamento significa é justamente
a predominância, por disposição natural, de uma dessas duas dimensões.
Assim, o sanguíneo e o fleumático estão mais ligados ao concupiscível, que
neles tende a ser mais delicado, ou seja, facilmente excitável, ao passo que
no colérico e no melancólico se nota uma prevalência das respostas
irascíveis.

Noutras palavras, em cada pessoa, em virtude de sua peculiar compleição


física, pode ser mais forte o apetite concupiscível ou irascível. Os de
temperamento sanguíneo, por exemplo, tendem a voltar-se mais para os
sentidos, para o que agrada, aqui e agora, pois o seu apetite concupiscível é
estimulado com muita facilidade; daí sua natural superficialidade, sua
tendência a gostar apenas do momentâneo, do que neste momento
interessa e agrada. Por não ter um apetite irascível, por assim dizer, mais
robusto, o sanguíneo se desanima diante da primeira dificuldade: os bens
árduos não o atraem tanto quanto os prazeres imediatos.
O fleumático também tende a voltar-se para os prazeres, para o bem
conveniente aos sentidos, com a diferença de que, em relação ao sanguíneo,
sua excitabilidade é menor e, por isso, tende a ser menor a sua dispersão. É-
lhe um pouco mais fácil centrar-se, sem flutuar, inconstante, entre mil coisas
e interesses.

No colérico e o melancólico, por sua vez, sobressai o apetite irascível. O


colérico tem naturalmente uma energia exuberante, um gênio sagaz, um
poder único de concentrar-se em projetos árduos e a longo prazo. Ao
contrário do melancólico, que tem certa obsessão pelos bens difíceis,
embora se deixe facilmente vencer pelo desânimo e a desesperança, o
colérico tem mais “força de vontade”: diante de uma dificuldade, longe de
lhe faltar ânimo, cresce a sua motivação, o seu desejo de empregar todos os
meios para superar os obstáculos e alcançar a meta almejada. O colérico diz:
“É difícil, eu quero e vou conseguir”, enquanto o melancólico tende a
corvejar: “É difícil, eu quero, mas sei que não vai dar certo”.

As inclinações temperamentais referem-se, numa palavra,


à predominância de um dos dois apetites em que se divide o sensitivo. O que
não significa, lembremos uma e outra vez, que o temperamento seja um
condicionamento biológico invencível. Por mais fortes que sejam nossas
inclinações naturais, tudo em nós, incluindo os apetites mais simples, está
permeado de racionalidade, está, em maior ou menor medida, ao alcance de
nossas decisões livres.

O problema é que, devido ao pecado original, há em nós uma desarmonia


entre corpo e alma, entre inteligência, vontade e apetites sensíveis, entre as
faculdades superiores do espírito e as tendências próprias da carne. É neste
estado, de queda e luta, que vivemos, e é nele que devemos identificar,
olhando para o nosso temperamento, quais são as boas qualidades de que
nos dotou a natureza e qual é o defeito dominante a que estamos mais
inclinados. Mas este é um tema para as próximas aulas.

O pecado original
Iluminada pela fé e a Revelação divina, a experiência nos mostra que todos nós,
tenhamos este ou aquele temperamento, possuímos desordens afetivas muito
profundas, e que o necessário, mais do que saber qual é o “melhor”
temperamento, é humilhar-se aos pés de Deus e implorar-lhe a sua graça.

Abordaremos na presente aula os temperamentos em sua condição


concreta, isto é, enquanto afetados pelas consequências do pecado original.
Esta abordagem se justifica pela necessidade de estudarmos os
temperamentos do ângulo de uma antropologia completa, que leve em
consideração a natureza humana, não em abstrato nem segundo um modelo
ideal, mas em sua condição real, tal como a encontramos e vivemos no dia a
dia.

Aqui, é preciso lembrar uma vez mais que a nossa finalidade neste mundo é
a santificação, que nada mais é do que unir-se a Jesus Cristo pela caridade
sobrenatural; e o conhecimento que do nosso temperamento se pode ter,
enquanto suporte fisiológico inato, não é mais do que um dos muitos meios
que nos podem ajudar a alcançar essa meta.

E o que a experiência, iluminada pela fé, nos ensina é que todos nós,
tenhamos um ou outro temperamento, possuímos desordens afetivas muito
profundas. Deveria reinar em nós uma perfeita harmonia, de modo que o
corpo, com todo o mundo riquíssimo de suas paixões, estivesse submetido à
alma e esta, por sua vez, estivesse sempre sujeita à lei de Deus.

No entanto, herdeiros por geração natural de uma humanidade corrompida,


vemos que em nós reina justamente o contrário: a alma está muitas vezes de
joelhos, subjugada pelas solicitações da carne, e o homem inteiro, em sua
inteligência e vontade, nega a Deus a sujeição humilde e obediente a que Ele
tem direito.

Obviamente, só fogem a esta regra Nosso Senhor Jesus Cristo e sua Mãe
Maria SS. O primeiro, com efeito, por ser Deus encarnado, foi sempre e
absolutamente impecável, isto é, não conheceu nem poderia jamais
conhecer as desordens que nos inclinam ao pecado. A segunda, por ser
Imaculada, não herdou as feridas do pecado original e, confirmada em graça
por Deus desde a sua concepção, nunca sentiu a menor inclinação ao menor
pecado sequer, mesmo venial.
O problema é que Jesus e Maria, se são para nós um modelo esplendoroso,
não são, porém, o parâmetro ideal a partir do qual possamos conhecer
o nosso temperamento. O deles, com efeito, foi sempre perfeitíssimo, sem
nenhuma qualidade negativa, ao passo que o nosso está necessariamente
inscrito numa natureza caída, ferida pela ignorância da inteligência, a malícia
da vontade, as desordens do apetite concupiscível e a debilidade do
irascível.

É verdade que, se nos movemos num plano meramente abstrato, pondo


entre parênteses nossa inclinação natural ao pecado, podemos dizer que o
temperamento ideal é o colérico: sua fácil excitabilidade e o poder de reter
de modo duradouro as impressões recebidas fazem dele um meio poderoso
de levar a cabo grandes projetos. O problema é que este temperamento, que
num mundo possível em que Adão nunca houvera pecado é excelente,
no mundo real em que vivemos pode ser extremamente desastroso, já que
o colérico, levado por seu ímpeto natural, pode facilmente vir a perder-se
para sempre graças à intensidade e à perseverança quase obstinada com que
responde “sim” às tentações que a todos nos perseguem.

Eis por que alguns autores, como Conrado Hock [1], fazem questão de
salientar que o temperamento colérico, entre outras qualidades negativas,
tem uma forte inclinação ao orgulho. Isso não significa, é claro, que não a
tenham também os outros três temperamentos; significa apenas que, dentre
todos, o colérico é o temperamento que, por disposição natural, mais
propensão tem a deixar extravasar, em forma de pecados atuais, nossa
inclinação geral ao orgulho.

Para entender melhor este ponto, convém ter em mente que, quando
falamos de orgulho, podemos nos estar referindo a três coisas diferentes:

1. Ou ao pecado propriamente dito de orgulho, que consiste em se recusar,


livre e conscientemente, a submeter-se à Deus e à sua lei. É neste sentido
que dizemos, por exemplo, que o diabo e os nossos primeiros pais, tentados
no paraíso, pecaram por orgulho.

2. Ou ao chamado pecado capital do orgulho, que não é, em si mesmo, um


pecado, mas uma inclinação ao pecado que afeta toda a humanidade, na
medida em que todos os descendentes de Adão nascemos com uma
natureza humana privada da graça santificante e marcada pelas sequelas do
pecado original. Por isso, não devemos confundir um pecado capital com o
pecado atual propriamente dito: todos nós temos uma propensão ao
orgulho, o que não implica que, necessariamente, todos nós venhamos a
cometer um dia um pecado de orgulho (pense-se, por exemplo, no caso de
S. Teresinha do Menino Jesus).

3. Ou, enfim, à predisposição temperamental — de origem orgânica, portanto


— graças à qual uma pessoa pode tender com mais intensidade aos pecados
de orgulho, aos quais todos estamos inclinados em virtude do pecado capital
de orgulho.

O que todas essas distinções querem pôr em relevo é que o pecado original
afeta todos e cada um dos quatro temperamentos, nenhum dos quais, por
conseguinte, deve ser considerado melhor ou pior do que os outros.
Somente in abstracto nos seria possível falar do colérico como o
temperamento “ideal”, preferível aos outros três.

Não é este o tipo de conhecimento que buscamos aqui, pois de nada nos
adianta especular “nas nuvens”, perguntando-nos se o nosso temperamento
é o pior ou, quem sabe, o melhor de todos. Na situação em que nos
encontramos, o “melhor” temperamento que há é o que temos, porque foi
ele que Deus nos deu e é com ele, restaurado pela graça sanante e ajudado
pelas graças atuais, que iremos trabalhar na nossa santificação.

Referências

1. Cf. Los cuatro temperamentos. México: Apóstoles de la Palabra, 2010, pp. 24-25.

Defeito dominante
Por temperamento, todo o mundo tem pontos fracos e fortes: pelos primeiros
nos tenta derrubar o demônio, pelo segundo nos pode ajudar a natureza a
aperfeiçoar o que somos. Nisto, porém, é necessária a graça divina, para que,
transfigurados, Cristo viva plenamente em nós.

No final da última aula, insistimos na importância de conhecer o próprio


temperamento com franqueza e humildade, virtudes sem as quais é
praticamente impossível crescer na vida de santidade, que, como visto na
introdução, é o fim único que estamos chamados a realizar nesta vida. Sem
humildade, com efeito, torna-se muito difícil identificar o próprio
temperamento e aceitar, com simplicidade de coração, as limitações naturais
que todos possuímos. Por isso, o que este curso se propõe, mais do que
oferecer uma descrição completa dos quatro temperamentos — coisa que
se pode encontrar em muitíssimos livros de fácil acesso —, é mostrar como
se encaixa neste grande projeto que é a perfeição cristã o conhecimento do
próprio temperamento.

Nesta aula, de modo particular, falaremos, a partir da lição do Pe. R.


Garrigou-Lagrange, de um tema intimamente vinculado a esta questão, a
saber: o defeito ou paixão dominante.

Entendemos por defeito dominante aquela imperfeição ou inclinação


desordenada que em cada indivíduo tende a prevalecer sobre todas as
outras e, por conseguinte, se manifesta em nossa maneira ordinária de
sentir, opinar, julgar, simpatizar, querer e agir [1]. Trata-se, pois, de um
defeito que, em cada pessoa, provém do modo de ser individual, isto é, dos
traços temperamentais.

De fato, vimos já na aula anterior que todos os homens, em virtude do


pecado original, possuem grandes tendências desordenadas que recebem
classicamente o nome de pecados ou vícios capitais, os quais adquirem, por
assim dizer, certa “modulação” ou variações de intensidade em cada pessoa,
devido à sua constituição física particular. Isso significa que, embora todos
tendamos naturalmente aos pecados capitais, a tendência a este ou àquele
pecado não tem a mesma força ou intensidade em todas as pessoas.

É como se cada homem tivesse, em razão de seu próprio temperamento, um


“ponto fraco”, que o demônio chega a descobrir por observação e do qual se
serve para nos tentar de modo mais eficaz. Eis por que nos é imprescindível
conhecer o nosso temperamento e o defeito que nele prepondera, a fim de
podermos atuar justamente onde o demônio nos quer fazer cair.

Se, com efeito, o objetivo da nossa existência é a união com Cristo, no cume
da perfeição cristã, precisamos saber por que encosta iremos subir, isto é,
quais são os obstáculos e atalhos com que iremos deparar ao longo do
caminho por que Deus quer conduzir cada um de nós. Se o temperamento é
um traço individual, é evidente que serão diferentes os defeitos dominantes
desta e daquela pessoa e, portanto, o itinerário espiritual que cada um há de
seguir.

Existem, por exemplo pessoas naturalmente inclinadas “à molície, à


indolência, à preguiça, à gula, à sensualidade. Outros tendem à soberba” [2],
como vimos ao falar anteriormente do temperamento colérico. Por isso,
“nem todos sobem pelo caminho até o cume da perfeição: os moles de
compleição”, por exemplo, “devem, por meio da oração, da graça e da
virtude, “buscar a fortaleza”; por sua vez, “os que são mais impetuosos e
facilmente se deixam arrastar pela violência devem, com esforço e a ajuda
da graça, tornar-se mansos e tratáveis” [3]. Donde se vê, outra vez, a
importância de conhecer o próprio temperamento, sem o quê dificilmente
nos daríamos conta do defeito que domina em nossa alma e do trajeto que
teremos de percorrer para o corrigir com os meios devidos.

Mas tampouco devemos pensar que é puramente negativo o conhecimento


do próprio temperamento. Ele, se possui um defeito dominante, tem
também boas qualidades. E é justamente por isso que “o defeito ou paixão
dominante é ainda mais perigoso, já que, com frequência, ele compromete
a nossa qualidade dominante, que é uma boa e reta inclinação da nossa
natureza” [4]. De nada adianta ter por temperamento tendências ao que é
bom e honesto, se não arregaçarmos as mangas para corrigir o nosso defeito
principal, que pode, não já ofuscar, mas deturpar a nossa qualidade
dominante.

“Há, por exemplo, quem se sinta inclinado à afabilidade”, aos modos


amigáveis, a um jeito mais sorridente e agradável de ser. No entanto, “se,
por força da paixão dominante, essa amabilidade se degenera em debilidade
e excessiva indulgência, facilmente poderá levar-nos à perda total de nossas
energias” [5]. Daí ser necessário encontrar o equilíbrio, aquele “meio termo”
em que consiste a virtude. Além de conhecer o defeito principal, para o
corrigir, temos de reconhecer o que temos de bom, para o cultivar e
sobrenaturalizar pela graça.
Não se trata nem de acariciar demais o temperamento nem de o sujeitar com
violência desmedida; trata-se de conjugar doçura com firmeza, carícia com
disciplina, leveza com exigência. O temperamento, não percamos de vista,
existe para ser transformado: é um “terreno” selvagem, com suas boas e más
qualidades, em que devemos meter a enxada da virtude e regar com a graça
divina. Nesse sentido, o efeito dominante vem a ser uma erva daninha que,
se não for erradicada, pode comprometer a saúde da boa hortaliça e do
próprio terreno: é como um verme roedor, capaz de esgotar nossas boas
energias, que poderiam ser muito bem canalizadas nesta nossa subida ao
cume da perfeição.

Como se vê, conhecer o próprio temperamento é um meio para


reconhecermos o nosso defeito e qualidade dominantes. Sem isso, ser-nos-
á extremamente difícil, senão impossível, progredir na vida espiritual. Não
tenhamos a ingenuidade de pensar que somos reféns e vítimas do nosso
temperamento: este não é mais que um indício das tendências que temos e,
por isso mesmo, uma via aberta à possibilidade de mudarmos para melhor o
que somos. Não é uma desculpa para justificarmos nossos defeitos, mas um
convite a conservarmos o que temos de bom e corrigirmos o que temos de
mau.

É necessário que o caráter seja, sobre a base natural do nosso


temperamento, a marca das virtudes que adquirimos e das que Deus
infundiu em nosso coração. Somos, nesse sentido, qual uma argila, que em
uns é mais dura, em outros mais maleável, mas que em todos está em
potência para configurar-se a Cristo, para receber a imagem de perfeição que
é Nosso Senhor.

Os quatros temperamentos, em resumo, não são mais do que quatro


caminhos, quatro encostas pelas quais cada um de nós deve subir. A meta é
a mesma para todos, e é por isso que, se contemplamos a vida dos santos,
vemos que a desigualdade que naturalmente nos distingue tende a unificar-
se em igualdade: chegados ao topo da perfeição, sem deixar de ser o que
são, com suas peculiaridades, todos os santos tornam-se semelhantes,
porque um só é o Cristo a que nos devemos configurar, não porque se anule
o temperamento, mas porque se aperfeiçoa no que tem de bom e purifica
do que tem de mau.
Todos estamos a caminho da Sião celestial, onde não somos nós que
vivemos, é Cristo quem há de viver plenamente em nós; onde, enfim, todos
iremos florescer no jardim de Deus com os dons que dele recebemos,
preservando o que somos, elevados ao que Cristo é.

Referências

1. Pe. R. Garrigou-Lagrange, Las tres edades de la vida interior. Trad. esp. de


Leandro de Sesma. 3.ª ed., Buenos Aires: Desclée du Brouwer, 1950, vol. 1, p.
365.

2. Id., ibid.

3. Id., ibid.

4. Id., p. 366.

5. Id., ibid.

Fleumático
Vivemos hoje numa cultura fleumatizada. Tomados por certa acídia, todos
vemos nas exigências da vida cristã um fardo aborrecido, que não move nem
atrai, e por isso preferimos deixar a vida passar com passatempos que de nada
nos aproveitam.

Como vimos, o temperamento, por ser uma predisposição biológica,


condiciona aquelas energias físicas e morais que, em cada pessoa, dão
origem a um defeito dominante. É por esta razão que conhecer o próprio
temperamento é importante: se não sabemos como somos nem quais são
nossas inclinações predominantes, será praticamente impossível corrigir os
nossos pontos fracos, que tantas dificuldades impõem à vida espiritual.
Como dizem incontáveis santos, vencida a paixão dominante, muitos outros
defeitos desaparecem e novas virtudes florescem, aplainando-se assim o
caminho da santidade.

Na aula de hoje, começaremos a ver cada um dos quatro temperamentos,


começando agora pelo fleumático. Ora, vimos que são quatro e somente
quatro os temperamentos, porque são duas principais perguntas que nos
devemos fazer na hora de determinar as características fundamentais da
nossa constituição emocional.
A primeira pergunta referia-se ao grau de excitabilidade e à velocidade da
resposta aos estímulos externos; a segunda, por sua vez, dizia respeito
à durabilidade das impressões causadas por esses estímulos. E o fleumático,
como dito anteriormente, responde não às duas perguntas: é baixo o seu
grau de excitabilidade e são passageiras e superficiais as suas impressões.

O fleumático, por consequência, é um temperamento marcado por certa


“apatia”, por ter escassa energia vital, coisa que, longe de ser um traço
positivo, que poderíamos confundir com uma santidade entendida como
“impassibilidade”, leva muitas vezes à inação, à inércia e, portanto, a
permanecer sempre no mesmo estado, sem se deixar transformar pela graça
de Deus. De fato, justamente por não ser facilmente estimulável, o
fleumático tende com facilidade à paralisia de suas forças morais. O
problema é que, para ser santo, não basta cruzar os braços e esperar que
Deus obre em nós sem que nós nada obremos: é preciso cooperar com graça,
sair da miséria em que nos encontramos. A santidade, numa palavra, supõe
e exige transformação.

Daí não se segue, porém, que o fleumático seja um preguiçoso. A preguiça,


em sentido estrito, consiste em certa sensualidade, o que nem sempre está
presente no fleumático. Ao contrário deste, o preguiçoso prefere sempre ao
que lhe parece desagradável sensações e atividades prazerosas; o
fleumático, por seu turno, tende a não preferir nada: mais do que uma
preguiça “seletiva”, que ao trabalho braçal prefere um passeio no shopping,
o que caracteriza o fleumático é uma preguiça a que poderíamos chamar
ontológica, vocacional e, por isso, mais profunda e perigosa, por se tratar de
uma tristeza ante as exigências da vida cristã. É uma preguiça
chamada acídia.

Donde se vê que não é só o mundo que está fleumatizado: também entre os


católicos de hoje reinam os traços característicos do temperamento
fleumático. Sejamos coléricos ou sanguíneos, todos temos hoje algo de
fleumático, na medida em que, pela forma mesma como está organizada a
nossa vida, vemos com cansaço e desinteresse as exigências da vocação
cristã.
No fleumático, porém, a acídia é defeito dominante, ao qual ele tem mais
propensão pela simples razão de ter tal temperamento; em nós, por outro
lado, é quase sempre pecado, por ser o resultado de uma série de
negligências e atos de tibieza. Seja como for, nos dias de hoje a acídia faz
sentir em todos nós, com maior ou menor intensidade, a sua influência
paralisante.

Mas o que é, afinal, a acídia? De acordo com S. Tomás de Aquino, a acídia é


um tipo de tristeza, mas não de uma tristeza qualquer: é tristeza que se sente
diante de um bem espiritual, precisamente enquanto é um bem divino.
Noutras palavras, a acídia é a tristeza que sentimos por causa dos meios de
salvação impostos a nós por Deus, e é por isso que a acídia, ao invés de se
opor à laboriosidade, se opõe à virtude da caridade. Com efeito, assim como
o amor a Deus se alegra com a amizade e a união que com Ele podemos ter
e com os meios que a essa amizade e união conduzem, assim também a
acídia se entristece com todas estas coisas e as aborrece mais do que tudo.
O preguiçoso espiritual, afetado por um excessivo amor próprio, não
consegue dispor-se às obras que nos unem a Deus.

Eis por que o fleumático frequentemente se fecha no mundo de seus


próprios pensamentos, menos exigentes e mais doces do que a realidade
“nua e crua”, e olha com desgosto e um sabor de tédio para a vida espiritual.
Nela, tudo se lhe afigura pesado, macilento, sem gosto nem interesse: não o
motiva a oração, a Missa nada lhe diz, a Comunhão, ainda que a receba bem
disposto e com fé, pode parecer-lhe às vezes um “ritual vazio”, sem deleite
espiritual algum.

Isso não implica que, em vez de se entregar com empenho à santidade, o


fleumático se dedique de preferência a outros empreendimentos, mais
externos e menos espirituais: antes, pelo contrário, a sua tendência é a de
encerrar-se em si mesmo, já que, por não se sentir atraído à ação, tende a
deixar o tempo passar em ocupações pouco exigentes (trancar-se no quarto
para ler um livro, ficar em casa assistindo a séries etc.).

Como pode o fleumático combater essa tendência à inércia? Um princípio de


solução, aparentemente “banal”, pode ser a prática de esportes, de
atividades que demandem um esforço físico mais intenso e o tirem do seu
comodismo ensimesmado, estimulando-o à ação. Ao fleumático, pois, lhe é
necessário um mínimo de vida ativa, não de forma desgovernada, dispersa
numa multidão de atividades, mas organizada segundo um plano bem
pensado, capaz de canalizar proveitosamente as poucas energias que lhe
proporciona o seu temperamento.

É aqui que vemos o ponto forte do fleumático. Embora pouco o atraiam as


coisas de fora, quando ele se dá conta da verdade, o seu julgamento costuma
ser objetivo, sereno, desapaixonado e, por este motivo, quase sempre
acertado. Se conseguimos fazer ver a um fleumático o problema de sua
ociosidade, ele facilmente encontrará os meios para combatê-la. Por isso, o
fleumático deve ser estimulado mais com a razão do que com a vontade,
mais com a inteligência do que com os sentidos.

Para vencer sua inclinação à imobilidade, grande obstáculo à perfeição cristã,


não há melhor motor para o fleumático do que a verdade: se ele lograr
contemplá-la, já terá andado meio caminho. Faltar-lhe-á ainda, é claro,
perseverar nos propósitos feitos, exercitando sua vontade para conseguir
aquelas virtudes (fortaleza, constância, determinação etc.) a que o seu
temperamento não tem especial propensão.

Todas as observações aqui feitas, é bom recordar, valem para todos os


temperamentos. Não há pessoa, na prática, que não tenha ou não venha a
ter, em algum momento da vida, certos traços fleumáticos, certa inclinação
momentânea à preguiça espiritual. A todos nós é preciso buscar a verdade,
deixar que a inteligência guie a nossa vida e pedir a Deus as energias
necessárias para que saiamos de nós e o busquemos a Ele, com todo o
empenho de que formos capazes: “Por que estais todo o dia sem fazer
nada?” (Mt 20, 6).

Melancólico
O melancólico, embora não se deixe tocar por qualquer coisa, mete bem no
fundo da alma tudo o que consegue atingi-lo, penetrando o esconderijo do seu
coração. Por natureza, ele tende a não se esquecer de nenhuma impressão,
porque está o tempo inteiro lembrando-se de si mesmo.
Vale a pena recordar, uma vez mais, o objetivo deste curso. Não é nossa
intenção descrever, com minúcia de detalhes, os quatro temperamentos.
Isto, qualquer leitor o pode encontrar facilmente nos bons tratadistas. O que
queremos aqui é mostrar como o conhecimento do próprio temperamento,
embora humilde e quase “secundário” para a vida espiritual, pode ser-nos de
grande ajuda no caminho da santidade.

A razão disto, já a explicamos nas últimas aulas: se sabemos qual é o nosso


temperamento, estamos em melhores condições para nos aproveitar de suas
boas disposições e, ao mesmo tempo, para corrigir a sua paixão dominante.
É verdade, sim, que “somos o que somos”, mas isso não implica que
estejamos encarcerados no nosso temperamento. Com virtude e o auxílio da
graça, podemos transformá-lo e fazê-lo servir a este grande projeto de amor
que é a perfeição cristã.

Pois bem, na presente aula nos ocuparemos de um temperamento afim ao


fleumático, mas dele distinto em aspectos bastante relevantes:
o melancólico. Como visto anteriormente, já sabemos que o que caracteriza
o melancólico, assim como o fleumático, é a sua baixa excitabilidade, uma
quase “indiferença” aos estímulos exteriores. Mas, ao contrário daquele, o
melancólico retém profundamente as impressões recebidas, quando estas
conseguem penetrar-lhe o coração. É por isso que o melancólico costuma
ter boa memória, ao menos no plano afetivo. O que o atinge costuma não
ser esquecido jamais, ainda que se trate de algo ocorrido há décadas.

À semelhança do fleumático, o melancólico sente forte atração por sua


interioridade; mas, ao contrário daquele, que se fecha nos próprios
pensamentos para fugir do mundo, o melancólico se recolhe em si mesmo
para alimentar, num círculo às vezes vicioso, as impressões que tanto o
marcaram. Podemos dizer que o fleumático recorre ao seu mundo interno
para fugir dos problemas externos, ao passo que o melancólico se
desinteressa do mundo porque só o que lhe importa são os seus próprios
problemas.

Essa tendência ao ensimesmamento costuma esconder uma soberba


inconfessada. Não é que o melancólico se creia grande; é que ele está
profundamente convencido de que a “salvação do mundo” depende dele, e
somente dele: “resolvidos os meus problemas”, raciocina, “estará resolvido
o mundo”.

Nesse sentido, o melancólico, se não trabalhar bem o seu temperamento por


meio das virtudes, pode ser presa fácil de certa “hipnose interna”, que o leva
a encapsular-se, superdimensionando-os, nos juízos e análises que
continuamente faz sobre si mesmo, sobre as coisas que lhe aconteceram,
sobre o gosto e a impressão que nele deixaram etc. etc. Quando porventura
lhe tocam sem querer uma ferida, aberta talvez há vários anos, ele já não
pode seguir em frente: detém-se para “saborear” a sensação amarga que lhe
causa aquela recordação. Não é de estranhar, pois, que “melancólico” se
tenha tornado sinônimo de “tristeza”.

No entanto, é justamente aí, nessa predisposição a lembrar-se de tudo, que


se encontra o seu ponto forte, desde que bem canalizado: a memória
passional do melancólico é indestrutível; por isso, se ele for capaz de sair de
si mesmo para centrar-se em Deus, terá em mãos um potencial
especialíssimo para desenvolver uma vida interior pujante.

O problema reside precisamente em lhe suscitar essa memoria Dei, ou seja,


essa lembrança permanente do amor de Deus e de quanto diz respeito às
coisas divinas. Sem um pouco de “violência” e foco, o melancólico tenderá
sempre a encarcerar-se na lembrança de si mesmo, memoria sui, dos seus
problemas, das suas sensações, dos seus traumas, das suas incapacidades…

Ora, como ele dificilmente se esquece do que lhe vai ao fundo da alma, se
um bom diretor conseguir trazer-lhe à tona a recordação daquelas graças e
consolações, daquelas doces experiências que Deus lhe concedeu outrora,
então o melancólico terá combustível suficiente para anos e anos de oração
e recolhimento sadio. O que lhe falta é alguém que atice um pouco os
“carvões” em brasa de suas boas memórias, abafadas, mas não de todo
extintas, por pensamentos negativos e desesperançados.

O melancólico, numa palavra, tem de sair de si para encontrar-se com Cristo;


tem de aprender que, no seu mundo interior, o trono pertence a Deus, e não
à imagem distorcida e exagerada com que ele pinta suas próprias angústias.
É-lhe necessário, em resumo, exercitar a virtude da esperança, esta alegre
disposição de ânimo nascida da recordação de que Deus muito nos ama,
apesar de todo o mal que somos e fazemos, e põe à nossa disposição meios
certos e eficazes para nos salvarmos.

O estudo do temperamento melancólico, como se vê, nos ajudar a não


perder de vista uma coisa necessária a todos os outros temperamentos. Não
devemos sucumbir ante as desordens da nossa memória pessoal e afetiva. O
que devemos fazer é pô-la ao serviço da nossa vida espiritual, recordando
frequentemente todo o bem que temos recebido de Deus e, desta forma,
estimulando o nosso coração a buscá-lo sem medo: Ele nos ama como um
Pai, tem em suas mãos todo o nosso cuidado, e quer que reconheçamos, com
singela humildade, que não depende de nós a salvação do mundo, porque
Ele já a suportou sob o peso da cruz.

Sanguíneo
Na vida espiritual, o sanguíneo tende particularmente à dispersão,
borboleteando de um pensamento a outro, começando sem nunca terminar
um sem número de livros de espiritualidade, porque está à procura mais de si
mesmo do que de Deus.

Na presente aula, estudaremos em linhas gerais o temperamento sanguíneo,


não, como dito anteriormente, para descrevermos todas as suas
características, mas para identificarmos o defeito dominante a que ele tende
por predisposição natural. É aqui, repitamos, que descansa a importância do
estudo do temperamento, pois é mais fácil cooperar com a graça se,
conhecendo nossas inclinações temperamentais, lutarmos justamente onde
mais nos faz cair a natureza.

Pois bem, o temperamento sanguíneo tem duas características


fundamentais. A primeira, à semelhança do colérico, é o seu alto grau de
excitabilidade: nele, a reação emocional a um estímulo é instantânea e
veemente, e pode ser até mais intensa do que no colérico. Além disso, a
impressão causada no sanguíneo, diferentemente do melancólico, por mais
forte que seja, é volátil, passageira, qual palha seca que pega fogo rápido,
mas logo se apaga ao soprar uma brisa leve.
Ora, o que explica essas traços do sanguíneo é seu especial apego às
sensações, a tudo o que impressiona e agrada os cinco sentidos. O
sanguíneo, portanto, está mais predisposto a deixar-se cativar pelas
emoções, e é aí que lança raízes o seu defeito dominante, que não é senão
a inconstância, isto é, a dificuldade de centrar-se por um tempo razoável
numa só coisa e levá-la a cabo, custe o que custar.

Na vida espiritual, de modo particular, o sanguíneo tende à dispersão,


borboleteando de um pensamento a outro, começando sem nunca terminar
um sem número de livros de espiritualidade, porque está à procura mais de
si mesmo do que de Deus. Quando se põe a rezar, o que ele mais deseja é
reproduzir as consolações e gostos sensíveis experimentados numa pregação
que o tocou, num momento forte em um grupo de oração etc.

É por isso que o sanguíneo facilmente abandona a oração e as práticas de


piedade. Com o passar do tempo, já não encontra nelas o mesmo gosto que
dantes, e por causa disso julga estar perdendo tempo, como se só tivera valor
a oração feita com arroubos, com lágrimas, com frêmitos e palpitações. Ele
sente e sabe que Deus o tocou uma vez, mas, porque já não consegue sentir
o toque da graça, termina sendo infiel, mostrando assim que mais lhe
interessam as consolações de Deus do que o Deus das consolações.

Não percamos de vista que essa tendência à inconstância e à dispersão está


presente em todos os temperamentos. O que acontece é que o sanguíneo,
por compleição natural, tem a ela uma predisposição mais forte do que os
outros. Por isso, o remédio deste defeito, que no sanguíneo é dominante,
serve também para os demais temperamentos, que, lembremos bem,
podem por culpa própria tornar-se até mais inconstantes do que um
sanguíneo.

Qual é, pois, a solução para esta superficialidade sensual que o caracteriza?


A resposta é óbvia: ele precisa adquirir vida interior, isto é, lutar para
aprender a meditar, mas meditar pausadamente, detendo-se, como quem
rói um osso até as migalhas, naquelas verdades com que Deus o tocara e que,
apesar de não lhe causarem mais os “calafrios” de outrora, são os pontos em
que o Senhor quer-se encontrar com ele.
Se, por exemplo, Deus o iluminou numa pregação com uma determinada
verdade de fé, o sanguíneo deve empenhar-se em meditá-la a fundo,
sabendo que as consolações a ela vinculadas irão, mais dia, menos dia,
desvanecer-se, mas nem por isso perderá essa verdade a sua força
iluminadora, o seu poder de lhe alimentar a alma mais do que qualquer gosto
sensível.

Trocando em miúdos, do que precisa o sanguíneo é de recolhimento, e


recolhimento ativo, ou seja, esse meter-se dentro de si mesmo, deixando a
superfície dos sentimentos, para aprofundar-se nas verdades com que, num
momento concreto de sua vida espiritual, Deus o quer instruir e iluminar,
corrigir e alimentar. O sanguíneo não pode, pois, parar na consolação sentida
nem ir à oração para experimentar outras novas: o que ele tem de buscar é
a verdade, cuja beleza agrada muito mais do que as formosuras que podem
ver os nossos olhos.

O sanguíneo, numa palavra, é de todos os temperamentos o que mais


necessita passar pela noite escura dos sentidos. O seu ponto forte está
justamente em sua abertura e sensibilidade aos toques de Deus, abertura
esta, porém, que precisa ser aprofundada, para que ele se torne capaz de
encontrar, em meio ao fluxo de sensações que tendem a enlevá-lo, as
verdades de Deus, que não passam como um sentimento e são mais
saborosas do que toda consolação.

Colérico
O colérico é rijo de temperamento, enérgico e sagaz. Dotado de grande força
reativa, vê os problemas com facilidade e busca-lhes sem demora a solução.
Mas, por estar muito voltado para fora, não consegue olhar para dentro e
reconhecer suas próprias responsabilidades.

Nesta aula, estudaremos o último dos quatro temperamentos: o colérico,


dotado de qualidades excelentes, mas que, se não forem bem disciplinadas
pelo exercício das virtudes, podem converter-se em grandes obstáculos à
santidade. O colérico, com efeito, é por sua própria compleição um
temperamento rijo, talentoso; é como um cavalo de boa raça, forte e cheio
de energia, mas que necessita de uma alma treinada, capaz de domar-lhe o
vigor natural.

Lembremos que esse tipo de classificação não busca “engaiolar” as pessoas


em tipos fechados e estanques. O objetivo da tipologia clássica, a serviço da
espiritualidade cristã, é permitir-nos identificar o nosso defeito dominante,
esse verme roedor sem cuja erradicação será muito difícil, para não dizer
impossível, adquirir virtudes e progredir, cooperando com a graça divina, na
vida de santidade. Os temperamentos, tenhamos sempre em mente, são
objeto de um conhecimento humilde, referente às nossas predisposições
biológicas e, portanto, às capacidades e dificuldades de origem orgânica com
que naturalmente iremos topar em nossa caminhada rumo ao céu.

Pois bem, dos quatro temperamentos, o colérico é o único que


responde sim às quatro perguntas que tomamos como critério diferenciador
dos tipos temperamentais. Por isso, o colérico se caracteriza, ao contrário do
fleumático e do melancólico, por uma alta excitabilidade: suas reações
emocionais são rápidas, intensas, exuberantes, ainda que tendam a ser
menos chamativas do que as do sanguíneo. E, ao contrário deste e do
fleumático, o colérico retém por longo tempo as impressões recebidas.

Eis por que se costuma dizer que o colérico é o mais “feliz” dos
temperamentos, isto é, o mais potente, o que possui por natureza mas
energia e capacidade de reação. Há, contudo, um sério problema com a
compilação do colérico. Devido ao seu cúmulo intenso de energia, se esta
não for bem trabalhada, mediante uma disciplina de autoconhecimento e
autodomínio, pode levar a resultados desastrosos.

Lembremos ainda que o nosso apetite sensitivo pode referir-se a dois tipos
de objetos: aos bens fáceis e presentes, que excitam o apetite concupiscível,
e aos bens árduos e distantes, os quais põem em movimento o
apetite irascível. Este é o responsável pela sensação de ira, de irritação, de
contrariedade que costumamos sentir quando, por exemplo, se nos põe um
obstáculo ou somos vítimas de uma injustiça. Esta irritabilidade tende a
obscurecer a nossa razão, a qual pode ver-se obliterada por completo
quando a ira é excessiva: no primeiro caso, trata-se de uma simples paixão
natural, que, no segundo caso, isto é, quando se solta das rédeas da
racionalidade, chega a constituir um pecado propriamente dito.

Isso significa que o ficar irritado não é, como tal, indício de um


temperamento colérico. De fato, todos os quatro temperamentos, por serem
temperamentos humanos, se irritam. O que os diferencia é que, no colérico,
a irritação surge de forma rápida e permanece por muito tempo. Graças à
sua compleição particular, o colérico está mais dotado de energia: ao
identificar um problema externo, ele vê ao mesmo tempo, com grande
sagacidade, a solução e envida todos os esforços para concretizá-la. Ao
contrário, pois, da inação do fleumático, que só se torna proativo por
virtude, o colérico o é por natureza.

Essa proatividade, no entanto, tem no colérico um ponto cego, que o impede


muitas vezes de enxergar a totalidade dos problemas que analisa:
é ele mesmo. Por seu gênio impetuoso e penetrante, o colérico tem grande
dificuldade de, com ânimo sereno, olhar para si mesmo. Daí sua tendência a
julgar que o problema está sempre fora, e nunca dentro de si; estão nos
outros, no mundo, mas nunca em mim. Não é que os problemas por ele
identificados sejam sempre falsos ou sequer existam: é que o colérico tende
a não enxergar que também ele é parte do problema.

Por este motivo, nada é mais necessário ao colérico do que um diretor


espiritual que o acorde de sua cegueira, que o faça reconhecer que suas
energias, que o arrojam ao mundo exterior, o impedem de voltar-se sobre si
mesmo, sobre suas próprias responsabilidades nos problemas que imputa
aos outros. Esta cegueira, se não for diagnosticada e tratada com cuidado,
pode gerar sérias deformações da realidade, porque um colérico feito refém
do próprio temperamento deixa de ver o mundo com objetividade e
transparência, mas somente através dos óculos do seu orgulho.

Outro remédio importante ao seu defeito dominante é a prática de uma


virtude tão preciosa como a mansidão. Não é preciso renunciar à sua
energia, ao vigor do seu temperamento: é preciso domá-los, usá-los para
conter-se e, assim, evitar julgamentos apressados e conclusões injustas. Ao
colérico se podem, pois, aplicar as palavras do provérbio: “Mais vale a
paciência que o heroísmo, mais vale quem domina o coração do que aquele
que conquista uma cidade” (Pr 16, 32).

Nada disso, porém, será possível sem vida interior e, antes de tudo, sem o
hábito de fazer, com franqueza e calma, um bom exame de consciência. A
tendência do colérico, com efeito, é contrária à do melancólico: enquanto
este, fechado no próprio mundo interior, se crê sempre a fonte de todos os
problemas ou a chave de solução para todas as crises, pessoais e mundiais,
o colérico pensa que o problema nunca é com ele, em cuja conta não há nem
pode haver culpa alguma.

É por isso que, na educação do seu temperamento, o colérico tem de fazer


um esforço sincero por não se justificar. É-lhe necessário crucificar o seu
orgulho, renunciando à forte tentação de jogar sempre a culpa nos outros ou
fazer-se de vítima, como se os seus erros se devessem unicamente à força
das circunstâncias ou a uma fraqueza invencível, da qual ele pensa não ter
responsabilidade alguma.

Cabe assinalar, por fim, que o colérico é o temperamento que mais potencial
tem para a liderança. Mas como todo bom líder, por definição, tem
consciência de não saber tudo e, por isso, de precisar de quem o ajude e
assista, o colérico só poderá liderar bem se, antes, se deixar transformar e
“adoçar” por uma santa humildade. Para isso, deverá planificar sua vida
espiritual, reservando um tempo privilegiado à meditação, à busca da
verdade sobre si mesmo diante da misericórdia infinita de Deus.

O remédio dos defeitos do colérico, numa palavra, se resume àquele “Ama


nesciri et pro nihilo reputari” da Imitação de Cristo, isto é: “Ama ser
desconhecido e tido por nada”, pois é pela humildade e mansidão, a exemplo
de Nosso Senhor, que iremos conquistar nossas próprias almas e, ajudados
pela graça, canalizar as boas energias do nosso temperamento para amar a
Deus acima de tudo e servi-lo generosamente no próximo: “Vinde a mim, vós
todos que estais aflitos sob o fardo, e eu vos aliviarei. Tomai meu jugo sobre
vós e recebei minha doutrina, porque eu sou manso e humilde de coração e
achareis o repouso para as vossas almas” (Mt 11, 28-29).
Humildade
A humildade, segundo a clássica definição de Santa Teresa, é caminhar na
verdade, ou seja, é o conhecimento sóbrio e realista das próprias capacidades
e limites e da grandeza infinita de Deus, que ama os humildes e resiste aos
soberbos.

[O texto de apoio de que fala nesta aula o Pe. Paulo Ricardo é o que consta a
seguir.]

A primeira virtude que todos os temperamentos têm de adquirir e exercitar,


em ordem à santificação, é a humildade, que consiste no real conhecimento
de si mesmo e de Deus. Vejamos o que, na prática, deve fazer cada um dos
temperamentos.

Colérico. — Deve, antes de tudo, combater a fixação por suas próprias ideias
e opiniões. Deve também se esforçar por não dissimular mais suas faltas,
para si e para os outros, reconhecendo-as humildemente. Por isso, deve
parar de justificar-se por ter feito algo errado: sa saber ter-se equivocado ou
agido mal, há de reconhecê-lo com toda franqueza. Por isso, tem de procurar
reconhecer a própria imperfeição e não ficar criticando as dos outros. Deve
imprimir no coração as palavras de Nosso Senhor: “Quem quiser ser o
primeiro, seja o último de todos” (Mt 20, 27), e as da Virgem Maria: “Ele
olhou a humildade de sua serva” (Lc 1, 48). Ele, com efeito, não olhou as boas
obras, a virgindade ou a piedade da sua serva, mas a sua humildade. E ainda:
“Quem se humilha será exaltado, mas quem se exalta será humilhado”
(Lc 18, 14); “Quem dissimula suas faltas, não há de prosperar; quem as
confessa e as detesta, obtém misericórdia” (Eclo 28, 13). O colérico, numa
palavra, deve buscar o último lugar, assim como fez o Rei dos reis.

Melancólico. — Deve, em primeiro lugar, reconhecer a grande soberba que


é ter medo das humilhações. No fundo, acomete-o uma vaidade oculta,
inconfessada: enquanto o sanguíneo é vaidoso porque quer que os outros
vejam coisas que ele fez de bem, o melancólico é vaidoso porque não quer
que os outros vejam defeitos ou incapacidades que ele sabe possuir. Por isso,
o melancólico deve gravar no coração as palavras do Eclesiástico (4, 25):
“Pois há uma vergonha que conduz ao pecado, e há uma vergonha que atrai
graça e glória”. Deve também combater ferrenhamente o hábito de criticar
o próximo e julgá-lo no coração, dizendo com São Paulo: “A caridade tudo
perdoa, a caridade tudo cobre” (1Cor 13, 7); “Aquele que dissimula faltas
promove amizade; quem as divulga, divide amigos” (Pr 17, 9).

Sanguíneo. — O sanguíneo, por sua vez, deve chegar à humildade pelo


combate à vaidade. Nunca deve falar de si, nem das coisas boas que fez, nem
das coisas más, como ensina S. Francisco de Sales. Deve, por isso, seguir o
conselho de S. João da Cruz, contrariando o gosto de aparecer: “Queira, pelo
silêncio, fazer-te esquecer”. Há de repetir continuamente no seu interior
aquela máxima do evangelho: “Já receberam a sua recompensa” (Mt 6, 2).
Ou aquela: “Como podeis crer, vós que recebeis glória uns dos outros e não
buscais a glória que vem só de Deus?” (Jo 4, 44). Além disso, deve considerar
como é ridícula e vã a glória do mundo e os elogios dos homens, e buscar a
verdadeira glória, que consiste em ser agradável a Deus.

Fleumático. — O fleumático, por fim, precisa combater a vaidade, mas não a


de ser o centro das atenções como o sanguíneo, mas, sim, a vaidade
ontológica, ou seja, um ideal de vida vazio. Tem de combater em si os
pensamentos fúteis e ociosos, além de gravar no coração as palavras do
Evangelho: “O reino dos céus é dos violentos” (Mt 11, 12). Ou aquelas: “Servo
mau e preguiçoso” (Mt 25, 26). Deve ainda meditar com frequência, a fim de
conhecer quem é Deus e a sua grandeza, e assim entender a futilidade de
suas naturais inclinações. “Os olhos não viram, o coração não sentiu […] o
que Deus tem preparado para os que o amam” (1Cor 2, 9). Por último, deve
combater a inclinação ao sarcasmo e à fanfarronice, sempre fruto da
despreocupação com as coisas verdadeiramente importantes da vida.

Mortificação
Sobre o fundamento da humildade, deve-se erguer agora uma vida de
mortificação e desapego, de luta contra aquelas tendências e imperfeições
que, se não forem erradicadas, impedirão nossa alma de alçar aqueles altos
voos a que Deus tanto nos quer elevar.

A segunda coisa, após a humildade, que devem adquirir todos os quatros


temperamentos, como meio imprescindível para chegar à santidade, é a
mortificação, que nada mais é do que o conjunto de renúncias e sacrifícios
pelo qual a alma se dispõe melhor para o desenvolvimento da graça.

Vejamos na prática como hão de mortificar-se os quatro temperamentos.

Colérico. — O colérico deve mortificar ativamente a ira, inclinando-se para a


doçura. Assim como a irritação vai gerando nele um coração orgulhoso (pois
o que o colérico quer, no fundo, é que tudo seja feito segundo
a sua vontade), a mansidão vai gerando um coração humilde, que sabe não
ser Senhor do céu e da terra e que as contrariedades fazem parte da vida).

Quando palpitar-lhe a irritação, o colérico deve encomendar-se


imediatamente a Deus e calar-se, pois certamente, se não souber conter-se,
fará estragos, em si e nos outros. Se a situação exigir uma resposta, só deverá
responder ou agir depois de ter dominado a cólera.

No entanto, a parte mais importante é a aceitação das humilhações e


contrariedades. O colérico deve abandonar a lógica do “isso não é justo”, “eu
não merecia ser tratado assim”, “eu não fiz nada”. Seus olhos hão de estar
sempre fixos no Filho de Deus, que, sendo inocente, foi acusado, escarnecido
e desprezado, mas tudo suportou com rosto sereno e olhar compassivo para
aqueles mesmos que o maltratavam. O colérico deve, pois, olhar para o
Sagrado Coração e contemplá-lo na ocasião da bofetada do soldado, diante
de Caifás: era Deus, e uma de suas criaturas deu-lhe uma bofetada. O que de
mais injusto pode haver do que isto? Cristo, porém, se manteve em perfeito
domínio, respondendo racionalmente: “Se respondi mal, mostra em quê;
mas se respondi bem, por que me bates?” (Jo 18, 23). É precisamente isso
que a mansidão traz: a possibilidade de agir racionalmente, de “cabeça fria”.
Sem isso, ninguém pode agir com prudência (que radica na inteligência, e
não na vontade) e, ainda que albergue boas intenções, causará estragos, por
se deixar levar pelo furor das paixões.

Ao colérico é recomendável ler com frequência as páginas de Tanquerey, do


Pe. Royo Marín e da Escola de Perfeição Cristã, nos pontos em que ensinam
a chegar à mansidão.
Sanguíneo. — Ele deve mortificar ativamente os sentidos, sobretudo os
olhos, o paladar e a língua (essa é o principal alvo). O sanguíneo deve
entender, antes de tudo, o quanto lhe é necessária essa mortificação, pois a
sua tendência é começar e logo depois desistir diante da primeira
dificuldade. S. Afonso é muito recomendável, pois, além de falar sobre a
mortificação, sua necessidade etc., ele também traz muitos exemplos de
santos que muito se mortificaram, o que pode servir de grande incentivo
para o sanguíneo, sobretudo para motivá-lo a perseverar na luta.

Graças à sua natural inconstância, é importante que o sanguíneo faça


propósitos específicos, bem concretos e acessíveis, de mortificação dos
sentidos: se ele percebe, por exemplo, que a língua é o mais problemático,
deve fazer um propósito claro e objetivo (por exemplo, não falar coisas más),
além de fazer todos os dias, sem falta, um exame de consciência sobre esse
propósito. Assim, uma vez arrancado o hábito de falar coisas más, deverá
fazer-se um propósito mais generoso (por exemplo, não falar coisas frívolas
ou fúteis), examinando-se diariamente e, é claro, arrependendo-se e
confessando-se com o firme propósito de deixar essas faltas, ainda que
sejam veniais. Vencida esta meta, ele poderá crescer ainda mais em
generosidade, comprometendo-se a falar apenas coisas úteis, para chegar
enfim a imitar o exemplo heróico de S. Domingos de Gusmão, cuja boca só
se abria para falar a Deus ou sobre Deus.

Melancólico. — Por temperamento, o melancólico não tem grandes


dificuldades para guardar a temperança dos sentidos, já que ele é, em
princípio, pouco estimulável. Pode dar-se o caso, no entanto, de um
melancólico que, por pecados pessoais ou como efeito de uma má educação,
é muito sensual e proclive à intemperança. Nesse caso, ele deve dedicar-se
com afinco à mortificação dos sentidos, mas sempre com prudência, visto
que, por ser naturalmente inclinado à temperança, é fácil que ele acabe
desviando-se do termo médio e causando dano à própria saúde.

Seja como for, a mortificação própria e mais exigente do melancólico “puro”,


por assim dizer, é a da imaginação. É daí, do seu fluxo quase incontrolável de
pensamentos e imagens interiores, que lhe nasce o pessimismo, os juízos
temerários, as críticas internas ao próximo etc. É aí que lança raízes sua
tendência à solidão e à reflexão. Se essa solidão, porém, não for cheia da
presença de Deus, tornar-se-á egoísmo, puro e simples. Por isso, na prática
o melancólico deve estar sempre bem ocupado. Eis por que é muito
proveitoso o trabalho manual (pequenas atividades, como cuidar de um
jardim, algum artesanato, etc., que ocupam a mente).

Mas cuidado: não se trata de ativismo, mas de organizar o tempo, para assim
fugir da ociosidade, que, quase por si mesma, o leva a reflexões e mais
reflexões, a voltar-se sobre os próprios pensamentos etc. É claro, o
melancólico deve, sim, refletir sobre si mesmo, sobre a condição de sua alma,
sobre suas ações etc; o que ele não deve fazer é limitar-se a isso: do
contrário, quando ele começará a amar a Deus e ao próximo, já que só pensa
em si mesmo? Siga, pois, o que diz S. João: “Meus filhinhos, não amemos
com palavras nem com a língua, mas por atos e em verdade” (1Jo 3, 18).

Fleumático. — A mortificação, na verdade, é uma vivificação e, portanto, um


excelente remédio para a tendência do fleumático à inação, ao descanso, a
terminar as coisas rapidamente, só para poder descansar e se divertir o
quanto antes, ao tédio, à falta daquela “paixão” boa e interessada por algum
assunto.

O ponto positivo do fleumático, como vimos já, é a prudência e a capacidade


de resolver as coisas com calma, sem correria. Mas isso, no mais das vezes,
se degenera em vício, ou seja: o fleumático se move tão devagar, tão
devagar, que não chega nunca a lugar nenhum. É como diz S. João da Cruz:
“Existem, no entanto, pessoas que, em seu desejo de progresso espiritual,
andam com muito mais paciência do que Deus quereria ver nelas” (Noite
Escura, I, imperfeição da ira).

Ora, falando da acídia, S. Tomás nos recorda que, quanto mais pensamos nos
bens espirituais, mais eles vão se tornando agradáveis, e é assim que o tédio
vai desaparecendo (cf. STh II-II 35, 1 ad 4). Por isso, o fleumático deve:

1. Ler muito as vidas dos santos, para, motivados por elas, sair da mediocridade
e exercitar a magnanimidade, alimentando grande desejo das coisas
espirituais. Vendo, pois, os feitos heróicos e a grande pressa dos santos em
amarem a Deus, o fleumático irá se motivar a “arrebatar o Reino dos céus
com violência”. A própria S. Teresa recomenda isso no Castelo Interior (III, 2,
12): “Parece que, com o seu voo, nos atrevemos a voar, como acontece com
os filhotes das aves quando o aprendem. Ainda que não possam dar grandes
voos, eles pouco a pouco imitam seus pais. É de grande proveito, posso
afirmá-lo”.

2. Fazer amizades espirituais, tão recomendadas pelo Pe. Royo Marín. Aqui,
porém, Santa Teresa adverte o seguinte, com grande sensatez e profunda
psicologia: “Não devem procurar uma pessoa do seu temperamento, como
se diz, que faça tudo com demasiado cuidado, devendo buscar quem esteja
muito desenganado das coisas do mundo” (idem).

Empenhando, assim, em combater o tédio espiritual (acídia), o fleumático


deverá lutar também contra a ociosidade. Por isso, faça seu o lema de S.
Afonso Maria de Ligório: “Não perder tempo jamais”.

Caridade fraterna
Hoje em dia, infelizmente, assiste-se a uma naturalização do conceito de
caridade. Reduzida ora à filantropia, ora à solidariedade, o amor
verdadeiramente cristão já não é mais entendido em sua natureza específica,
como virtude sobrenatural que nós não podemos nem produzir nem adquirir
com nossas próprias forças.

A última, embora não menos importante, das virtudes que têm de praticar
os quatro temperamentos é a caridade fraterna, que poderíamos definir
como um santo esquecimento de si que nos permite amar sinceramente a
Deus na pessoa do próximo.

Como nas últimas duas aulas, vejamos como devem portar-se na prática os
quatro temperamentos no exercício desta virtude tão preciosa:

Colérico. — Pela prática da humildade e da doçura, o colérico irá, quase por


necessidade, começar a enxergar nos outros uma pessoa, e não como aquele
indivíduo aborrecido que, aqui e agora, me está me incomodando e sendo
“a razão última da minha infelicidade”. Nesta matéria, o mais importante
para o colérico é o olhar que sai da própria individualidade para se fixar na
dignidade do outro, um filho de Deus a quem podemos e devemos amar
como tal. Além disso, o colérico deve prestar atenção para não praticar a
caridade por mera satisfação pessoal, isto, é, para sentir-se caridoso e bom.
Antes, ouvindo a recomendação de Cristo diga sempre, após ter feito um ato
de amor ao próximo: “Sou um servo inútil, não fiz mais do que a minha
obrigação” (Lc 17, 10).

Sanguíneo. — A grande facilidade do sanguíneo é, de fato, a prática da


caridade fraterna, pois se trata de um temperamento que se comove
facilmente com as dores alheias, ao ponto de padecer muita vez com a outra
pessoa. O problema, contudo, é que o sanguíneo tende a ser
“exageradamente apostólico”, a cair no ativismo imoderado, como se a
santidade consistisse tão-somente nas obras externas. Ora, já vimos que o
sanguíneo deve lutar para adquirir vida interior e profundidade na
meditação, e essa inclinação para as obras externas pode, com efeito, ser um
grave obstáculo à aquisição dessa interioridade. É S. João da Cruz que o diz:
“Considerem aqui os que são muito ativos, e pensam abarcar o mundo com
suas pregações e obras exteriores: bem maior proveito fariam à Igreja, e
maior satisfação dariam a Deus além do bom exemplo que proporcionariam
de si mesmos, se gastassem ao menos a metade do tempo empregado
nessas boas obras, em permanecer com Deus na oração”. (Cântico Espiritual,
Canção 29, n. 3).

Vale lembrar ainda que, como dissemos antes sobre a humildade, o


sanguíneo deve ter muito cuidado de não praticar suas obras para ser visto
e elogiado. Talvez o “evangelho do sanguíneo” seja o capítulo 6, 1-6 e 16-18
de São Mateus.

Melancólico. — Aqui, não há segredo, pois o melancólico é, por via de regra,


retraído e centrado em si mesmo: deve, portanto, lançar-se pronta e
empenhadamente ao amor ao próximo. Deve tomar consciência de que, por
natureza, há nele uma “correnteza” que o puxa para dentro de si mesmo o
tempo todo, “correnteza” que, não raro, desemboca num mar profundíssimo
de egoísmo, no qual nem mesmo o melancólico percebe estar-se afogando.

E, ainda que ele fosse um contemplativo de clausura, deverá aprender que


“ninguém tem maior amor do que aquele que dá a sua vida pelos seus
amigos” (Jo 15, 13). S. Teresinha do Menino Jesus, jovem melancólica que se
tornou a Padroeira das Missões, é uma grande mestra, porque o grande
progresso espiritual dela começou tão logo ela se deu conta, naquela
decisiva noite de Natal, do que realmente queria dizer amor ao próximo, que
sempre exige que saiamos de nós mesmos.

Mas cuidado! Ninguém amará o próximo de verdade se não cultivar, antes e


acima de tudo, um verdadeiro amor a Deus. Santa Teresinha, por exemplo,
não era uma “filantropa” moderna nem uma benfeitora das irmãs: se ela
sorria e se lhes doava sempre, é porque via nelas o seu Jesus, com o qual se
encontrava todos os dias na oração e na Santa Comunhão. O ponto forte do
melancólico é justamente o recolhimento, o amor ao silêncio, que lhe
favorecem o cultivo da vida interior, não há por que perder isso. Mas, uma
vez que se tenha firmado na vida de oração, ele não fará avanços se não se
lançar ao amor fraterno, porque é aí, neste dar-se aos outros e negar-se a si
que ele aprenderá a se esquecer dos próprios problemas, sempre tão
“graves” e “profundos”.

Em resumo, deve o melancólico cultivar a vida interior, mas sem ter medo
de “deixar Deus por Deus” para se entregar aos irmãos, a exemplo do beato
Henrique Suso, que o aprendeu do próprio Senhor Jesus. Estando o beato
em devotíssima oração, um dos irmãos veio avisá-lo de que um mendigo o
esperava à porta, tencionando confessar-se. O beato, porém, dispensou o
irmão, pois queria ficar a sós com Deus; mas, quando retornou à oração, toda
a devoção que até aquele momento o enchia de gozo desapareceu-lhe da
alma, deixando-o perturbado e clamando pelo Senhor. Foi assim que ele
entendeu que o abandonara Deus porque também ele abandonou o
mendigo. O beato, então, mandou o irmão buscar o mendigo preterido, a
quem atendeu com todo o zelo e amor. Quando enfim pôde retornar à
oração, a devoção de antes voltou a encher-lhe a alma, que a partir daquele
dia aprendeu a “deixar Deus por Deus”.

Fleumático. — Considerando a tendência do fleumático a buscar sempre o


mais fácil, bem como a sua desmotivação ou tédio natural, ele deve, antes
de mais nada, reconhecer de si para si que é a Deus que o seu coração anela,
e é só nele que encontrará verdadeiro descanso. Recolhido em oração,
coloque de um lado da balança seus próprios desejos e, do outro, a sede, às
vezes inconsciente, que todas as almas têm de Deus; depois, coloque de um
lado os seus sofrimentos e problemas e, do outro lado, a quantidade
interminável de almas que se perdem pela nossa falta de santidade! Isso o
motivará e fará dizer com S. João Maria Vianney: “É necessário trabalhar
neste mundo, é necessário combater. Teremos toda a eternidade para
descansar.”

Motivado pela consideração das misérias alheias, o fleumático pode tornar-


se um homem apostólico extraordinário, até mais mais do que um colérico.
Sua perseverança e serenidade naturais, se cultivadas devidamente, podem
levá-lo a construir pouco a pouco uma “catedral” monumental de obras de
amor a Deus e ao próximo.

O fleumático, numa palavra, deve motivar-se sempre, para um dia amar a


Deus até a loucura, aquela loucura santa que faz o homem esquecer a si
mesmo para pensar só em Deus, como confessava Santa Teresa: “E, pois, que
ao escrever isto não estou fora desta santa loucura celestial — de que tão
sem méritos meus e por Vossa bondade e misericórdia me fazeis mercê —
eu Vos suplico, meu Rei, que tenhais agora por bem que todos aqueles com
quem eu tratar estejam ou loucos de Vosso amor ou permiti que eu não trate
com ninguém” (Livro da Vida, 16, 4).

Nota do editor:

Espero que este curso seja útil, recomendo a assinatura do site


padrapauloricardo.org e caso não seja possível pagar pela assinatura, pelo
menos assista todos os vídeos disponíveis gratuitamente no youtube Padre
Paulo Ricardo, há também, um podcast no Spotify.

Salve Maria!!!

Compilação realizada em 19/10/2019

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