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Eis por que a única tragédia verdadeiramente digna desse nome é o inferno.
Os que para lá vão, condenados a nunca ver a Deus face a face, frustraram
de modo irreparável o único objetivo para o qual foram criados. Diante de
tão lamentável destino, toda a “glória”, todos os prazeres, todas as falsas
alegrias que neste mundo tiveram os precitos são não apenas ninharia e
loucura, mas motivo de dores e remorsos que jamais conhecerão fim.
Daqui se vê, pois, a importância desta vida: é nela, como numa longa e muitas
vezes sofrida peregrinação, que temos a oportunidade de preparar a nossa
eternidade, e é à luz dessa meta, ao mesmo tempo árdua, se pensamos na
insuficiência das nossas forças, e esperançosa, se nos fiamos dos auxílios de
Deus, que devemos medir o valor de todas as outras coisas.
Pois bem, sabemos que, feitos para a glória do céu, temos de ser santos e
que, para ser santo, é necessário unir-se a Jesus Cristo. Ora, o que une duas
pessoas não é outra coisa senão o amor, que é uma forma muito especial
de amizade, porque só os que se conhecem e se querem bem, de forma
mútua e manifesta, podem ser amigos e amar-se como tais. Por isso, quanto
mais amor tivermos a Jesus, mais unidos a Ele estaremos e, por conseguinte,
maior será a nossa santidade.
Prova disso é a vida dos inúmeros santos da nossa Igreja. Nela, vemos com
clareza meridiana que a graça divina é não somente uma realidade viva, mas
um poder efetivo e fecundo, que realiza na alma humana uma modificação
de tal ordem, que ela se torna capaz de atos de amor a Deus que, em si
mesmos, não podem ser fruto da nossa simples natureza. De fato, assim
como seria um milagre que uma pedra pensasse, assim também é como um
“milagre” que o homem, de coração tão pequeno e mesquinho, ame a Deus
com o amor do próprio Deus.
A razão disto é óbvia: não somos anjos, mas seres humanos, unidades de
corpo e alma, e é neste “terreno”, em que convergem o material e o
espiritual, o intelectual e o sensitivo, que está plantada a graça e, portanto,
há de crescer a árvore frondosa de uma santidade perfeita. E o
temperamento é uma, não a única, das propriedades deste terreno que
devem ser levadas em conta se queremos entender e orientar de forma
inteligente a dinâmica da santidade.
Por isso, a santidade não se alcança por certa ataraxia, como se fôra
necessário “reprimir” ou anular todas as nossas paixões. Antes, pelo
contrário, é preciso ordená-las, orientando-as segundo as disposições
temperamentais de cada um, para fazê-las servir à nossa vida espiritual. É
fato que as paixões predominantes de cada temperamento podem às vezes
ser um grande obstáculo; mas se as conhecemos e, com a ajuda da graça,
aprendemos a dominá-las racionalmente, podem ser um auxílio poderoso,
como um “combustível”, para caminharmos a passos rápidos na senda da
perfeição.
Por outro lado, também é preciso advertir que os temperamentos não são,
no sentido forte do termo, determinantes. O que isto significa? Significa que,
por mais que cada indivíduo tenha seus traços temperamentais, que tendem
a permanecer estáveis ao longo da vida, não existe uma pré-determinação
biológica que impeça esta ou aquela pessoa de vencer os aspectos negativos
do seu temperamento ou de adquirir, com esforço e constância, as boas
qualidades que comumente caracterizam outros tipos temperamentais.
Nesta matéria, é preciso lembrar sempre que somos livres e, por mais “peso”
que tenha o corpo, está sempre em nossas mãos decidir a que tendências,
vícios, qualidades etc. daremos livre curso. No fim das contas, não estamos
nunca “aprisionados” no nosso temperamento: Deus nos deu um para
ajudar-nos a amá-lo, pois, sendo seres corpóreos, também a nossa dimensão
físico-biológica entra em jogo na hora de nos entregarmos a Ele com tudo o
que somos e possuímos.
Antecedentes históricos
Embora conte com o apoio de uma longa tradição de médicos e filósofos
antigos e medievais, será que ainda faz sentido falar de temperamentos hoje
em dia? Não será sinal de retrocesso ou, pelo menos, de estar pouco atualizado
classificar as pessoas em sanguíneas ou fleumáticas, melancólicas ou coléricas?
Essa ideia foi retomada séculos mais tarde, já em época cristã, pelo médico
romano Galeno, para quem os humores, além de sua função fisiológica,
estariam vinculados também às disposições emocionais de cada indivíduo.
Assim, os contornos temperamentais da pessoa, isto é, sua disposição a ser
desta ou daquela maneira, se deveriam, fundamentalmente, à
preponderância de um dos quatro humores hipocráticos.
Desta forma, uma maior proporção de sangue, por exemplo, conformaria um
temperamento sanguíneo, caracterizado por ser alegre, bem disposto etc.,
ao passo que uma maior concentração de bílis negra daria origem a um
temperamento melancólico, predisposto à introspecção e à tristeza. O
temperamento, por conseguinte, não seria mais do que o resultado da
mistura (κρᾶσις, em grego) dos humores no organismo, um dos quais, por
sua maior proporção em relação aos outros, marcaria as grandes tendências
reativas da pessoa.
Do mesmo modo, ainda que os humores corporais não tenham a função que
Galeno lhes atribuía, é fato constatável que há grandes tendências
temperamentais, catalogáveis segundo distintos critérios, em virtude das
quais algumas pessoas são mais pensativas, outras mais expansivas, estas
mais superficiais, aquelas mais profundas etc.
Que ninguém pense, repitamos uma e outra vez, estar condenado a não ser
santo por ter um temperamento determinado, mas tampouco tenhamos a
ingenuidade de pensar que um dia poderá alcançar a santidade quem não
tiver um conhecimento mínimo e realista do próprio temperamento,
respeitando-lhe a dinâmica específica e corrigindo as qualidades negativas.
Não somos iguais, e é por isso que temos de conhecer o que temos de
peculiar, seja para usá-lo proveitosamente, seja para corrigi-lo sabiamente.
Definição
Ainda que uma parte de nós seja resultado de educação e hábito, uma boa
parte do que somos se deve à constituição física que possuímos, e é sobre a
base natural de disposições e inclinações de que nos dotou a natureza que
devemos construir o nosso caráter.
É nesse sentido que dizemos que algumas pessoas são naturalmente (isto
é, por temperamento) mais inclinadas a estímulos sexuais, enquanto outras
demonstram ter-lhes maior resistência. Outras, por exemplo, são mansas por
si sós, ao passo que algumas se irritam com facilidade. Há quem seja sóbrio
no comer, enquanto outros tendem a ser mais “glutões”. Ora, o que o
temperamento põe em evidência é que tais inclinações não se
devem unicamente à educação recebida nem só aos hábitos contraídos,
sejam bons ou maus, mas também à constituição fisiológica (complexio) de
cada pessoa.
Ora, essa predisposição natural a atos seja de virtudes ou vícios tem sua raiz
não apenas no que é comum a todos os homens, a saber: na inteligência, que
capta naturalmente os primeiros princípios do agir humano, e na vontade,
que é movida naturalmente pelo bem apreendido pela inteligência, mas
também no que é próprio e exclusivo de cada um, isto é, o apetite
sensitivo [3]. E o que isso quer dizer? Quer dizer que, devido à sua
constituição natural (ex naturali complexione), ou seja, ao seu
temperamento, alguns homens são mais inclinados à ira, outros aos prazeres
sensíveis etc., de modo mais ou menos intenso.
Referências
2. In VI Ethic. l. 11, n. 2
Isso já nos dá uma pista de por que são quatro, e somente quatro, os tipos
básicos de temperamento. Essa divisão quadripartite nada tem a ver, pois,
como os quatro humores da teoria de Hipócrates e Galeno, senão que é o
resultado das respostas às duas perguntas seguintes:
2. Quanto à durabilidade. Uma vez surgida a emoção, ela permanece por muito
tempo, de forma profunda, ou desvanece logo em seguida?
A segunda pergunta, por sua vez, diz respeito à duração das impressões.
Desta forma, se lhe respondemos não, é provável que
sejamos sanguíneos ou fleumáticos, ou seja, as impressões tendem a durar
pouco em nós, sem deixar vestígios nem nos afetar de maneira muito
profunda. Se respondemos sim, é porque somos
ou coléricos ou melancólicos, nos quais permanece por longo tempo a
impressão recebida.
É por isso que são quatro e somente quatro os tipos de temperamento, que,
vale a pena a pena insistir, não são mais do que tendências predominantes.
É preciso ter sempre em mente que, na prática, não existe nenhum
temperamento “quimicamente puro”: na vida real, que tem as suas
complexidades e “zonas cinzentas”, os temperamentos se encontram mais
ou menos mesclados. O que os quatro tipos básicos da classificação
tradicional buscam salientar são os traços dominantes da constituição
fisiológica de um indivíduo [1].
o Melancólico. É pouco excitável, sua reação é, por via de regra, pouco intensa,
mas muito profunda e perdurável. Sua resposta é lenta, mas deixa na alma
um sulco permanente. É como uma fogueira difícil de acender, mas que,
quando acesa, dificilmente se apaga. Por isso, tende a não se esquecer, às
vezes por anos a fio, de uma ofensa ou desentendimento ocorrido na infância
ou na adolescência.
Referências
1. Cf. Antonio Royo Marín, Teología de la perfección cristiana. 4ª ed., Madrid: BAC,
1962, p. 729, n. 505.
Apetite sensitivo
Por mais fortes que sejam nossas inclinações naturais, tudo em nós, incluindo
os apetites concupiscível e irascível, está permeado de racionalidade, ou seja,
está em maior ou menor medida ao alcance de nossas decisões livres, do nosso
poder transformar-nos a nós mesmos.
Não. Nem a alma está no corpo como num cárcere nem o corpo, por si
mesmo, é algo ruim e prejudicial à alma. A alma humana é, por essência,
forma do corpo, de cujas faculdades depende, em certa medida, para exercer
muitos de seus atos. É por isso que, de uma perspectiva cristã, a morte,
embora seja natural, é um estado anômalo, no qual a alma se encontra
separada de um corpo com o qual tende naturalmente a estar unida.
O pecado original
Iluminada pela fé e a Revelação divina, a experiência nos mostra que todos nós,
tenhamos este ou aquele temperamento, possuímos desordens afetivas muito
profundas, e que o necessário, mais do que saber qual é o “melhor”
temperamento, é humilhar-se aos pés de Deus e implorar-lhe a sua graça.
Aqui, é preciso lembrar uma vez mais que a nossa finalidade neste mundo é
a santificação, que nada mais é do que unir-se a Jesus Cristo pela caridade
sobrenatural; e o conhecimento que do nosso temperamento se pode ter,
enquanto suporte fisiológico inato, não é mais do que um dos muitos meios
que nos podem ajudar a alcançar essa meta.
E o que a experiência, iluminada pela fé, nos ensina é que todos nós,
tenhamos um ou outro temperamento, possuímos desordens afetivas muito
profundas. Deveria reinar em nós uma perfeita harmonia, de modo que o
corpo, com todo o mundo riquíssimo de suas paixões, estivesse submetido à
alma e esta, por sua vez, estivesse sempre sujeita à lei de Deus.
Obviamente, só fogem a esta regra Nosso Senhor Jesus Cristo e sua Mãe
Maria SS. O primeiro, com efeito, por ser Deus encarnado, foi sempre e
absolutamente impecável, isto é, não conheceu nem poderia jamais
conhecer as desordens que nos inclinam ao pecado. A segunda, por ser
Imaculada, não herdou as feridas do pecado original e, confirmada em graça
por Deus desde a sua concepção, nunca sentiu a menor inclinação ao menor
pecado sequer, mesmo venial.
O problema é que Jesus e Maria, se são para nós um modelo esplendoroso,
não são, porém, o parâmetro ideal a partir do qual possamos conhecer
o nosso temperamento. O deles, com efeito, foi sempre perfeitíssimo, sem
nenhuma qualidade negativa, ao passo que o nosso está necessariamente
inscrito numa natureza caída, ferida pela ignorância da inteligência, a malícia
da vontade, as desordens do apetite concupiscível e a debilidade do
irascível.
Eis por que alguns autores, como Conrado Hock [1], fazem questão de
salientar que o temperamento colérico, entre outras qualidades negativas,
tem uma forte inclinação ao orgulho. Isso não significa, é claro, que não a
tenham também os outros três temperamentos; significa apenas que, dentre
todos, o colérico é o temperamento que, por disposição natural, mais
propensão tem a deixar extravasar, em forma de pecados atuais, nossa
inclinação geral ao orgulho.
Para entender melhor este ponto, convém ter em mente que, quando
falamos de orgulho, podemos nos estar referindo a três coisas diferentes:
O que todas essas distinções querem pôr em relevo é que o pecado original
afeta todos e cada um dos quatro temperamentos, nenhum dos quais, por
conseguinte, deve ser considerado melhor ou pior do que os outros.
Somente in abstracto nos seria possível falar do colérico como o
temperamento “ideal”, preferível aos outros três.
Não é este o tipo de conhecimento que buscamos aqui, pois de nada nos
adianta especular “nas nuvens”, perguntando-nos se o nosso temperamento
é o pior ou, quem sabe, o melhor de todos. Na situação em que nos
encontramos, o “melhor” temperamento que há é o que temos, porque foi
ele que Deus nos deu e é com ele, restaurado pela graça sanante e ajudado
pelas graças atuais, que iremos trabalhar na nossa santificação.
Referências
1. Cf. Los cuatro temperamentos. México: Apóstoles de la Palabra, 2010, pp. 24-25.
Defeito dominante
Por temperamento, todo o mundo tem pontos fracos e fortes: pelos primeiros
nos tenta derrubar o demônio, pelo segundo nos pode ajudar a natureza a
aperfeiçoar o que somos. Nisto, porém, é necessária a graça divina, para que,
transfigurados, Cristo viva plenamente em nós.
Se, com efeito, o objetivo da nossa existência é a união com Cristo, no cume
da perfeição cristã, precisamos saber por que encosta iremos subir, isto é,
quais são os obstáculos e atalhos com que iremos deparar ao longo do
caminho por que Deus quer conduzir cada um de nós. Se o temperamento é
um traço individual, é evidente que serão diferentes os defeitos dominantes
desta e daquela pessoa e, portanto, o itinerário espiritual que cada um há de
seguir.
Referências
2. Id., ibid.
3. Id., ibid.
4. Id., p. 366.
5. Id., ibid.
Fleumático
Vivemos hoje numa cultura fleumatizada. Tomados por certa acídia, todos
vemos nas exigências da vida cristã um fardo aborrecido, que não move nem
atrai, e por isso preferimos deixar a vida passar com passatempos que de nada
nos aproveitam.
Melancólico
O melancólico, embora não se deixe tocar por qualquer coisa, mete bem no
fundo da alma tudo o que consegue atingi-lo, penetrando o esconderijo do seu
coração. Por natureza, ele tende a não se esquecer de nenhuma impressão,
porque está o tempo inteiro lembrando-se de si mesmo.
Vale a pena recordar, uma vez mais, o objetivo deste curso. Não é nossa
intenção descrever, com minúcia de detalhes, os quatro temperamentos.
Isto, qualquer leitor o pode encontrar facilmente nos bons tratadistas. O que
queremos aqui é mostrar como o conhecimento do próprio temperamento,
embora humilde e quase “secundário” para a vida espiritual, pode ser-nos de
grande ajuda no caminho da santidade.
Ora, como ele dificilmente se esquece do que lhe vai ao fundo da alma, se
um bom diretor conseguir trazer-lhe à tona a recordação daquelas graças e
consolações, daquelas doces experiências que Deus lhe concedeu outrora,
então o melancólico terá combustível suficiente para anos e anos de oração
e recolhimento sadio. O que lhe falta é alguém que atice um pouco os
“carvões” em brasa de suas boas memórias, abafadas, mas não de todo
extintas, por pensamentos negativos e desesperançados.
Sanguíneo
Na vida espiritual, o sanguíneo tende particularmente à dispersão,
borboleteando de um pensamento a outro, começando sem nunca terminar
um sem número de livros de espiritualidade, porque está à procura mais de si
mesmo do que de Deus.
Colérico
O colérico é rijo de temperamento, enérgico e sagaz. Dotado de grande força
reativa, vê os problemas com facilidade e busca-lhes sem demora a solução.
Mas, por estar muito voltado para fora, não consegue olhar para dentro e
reconhecer suas próprias responsabilidades.
Eis por que se costuma dizer que o colérico é o mais “feliz” dos
temperamentos, isto é, o mais potente, o que possui por natureza mas
energia e capacidade de reação. Há, contudo, um sério problema com a
compilação do colérico. Devido ao seu cúmulo intenso de energia, se esta
não for bem trabalhada, mediante uma disciplina de autoconhecimento e
autodomínio, pode levar a resultados desastrosos.
Lembremos ainda que o nosso apetite sensitivo pode referir-se a dois tipos
de objetos: aos bens fáceis e presentes, que excitam o apetite concupiscível,
e aos bens árduos e distantes, os quais põem em movimento o
apetite irascível. Este é o responsável pela sensação de ira, de irritação, de
contrariedade que costumamos sentir quando, por exemplo, se nos põe um
obstáculo ou somos vítimas de uma injustiça. Esta irritabilidade tende a
obscurecer a nossa razão, a qual pode ver-se obliterada por completo
quando a ira é excessiva: no primeiro caso, trata-se de uma simples paixão
natural, que, no segundo caso, isto é, quando se solta das rédeas da
racionalidade, chega a constituir um pecado propriamente dito.
Nada disso, porém, será possível sem vida interior e, antes de tudo, sem o
hábito de fazer, com franqueza e calma, um bom exame de consciência. A
tendência do colérico, com efeito, é contrária à do melancólico: enquanto
este, fechado no próprio mundo interior, se crê sempre a fonte de todos os
problemas ou a chave de solução para todas as crises, pessoais e mundiais,
o colérico pensa que o problema nunca é com ele, em cuja conta não há nem
pode haver culpa alguma.
Cabe assinalar, por fim, que o colérico é o temperamento que mais potencial
tem para a liderança. Mas como todo bom líder, por definição, tem
consciência de não saber tudo e, por isso, de precisar de quem o ajude e
assista, o colérico só poderá liderar bem se, antes, se deixar transformar e
“adoçar” por uma santa humildade. Para isso, deverá planificar sua vida
espiritual, reservando um tempo privilegiado à meditação, à busca da
verdade sobre si mesmo diante da misericórdia infinita de Deus.
[O texto de apoio de que fala nesta aula o Pe. Paulo Ricardo é o que consta a
seguir.]
Colérico. — Deve, antes de tudo, combater a fixação por suas próprias ideias
e opiniões. Deve também se esforçar por não dissimular mais suas faltas,
para si e para os outros, reconhecendo-as humildemente. Por isso, deve
parar de justificar-se por ter feito algo errado: sa saber ter-se equivocado ou
agido mal, há de reconhecê-lo com toda franqueza. Por isso, tem de procurar
reconhecer a própria imperfeição e não ficar criticando as dos outros. Deve
imprimir no coração as palavras de Nosso Senhor: “Quem quiser ser o
primeiro, seja o último de todos” (Mt 20, 27), e as da Virgem Maria: “Ele
olhou a humildade de sua serva” (Lc 1, 48). Ele, com efeito, não olhou as boas
obras, a virgindade ou a piedade da sua serva, mas a sua humildade. E ainda:
“Quem se humilha será exaltado, mas quem se exalta será humilhado”
(Lc 18, 14); “Quem dissimula suas faltas, não há de prosperar; quem as
confessa e as detesta, obtém misericórdia” (Eclo 28, 13). O colérico, numa
palavra, deve buscar o último lugar, assim como fez o Rei dos reis.
Mortificação
Sobre o fundamento da humildade, deve-se erguer agora uma vida de
mortificação e desapego, de luta contra aquelas tendências e imperfeições
que, se não forem erradicadas, impedirão nossa alma de alçar aqueles altos
voos a que Deus tanto nos quer elevar.
Mas cuidado: não se trata de ativismo, mas de organizar o tempo, para assim
fugir da ociosidade, que, quase por si mesma, o leva a reflexões e mais
reflexões, a voltar-se sobre os próprios pensamentos etc. É claro, o
melancólico deve, sim, refletir sobre si mesmo, sobre a condição de sua alma,
sobre suas ações etc; o que ele não deve fazer é limitar-se a isso: do
contrário, quando ele começará a amar a Deus e ao próximo, já que só pensa
em si mesmo? Siga, pois, o que diz S. João: “Meus filhinhos, não amemos
com palavras nem com a língua, mas por atos e em verdade” (1Jo 3, 18).
Ora, falando da acídia, S. Tomás nos recorda que, quanto mais pensamos nos
bens espirituais, mais eles vão se tornando agradáveis, e é assim que o tédio
vai desaparecendo (cf. STh II-II 35, 1 ad 4). Por isso, o fleumático deve:
1. Ler muito as vidas dos santos, para, motivados por elas, sair da mediocridade
e exercitar a magnanimidade, alimentando grande desejo das coisas
espirituais. Vendo, pois, os feitos heróicos e a grande pressa dos santos em
amarem a Deus, o fleumático irá se motivar a “arrebatar o Reino dos céus
com violência”. A própria S. Teresa recomenda isso no Castelo Interior (III, 2,
12): “Parece que, com o seu voo, nos atrevemos a voar, como acontece com
os filhotes das aves quando o aprendem. Ainda que não possam dar grandes
voos, eles pouco a pouco imitam seus pais. É de grande proveito, posso
afirmá-lo”.
2. Fazer amizades espirituais, tão recomendadas pelo Pe. Royo Marín. Aqui,
porém, Santa Teresa adverte o seguinte, com grande sensatez e profunda
psicologia: “Não devem procurar uma pessoa do seu temperamento, como
se diz, que faça tudo com demasiado cuidado, devendo buscar quem esteja
muito desenganado das coisas do mundo” (idem).
Caridade fraterna
Hoje em dia, infelizmente, assiste-se a uma naturalização do conceito de
caridade. Reduzida ora à filantropia, ora à solidariedade, o amor
verdadeiramente cristão já não é mais entendido em sua natureza específica,
como virtude sobrenatural que nós não podemos nem produzir nem adquirir
com nossas próprias forças.
A última, embora não menos importante, das virtudes que têm de praticar
os quatro temperamentos é a caridade fraterna, que poderíamos definir
como um santo esquecimento de si que nos permite amar sinceramente a
Deus na pessoa do próximo.
Como nas últimas duas aulas, vejamos como devem portar-se na prática os
quatro temperamentos no exercício desta virtude tão preciosa:
Em resumo, deve o melancólico cultivar a vida interior, mas sem ter medo
de “deixar Deus por Deus” para se entregar aos irmãos, a exemplo do beato
Henrique Suso, que o aprendeu do próprio Senhor Jesus. Estando o beato
em devotíssima oração, um dos irmãos veio avisá-lo de que um mendigo o
esperava à porta, tencionando confessar-se. O beato, porém, dispensou o
irmão, pois queria ficar a sós com Deus; mas, quando retornou à oração, toda
a devoção que até aquele momento o enchia de gozo desapareceu-lhe da
alma, deixando-o perturbado e clamando pelo Senhor. Foi assim que ele
entendeu que o abandonara Deus porque também ele abandonou o
mendigo. O beato, então, mandou o irmão buscar o mendigo preterido, a
quem atendeu com todo o zelo e amor. Quando enfim pôde retornar à
oração, a devoção de antes voltou a encher-lhe a alma, que a partir daquele
dia aprendeu a “deixar Deus por Deus”.
Nota do editor:
Salve Maria!!!