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As três causas do pecado

O pecado entrou no mundo quando as criaturas


tentaram ser igual a Deus pelas próprias forças,
sem o auxílio da graça. Ao contrário das mãos de
Eva, que se fecharam para roubar o fruto
proibido, as mãos de Cristo se abriram para tudo
entregar. Conheça, nesta aula de nosso curso de
Terapia das Doenças Espirituais, quais são as
três "raízes" do pecado, que atravessam toda a
história da humanidade.
O pecado entrou no mundo quando as criaturas tentaram ser igual a
Deus pelas próprias forças, sem o auxílio da graça. Ao contrário das
mãos de Eva, que se fecharam para roubar o fruto proibido, as mãos
de Cristo se abriram para tudo entregar.

Conheça, nesta aula de nosso curso de Terapia das Doenças


Espirituais, quais são as três "raízes" do pecado, que atravessam
toda a história da humanidade.

O livro do Gênesis diz que “Deus criou o ser humano à sua imagem"
[1]. Antes disso, o pecado já existia, não por natureza, mas pela má
vontade dos anjos decaídos, os demônios. Foram eles quem, por
inveja, se aproximaram do primeiro homem para tentá-lo. Até então,
Deus o havia colocado em um jardim de benesses [2], com múltiplas
possibilidades de árvores e animais para comer e inúmeras coisas
para fazer, tendo proibido apenas uma coisa: “Podes comer de todas
as árvores do jardim. Mas da árvore do conhecimento do bem e do
mal não deves comer, porque, no dia em que dele comeres, com
certeza morrerás" [3].

Por medo da morte e pelo aviso divino, Adão e Eva não tinham
comido da árvore, até que o demônio lhes tentou, invertendo o apelo
de Deus e transformando em atrativo aquilo que era proibido: “De
modo algum morrereis. Pelo contrário, Deus sabe que, no dia em que
comerdes da árvore, vossos olhos se abrirão, e sereis como Deus,
conhecedores do bem e do mal" [4]. Seduzidos pelo maligno, os
primeiros pais pecaram e a desordem entrou na humanidade.

Para este curso de Terapia das Doenças Espirituais, o relato do livro


do Gênesis sublinha um fato de notável importância: quando a
serpente apresentou o fruto da árvore à mulher, ela “viu que seria
bom comer da árvore, pois era atraente para os olhos e desejável
para obter conhecimento" [5]. Estas três realidades – “comer",
“atraente para os olhos" e “desejável para obter conhecimento" –
perpassam toda a história da humanidade: representam a tendência
do homem para o prazer, para possuir as coisas e para o poder, essa
última entendida como uma espécie de astúcia operativa.

São João entendeu bem isso, quando escreveu que “tudo o que há
no mundo – a concupiscência da carne, a concupiscência dos olhos
e a ostentação da riqueza [a soberba da vida] – não vem do Pai, mas
do mundo" [6]. E o próprio Senhor, no deserto, foi tentado pelo
demônio com essas três matérias [7]. Primeiro, Satanás propôs a Ele
que transformasse pedras em pão, a fim de comer. Depois,
“mostrou-lhe, num relance, todos os reinos da terra" e prometeu
dar-Lhe tudo aquilo, se Se prostrasse diante dele. Por fim, tentou
Jesus a fazer uma demonstração de poder: “Se és Filho de Deus,
lança-te daqui abaixo". Nosso Senhor venceu as três tentações,
mostrando ao homem que é possível, com a Sua graça, vencer a
carne, decaída pelo pecado original.
Mas, que são essas três coisas que com razão se podem chamar de
“raízes" do pecado? Tratam-se de três libidos ( libidines, em latim).
As duas primeiras são chamadas por São João de “ἐπιθυµία" (lê-se:
epithumía) – assim, há a “ἐπιθυµία τῆς σαρκὸς", que é a
concupiscência da carne, e a “ἐπιθυµία τῶν ὀφθαλµῶν", que é a
dos olhos –, pois estão radicadas na potência concupiscível do
homem. A terceira, por sua vez, está na potência irascível: é a
“ἀλαζονεία τοῦ βίου", a soberba da vida.

A primeira, a libido amandi, é o apetite desordenado que “tem por


objeto tudo o que pode fisicamente sustentar o corpo seja para a
conservação do indivíduo, alimento, bebida etc., seja para a
conservação da espécie, as coisas venéreas" [8]. O objeto dessa
concupiscência é tanto a gula quanto o sexo desordenado, que é o
vício da luxúria. É curioso que, na mesma época em que se vê o
fenômeno da anorexia, de meninas que morrem de fome porque não
querem comer, percebe-se uma humanidade que busca o prazer
venéreo, mas não quer assumir a responsabilidade dos filhos. As
pessoas querem comer, mas não querem engordar; querem fazer
sexo, mas não querem estar abertas à vida.

A segunda, a libido possidendi, “é concupiscência animal, e tem por


objeto as coisas que não se apresentam para a sustentação e o
prazer da carne, mas que agradam à imaginação [delectabilia
secundum apprehensionem imaginationis] ou a uma percepção
semelhante, por exemplo, o dinheiro, o ornato das vestes, e outras
coisas deste gênero. É esta espécie de concupiscência que se
chama de concupiscência dos olhos" [9].

A terceira é a libido dominandi. É a soberba fundamental de querer


ser igual a Deus, como fez Satanás. Enraizada no irascível, essa
libido deseja o bem enquanto algo árduo: “Quanto ao apetite
desordenado do bem difícil, pertence à soberba da vida, sendo que
a soberba é o apetite desordenado da excelência [appetitus
inordinatus excellentiae]" [10].

É para combater essas três causas do pecado que se praticam as


três obras quaresmais: o jejum, a esmola e a oração; e também os
três votos evangélicos: a castidade, a pobreza e a obediência.
Também aqui se identificam os nossos relacionamentos com o outro,
com as coisas e conosco mesmos. Se abusamos de outra pessoa,
usando-a como objeto para obter prazer, estamos cedendo à
concupiscência da carne; se idolatramos as coisas, pensando estar
nelas a nossa felicidade, cedemos à concupiscência dos olhos; e se
fazemos de nós mesmos deus, estamos na soberba da vida.

Deus criou o homem para que ele participasse de Sua divindade,


mas ele deveria sê-lo pela graça, não por suas próprias forças.
Quando Eva “se apega ciosamente ao ser igual a Deus", ela rouba,
com “ἁρπαγµὸς" (lê-se: harpagmós): as suas mãos se fecham para
pegar para si. As mãos de Cristo são o contrário das mãos de Eva:
elas se abrem para dar. Enquanto Eva quis, Cristo tudo entregou.
Enquanto as mãos de Eva se voltam ao lenho para pegar, as de
Cristo se deixam pregar ao lenho da Cruz para dar. Da primeira
árvore nos vêm a desgraça e a morte; da segunda, a graça e a vida,
a nossa salvação.
A filáucia
Com o pecado original, o amor do homem por si
mesmo experimentou uma desordem: ele
prefere gozar dos bens mutáveis a honrar o Bem
imutável, que é Deus. A única forma de sair
desse sistema mundano é a renúncia de si
próprio, como manda Jesus no Evangelho: "Se
alguém quer vir após mim, renuncie a si mesmo,
tome a sua cruz, cada dia e siga-me." Conheça,
nesta aula de nosso curso de Terapia das
Doenças Espirituais, em que consiste a filáucia,
origem de todos os vícios capitais.
Com o pecado original, o amor do homem por si mesmo
experimentou uma desordem: ele prefere gozar dos bens mutáveis a
honrar o Bem imutável, que é Deus. A única forma de sair desse
sistema mundano é a renúncia de si próprio, como manda Jesus no
Evangelho: "Se alguém quer vir após mim, renuncie a si mesmo,
tome a sua cruz, cada dia e siga-me."

Conheça, nesta aula de nosso curso de Terapia das Doenças


Espirituais, em que consiste a filáucia, origem de todos os vícios
capitais.

Na primeira aula, foi sondado o começo de nossa “ historia


calamitatum". Pelo pecado de Adão e Eva, entrou uma desordem no
mundo, desordem que se mostra por três raízes, a saber: a libido
amandi, a libido possidendi e a libido dominandi. Essas três causas
do pecado têm origem em uma só: o amor desordenado de si
mesmo, que também se pode chamar de amor sui, em latim, e de
filáucia. Esta expressão vem de duas palavras gregas – φιλία (lê-se:
filía) e αυτός (lê-se: autós) – e designa o amor que o ser humano
tem por si mesmo, amor que se encontra doente, por conta do
pecado original.

Como referência para esta aula, é recomendada a leitura da obra


Philautia. Dall'amore di sé alla carità, do Pe. Irénée Hausherr. Para
escrevê-la, ele se baseia especialmente em São Máximo, o
Confessor, que é mestre sobre esse tema. Em suas Centúrias sobre
a Caridade, esse autor cristão ensina:

“Toma cuidado com o amor-próprio, mãe de todos os vícios, e


que é o amor irracional do próprio corpo. Indubitavelmente, dele
nascem os três primeiros pensamentos passionais fundamentais:
o da gula, o da avareza, e o da vanglória, que tem origem nas
exigências necessárias do corpo; por eles nasce toda a série de
vícios. É preciso, portanto, como se disse, ter cuidado com este
amor-próprio, e combatê-lo com muita sobriedade; destruído ele,
são destruídos todos os pensamentos que dele provêm." [1]

“O amor-próprio, como muitas vezes se disse, é causa de todos


os pensamentos passionais. Dele se engendram os três
pensamentos capitais da concupiscência: o da gula, o da avareza
e o da vanglória. Do da gula nasce o da fornicação; do da
avareza, o da avidez; do da vanglória, o da soberba. Todos os
outros se seguem a cada um dos três: o da ira, o da maledicência
e os mais. Estas paixões atam a mente às coisas materiais e a
retêm na terra, como pedra pesadíssima em cima dela, sendo
embora a mente, por natureza, mais leve e ágil que o fogo." [2]

O amor filaucioso, por sua vez, nasce da realidade do pecado


original. Antes da queda, os olhos do homem eram capazes de
voltar-se às coisas criadas e transcender para Deus. As criaturas
não passavam de ícones que remetiam ao Criador. Assim, se se
olhasse no espelho, o homem na inocência primitiva amaria em si a
“imagem e semelhança" divinas impressas nele [3]. Esse era o amor
sui sadio, pelo qual Nosso Senhor dizia que o homem deveria amar
ao próximo como a si mesmo [4].

Após o pecado original, no entanto, entrou uma desordem nesse


amor-próprio. Notável é que também os filósofos pagãos a tenham
notado. Aristóteles escreve que, já em seu tempo, “'amante de si
mesmo' é uma expressão desonrosa". E, ao exemplificar como o
homem mau se ama desordenadamente, ele faz referência ao “gozo
medíocre", ao “dinheiro" e, depois, “às honras e aos cargos" [5] –
curiosamente, as mesmas três libidines de que se falou na última
aula. Impressiona como o homem iluminado pela razão consegue
chegar às mesmas conclusões que chegam os autores espirituais e
a Tradição da Igreja.

A partir da queda, então, as criaturas, que eram ícones que


apontavam para o alto, ficam opacas e o seu uso se dirige à
satisfação de si próprio. Esse sistema é completamente
autodestrutivo. Um dependente químico, por exemplo, usa drogas
porque quer ser feliz. Todas as pessoas veem, porém, que ele está
destruindo a si mesmo, a sua família e aqueles que estão à sua volta.
“O homem mau não deve ser um amante de si mesmo, visto que
obedecerá às suas paixões vis e assim prejudicará tanto a si mesmo
quanto aos seus semelhantes" [6], diz Aristóteles. São João
Crisóstomo compara essa situação à loucura:

“Se, andando pela rua, encontrássemos uma pessoa mutilando a


si mesma e arrancando pedaços do seu próprio corpo, não
hesitaríamos em dizer que se trata de um louco, pois dilacerar os
próprios membros 'é próprio de furiosos e de loucos'. Tal é a
nossa condição de pecadores. Achamo-nos muito inteligentes ao
deixar Deus de lado e inventar uma forma nova de amor-próprio,
mas acabamos por nos destruir." [7]

Para curar essa doença, é necessário voltar à capacidade de


transcender, olhando para as coisas criadas e dirigindo o nosso olhar
ao Céu. A esse propósito, Santo Agostinho faz uma comparação
fantástica:

“Deus não te proíbe de amar estas coisas [as criaturas], mas de


amá-las com a finalidade de obter a felicidade. Não é proibido,
porém, admirar e aceitar as criaturas para amar o Criador."
“Irmãos, suponhamos que um esposo fizesse um anel para sua
esposa e esta tivesse mais amor pelo anel recebido do que pelo
esposo que lho fabricou; não é verdade que com aquele presente
se revelaria que a esposa tem um coração adúltero, embora ela
ame algo que é presente do esposo? É claro que ela ama algo
que foi feito pelo seu esposo, mas se ela dissesse: 'Basta-me o
seu anel, e não me interessa ver o seu rosto', que tipo de esposa
seria esta? Quem não abominaria esta loucura? Quem não
condenaria este sentimento de adúltera?"

“Amas o ouro no lugar do homem, amas o anel no lugar do


esposo: se estes são os teus sentimentos a ponto de amar um
anel no lugar do teu esposo e a teu esposo não queres nem
mesmo ver; então quer dizer que ele te deu este penhor, não para
te comprometer, mas para te perder. É para isto que um esposo
oferece um penhor, para que no penhor ele mesmo seja amado.
Para isto Deus te ofereceu as coisas [criadas]: ama aquele que as
fez. Ele quer te oferecer muito mais, ou seja, quer dar a si mesmo.
Mas se amares as coisas, mesmo que tenham sido feitas por ele,
se esquecesses o Criador para amares o mundo, o teu amor não
deveria ser julgado como amor adulterino?" [8]
Amar as coisas ao invés de Deus é destruidor porque significa cortar
o próprio galho no qual se está sentado. Identifica-se, aqui, o conflito
entre dois amores – o amor Dei e o amor sui. É a essa luta que se
refere São João, quando diz que “tudo o que há no mundo (...) não
vem do Pai, mas do mundo" e que “o mundo passa, e também a sua
concupiscência; mas aquele que faz a vontade de Deus permanece
para sempre" [9]. É também sobre o que Santo Agostinho fala em
sua obra De Civitate Dei: “Dois amores fundaram, pois, duas
cidades, a saber: o amor-próprio, levado ao desprezo a Deus, a
terrena; o amor a Deus, levado ao desprezo de si próprio, a celestial"
[10].

O “desprezo de si próprio" significa a renúncia ao amor doente. A


única forma de sair desse sistema de destruição no qual o homem
foi colocado com o pecado original é renunciando a si mesmo. Foi o
próprio Jesus quem disse: “Se alguém quer vir após mim, renuncie a
si mesmo, tome a sua cruz, cada dia e siga-me" [11]. Infelizmente,
muitas pessoas dentro da própria Igreja não entendem – ou mesmo
subvertem – isso, procurando uma forma de serem cristãs sem
abraçar a Cruz e renunciar à própria vontade. Mas, é novamente
Nosso Senhor quem diz, “quem quiser salvar a sua vida a perderá; e
quem perder a sua vida por causa de mim a encontrará" [12].

Assim, a única forma de viver o amor sui correto é situá-lo dentro do


amor Dei. O amor virtuoso, a caridade de que falam as Sagradas
Escrituras, embora se possa dirigir a Deus, a si próprio e ao próximo,
deve ter um único objeto formal, que é o próprio Deus. Isso significa
amar o Criador e as criaturas somente por causa d'Ele. Só assim
entraremos no caminho da cura, que pavimenta a cidade de Deus.
Antropologia tomista
A alma humana está na fronteira das criaturas
espirituais e corporais. Por isso, nela se reúnem
tanto as faculdades dos anjos quanto as
potências animais. Mas é possível colocar tudo
isso em equilíbrio? Em que lugar estão alojados
os "pecados capitais", que são as nossas
doenças espirituais? Santo Tomás, o Doutor
Angélico, tem a resposta. Descubra qual é, nesta
aula de nosso curso de Teologia das Doenças
Espirituais.
A alma humana está na fronteira das criaturas espirituais e corporais.
Por isso, nela se reúnem tanto as faculdades dos anjos quanto as
potências animais. Mas é possível colocar tudo isso em equilíbrio?
Em que lugar estão alojados os "pecados capitais", que são as
nossas doenças espirituais?

Santo Tomás, o Doutor Angélico, tem a resposta. Descubra qual é,


nesta aula de nosso curso de Teologia das Doenças Espirituais.

Antes de identificar as doenças espirituais contra que o homem deve


lutar, é importante situar onde, no ser humano, ficam alojadas as
paixões e sobre qual visão antropológica se edifica a doutrina da
Igreja.

Importa dizer, primeiro, que as paixões que levam a alma ao pecado


se encontram no composto corpo e alma. “[A alma humana] está (…)
na fronteira das criaturas espirituais e corporais, por isso, nela se
reúnem as potências tanto de umas e outras criaturas" [1], escreve
Santo Tomás de Aquino. Respondendo se todas as potências da
alma estão na alma como em seu sujeito, ele explica que:

“Há na alma operações que se realizam sem órgão corporal,


como conhecer e querer. Por conseguinte, as potências que são
princípios dessas operações estão na alma como em um sujeito. -
Mas há algumas operações da alma que se realizam com a ajuda
de órgãos corporais; por exemplo: a visão pelo olho, a audição
pelo ouvido e de maneira semelhante ocorre com todas as outras
operações da parte sensitiva e nutritiva. Por isso, as potências
que são princípios de tais operações estão no composto como no
sujeito, e não apenas na alma." [2]

O problema não está, como pensam os platônicos, no corpo


material. Fosse assim, os animais também poderiam pecar. No
entanto, é sabido que, de todo o reino animal, só o homem peca,
pois é a única criatura que possui alma imortal.

Para analisar como é o composto humano – corpo e alma – o que


está contaminado pelo pecado original, Tomás parte da experiência
dos animais, assinalando o que é comum tanto a estes quanto
àquele. Ao classificar os gêneros de potências presentes na alma,
ele recorre a três espécies de divisão:

“Há cinco gêneros de potências da alma, os quais acabamos de


enumerar. Três se dizem almas; quatro são modos de viver.
A razão desta variedade é que se distinguem diversas almas
segundo as diferentes maneiras com as quais a ação da alma
ultrapassa a ação da natureza corporal. A natureza corporal, toda
ela, está com efeito submetida à alma, e se refere a ela como
matéria e instrumento. Há, pois, uma operação da alma que de tal
modo ultrapassa a natureza corporal que nem mesmo é realizada
por um órgão corporal. E essa é a operação da alma racional. - Há
outra operação inferior à precedente que se realiza por meio de
um órgão corporal, mas não por meio de uma qualidade
corpórea. E essa é a operação da alma sensitiva. Com efeito, o
quente e o frio, o úmido e o seco, e outras qualidades corpóreas
do mesmo gênero são requeridas para a operação do sentido,
mas não se segue daí que essa operação se realize mediante a
potências dessas qualidades. Elas são exigidas somente para que
o órgão esteja na devida disposição. - Enfim, a operação menos
elevada da alma se faz por meio de um órgão corporal e pelo
poder de uma qualidade corpórea. Ultrapassa, no entanto, a
operação da natureza corpórea, pois os movimentos dos corpos
dependem de um princípio exterior, enquanto tais operações
procedem de um princípio interno, e esse modo de ação é
comum a todas operações da alma. Tudo o que é animado, com
efeito, move a si mesmo de alguma maneira. E essa é a operação
da alma vegetativa: assim a digestão e as ações consequentes se
realizam, de modo instrumental, pela ação do calor, como se diz
no livro II da Alma.
Ora, os gêneros de potências da alma se distinguem segundo os
objetos. Quanto mais uma potência é elevada, tanto mais seu
objeto é universal, como já ficou explicado. Pode-se considerar o
objeto da operação da alma em três graus. Para certa potência da
alma, o objeto é somente o corpo unido à alma: tal é a potência
vegetativa, que não age, com efeito, senão em um corpo ao qual
está unida a alma. - Há outro gênero de potência da alma, cujo
objeto é mais universal, a saber todo corpo sensível e não
somente o corpo unido à alma. Há, enfim, outro gênero de
potências da alma, cujo objeto é ainda mais universal, a saber,
não é mais somente todo corpo sensível mas todo ente tomado
em sentido universal. Assim fica claro que os dois últimos
gêneros de potências da alma possuem uma operação que se
relaciona não só com o que está unido à alma, mas ainda com o
que lhe é exterior. - Como é preciso, no entanto, que o sujeito que
opera esteja unido a seu objeto, assim é necessário que o que é
exterior, que é objeto da operação da alma, se refira à alma de
duas maneiras. Em primeiro lugar, enquanto é apto para se unir à
alma e nela estar por sua semelhança. Com respeito a isso, há
dois gêneros de potências, a saber, as sensitivas, relativas ao
objeto menos comum que é o corpo sensível, e as intelectivas,
relativas ao objeto comuníssimo que é o ente universal. - A
segunda maneira, conforme a própria alma esteja inclinada e
tenda para o que é exterior. E com respeito a isso, existem
também dois gêneros de potências da alma, a saber, as
apetitivas, na medida em que a alma se refere a algo exterior
como ao fim, que é primeiro na ordem da intenção. O outro
gênero é o das potências locomotoras, na medida em que a alma
se refere a algo exterior como ao termo da operação e do
movimento. Com efeito, é para obter um objeto desejado e
intencionado que todo animal se move.
Quanto aos diferentes modos de vida, são distintos segundo os
graus dos seres vivos. Há seres vivos, em que não existe senão a
potência vegetativa, tais como as plantas. - Há outros que, além
da potência vegetativa, possuem a sensitiva, mas não a motriz
segundo o lugar: os animais imóveis, como as ostras. - Outros,
ainda, têm além disso a potência locomotora, são os animais
perfeitos, que têm necessidade de muitas coisas para viver e,
portanto, devem-se mover para procurar longe o que lhes é
necessário. - Há, enfim, outros seres vivos, que têm além do mais
a potência intelectiva, que são os homens. - Quanto à potência
apetitiva, não constitui um grau dos seres vivos, porque, em todo
ser que haja potência sensitiva, há o apetite, como está dito no
livro III da Alma." [3]
Que diferença existe, então, entre a alma humana e as almas das
plantas e dos animais? Em resumo, “em que a alma das plantas é
exclusivamente vegetativa; a dos animais vegetativa e sensitiva; e a
humana, além destas faculdades, possui a inteligência." [4]

É possível identificar nas almas sensitivas duas realidades: o


conhecer – que está associado às faculdades cognoscitivas – e o
desejar – que diz respeito às faculdades apetitivas.

No que diz respeito às faculdades cognoscitivas, o homem tem em


comum com os animais os cinco sentidos externos – a vista, o
ouvido, o olfato, o tato e o gosto [5] –, e os quatro sentidos internos,
a saber, “o sentido comum, a fantasia, a imaginação, a estimativa e a
memória" [6]. Explica o Aquinate:

“Como a natureza não falta no que é necessário, é preciso haver


tantas ações da alma sensitiva quantas se requerem para a vida
de um animal perfeito. Mas todas essas ações não podem ser
reduzidas a um só princípio, exigem potências diversas, uma vez
que a potência da alma nada mais é do que o princípio imediato
da operação da alma.
Ora, é preciso considerar que a vida de um animal perfeito requer
não somente que ele apreenda a coisa quando ela está presente
aos sentidos, mas ainda quando está ausente. De outra sorte,
como o animal se move e age em sequência à apreensão, ele não
se poria em movimento para buscar algo que estivesse ausente.
Ora, é o contrário que se observa sobretudo nos animais
perfeitos que se movem com movimento progressivo: dirigem-se,
com efeito, para um objeto ausente do qual têm conhecimento. O
animal deve, portanto, em sua alma sensitiva, não só receber as
espécies das coisas sensíveis no momento em que é modificada
por elas, mas ainda retê-las e conservá-las. (…) - Deve-se
considerar, ainda, que se um animal só se põe em movimento por
objetos agradáveis ou repugnantes para os sentidos, não haveria
necessidade de afirmar no animal senão a apreensão das formas
que o sentido percebe e com as quais sente prazer ou
repugnância. Mas é necessário que o animal procure umas coisas
ou fuja de outras, não só porque convêm ou não ao sentido, mas
também por outras conveniências e utilidades ou nocividades.
Por exemplo: a ovelha que vê o lobo chegar foge, não porque sua
cor ou sua forma não são belas, mas porque é seu inimigo
natural. Igualmente o passarinho recolhe a palha, não pelo prazer
sensível, mas porque é útil para construir o ninho. Portanto, é
necessário que o animal perceba tais intenções que o sentido
externo não percebe. Deve haver, em consequência, um princípio
próprio dessa percepção, pois a percepção das formas sensíveis
é por uma modificação do objeto sensível, não porém a
percepção das intenções referidas.
Assim pois, o sentido próprio e o comum ordenam-se a receber
as formas das coisas sensíveis. Será dito adiante como eles se
distinguem. - Para reter ou conservar essas formas, ordena-se a
fantasia ou imaginação que são uma mesma coisa. A fantasia ou
imaginação é, com efeito, como um tesouro das formas
percebidas pelos sentidos. - Para apreender as intenções que
não são percebidas pelo sentido, ordena-se a estimativa. - Para
conservá-las, a memória, que é como um arquivo delas. É sinal
disso que o princípio da lembrança nos animais resulta de tal
intenção. Por exemplo, que isto é prejudicial ou é conveniente. E a
mesma razão de passado, pela qual responde a memória, deve
ser contada entre essas intenções.
Ainda se deve considerar que, em relação às formas sensíveis,
não há diferença entre os homens e os animais. São modificados
da mesma maneira pelos objetos sensíveis exteriores.
(…)
Não há necessidade, portanto, de afirmar senão quatro
faculdades sensitivas internas, a saber: o senso comum e a
imaginação, a estimativa e a memória." [6]

Todos esses sentidos são ligados às potências da alma sensitiva.

O conhecimento intelectivo – a inteligência –, no entanto, escapa ao


universo dos animais. Pode parecer incrível, já que, por exemplo, o
cérebro de um macaco é só um pouco menor que o cérebro
humano. É que essa superioridade do ser humano não se encontra
tanto no corpo – algumas gramas de massa encefálica não são
capazes de explicar a diferença abissal entre o ser humano e o
macaco –, mas na alma. Os homens são capazes de abstração, pelo
que chegam aos universais; além disso, angustiam-se com o futuro e
com a própria realização, pelo que se identifica a sua vocação à
eternidade, a algo mais amplo que o simples horizonte dos sentidos.

No que diz respeito às faculdades apetitivas, o homem tem em


comum com os animais o apetite sensitivo, que é classificado em
potência concupiscível e potência irascível:

“Sendo o apetite sensível uma inclinação que se segue à


apreensão dos sentidos, como o apetite natural é uma inclinação
que se segue à forma natural, deve portanto haver na parte
sensitiva duas potências apetitivas: uma, pela qual a alma é
absolutamente inclinada a buscar o que lhe convém na ordem
dos sentidos, e a fugir do que pode prejudicar, é a concupiscível;
a outra, pela qual o animal resiste aos atacantes que combatem o
que lhes convém e causam dano, é a irascível. Em consequência,
se diz que seu objeto é 'aquilo que é árduo', pois sua tendência a
leva a superar e a prevalecer sobre as adversidades." [7]

Novamente, é preciso esclarecer que essas duas potências estão


ligadas ao físico. Nos animais, portanto, elas acabam com a morte.
“As almas dos animais não subsistem por si, mas apenas a alma
humana. Portanto, as almas dos animais se corrompem quando o
corpo se corrompe, e a alma humana não pode se corromper (…)."
[8]. Além do apetite sensível, o homem possui o apetite da vontade,
que o faz inclinar-se livremente a uma direção determinada, fazendo,
por exemplo, jejuns e sacrifícios, por amor de algo ou alguém.

Acontece que o ser humano não é só espiritual. Os anjos têm apenas


a inteligência e a vontade. O conhecimento que possuem é
puramente intelectual e o seu único apetite é a vontade. No homem,
porém, tocam-se o mundo angélico e o mundo animal, em cujos
apetites sensíveis, sobretudo, se alojam as doenças espirituais –
como a gula, a luxúria, a ira, a tristeza etc. Não é verdade, portanto,
que o corpo é ruim. O problema do ser humano – como já dito – está
no composto corpo e alma.

Para solucionar esse problema, diz Santo Tomás, citando Aristóteles,


a razão deve dominar os apetites da carne de forma política:

“Como diz o Filósofo no livro I da República: 'É preciso considerar


no animal, um poder despótico e um poder político: a alma
domina o corpo por um poder despótico, o intelecto domina o
apetite por um poder político e régio'. O poder despótico é aquele
pelo qual alguém comanda os escravos, que não têm a
capacidade de resistir à ordem do chefe, pois nada têm de
próprio. O poder político e régio, por sua vez, é aquele pelo qual
se comanda a homens livres que, embora submetidos à
autoridade do chefe, têm entretanto algo próprio que lhes
permite resistir às suas ordens. - Da mesma forma se diz que a
alma domina o corpo com um poder despótico, pois os membros
do corpo não podem de nenhuma forma resistir às suas ordens,
mas imediatamente se movem ao desejo da alma, a mão, o pé, e
todo e qualquer membro que pode receber naturalmente um
impulso da vontade. Mas se diz que o intelecto, ou a razão,
comanda o irascível e o concupiscível com um poder político,
porque o apetite sensível tem algo próprio que lhe permite resistir
à ordem da razão." [9]

A proposta deste curso é ensinar as almas cristãs a “amansarem"


sua carne, com a qual conviverão até o fim de suas vidas. Sem
negociar os princípios – porque o pecado é sempre pecado –, urge
que aprendamos a conduzir o nosso ser para a direção correta.
O pecado da gula
Estar com fome não é doença, tampouco é
errado sentir prazer enquanto se come. Existe,
no entanto, uma ordem estabelecida por Deus
para regular nosso relacionamento com os
alimentos. Nesta aula do curso de Terapia das
Doenças Espirituais, você vai conhecer, a partir
das lições de São Gregório e Santo Tomás, o
"pecado capital" da gula, e vai descobrir por que,
embora as pessoas tenham em pouca conta
esse vício, trata-se ele de um pecado sério, que
dá origem a muitas outras faltas.
Estar com fome não é doença, tampouco é errado sentir prazer
enquanto se come. Existe, no entanto, uma ordem estabelecida por
Deus para regular nosso relacionamento com os alimentos.

Nesta aula do curso de Terapia das Doenças Espirituais, você vai


conhecer, a partir das lições de São Gregório e Santo Tomás, o
"pecado capital" da gula, e vai descobrir por que, embora as
pessoas tenham em pouca conta esse vício, trata-se ele de um
pecado sério, que dá origem a muitas outras faltas.

A primeira das doenças espirituais a ser abordada é a gula. Os


gregos chamam-na γαστριµαργία (lê-se: gastrimargía), que quer
dizer, etimologicamente, “loucura do estômago".

Embora as pessoas tenham deixado de considerá-la pecado, trata-


se de um mal muito importante contra o qual lutar. Não sem razão o
Doutor Angélico dedica uma questão inteira de sua Suma Teológica
(II-II, q. 148) para explicar em que ela consiste, quais as suas
espécies (a. 4) e qual é, por assim dizer, a sua prole (a. 5).

Importa dizer, em primeiro lugar, que, de fato, a gula é um pecado (a.


1). Não é que sentir fome seja doença, nem que sentir prazer com a
comida seja errado – se fosse, Deus não nos daria papilas
gustativas. Assim, “não é gula todo e qualquer desejo de comer e
beber, senão o desejo desordenado [sed inordinatum]". Isso significa
dizer que há uma ordem estabelecida por Deus para regular nosso
relacionamento com os alimentos.

Na última aula, fizemos uma analogia, pela qual a alma era


comparada a um cavaleiro, que deveria, de forma política [1],
“domar" o seu cavalo, a saber, o composto corpo e alma. De fato, o
composto de cada pessoa tem sua própria índole, que carrega
consigo a carga genética de seus ascendentes, a educação que
recebeu desde cedo, o ambiente em que cresceu etc. É um conjunto
de fatores que faz que “o nosso cavalo" tenda (ou não) para a
desordem da gastrimargia. Por isso, enquanto para algumas pessoas
a gula é a maior das tentações, para outras, não é uma grande
dificuldade.

A questão é que, como já foi dito, não é simplesmente no corpo que


se alojam as desordens espirituais, mas no composto corpo e alma,
principalmente no chamado apetite sensível. Aí, de modo mais
específico na potência concupiscível – que diz respeito ao desejo
das coisas mais fáceis de se obter –, está a doença da gastrimargia.

A gula é dividida por espécies, de acordo com o ensinamento de São


Gregório Magno:

“O vício da gula nos tenta de cinco maneiras: às vezes,


adiantamos a hora de comer, antecipando a necessidade; outras
vezes, buscamos pratos mais refinados; outras vezes, desejamos
alimentos preparados com mais esmero; outras ainda,
exageramos na quantidade da comida; outras vezes, enfim,
pecamos pela própria voracidade de um apetite sem limite." [2]

Santo Tomás resume em um verso essas espécies: “Praepropere,


laute, nimis, ardenter, studiose – Apressadamente, refinadamente,
excessivamente, avidamente, meticulosamente" [3], e comenta:

“A gula implica um desordenado desejo para comer. Ora, no


comer duas coisas devem ser consideradas: o alimento que se
come e a ação de comer. Daí os dois modos de entender essa
concupiscência desordenada. Primeiro, quanto ao alimento que
comemos. Assim, quanto à substância ou a espécie de comida,
há quem procure alimentos refinados, isto é, caros [laute]; quanto
à qualidade, há quem busque alimentos acuradamente
preparados, isto é, meticulosamente [studiose]; e quanto à
quantidade, há os que exageram, comendo em excesso [nimis]. -
Em segundo lugar, considera-se a desordem da concupiscência,
quanto ao ato de comer, ou por antecipar o tempo próprio para
isso, isto é, apressadamente [praepropere]; ou por não observar
a maneira conveniente de comer, isto é, avidamente [ardenter]."
[3]

Também São Gregório Magno ensina que da gula provêm cinco


“filhas": “De ventris ingluvie, inepta laetitia, scurrilitas, immunditia,
multiloquium, hebetudo sensus circa intelligentiam propagantur. -
Da gula surgem a alegria tola, a palhaçada, a imundície, a
loquacidade e o embotamento mental." [4] Comentando esse texto,
escreve o Aquinate:

“A gula consiste, propriamente, no prazer imoderado no comer e


no beber. Portanto, hão de ser considerados filhas dela os vícios
resultantes desse prazer descontrolado. Ora, esses vícios podem
ser entendidos na parte da alma e do corpo. Da alma, de quatro
maneiras. Em primeiro lugar, quanto à razão, cuja acuidade se
embota com os excessos da comida e da bebida. Nesse sentido,
considera-se como filha da gula o embotamento intelectual,
causado pelos vapores dos alimentos que perturbam a mente. A
abstinência ao contrário, facilita a aquisição da sabedoria,
conforme a Escritura: Deliberei em meu coração arrancar do
vinho minha carne para votar o espírito à sabedoria. - Em
segundo lugar, quanto ao apetite, que se desregula de muitos
modos, pelos excessos no comer e no beber, porque a razão fica
adormecida e travada. E, nesse sentido, fala-se de alegria tola,
pois todas as outras paixões desordenadas conduzem, segundo
Aristóteles, à alegria e à tristeza. E a isso se refere a Escritura, ao
dizer: O vinho faz crer que tudo é segurança e alegria. - Em
terceiro lugar, quanto ao destempero verbal. E aí entra a
loquacidade, pois, como diz Gregório, 'se os escravos da gula
não fossem tão loquazes, o rico do Evangelho, que comia todos
os dias esplendidamente, não teria que sofrer duramente na
língua'. - Em quarto lugar, quanto ao ato desordenado, o que dá
lugar à palhaçada, isto é, a uma jocosidade proveniente de uma
fraqueza mental, que não domina nem as palavras nem os gestos
exteriores. Por isso, a propósito da Carta aos Efésios: Nada de
palavras grosseiras, estúpidas ou obscenas, a Glosa acrescenta:
'Trata-se da palhaçada, ou seja, de uma jocosidade que provoca
risadas'. - Vale notar que esses dois vícios, a loquacidade e a
palhaçada, podem referir-se às palavras com as quais podemos
pecar ou porque são supérfluas é o caso da primeira, ou porque
são desonrosas, é o caso da segunda.
Da parte do corpo, afirma-se a imundície, tanto no sentido de
emissão desordenada de qualquer coisa supérflua, como no
sentido particular de emissão do sêmen. Por isso, temos a
palavra da Carta aos Efésios: A devassidão, a impureza..., assim
comentada pela Glosa: 'trata-se da incontinência, ligada, de
alguma maneira, ao desejo carnal'." [5]

Os Santos Padres veem com muita clareza o parentesco entre a gula


e a luxúria, que dizem respeito a dois centros da vitalidade humana:
um, a alimentação, que sustenta a vida individual; outro, o sexo, que
garante a preservação da espécie. Ambas as realidades estão
enraizadas na potência concupiscível do apetite sensível.
Terapia da gula
A terapia da gula visa purificar o relacionamento
das pessoas com os alimentos, evitando a
postura daqueles "cujo deus é o ventre", na
expressão do Apóstolo. Porque, no fundo, o
pecado por trás da gastrimargia - como por trás
de toda doença espiritual - é a idolatria. Nesta
aula de nosso curso de Terapia das Doenças
Espirituais, conheça os remédios espirituais para
o pecado capital da gula.
A terapia da gula visa purificar o relacionamento das pessoas com os
alimentos, evitando a postura daqueles "cujo deus é o ventre", na
expressão do Apóstolo. Porque, no fundo, o pecado por trás da
gastrimargia - como por trás de toda doença espiritual - é a idolatria.

Nesta aula de nosso curso de Terapia das Doenças Espirituais,


conheça os remédios espirituais para o pecado capital da gula.

Para manter a boa forma física, as pessoas estão sempre à procura


de novas soluções: nos últimos anos, além de inventar dietas e
experimentar tipos diferentes de comida, muitas delas têm recorrido
às cirurgias de redução do estômago. Essas operações, que em si
não são imorais, no entanto, não podem solucionar o problema da
gula. A terapia da gastrimargia tem mais a ver com uma atitude
espiritual em relação aos alimentos que com a espécie e a
quantidade de comida que ingerimos. De fato, de nada adianta
mudar o estômago se não se muda a alma.

Santo Tomás de Aquino, ao responder se a abstinência é uma


virtude, esclarece que “a moderação no comer, na quantidade como
na qualidade, cabe à medicina, no caso da saúde física, mas vista
nas suas disposições interiores, em relação ao bem racional, ela
pertence à abstinência" [1]. Santo Agostinho, por sua vez, ensina
que “não importa, absolutamente, o que ou quanto de alimento
alguém toma, se procede de acordo com as exigências das pessoas
com quem convive e com as da própria pessoa, segundo as
necessidades da saúde. O que importa é a facilidade e a serenidade
com que sabe o homem privar-se da comida, quando for necessário
ou conveniente" [2].

A terapia da gastrimargia visa purificar o relacionamento das


pessoas com os alimentos, evitando a postura daqueles “cujo deus é
o ventre" [3], na expressão do Apóstolo. Porque, no fundo, o pecado
por trás da gula - como por trás de toda doença espiritual - é a
idolatria. Eva comeu do fruto proibido seduzida pela mentira
satânica: “Sereis como deuses" [4].

O monge russo Inácio Branchaninov, santo da Igreja Ortodoxa,


preleciona que a ascese corporal é necessária para tornar a terra do
coração apta para receber as sementes espirituais, que são as
graças de Deus. Ele adverte também para duas atitudes igualmente
perigosas: o abandono das práticas ascéticas e o seu excesso. A
primeira transforma os homens em animais; a segunda, em
demônios. Se o guloso está sempre insatisfeito e se comporta diante
dos alimentos como um bicho, quem exagera na ascese,
comportando-se como um faquir e achando-se melhor do que os
outros, se envaidece e se iguala a Satanás, que caiu justamente por
sua soberba.

Então, para curar o vício da gula, o jejum e a abstinência são


realmente necessários, mas devem ser feitos com o objetivo certo,
isto é, por amor a Deus. Passar fome não santifica ninguém. No
entanto, quando se é capaz de fazer isso como resposta ao amor de
Cristo, que passou quarenta dias no deserto por amor dos homens,
então, tudo ganha sentido.

O Doutor Angélico, ao falar sobre o jejum, enumera os três fins


principais dessa prática:

“Tem-se um ato por virtuoso quando ele se ordena pela razão a


um bem honesto. Ora, isso acontece com o jejum, porque é
praticado por três fins principais. Primeiro, para conter as
concupiscências da carne. Por isso, diz o Apóstolo 'nos jejuns, na
castidade', visto que pelo jejum se conserva a castidade; e
Jerônimo diz que 'sem Ceres e Baco, Vênus esfria', isto é, na
abstinência de comida e bebida, a luxúria arrefece." [5]

Como se viu na aula sobre a antropologia tomista [6], a


concupiscência é o apetite sensível ligado ao sustento do corpo. Por
conta do pecado original, esse apetite é desordenado, tendendo a
querer mais que aquilo que pede a necessidade física. Por isso, para
conter a concupiscência, o melhor jejum não consiste tanto em
passar fome, quanto em passar desejo. Quando alguém vai a uma
nutricionista e se propõe a uma reeducação alimentar, por exemplo,
isso pode muito bem ser um jejum, contanto que se acresça a essa
prática uma atitude espiritual de amor a Deus.

A sabedoria dos Santos Padres também lembra que a alma


fortalecida pelo jejum combate com muito mais força contra o
pecado da luxúria.

“Em segundo lugar, jejua-se para elevar mais a livremente a alma


à contemplação de realidades sublimes. Por isso, está no livro de
Daniel que ele, após o jejum de três semanas, recebeu revelação
de Deus." [7]
Como dito na aula anterior, uma das filhas da gastrimargia é o
“embotamento intelectual", pelo qual a alma fica pesada, com
grande dificuldade de elevar-se a Deus. Sem lutar contra a gula,
pois, não será possível subir a escada da perfeição, que começa pela
via purgativa, até chegar à plena união com Deus.

“Enfim, para satisfazer pelos nossos pecados. Daí estar escrito


em Joel: 'Voltai a mim de todo o vosso coração, com jejuns,
prantos e lamentações'. Isso é o que Agostinho acentua num
sermão: 'O jejum purifica a alma, eleva os sentidos, submete a
carne ao espírito, torna o coração contrito e humilhado, dissipa as
névoas da concupiscência, extingue os ardores das paixões e
acenda a verdadeira luz da castidade'. Portanto, o jejum é,
evidentemente, ato de virtude." [8]

Mas, por que é preciso oferecer a Deus satisfação pelos pecados?


Porque, pelo pecado, instaura-se uma desordem no interior do
homem: o seu corpo passa a mandar em sua alma, impedindo ou
entravando nela a ação do Divino Hóspede. De fato, o Espírito Santo
quer agir na alma e torná-la forte para “domar" o seu composto
corpo e alma - o que São Paulo chama de “carne" -, assim como um
cavaleiro é capaz de domar o seu cavalo.

Jejuar é, muito mais do que algumas práticas externas, uma atitude


espiritual. Mais que abster-se de certos alimentos e comer com
moderação, importa fazer tudo em contínua ação de graças a Deus,
como exorta o Apóstolo: “Quer comais, quer bebais, quer façais
qualquer outra coisa, fazei tudo para a glória de Deus" [9]. Na
religião cristã, há uma profunda ligação entre o alimento e a oração.
Não sem razão o principal sacramento da Igreja é também um
alimento espiritual: a Eucaristia.
O pecado da luxúria
Deus criou o homem e a mulher em igual
dignidade, para que se relacionassem
sadiamente, em paridade, como Seus filhos.
Com o pecado, no entanto, o sexo tende à
dominação: homem e mulher deixam de ser dois
que se amam para se comportarem como
senhor e escravo. Nesta aula de nosso curso de
Terapia das Doenças Espirituais, conheça o
pecado capital da luxúria, aquele contra o qual,
segundo Santo Agostinho, "cotidiana é a luta e
rara é a vitória".
Deus criou o homem e a mulher em igual dignidade, para que se
relacionassem sadiamente, em paridade, como Seus filhos. Com o
pecado, no entanto, o sexo tende à dominação: homem e mulher
deixam de ser dois que se amam para se comportarem como senhor
e escravo.

Nesta aula de nosso curso de Terapia das Doenças Espirituais,


conheça o pecado capital da luxúria, aquele contra o qual, segundo
Santo Agostinho, "cotidiana é a luta e rara é a vitória".

O vício da luxúria, bem como o da gastrimargia, diz respeito aos


pecados mais rudes, por assim dizer, pois estão ligados ao apetite
concupiscível, cujo objeto "é o bem e o mal sensíveis, em si mesmos
considerados" [1]. Tratam-se de realidades que afetam diretamente
a conservação da vida humana. Como ensina Santo Agostinho, "o
que é o alimento para a conservação do corpo é a relação sexual
para a conservação da espécie" [2]. Assim, se um indivíduo para de
comer, ele morre; e, se a humanidade para de se reproduzir, ela se
extingue.

A luxúria, estritamente considerada, diz respeito a uma forma doente


de viver a sexualidade. A princípio, a expressão – que remete a algo
luxuoso ou excessivo – se referia a qualquer excesso, no comer e no
beber também. Com o passar do tempo, porém, passou a aludir
especificamente aos pecados sexuais. A palavra grega "πορνεία"
(lê-se: pornéia) – também usada para se referir a esses pecados –
significa, literalmente, prostituição. Sua raiz se encontra na ideia de
"vender". É o que acontece quando os seres humanos se entregam
aos vícios sexuais: ao invés de se relacionarem como pessoas, agem
como sujeito e objeto, vendendo o próprio corpo como uma
mercadoria. A palavra "fornicação" também carrega a ideia de
prostituir-se. Fornix, em latim, significa, literalmente, "quarto da
prostituta".

Importa dizer que o que está no centro da sexualidade é o amor,


embora os homens pervertam o relacionamento tal como querido
por Deus. De fato, quando Ele criou a mulher, tirou-a da costela de
Adão [3]: não da cabeça, nem do pé, mas do lado, para mostrar a
igual dignidade entre os sexos. Por isso, enquanto manifestação de
amor, o sexo, vivido naturalmente, é feito a partir do encontro dos
dois, face a face, como iguais.

Com o pecado, no entanto, o relacionamento entre homem e mulher


tende à dominação, ao desequilíbrio: não são mais dois que se
amam, mas um que passa a abusar do outro, como um senhor com
seu escravo. É claro sinal de disfunção afetivo-sexual, por exemplo,
quando alguém, para manter o próprio conforto e se ver senhora de
sua vida, prefere ter um cachorro (ou quaisquer outras posses) a um
filho ou a um companheiro. Lidando com coisas, que não possuem
liberdade, ela pode ficar tranquila e estar no controle de suas
situações.

Toda essa desordem também é visível em disfunções como o sexo


anal e o sexo oral. Está bem claro, por exemplo, que o sexo anal é
uma forma de relacionamento sadomasoquista, em que um senhor
está a punir o seu escravo. Embora o sexo oral não seja tão
clamoroso quanto, é bem nítida a desproporção entre um casal que
faz sexo com um de joelhos na frente do outro, e outro que se
relaciona frente a frente, rosto a rosto.

É interessante, porém, que – via de regra – os mesmos homens que


aceitam ser senhores na vida sexual tornam-se escravos de suas
companheiras na vida quotidiana; e as mesmas mulheres que
aceitam ser usadas e escravizadas sexualmente tornam-se
obsessivamente dominadoras no dia a dia. Opera-se uma cisão
entre o sexo e a vida real, sem que muitas vezes as pessoas se deem
conta. É assim porque a falta de equilíbrio no mundo sexual
repercute em um desequilíbrio no âmbito da vida ordinária.

O que está por trás de tudo isso é o pecado da idolatria. Quando a


serpente diz a Eva: "Sereis como deuses" [4], ela indica que
ninguém vive sem um deus. Por isso, não existem ateus, no sentido
próprio da palavra (ou seja, pessoas sem deus). Quem não serve ao
Deus verdadeiro, serve a outras realidades, que se tornam, por isso,
seu deus. Ao contrário, no âmbito familiar e sexual, quando se tem o
Deus verdadeiro, todos os membros ocupam o seu devido lugar. O
amor a Deus é uma realidade que, uma vez colocada no lugar, faz
que todas as outras se ordenem.

O pecado, por sua vez, realmente escraviza o ser humano. O homem


casto pode pecar a qualquer momento, mas o luxurioso não pode
dizer que vai ser casto a qualquer momento. Quanto maior o hábito
do vício, mais difícil é livrar-se dele. De fato, São João Clímaco, autor
espiritual do século VI, diz que "todas as vezes que se verifica uma
vitória sobre a natureza, é necessário reconhecer a presença
daquele que está acima da natureza" [5]. Ou seja, sem a graça
divina, ninguém pode ser casto.

Em uma pessoa virtuosamente ordenada, o normal seria que o


Espírito Santo iluminasse a sua alma e esta, então, governasse o seu
corpo – de forma política, e não despótica [6]. O luxurioso, no
entanto, deixa o corpo subjugar a sua alma, e esta expulsa de si a
graça de Deus. Quando se fala do "corpo", não se está a falar
simplesmente da realidade física. Se fosse assim, também os
animais poderiam pecar. E, no entanto, não existe o adultério dos
cães, a fornicação das vacas ou a luxúria dos macacos: porque os
animais não têm alma. Quando os bichos terminam uma relação
sexual, eles estão plenamente satisfeitos. O ser humano, ao
contrário – e porque tem alma –, é capaz de fazer sexo insaciável e
obsessivamente, confundindo claramente prazer – que é do corpo –
com felicidade – que é da alma.

A alma humana foi feita para o infinito. "Pecamos – ensina São João
Paulo II – quando procuramos Deus onde ele não pode ser
encontrado" [7]. Compulsivamente, então, "torturamos" o nosso
corpo, chegando ao absurdo do "sexo sem prazer", fazendo-o mais
por frustração que pelo prazer venéreo.

Para curar essa doença, é preciso saber que ela se encontra na


alma. Pode acontecer, por exemplo, que o sexo de uma prostituta
seja aparentemente idêntico à união entre um marido e a sua mulher
em santo Matrimônio e, no entanto, o primeiro é pecaminoso e o
segundo não. O vício se encontra na alma, na atitude espiritual com
que as pessoas realizam o ato sexual. É nessa perspectiva que se
deve estudar a cura da luxúria, na próxima aula.
Terapia da luxúria (I)
A cura para a idolatria da luxúria consiste em
colocar o verdadeiro Deus no centro dos
relacionamentos. É preciso respeitar o mistério
do outro, derramando o próprio sangue, se
necessário for, para levar o outro para o Céu.
Nesta aula de nosso curso de Terapia das
Doenças Espirituais, saiba o que significa a
castidade, o remédio para o pecado capital da
luxúria.
A cura para a idolatria da luxúria consiste em colocar o verdadeiro
Deus no centro dos relacionamentos. É preciso respeitar o mistério
do outro, derramando o próprio sangue, se necessário for, para levar
o outro para o Céu.

Nesta aula de nosso curso de Terapia das Doenças Espirituais, saiba


o que significa a castidade, o remédio para o pecado capital da
luxúria.

Para a maior parte das pessoas, especialmente os mais jovens, a


luxúria é uma grande chaga que impede o crescimento da vida
espiritual. Isso se dá por uma razão muito simples: o vício da luxúria
é uma perversão que se instala na capacidade de amar e a destrói.
Urge, portanto, que seja curada.

A luxúria é um pecado capital, logo possui uma virtude oposta, que é


a castidade. Atualmente, porém, a castidade possui um sentido
negativo, de castração, como se ela podasse as energias sexuais
das pessoas. Todavia, essa visão - comum em um ambiente
hiperssexualizado - não corresponde à da antropologia cristã, em
que a castidade é um sinônimo para o amor.

Os Santos Padres já ensinavam que não é pela força, nem pela


coação, que se alcança o estado de saúde ideal do corpo e da alma.
João Cassiano, por exemplo, afirma: "Castitas non ut arbitramini
districtionis praesidio, sed amore sui et propriae puritatis
delectatione subsistit - A castidade, no entanto, não depende
apenas, como pensais, de uma rigorosa vigilância. Mas, tal virtude
subsiste pelo amor que nos inspira e pela felicidade que nos
proporciona" [1].

É o amor que move a alma para o seu estado ideal, e o caminho para
a castidade é um voo em direção a algo extremamente prazeroso, no
sentido espiritual da palavra; longe de ser algo etéreo, trata-se de
uma realidade positiva e que proporciona uma felicidade palpável e
concreta.

O mesmo João Cassiano adverte que há uma diferença entre ser


casto e ser continente: enquanto esta possui um viés negativo -
alguém continente apenas deixou de fazer algo -, aquela tem a ver
com a intenção com que se deixou de fazer algo: "Aliud enim est,
continentem esse, id est, εγκρατη; aliud castum, et, ut ita dicam, in
affectum integritatis vel incorruptionis transire, quod dicitur αγνόν"
[2].

O continente, portanto, é aquele que não faz sexo e interiormente


também não ama. O casto, por sua vez, mantém relações sexuais e
ama sua esposa, seus filhos. Não é a presença ou ausência de
relacionamento sexual que determina a castidade, mas sim, o amor.
O continente é estéril, enquanto o casto é fecundo justamente no
amor.

Alguns psicólogos modernos, como Amedeo Cencini, em sua obra


Per amore, con amore, nell'amore. Libertà e maturità affettiva nel
celibato consacrato ["Por amor, com amor, no amor. Liberdade e
maturidade afetiva no celibato consagrado"], adaptaram em
linguagem da psicologia moderna os escritos dos Padres do
Deserto, e muitos acham que se trata de algo novo. Mas não é.
Trata-se de algo ensinado há muito pela Igreja, mas que estava
esquecido.

Cencini diz que as pulsões (ou energias) sexuais devem ser


integradas ao projeto de vida de cada um, o que para os cristãos
significa conformar-se ao projeto divino. A energia sexual, pois, não
deve ser castrada ou desperdiçada, mas, integrada ao projeto de
Deus para o homem - que é amá-Lo em e sobre todas as coisas -,
deve ser um trampolim para amar ainda mais a Deus.

E essa capacidade é dada tão somente ao homem, uma vez que os


anjos não possuem matéria. Quando o resultado da energia que
provém do composto corpo e alma é desordenado, instala-se no ser
humano uma espécie de idolatria. É por isso que direcionar tais
punções para Deus é a cura do vício da luxúria.

Mas, como fazer isso na prática? A primeira arma do demônio na


área da luxúria é a mentira. Basta ver que o sexo desregrado recebe
o nome de "fazer amor", o que não poderia ser mais errôneo.
Quando, pois, a tentação chegar, é preciso resistir e pedir a graça de
amar, suplicando a Deus por ela.

"Jesus, estou cansado de usar e de ser usado. Não quero


mais isso. Dai-me a graça de amar. Dai-me a graça de
derramar o meu sangue pelas pessoas".

Amar uma pessoa é querer que ela se una a Deus. Assim, a cura para
a idolatria por trás da luxúria está em colocar o Deus Verdadeiro no
centro dos relacionamentos. Está em respeitar a alteridade, o
mistério do outro, derramando o próprio sangue - se necessário for -
para fazer a vontade de Deus, que é levar o outro para o céu.

Não se trata de algo abstrato, mas sim muito prático: ao ver uma
mulher mal vestida, em vez de alimentar pensamentos pecaminosos,
deve-se rezar por ela, suplicando a Deus que a transforme, que a
salve, que a ilumine.

Todos são chamados à castidade. Solteiros, casados, celibatários. E,


como muitos pensam, a castidade é, de fato, algo de outro mundo,
pois ela não é possível, em absoluto, sem a graça divina. Todavia,
esta graça necessária não é algo raro; basta observar as estatísticas
atuais para perceber que, de cada 10 pessoas, seis são solteiras, ou
seja, chamadas ao celibato (ainda que temporário). Deste modo, a
graça da castidade não pode ser rara, pois Deus não chamaria
tantas pessoas para esse estado sem lhes dar os meios necessários
de alcançá-lo. Pensar assim seria uma afronta à bondade de Deus.

Ele está disposto a conceder a graça da castidade perfeita


(continência física e pureza de coração, conhecida como "celibato")
a sessenta por cento da população brasileira. Isso é fato, as
estatísticas o provam. Mas, por que esse percentual não vive a
castidade perfeita? Por uma razão muito simples: a graça da
castidade perfeita não é pedida a Deus. O primeiro passo, portanto,
é crer na graça, que o Amor existe.

O Amor se fez carne, não é um ideal. Ele nasceu, viveu, derramou


Seu Sangue e morreu por nós, portanto, é muito concreto, é até
mesmo histórico. E está a disposição de todos na sagrada Eucaristia.
Cada vez que se recebe a Hóstia Consagrada, recebe-se o Corpo
Castíssimo, o coração puríssimo e santo de Nosso Senhor Jesus
Cristo. Logo, basta sentar-se à Sua Porta e suplicar, implorar, a graça
de amar.
Os santos o fizeram. E nós, como eles, precisamos canalizar as
nossas inconsistências para o nosso ideal espiritual. Portanto, não há
que se falar em castração, ao contrário, lembremo-nos sempre de
que o outro nome para a castidade é o amor.

Na próxima aula será abordado o modo como cada um dos dois


sexos deve viver a castidade.
Terapia da luxúria (II)
Os remédios para o pecado capital da luxúria
devem ser adaptados às diferenças entre o
homem e a mulher, pois os dois agem e reagem
de maneira distinta quando o assunto é
afetividade e relacionamentos. Nesta aula de
nosso curso de Terapia das Doenças Espirituais,
conheça a terapia da luxúria e saiba como
homens e mulheres podem viver de modo
saudável a própria sexualidade.
Os remédios para o pecado capital da luxúria devem ser adaptados
às diferenças entre o homem e a mulher, pois os dois agem e
reagem de maneira distinta quando o assunto é afetividade e
relacionamentos.

Nesta aula de nosso curso de Terapia das Doenças Espirituais,


conheça a terapia da luxúria e saiba como homens e mulheres
podem viver de modo saudável a própria sexualidade.

De modo geral, todos os homens são como o filho pródigo: estão


longe da casa do pai e precisam fazer o caminho de volta. O objetivo
é alcançar o projeto original, ou seja, entender e adequar-se ao que
foi o sonho de Deus para o homem e a mulher na criação. Este tema
já foi amplamente tratado no curso "Teologia do Corpo", baseado no
livro "Teologia do Corpo - o amor humano no plano divino" [1], com
as catequeses do Papa São João Paulo II.

O homem, como os seus próprios órgãos genitais, parece estar


condenado a uma espécie de exterioridade. Nesse sentido,
encontra-se fora de si, está como que fadado a um exílio. A metáfora
é oportuna para mostrar que a sexualidade masculina tem uma
enorme propensão a não ser amor e a fazer da mulher um objeto
sexual. O homem está voltado para fora e a janela através da qual a
alma do homem sai, em seu "exílio" pelo mundo, são os olhos.

Tendencialmente, o homem é um voyeur, alguém que procura o


prazer através do "ver", da visão. Por isso a pornografia é uma
doença eminentemente masculina, ou seja, quem vê fotos e
vídeos de mulheres nuas são homens e quem vê fotos e vídeos
de homens nus, são homens também.

O homem tende a ser um caçador, está sempre à espreita, à


procura, com os olhos aguçados. Portanto, a cura do vício da luxúria,
para o homem, passa necessariamente pela cura do olhar. É preciso
ordenar o olhar de modo que não enxergue a mulher como um
objeto.

A fé se faz imprescindível nesse processo. É necessário um olhar


que enxergue o sobrenatural na mulher, pois se isto não acontecer,
dificilmente ela deixará de ser, para o homem, um objeto a ser
conquistado; dificilmente ele a amará.

Dentro do viés teológico oferecido por São João Paulo II, é


necessário que o homem, ao olhar para uma mulher, enxergue nela o
santuário da vida, o lugar santo que não pode ser profanado.
Metaforicamente, o esposo que está unido à sua esposa pelo
sagrado laço do matrimônio, pode ser comparado a um sacerdote
que entra num santuário. É o sacerdote que está autorizado a entrar
no templo da vida. Para tanto, deve estar imbuído de todo respeito e
reverência que um lugar "santo" requer. Por esse motivo, uma
mulher não pode jamais ser tomada como uma coisa, ser tida como
um objeto, muito menos descartada, como se nada valesse.
O milagre da vida, Deus o realiza no corpo da mulher. Quando o
óvulo é fecundado pelo espermatozóide do homem, naquele
momento Deus age, Deus cria do nada uma nova vida. Há nele,
portanto, uma sacralidade única. Por esse motivo, o Diabo quer
transformar o útero da mulher em túmulo, em lugar profanado, em
lugar de morte, e não mais num santuário de vida. Cabe ao homem
compreender o corpo da mulher nessa perspectiva.

"Hortus conclusus - jardim fechado" [2], é onde o homem adentra.


Sendo assim, há que se ter todo um cuidado, toda uma delicadeza,
um respeito para com a preciosidade que subsiste naquele recanto.
E uma das formas mais expressivas de virilidade é justamente a de o
homem controlar a sua força. Usar toda a força que tem para
proteger a sua companheira e, ao mesmo tempo, contê-la, para não
vir a machucá-la: esse é o verdadeiro homem no relacionamento
com a mulher.

Além disso, todo homem maduro precisa desenvolver a


paternidade. A cultura moderna, todavia, não está mais criando os
homens para a paternidade (biológica ou espiritual). Pelo contrário,
cada vez mais são louvados os ditos playboys e filhinhos de papai
etc., que, quando se veem casados, sentem-se oprimidos e
saudosos da antiga vida.

De forma prática, a cura da luxúria passa pela realidade da família.


Ao observar uma bela e desejável mulher, é preciso imediatamente
imaginá-la como mãe e esposa. Quando se assiste a um filme
pornográfico, é importante pensar que aquelas mulheres poderiam
muito bem ser a sua mãe, a sua irmã, a sua esposa ou a sua filha, e
que aqueles atos estão sendo cometidos por puro dinheiro, como
um sistema de prostituição. Cabe ao homem, enfim, entender que
amar é dar a vida: seja transmitindo-a biologicamente aos filhos,
seja derramando o próprio sangue por sua família, sendo pai e
esposo. Esse é o caminho.

Já o caminho para ordenar a sexualidade feminina é um pouco


diferente do masculino, conforme se disse. Enquanto o homem, por
causa do pecado original, tende a usar a mulher como objeto sexual,
esta tende a usar aquele como objeto afetivo; e enquanto o homem
é um observador, um voyeur, a mulher gosta de ser observada. A
castidade da mulher, portanto, está ligada à modéstia.

A mulher precisa compreender, em primeiro lugar, o seu valor e o


quanto se machuca ao seguir o mundo moderno, sexualizado. O
valor maior da mulher não está em seu corpo, mas sim, em sua alma,
em sua capacidade de amar. Com as mulheres os homens
aprendem a amar.

Relacionamentos baseados na estética, no corpo perfeito, não se


sustentam, são fundados na areia, pois a beleza física passa. As
mulheres vivem uma verdadeira tortura para manterem seus corpos
perfeitos a fim de "atrair" os homens, no entanto, após se casarem,
serem mães e envelhecerem, o que lhes resta? Plásticas,
procedimentos estéticos, silicones, etc., tudo para permanecerem
jovens.

Por isso, em primeiro lugar, a mulher deve compreender que a pior


coisa que pode fazer é se doar sexualmente a um namorado. Sexo
não segura os futuros maridos. Sexo não é prova de amor, se for
feito fora do casamento.

Ora, como já foi dito, a sexualidade masculina, corrompida pelo


pecado, é exteriorizada. Um homem consegue manter relações
sexuais com qualquer coisa, uma mulher, um animal… Tudo pode ser
objeto. Por isso, para o homem, ter relações sexuais com a
namorada não é nenhum sacrifício ou prova de amor. Ele pode até
mentir dizendo que sim, mas faz isso tão somente como arma de
sedução.

A maior prova de amor que um homem pode dar a uma mulher,


antes do casamento, é manter-se casto. Este é o verdadeiro
sacrifício. É importante a mulher entender que se machuca quando
mantém uma relação sexual que não significa nada afetivamente.
Ainda que o parceiro diga que a ama, mande presentes, mantenha a
farsa de "compromisso" (namoro, noivado…), a grande verdade é
que depois do sexo ele se levanta e vai embora.

Numa relação sexual, o homem diz com o corpo à mulher: sou todo
teu! No entanto, isso é uma mentira, pois, além de ele se levantar e ir
embora, para ter certeza de que aquela relação sexual não produzirá
nenhuma consequência - como um filho -, ele recorre - e faz com
que a mulher recorra - a um verdadeiro arsenal de métodos
contraceptivos, transformando o útero da mulher "amada" num
túmulo. As mulheres, por conta de tudo isso, vivem neurotizadas
pela beleza e pela perfeição corporal. É claro que o corpo precisa ser
cuidado, mas não como algo a ser exposto ou revendido no
mercado. Importa revesti-lo com elegância, sabendo que ele vale
muito menos que a sua alma.

Um dito popular afirma que, quanto mais se mostra o corpo, menos


se vê alma; e, ao contrário, quanto mais se esconde o corpo, mais se
enxerga a alma. Isso pode ser constatado, por exemplo, quando um
mulher seminua dança em cima de um carro alegórico, no Carnaval.
Ninguém, ao vê-la, pensa em sua inteligência ou em suas virtudes.
Ao invés, ela se transforma literalmente num pedaço de carne. Sem
segredos, sem mistérios, não há mais nada a ser mostrado. Ela
revelou o seu corpo e escondeu a sua alma. Uma mulher que se
veste sabendo qual o seu valor - ainda que não esteja coberta como
uma freira carmelita -, por outro lado, tem a alma brilhando através
de seus olhos.
O pecado da avareza
O apego desordenado aos bens materiais é a
fonte de uma grave doença espiritual: a avareza.
Nosso Senhor ilustrou a gravidade desse
pecado quando contou a Parábola do Rico
Insensato, mostrando o que "acontece com
quem ajunta tesouros para si mesmo, mas não
se torna rico diante de Deus". Conheça esse
pecado capital, nesta aula de nosso curso de
Terapia das Doenças Espirituais, e descubra por
que são realmente loucos todos os que põem
sua esperança no dinheiro.
O apego desordenado aos bens materiais é a fonte de uma grave
doença espiritual: a avareza. Nosso Senhor ilustrou a gravidade
desse pecado quando contou a Parábola do Rico Insensato,
mostrando o que "acontece com quem ajunta tesouros para si
mesmo, mas não se torna rico diante de Deus".

Conheça esse pecado capital, nesta aula de nosso curso de Terapia


das Doenças Espirituais, e descubra por que são realmente loucos
todos os que põem sua esperança no dinheiro.

Juntamente com a gula e a luxúria, a avareza pertence ao time das


doenças espirituais mais básicas e deve ser combatida logo no início
da caminhada espiritual.

Em sua raiz está um apetite desordenado em relação às coisas. Na


luxúria, esse apetite é voltado para o sexo, e na gula, para a comida.
Esses vícios estão relacionados ao composto humano (alma e
corpo), pois é impossível que um homem passe a vida toda sem
sentir desejo de comida e de sexo. Mas, no mundo animal, por
exemplo, não há nenhum caso de bichos que desejem acumular
riquezas. Esse tipo de desejo é encontrado somente na espécie
humana. E, se não encontra correspondência nos animais, significa
que sua origem não é carnal, mas sim espiritual, provém da alma.

Os pecados espirituais, de acordo com o juízo dos Padres da Igreja,


são "aqueles que se realizam em deleitações espirituais, sem
nenhuma mistura de gozo carnal". Santo Tomás de Aquino afirma
que "a avareza é deste tipo, porque o avarento se deleita na sua
convicção de ser dono de riquezas. E assim, a avareza é um pecado
espiritual" [1].

Na raiz da vaidade está a ideia de que se possui algo. Nosso


Senhor Jesus Cristo tem, pois, toda a razão, quando chama o rico de
insensato, na parábola narrada em São Lucas:

"Atenção! Guardai-vos de todo tipo de ganância, pois mesmo que


se tenha muitas coisas, a vida não consiste na abundância de
bens. E contou-lhes uma parábola: "A terra de um homem rico
deu uma grande colheita. Ele pensava consigo mesmo: 'Que vou
fazer? Não tenho onde guardar minha colheita.' Então resolveu:
'Já sei o que fazer! Vou derrubar meus celeiros e construir
maiores; neles vou guardar todo o meu trigo, junto com os meus
bens. Então poderei dizer a mim mesmo: Meu caro, tens uma
boa reserva para muitos anos. Descansa, come, bebe, goza a
vida!' Mas Deus lhe diz: 'Tolo! Ainda nesta noite tua vida te será
tirada. E para quem ficará o que acumulaste? Assim acontece
com quem ajunta tesouros para si mesmo, mas não se torna rico
diante de Deus." [2]
Para entender melhor o que Cristo disse de fato, é necessário
recorrer ao original grego. A frase acima destacada: "Meu caro, tens
uma boa reserva para muitos anos", seria melhor traduzida por: "Ó
alma, tens muitos bens." E esse "muitos" é justamente a raiz da
palavra " pleonexia" (πλεονεξια), que Nosso Senhor está usando na
parábola para referir-se à avareza e que significa "ter muitas coisas".

Deus olha para o rico e diz "Tolo", afron (άφρων), no sentido de


imprudente, posto que o contrário desta palavra é fronimos
(φρόνιµος), ou seja, prudente. Diante destas palavras de Jesus, é
possível perceber que o dinheiro jamais pode ser tido como
finalidade da vida de quem quer seja, pois ele é meio, instrumento. O
tolo é chamado de imprudente porque elege um bem que não é bem
nenhum, mas tão somente um meio.

O apego ao dinheiro e aos bens materiais certamente foi o que


motivou o escritor J.R.R. Tolkien, em sua obra "O Senhor dos Anéis",
a colocar, como objeto de desejo de Smeagol (Gollum), um anel de
ouro. A fraqueza humana consiste justamente em orientar a vontade
para um objeto que o corpo não pede, nem necessita. Esta é grande
perversão não só de Gollum, mas de todos os homens que se
encontram doentes por causa desse desejo desordenado. Todos são
como o "tolo" da parábola.

No discurso que trata da avareza, São João Clímaco [3] afirma que
"a avareza é a adoração dos ídolos", reportando-se à Carta de São
Paulo aos Colossenses, que diz que a pleonexia é uma idolatria
[4].

Mas não somente isso, São Paulo chega a dizer que "a raiz de todos
os males é o amor ao dinheiro" [5] , ou seja, a filargíria
(φιλαργυρία):

Se alguém transmite uma doutrina diferente e não se atém às


palavras salutares de Nosso Senhor Jesus Cristo e ao que ensina
nossa piedade, é um orgulhoso, um ignorante, alguém
doentiamente preocupado com questões fúteis e contendas de
palavras. Daí se originam invejas, ultrajes, suspeitas malévolas,
discussões sem fim entre pessoas de mente corrompida, que
estão privadas da verdade e consideram a piedade como fonte
de lucro. Ora, a piedade dá grande lucro, sim, mas para quem se
satisfaz com o que tem. Com efeito, não trouxemos nada para
este mundo, como também dele não podemos levar coisa
alguma. Então, tendo com que nos sustentar e nos vestir,
fiquemos contentes. Pois os que querem enriquecer caem em
muitas tentações e laços, em desejos insensatos e nocivos que
mergulham as pessoas na ruína e perdição. [6]

A avareza tem algumas características básicas: não tem fundamento


na natureza humana; é uma tolice; e é sempre ambígua. São
Máximo, o Confessor, em suas Centúrias sobre a Caridade, afirma
que "existem três causas para o amor ao dinheiro: o gosto pelo
prazer, a vaidade e a falta de fé. Mas a mais grave é a falta de fé" [7].

Uma outra característica dessa doença é que ela torna inquieto o


avarento, que passa a não medir recursos para "proteger" o seu
tesouro. Colocar a própria esperança no dinheiro tem graves
consequências e pode se transformar em diversas outras doenças,
como a tristeza e a inveja.

Existem, porém, alguns modos de desenvolver positivamente o


relacionamento com o dinheiro, sem transformá-lo num demônio ou
obstáculo, mas utilizando-o de forma sadia. É o que veremos na
próxima aula.
Terapia da avareza
Você fica triste quando precisa pagar uma
conta? Já reclamou ou brigou em casa por
causa de dinheiro? Nunca está satisfeito com o
que tem? Então tome cuidado, pois esses são os
sintomas do pecado capital da avareza.
Descubra, nesta 10.ª aula de nosso curso, como
se livrar dessa doença espiritual, a partir dos
conselhos dos Padres da Igreja.
Você fica triste quando precisa pagar uma conta? Já reclamou ou
brigou em casa por causa de dinheiro? Nunca está satisfeito com o
que tem?

Então tome cuidado, pois esses são os sintomas do pecado capital


da avareza. Descubra, nesta 10.ª aula de nosso curso, como se livrar
dessa doença espiritual, a partir dos conselhos dos Padres da Igreja.

A avareza é uma doença de índole espiritual, pois não há, na


natureza humana, nada que exija o acúmulo de bens ou o apego ao
dinheiro. Para detectar se uma pessoa sofre de avareza, basta
observar como ela se sente ao ter que se desfazer de algo. Os
avarentos, em geral, sentem-se tristes. A avareza é marcada pela
tristeza, conforme veremos.

Nosso Senhor Jesus Cristo encontrou-se com um avarento num


episódio bastante conhecido: o do jovem rico. Ao perguntar a Jesus
o que deveria fazer para segui-Lo, o jovem recebeu a seguinte
resposta:
"'Se queres ser perfeito, vai, vende os teus bens, dá o dinheiro
aos pobres, e terás um tesouro no céu. Depois, vem e segue-me.'
Quando ouviu esta palavra, o jovem foi embora cheio de tristeza,
pois possuía muitos bens." [1]

"Foi embora cheio de tristeza, pois possuía muitos bens." Este é


o avarento. E, muito se engana quem pensa que se trata de uma
doença menor. João Cassiano, nas Instituições Cenobíticas, diz que
ela é do tipo que "pode ser facilmente evitada, porém, uma vez que
tomou posse de alguém, não irá conceder facilmente a cura" [2]. É
uma verdadeira prisão.

Na aula passada, vimos que existem três razões pelas quais uma
pessoa se torna avarenta: por prazer, pois o dinheiro compra coisas
prazerosas; por vanglória, pois ele compra coisas que alimentam a
vaidade; e por falta de fé, que é a razão mais grave. O avarento não
crê que Deus pode cuidar de suas necessidades.

Mais uma vez, é a sabedoria dos Padres do Deserto que vem clarear
as coisas. Pai Isaías, falando especificamente sobre a filargíria
(apego desordenado ao dinheiro), define-a da seguinte forma: "É
não crer que Deus cuidará de ti e desesperar de suas promessas"
[3]. Ou seja, o avarento confia mais em si próprio que em Deus.

Sendo assim, a cura para a avareza só pode ser um retorno para


Deus. Abandonar-se, focar-se, fixar-se n'Ele. Para entender como é
exercitar a fé na Providência, Nosso Senhor ensina:

"Por isso, eu vos digo: não vivais preocupados com o que comer
ou beber, quanto à vossa vida; nem com o que vestir, quanto ao
vosso corpo. Afinal, a vida não é mais que o alimento, e o corpo,
mais que a roupa? Olhai os pássaros do céu: não semeiam, não
colhem, nem guardam em celeiros. No entanto, o vosso Pai
celeste os alimenta. Será que vós não valeis mais do que eles?
Quem de vós pode, com sua preocupação, acrescentar um só dia
à duração de sua vida? E por que ficar tão preocupados com a
roupa: Olhai como crescem os lírios do campo. Não trabalham,
nem fiam. No entanto, eu vos digo, nem Salomão, em toda a sua
glória, jamais se vestiu como um só dentre eles. Ora, se Deus
veste assim a erva do campo, que hoje está aí e amanhã é
lançada ao fono, não ele muito mais vós, gente fraca de fé?
Portanto, não vivais preocupados dizendo: 'Que vamos comer?
Que vamos beber? Como vamos vestir? Os pagãos é que vivem
procurando todas essas coisas. Vosso Pai que está nos céus
sabe que precisais de tudo isso. Buscai em primeiro lugar o reino
de Deus e a sua justiça, e todas essas coisas vos serão dadas por
acréscimo. Portanto, não vos preocupeis com o dia de amanhã,
pois o dia de amanhã terá sua própria preocupação! A cada dia
basta o seu mal." [4]

A ocupação do demônio é perder as almas. Para isso, ele criou a


armadilha da preocupação. Incute no coração dos homens a
preocupação com o amanhã, com o que vai comer, vestir, manter-se,
enfim, faz com que as mentes estejam sempre olhando para o
futuro, assim, não se ocupam do hoje, que é quando Deus os visita.

O imaginário popular concebe o avarento como um velho, magro,


com as mãos fechadas, encurvado, fechado sobre si mesmo. Cuidou
tanto de si que a vida passou e a vitalidade também. Está sempre
preocupado. Foi justamente nesse sentido que Jesus advertiu no
Sermão na Montanha: "Não vivais preocupados", e a Marta:
"Andas muito inquieta e te preocupas com muitas coisas" [5].

Preocupação (em grego µέριµνα, merimna) vem de merizo, que


significa "dividir", assim, a alma do avarento está sempre dividida
entre o arrecadar e o manter. A cura para esta terrível doença que se
assemelha a uma prisão é lançar-se em Deus. São Pedro já havia
ensinado: "Lançai sobre ele toda a vossa preocupação, pois ele é
quem cuida de vós" [6].

Para tanto, é preciso exercitar a virtude que se opõe à avareza: a


liberalidade. Santo Tomás ensina que muitos a confundem com a
justiça, que é dar ao outro aquilo que é do outro. Para o combate à
avareza, no entanto, é preciso ir além da justiça, dando ao outro
aquilo que é seu [7]. Este é o passo seguinte, a perfeição que o
Senhor pediu ao jovem rico, o ato de fé em Deus.

Uma das práticas mais recomendadas para o exercício da


liberalidade é a esmola. Socorrer os necessitados, os
desconhecidos, os pobres. Infelizmente, no momento atual, dar
esmolas tornou-se algo condenável, pois tem-se a ideia errada - e
alimentada - de que cabe ao governo a obrigação de assistir os
pobres. O regime de governo socialista que impera no país condena
a caridade privativa.

O dinheiro, tal qual o sangue, precisa circular, caso contrário se torna


instrumento de morte. É o que diz o economista católico Stefano
Zamagni, em sua obra Avarizia: La passione dell'avere, sobre a
avareza. Ele faz uma oportuna observação acerca das palavras
sangue e dinheiro, que no Talmud hebraico são a mesma palavra
(damin).

No mesmo pensamento, é possível observar que numa sociedade


em crescimento não deve haver muitos avarentos, pois estes, com
sua mania de poupar, acabam por estagnar a economia. Ao
contrário, deve haver empreendedores, que fazem o dinheiro
circular, criando empregos, gerando investimentos, tornando a
sociedade mais dinâmica. Se os bens circulam, são partilhados e,
assim, se tornam verdadeiros bens, diz o professor Stefano. E, se os
bens são retidos, acabam por se tornar verdadeiros males, pois
aprisionam e estagnam.

Se a avareza é detectada pela tristeza em dar, alimentar a alegria em


dar é sua cura, pois, como dizem as Escrituras, "existe mais alegria
em dar do que em receber" [8].

Além da liberalidade, é necessário também sobriedade,


principalmente no desejo. "Sejam sóbrios e vigilantes", ensinou São
Pedro [9]. Quando se deseja menos, é que se se torna
verdadeiramente rico. É em que consiste a "pobreza de espírito",
mencionada por Nosso Senhor Jesus Cristo no Sermão da Montanha
[10]. Também São João Crisóstomo ensina:

"Não é rico quem está circundado de muitas coisas, mas o rico


verdadeiro é quem não tem necessidade de muitas coisas e, ao
contrário, não é pobre quem não tem nada, mas o verdadeiro
pobre é aquele que deseja muitas coisas. São estas as
verdadeiras definições de riqueza e de pobreza. Se, portanto, tu
vês um homem que desejas muitas coisas, considera-o pobre, o
mais pobre de todos, mesmo se ele tiver a riqueza de todos e se
tu vês um homem que não precisa de muitas coisas, considera-o
mais rico de todos, mesmo que ele não possua nada.
Acostumemo-nos a julgar a riqueza e a pobreza pela disposição
da alma e não pela quantidade de bens."

Ser modesto nos desejos, esta é a verdadeira riqueza. Desejar tão


somente aquilo que se tem faz com que se tenha aquilo que se
deseja: eis o resumo da terapia da avareza.

Por fim, sabendo que a avareza é uma doença espiritual, que se


constitui em colocar livremente a vontade em algo que não é
adequado, as palavras de Nosso Senhor Jesus Cristo são bastante
apropriadas: "Onde estiver o teu tesouro, aí estará também o seu
coração" [11].
A vontade, portanto, deve ser fixada no verdadeiro tesouro, que é
Deus. Por isso a avareza é uma doença tão grave, pois distorce a
capacidade de amar, uma vez que o amor reside na vontade. Amar a
Deus concretamente nos irmãos, nos pobres, nos necessitados.
Corações ao alto! Esta é a cura para a avareza.

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