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Cristianismo e cultura pop

Bruno Maroni

Editora Charpentier
Direitos autorais © 2020 Editora Charpentier

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)

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M354c
Maroni, Bruno.
Cristianismo e cultura pop [recurso eletrônico] / Bruno Maroni. — Brasília, DF:
Charpentier, 2020.
324 kb. : ePUB : il. (algumas color.).
Inclui referências bibliográficas.
ISBN: 978-65-990438-7-1

1.Cristianismo – Teologia Prática – Costumes e rotinas domésticas. 2.Fé cristã


e cultura pop. 3.Cosmovisão cristã. I.Título.
CDU 27-445

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Índice para Catálogo Sistemático:


1. Cristianismo: Teologia Prática: Costumes e rotinas domésticas 27-445

Bibliotecário responsável:
Jônathas Rafael Camacho Teixeira dos Santos (CRB-1/2951)
À minha família: Celso, Márcia, Isabela e Beatriz.

À minha namorada e melhor amiga, Larissa, e meu cunhado e melhor


amigo, Arthur.

Ao meu pastor, Davi Lenço, aos amigos do Invisible College; e ao meu


mentor Pedro Dulci.

Por último, ao meu avô Celso (1929-2019).


Índice

Página do título
Direitos autorais
Dedicatória
Prefácio - A tinta que faltava para a igreja
Notas iniciais
Introdução
Capítulo 1 - Cultura pop: conceitos preliminares, história,
abordagens e categorias
Capítulo 2 - Os cristãos e a cultura pop: posturas, modelos de
relação, incursões teológicas e relev
Capítulo 3 - Os cristãos e a Cultura Pop: um caminho para o
engajamento
Capítulo 4 - Achtung Baby
Para terminar
Apêndice A
Apêndice B
Referências Bibliográficas
Prefácio - A tinta que faltava para a igreja
Pedro Lucas Dulci[1]

O filósofo esloveno e crítico cultural Slavoj Žižek conta uma anedota


que circulava na antiga República Democrática Alemã, também
chamada de Alemanha Oriental. A história gira em torno de um
operário alemão que consegue um emprego na Sibéria. Tendo
consciência de que toda a sua correspondência será lida pelos
censores, ele faz um acordo com seus amigos antes de se mudar
para o novo endereço. “Vamos combinar um código: se uma carta
estiver escrita em tinta azul, o que ela diz é verdade; se ela estiver
escrita em tinta vermelha, tudo é mentira”. [2] Um mês após ter se
mudado, os seus amigos recebem uma correspondência toda escrita
em tinta azul que dizia o seguinte: “tudo aqui é maravilhoso: as lojas
vivem cheias, a comida é abundante, os apartamento são grandes e
bem aquecidos, os cinemas exibem filmes do Ocidente, há garotas,
sempre prontas para um programa — o único senão é que não se
consegue encontrar tinta vermelha”. [3]
Como já se poderia esperar de uma piadinha filosófica, ela não
tem graça, mas é perfeita para ilustrar a situação em que a Igreja de
esus se encontra contemporaneamente frente à cultura pop. A
hegemonia da cultura pop diante da cosmovisão e fé cristã é análoga
à ausência de tinta vermelha para os críticos do regime soviético.
Para a infelicidade dos pastores-teólogos e o prejuízo da própria
Igreja, os cristãos evangélicos, de maneira geral, têm uma postura
absolutamente ingênua diante da cultura pop. Nós lidamos com os
produtos da indústria cultural como se fossem inofensivos e
produzidos apenas para nos entreter. A postura dominante diante
das telas, seja do cinema ou mesmo do celular, é de assimilação
acrítica. Nós nos sentamos, desligamos nosso cérebro e passamos a
consumir conteúdo da cultura pop como se ele não fosse moldar
nossa imaginação e guerrear pela fidelidade última de nossos
corações.
Quem conseguiu descrever com precisão essa atitude lamentável
de muitos discípulos de Cristo foi o crítico cultural norte-americano
Steve Turner no clássico Engolidos pela Cultura Pop:

Ouço pessoas justificando o consumo acrítico a partir da


ideia de que o que estão assistindo, lendo, jogando ou ouvindo é
apenas “para relaxar” ou “não deve ser levado a sério”. Elas
acham que avaliar o que estão consumindo envolve muito
esforço e vai contra o espírito do entretenimento. Dizem que não
querem ser sérias demais ou muito “rígidas”. (…) Essa atitude
subestima seriamente a inteligência e motivação daqueles que
produzem a cultura popular. Esses profissionais não são
crianças brincando com giz de cera. Predominantemente, são
pessoas treinadas, com um profundo conhecimento de sua
forma de arte e de sua história. Eles tendem a ser pessoas
bastante inflexíveis com relação à visão de mundo que querem
expressar. [4]

A grande irrelevância que a Igreja assumiu frente à cultura pop


reside precisamente nessa ingenuidade em relação aos produtores
culturais. Tratamo-los como se fossem meros animadores de
auditório sem grandes motivações, a não ser de nos entreter e
distrair. Contudo, a agenda cultural contida em toda a produção da
cultura pop tem sido insidiosamente recebida na Igreja pela nossa
incapacidade de levar a sério os filmes de super-heróis e séries da
Netflix.
Uma demonstração muito sutil mas altamente sintomática dos
compromissos últimos que controlam as produções da cultura pop foi
a notícia de que o estado da Geórgia, nos Estados Unidos, estava
sofrendo pressão desde que anunciou uma lei estatal contrao aborto.
Um protesto organizado pelos estúdios de Hollywood anunciaram
que deixariam de realizar gravações naquele estado, caso a lei
entrasse em vigor. Estamos falando das gigantes Disney, Netflix,
Sony, CBS, AMC, WarnerMedia, Viacom e NBCUniversal. [5] A
primeira a se manifestar contra a nova legislação, foi a que está mais
presente em todos os lares cristãos: a Netflix. O tom do seu
pronunciamento era muito indicativo: “nós temos muitas mulheres
trabalhando no estado. Elas seriam diretamente afetadas”, e isso
seria motivo de repensar suas operações no estado.
Como dizem os próprios americanos do norte, não existe almoço
grátis. Simbolicamente falando, quem protestou contra o governador
republicano da Geórgia foi o Pantera Negra, foi o Capitão América,
foram os Vingadores, pois cada um deles tiveram cenas filmadas na
Geórgia. A pressão veio da possibilidade de que essas máquinas de
fazer dinheiro deixassem de girar a economia local do estado
americano.
Quando essas intenções morais por trás dos principais veículos
de cultura pop vêm à tona, a tendência da igreja é boicotar. E isso
mostra, mais uma vez, nossa imaturidade cultural. A teologia pública
evangélica, há anos, é predominantemente reativa. Com raras
exceções, nossas convicções são apresentadas ao grande público
em forma de resposta às críticas que o cristianismo recebe. Com
isso, não estou desmerecendo a resposta. Várias práticas culturais
merecem respostas bíblicas rápidas e com igual força. No entanto,
todo o meu questionamento gira em torno da pergunta: será que o
melhor que conseguimos fazer é reagir? Será que tudo o que
podemos fazer é boicotar? O único modelo de relação entre o cristão
e a cultura é o do conflito?
O boicote é uma estratégia. Uma ferramenta barata de pressão
social que, sozinha, não consegue mudar nada de nossos padrões
estéticos, morais e, principalmente, religiosos. Se o boicote não é
seguido de uma clara proposta alternativa, os espaços culturais
permanecem vazios. Caso realmente estejamos decididos a dizer
não aos principais canais de streaming por onde a cultura pop se
difunde, qual produção audiovisual ofereceremos como alternativa?
Onde estão os cineastas com cosmovisão cristã? Eles existem, são
criativos e cheios de desejo de produzir. Mas os conhecemos?
Estamos fomentando e formando jovens de nossas igrejas nessas
áreas? Ou apenas os orientamos a cancelar sua conta na Netflix?
Nas dinâmicas culturais não existem espaços vazios. Se não
fizermos nada, alguém vai fazer. É justamente nesse contexto de
conflitos viscerais, que transformam o cenário cultural em um campo
de batalha pela lealdade de nossos corações, que o livro
Cristianismo e Cultura Pop se mostra valioso para todos os
discípulos de Jesus. O Bruno Maroni é um amigo pessoal, então
posso testificar de sua incansável dedicação não só aos temas e
produtos da cultura pop mas, acima de tudo, à sua fidelidade aos
valores do Reino de Deus. Há alguns anos temos caminhado juntos
não só em amizade espiritual, mas também em compromissos de
repensar e difundir melhores parâmetros para os discípulos de Jesus
se comportarem nas esferas culturais. O livro que você tem em mãos
não é fruto de uma reflexão abstrata desvinculada da vida cotidiana
da fé cristã. Antes, trata-se de contribuições de um autor muito capaz
e profundamente envolvido na vida da Igreja, para servi-la e edificá-
la.
Por tudo isso, é com muita alegria que recomendo a leitura atenta
dessas páginas. Existem ideias, referências e propostas aqui que
devem ser levadas a sério. Acredito que Deus coloca em nossas
mãos os livros que precisamos ler. Então fica aqui meu presente
para vocês, a obra de estreia do Bruno que, como as produções
hollywoodianas, chega em grande estilo!
Boa leitura!
Notas iniciais

Bem-vindos à minha primeira tentativa de articular, literariamente,


um tema que venho estudando há alguns anos, durante minha jovem
jornada intelectual. Sou um pesquisador aprendiz, dando os
primeiros passos, mas com apreço e afinco.
Este material, pontualmente, é resultado de meus primeiros
estudos formais em teologia. Por isso, persiste a linguagem com
traços acadêmicos, apesar de eu ter feito o máximo para manter o
texto acessível e fluido. Aqui estão minhas descobertas, percepções
e propostas. Um pequeno passo para a humanidade, mas um
enorme passo para o um jovem teólogo. Este trabalho foi uma
oportunidade de pôr no papel (literalmente) meu desejo de
compartilhar o que tenho aprendido, na esperança de abençoar
quem se aventurar a cruzar o assunto comigo.
Mas por que cristianismo e cultura popular? Por que teologia e
cultura pop? Sem dúvidas: os dois me encantam. Sou movido pela
convicção de que o cristianismo apresenta a verdade verdadeira
(para usar a expressão de Francis Schaeffer), Jesus Cristo. Creio
que o evangelho lança luz e dá significado à vida no mundo – no
mundo pop, inclusive. Isso: circulo no mundo pop, passeio com
olhos, ouvidos, pés e coração. Quem não anda nesse terreno?
Estamos todos no ecossistema popular. Agora mesmo, enquanto
digito esta apresentação, escuto uma música, uso uma camiseta da
família Adams, tenho à minha esquerda uma lata de Coca-Cola. E
esses são só relances.
Por que cultura pop? Porque sou fã – me torno fã facilmente.
Mas principalmente: porque acredito que a fé corre no dia a dia, ela
não está longe do cotidiano – muito pelo contrário! Por isso, ela está
impregnada e pulsante em nossas leituras, maratonas de séries, idas
ao cinema e ao shopping, olhadas nas redes sociais e afins. Seja
qual for a cena, a fé tem algo a dizer (e fazer). Este texto foi uma
tentativa de articular a integralidade da fé no terreno cotidiano, o
chão da cultura pop.
Por que cristianismo e cultura pop? Penso que o lugar do
discipulado cristão é exatamente onde estamos, entre os recursos,
práticas e ambientes ao redor. E este é o convite: encenar o
evangelho no mundo, vivendo na e servindo à cultura com fidelidade,
criatividade e amor. Este livro é sobre isso.
Introdução

Ainda no quarto século d.C., quando a igreja cristã via crescer seu
desafio de interação cultural, o teólogo patrístico Tertuliano protestou:
“Que relação há entre Atenas e Jerusalém? Que importância a
Academia de Platão tem para a igreja?”[6]. Os desafios da relação
entre teologia cristã e cultura prosseguem. Que tipo de perguntas um
teólogo cristão do século XXI faria? Talvez pensasse: o que há entre
a igreja e a música popular, a indústria cinematográfica e os serviços
de streaming? Qual a relação entre os cristãos e os complexos
esportivos, exposições de arte, moda, publicidade, redes sociais,
shoppings centers, histórias em quadrinho, jornais e seriados?
O contato cristianismo-cultura popular[7] tem se mostrado
(potencialmente) problemático, sendo representado por movimentos
pendulares que vão da reclusão à aceitação irrestrita. Tipicamente, a
igreja evangélica brasileira se acomodou a atitudes historicamente
sedimentadas no que diz respeito à cultura popular. Em resumo,
transita entre o dualismo sagrado/secular alienante, a abstinência, a
reatividade ou, por fim, a conformidade. As formas de pensamento
implícitas nessas posturas e práticas, no entanto, são insuficientes e
insatisfatórias se o propósito é interagir com a cultura popular a partir
da fé cristã.
Sendo assim, precisamos analisar a importância da cultura
pop para benefício do cristianismo; compreendê-la, investigá-la e
reconhecer suas contribuições. O contrário também vale: o contato
com a singularidade, abrangência e profundidade da fé cristã é
promissor para o entendimento e desenvolvimento da cultura
popular. No entanto, pouco material é publicado sobre o assunto –
especialmente em língua portuguesa. A reflexão, que hoje é
escassa, pode cooperar para que o evangelicalismo brasileiro[8]
apure sua percepção das dinâmicas culturais e desenvolva-se nesse
aspecto. O alerta de Imre Szeman e Susie O’Brien, teóricos de
estudos culturais, é pertinente para este contexto:
[...] a cultura pop está passando por mudanças que
remodelam como e onde a experimentamos, - as quais
modificam também o que essas experiências representam para
o modo que nos engajamos em nossas vidas. Novas tecnologias
têm desempenhado papel proeminente nessas mutações:
estamos mais conectados do que nunca [...], e há novas formas
de cultura popular emergindo como resultados das novas
tecnologias - ou pelo menos a promessa dessas novas formas.
[...] É importante não subestimarmos o significado dessas
mudanças.[9]

Neste livro usaremos o disco Achtung Baby, lançado pela


banda de rock irlandesa U2 em 1991, como estudo de caso. A
cultura pop é muito diversa, por isso é necessário tomar um
elemento específico que exemplifique a ideia aqui proposta. A
intenção é que essa análise pontual sirva como um modelo para a
leitura de outros elementos e expressões do pop. O texto vai se
desenvolver em dois movimentos: primeiro, analisando a cultura pop
e considerando os modos de relação do cristianismo para com ela; e
depois, em um segundo momento, propondo um caminho para o
engajamento cultural e aplicando a hermenêutica de textos culturais
à música popular, especificamente ao álbum do U2.
Nosso objetivo, em poucas palavras, é explorar as
possibilidades de interação entre fé cristã e cultura pop, mostrar o
que há entre o cristianismo e o pop, apontando possíveis respostas
para questões – gerais e particulares - que permeiam esse complexo
tema. Vamos lá!
Capítulo 1 - Cultura pop: conceitos
preliminares, história, abordagens e categorias
“O pop não poupa ninguém”.
Engenheiros do Hawaii

Este primeiro capítulo apresenta conceitos e teorias referentes às


definições de cultura a fim de estabelecermos uma designação
funcional. Depois, nós vamos nos concentrar em uma breve história
da cultura pop, bem como em teorias a seu respeito. O objetivo é
chegarmos nós também a uma definição de trabalho para ela, para
então elencarmos suas múltiplas categorias e relação com o
cristianismo.

Antes e mais nada: o que é cultura?


Muitos consideram o termo cultura como um dos mais difíceis
de se definir[10]. Mesmo assim existem caminhos possíveis para a
definição de cultura. Para o professor de teologia e ética, Kelton
Cobb, na obra Blackwell Guide To Theology and Popular Culture,
existem três noções do que é cultura[11] que estão implícitas em
todas as teorias a respeito do assunto.
A primeira concepção compreende cultura como um ideal de
excelência. Uma vez que os seres humanos convertem suas
aspirações, crenças, pensamentos e valores – o espírito de um povo
– em obras e objetos como prédios, filmes, praças, músicas, etc,
essa teoria enfatiza que entrando em contato com as melhores
produções artísticas, intelectuais e sociais de sua época, as pessoas
incorrem em um progresso civilizatório[12].
A segunda concepção compreende cultura como a maneira
de viver específica de um grupo. Ela está vinculada à antropologia
cultural que se desenvolveu a partir do século XIX com Edward Tylor
(1832-1917). Essa escola de pensamento entende que as diferentes
estruturas sociais abrigam uma complexa e peculiar rede que
abrange o que as pessoas dizem, constroem, fazem e pensam. Os
membros dessa sociedade, então, repassam seus modos de vida
através da linguagem verbal e não verbal. Portanto, uma cultura
abriga significados particulares que demandam interpretação à luz do
todo.
A terceira concepção está vinculada aos estudos
culturais[13] e afirma a existência de culturas não monolíticas. Essa
perspectiva defende que os sistemas culturais consistem na
manifestação das ideologias provenientes dos segmentos
predominantes em uma sociedade, funcionando como um
instrumento de exercício do poder. Sendo assim, os grupos às
margens desse sistema formam subculturas: comunidades que
desenvolvem códigos de conduta, estilos, ícones e vocabulários
como meios de resistência às autoridades culturais.
Cobb acredita na possibilidade de estabelecer uma definição
de cultura abrangente que transponha os limites das posições
anteriores, ressaltando pontos contributivos de cada teoria. Em
primeiro lugar, cultura como ideal de excelência sugere que os seres
humanos concretizam seus ideais e valores, produzindo artefatos
capazes de desenvolvê-los. Em segundo lugar, como modo de vida
peculiar, propõe que as pessoas almejam coerência para o todo de
suas atividades – das mundanas às mais elevadas. E em terceiro
lugar, subculturas apontam para o fato de que manobras de poder e
interesses podem estar por trás de iniciativas culturais, e os artefatos
produzidos pelos subgrupos servem como expressão questionadora
às manipulações[14].
Para o autor, é importante considerarmos ao menos seis
aspectos para formular uma definição de cultura. Pois bem, cultura: é
fruto da ação voluntária dos seres humanos; concretiza os anseios e
interesses de uma sociedade; atua em contextos históricos
específicos; é socialmente compartilhada; compõe um tecido de
signos e significados; e é dinâmica e orgânica.
Já para o teólogo Kevin Vanhoozer[15], é preciso colocar a
noção de cultura em contraste com a noção de natureza e sociedade
como forma de definí-la. Em primeiro lugar, diferente da natureza, a
cultura emerge da ação deliberada do ser humano, que toma para si
um espaço e o torna habitável, desenvolvendo diferentes artefatos
culturais[16]. Portanto, a cultura materializa a liberdade humana. Em
segundo lugar, enquanto uma sociedade é composta da organização
institucional (normas, convenções, etc.) nas quais grupos de pessoas
convivem, a cultura é o que flui nos veios de tais estruturas, como
um software (programa que orienta o funcionamento de um
computador), que circula em um hardware (equipamentos físicos que
integram um computador).
Vanhoozer estabelece que cultura “é uma obra porque resulta
do que os humanos realizam em liberdade, [...] Cultura é um mundo
no sentido de que textos culturais criam um ambiente em que os
humanos imergem física e imaginativamente”[17]. A definição
funcional que adotaremos neste livro compreende que a cultura
consiste em obras e mundos, portadores de significado.

Uma história do pop: entretenimento do medievo ao


contemporâneo
Como as definições de cultura, as de cultura pop também são
diversas e imprecisas. Além disso, para Gordon Lynch, docente na
área da sociologia da religião, descrição alguma é capaz de conter a
manifestação da cultura pop no “mundo real”[18]. No entanto, existem
caminhos possíveis para elucidar o conceito: olhar para a história,
consultar abordagens que foram e têm sido decisivas para sua
conceituação, analisar as ênfases de cada uma delas e também os
contrastes feitos entre cultura popular e outras categorias culturais.
O termo cultura pop como conhecemos hoje foi cunhado na
década de 60, no entanto, é possível identificar os antecedentes do
fenômeno da cultura popular desde a Idade Média, conforme define
o professor de semiótica Marcel Danesi[19]. Neste período, nasceu a
literatura de cavalaria, com suas narrativas de aventura e romance.
Além disso, os cancioneiros dos trovadores deram à luz as baladas
que associavam as poesias sobre amor à música e à dança. Durante
o período também se popularizaram os carnavais e circos. Ambos se
tornaram proeminentes a partir da Renascença. Enquanto o primeiro
proporcionava um ambiente festivo para uma larga audiência, o
segundo oferecia espetáculos que mesclavam diferentes expressões
artísticas.
Outra referência para a cultura popular contemporânea foi a
ópera, que é considerada a precursora da música popular e teve seu
auge entre os séculos XVIII e XIX[20]. Os temas que permeavam as
obras operáticas (como amor, destino e traição) incorporados ao
drama, balé e performances musicais, atraíam a atenção de um
público que ia muito além da aristocracia[21].
Na virada do século XIX para o XX, começaram a aparecer
materiais impressos condensados e de baixo custo, como boletins e
revistas. Surgiram também os primeiros nickelodeons como
precursores dos cinemas. Com preço e linguagem acessível, os
filmes tornaram-se um expressivo meio de entretenimento. Logo
vieram as primeiras celebridades cinematográficas e a chegada dos
grandes estúdios. Na década de 20, a produção fonográfica em
massa contribuiu para o despontar do jazz e posteriormente outros
gêneros musicais, como o rock ‘n’ roll, que celebravam certos
aspectos sociais e desafiavam outros.
A partir da década de 70, podemos dividir a história da cultura
popular em eras: a era hippie, punk e disco[22]. Vale ressaltar que
essas expressões populares gradualmente se mesclaram e se
fragmentaram. A cultura hip-hop é considerada a mais marcante da
década de 80[23].
A partir dos anos 90, uma mudança decisiva ocorreu: a
distribuição de cultura pop migrou das mídias tradicionais para as
plataformas online, que desde então vêm se sobrepondo aos meios
de comunicação usuais e ampliando as possibilidades de interação.
Desde o final da década de 60, com a digitalização da mídia
impressa, uma série de avanços tecnológicos se sucedia, mas agora,
a distância entre as mudanças foram suprimidas. No audiovisual, o
VHS deu lugar ao DVD, que mudou para os downloads e o sistema
de video-on-demand. A indústria fonográfica foi das gravações em
vinil e fitas cassete aos CDs, depois para o MP3, a compra por
aplicativos como o iTunes e os serviços de streaming. Essas rápidas
alterações deram à internet o posto de principal sítio da cultura
popular, conforme afirma o teórico em semiótica Marcel Danesi:
[...] a internet tem se tornado a plataforma dominante da
cultura pop, reunindo música, filmes e todos os tipos de
espetáculos, tanto recentes quanto antigos. E aumentou muito a
dimensão populista da cultura popular, já que as pessoas agora
publicam suas próprias artes, escritos, vídeos musicais, filmes e
outros textos criativos em sites, blogs, mídias sociais e
afins.”[24]

Mas como a cultura pop tem sido abordada teoricamente? Em


outras palavras: como pensa quem pensa a cultura pop? Para
respondermos essa questão precisamos recorrer a duas referências
definitivas na conceituação de cultura popular.

Como pensa quem pensa a cultura pop: Escola de Frankfurt


e estudos culturais

A história da cultura popular testifica do quanto seu


desenvolvimento está associado aos progressos da mídia e
tecnologias de comunicação. Cobb aponta que as duas principais
linhas de estudo da cultura pop, com vínculos entre si, são a Escola
de Frankfurt e os Estudos Culturais[25]. Os autores da Escola de
Frankfurt foram pioneiros na pesquisa acadêmica da cultura popular,
e suas observações traçaram as bases para esse ramo de estudo. A
Escola surgiu a partir do Instituto de Pesquisas Sociais da
Universidade de Frankfurt, em 1923, e tem como seus principais
representantes Walter Benjamin, Theodor Adorno, Max Horkheimer,
Leo Lowenthal, Hebert Marcuse e Erich Fromm[26]. O Instituto deu
origem ao que foi denominado Teoria Crítica da Sociedade, um
conjunto de esforços intelectuais na área da crítica cultural,
sociologia, filosofia, comunicação social e estudos literários.
De modo geral, esse grupo enfatizava os modos de produção
de cultura e suas restrições ideológicas. O propósito era erguer
reflexões que subsidiassem esforços políticos que possibilitassem a
liberdade humana[27]. Eles compreendiam que a indústria cultural –
supervisionada por autoridades econômicas, políticas e militares –
operava como difusora da ideologia[28] capitalista, produzindo
entretenimento que acalentasse e distraísse a porção oprimida da
população, estabelecendo uma “falsa-consciência”. Esse conceito foi
herdado pelos autores de Frankfurt do pensamento marxista[29].
Décadas adiante, na segunda metade do século XX, outra
disciplina passou a se ocupar com as investigações teóricas da
cultura popular: os Estudos Culturais. Promovida a partir da
inauguração do Centro de estudos em Birmingham por Richard
Hoggart (1918-2014) em 1964, a disciplina formou críticos como
Stuart Hall, Paul Willis, Angela McRobbie, Dick Hegbdige e John
Hartley[30]. Esses acadêmicos adotaram a ideia de mercantilização
dos meios da Escola de Frankfurt, e ponderaram sobre os efeitos
dessa cultura industrializada nas sociedades[31].
A obra seminal de Hoggart, Os Usos Da Alfabetização[32]
(1957), teve longo impacto nos estudos da cultura popular. No livro,
ele aplica ferramentas da crítica literária para interpretar revistas
populares, ficção, música pop e anúncios, compreendendo que o
popular contém e transmite percepções sobre o significado da vida.
Isso ratificou a presença da cultura pop nas pesquisas acadêmicas.
Outro parecer importante de Hoggart (que se afasta dos
pressupostos de seus antecessores de Frankfurt) é o de que o
público da classe trabalhadora tem papel ativo na recepção dos
produtos culturais[33].
Entre a variedade de temas trabalhados pelos teóricos dos
Estudos Culturais se destacam: hegemonia, simulacrum e “hiper-
realidade”. Hegemonia diz respeito ao conceito de Antonio Gramsci
(1891-1937) sobre o controle dos grupos dominantes sobre os
indivíduos mais frágeis, não por meios coercitivos, mas pelo ganho
de consentimento que legitima o desequilíbrio social[34]. O conceito
de simulacrum fala sobre a subversão do uso de objetos da indústria
cultural, atribuindo-lhes novo significado - aspecto típico de
subculturas da juventude[35].
Já hiper-realidade trata-se do conceito apresentado pelo
teórico Jean Baudrillard (1929-2007) de que um dos efeitos da
cultura pop é a diluição dos limites entre a ficção e a realidade,
sendo que o conteúdo transmitido (no cinema, por exemplo), é “mais
real do que o real”[36]. Considerando que o público se envolve
ininterruptamente com o “hiper-real”, então tudo se torna
simulação[37].
Com múltiplas teorias e metodologias, os Estudos Culturais
expandiram os recursos da Escola de Frankfurt e estabeleceram-se
como a principal disciplina de pesquisa da cultura popular, trazendo
indagações sobre os assuntos mencionados e outros mais.[38]

Cultura pop em contraste


Por que é útil pensar a cultura pop em contraste? Em
contraste com o quê? Sobre isso, o professor de estudos culturais,
John Storey, em uma obra paradigmática para a disciplina, explica:

O termo ‘cultura popular’ não é definitivamente óbvio como


poderíamos ter pensado de primeira. Grande parte da
dificuldade emerge do absent other (outro ausente) que em toda
ocasião assombra qualquer definição possível. Nunca é o
bastante falar sobre cultura popular; temos sempre que
reconhecer com qual ela está em contraste. E qualquer que seja
o outro aplicado - cultura de massa, alta cultura, cultura da
classe operária, cultura tradicional, etc. - ele trará para a
definição de cultura popular um tom teórico e político específico.
[39][40]

A comparação mais frequente que se faz envolvendo a cultura


pop é com o que chamamos de “alta cultura”, ou cultura de
vanguarda. Essa distinção sugere uma distância entre a qualidade
de uma ala da produção cultural em relação à outra[41].
A alta cultura é associada à tradição clássica da literatura,
filosofia ou artes, com potencial civilizatório aguçado[42]. Matthew
Arnold (autor de Cultura e Anarquia, 1868), notava clara discrepância
entre uma sociedade civilizada e a massa da classe trabalhadora,
que ele entendia por: “hedonista, imatura e anarquista”[43][44]. Já no
século XX, durante os anos 30, outro teórico e crítico de arte,
Clement Greenberg, entusiasta dos progressos artísticos, trabalhou a
distinção entre cultura pop e formas progressivas de cultura, ou
avant-garde, consideradas mais decisivas para o desenvolvimento
social.
A abordagem de contraposição entre alta cultura/avant-garde
e cultura pop atualmente é vista como elitista por seus críticos.
Devemos considerar, porém, o contexto de seus precursores - isso,
segundo Lynch, torna compreensível algumas das afirmações[45]. Na
primeira metade do século XX, a suspeita em torno da cultura de
massa se dava pelo emergir dos regimes totalitários soviéticos,
nazistas e fascistas, os quais tinham a arte popular e o
entretenimento como ferramentas importantes para a manutenção do
poder.
Apesar do olhar dicotômico dessa tradição, ela chama
atenção para a realidade das variáveis de qualidade das produções
culturais. Essa distinção falha, contudo, em reconhecer a
complexidade e transitoriedade da vida cultural da população[46].
A segunda comparação a ser feita rumo a uma definição
íntegra de cultura pop é com a cultura tradicional ou folclórica. A
cultura tradicional consiste no que é produzido e vivido por um povo
específico em seu próprio contexto, desde uma família, passando por
um vilarejo a uma cidade. Trata-se de manifestações locais de
cultura que são modeladas e transmitidas a audiências limitadas
(incluindo aqui receitas de família, lendas locais, trajes de casamento
regionais, etc). A crítica dos que subscrevem essa perspectiva é que,
com a industrialização e o foco na produção e consumo de massa,
gerou-se uma forma de cultura comercializada que desloca e omite a
autenticidade, autonomia e espontaneidade dos feitos das culturas
tradicionais dos povos.
Lynch, porém, identifica duas precipitações nessa abordagem:
a distinção entre cultura tradicional e cultura pop, que não é clara na
sociedade contemporânea; e a “romantização” do tradicional[47]. Em
um mundo onde a comunicação é gradativamente mais apurada e
expansiva, e o câmbio cultural consequentemente intenso, torna-se
impreciso e até inviável estabelecer divisas impenetráveis[48].
Aspectos típicos da cultura nordestina, por exemplo, começam a ser
comuns em contextos paulistanos, ou artefatos da cultura japonesa
passam a ser incorporados entre o público brasileiro. Isso ocorre
porque as sociedades constroem suas vidas a partir de um amplo
leque de recursos culturais, tradições e práticas.
Em relação ao risco de idealizar o passado, chegando a um
limite em que as tradições de uma sociedade favoreçam a
estagnação social, Lynch cita, por exemplo, o fenômeno do futebol
surgido na Inglaterra no século XIX. Ele explica que se tratava de
uma cultura popular e pré-industrializada, mas que era tolerada pelas
classes dominantes por oferecer escapes da frustração social,
evitando assim protestos políticos[49].
Um terceiro e último contraste traz uma visão mais positiva a
respeito da função social da cultura pop. Esta terceira abordagem
tem a cultura pop como possibilidade de resistência de uma
sociedade frente à cultura predominante. Lynch identifica em Stuart
Hall, um dos mentores do já apresentado Centro de Estudos da
Cultura Contemporânea, a principal referência dessa perspectiva[50].
Ele entendia a cultura pop como uma força de oposição à elite
cultural, e através da qual a massa da população admite e resiste ao
controle social - noção associada ao conceito de subculturas.
Outro autor apresentado por Lynch é John Fiske[51], que
ratifica um contraste entre cultura de massa e cultura popular.
Segundo ele, a primeira envolve um sistema de comércio, marketing
de entretenimento e commodities entregues à população. Já a
segunda se trata do que essa mesma população faz na vida real com
o entretenimento e os bens culturais que recebe, destacando a
liberdade de escolha e ação no espaço cultural.
Lynch aponta, porém, que não é possível caracterizar a
sociedade em um plano polarizado de uma elite social e uma porção
maior da população excluída dessa elite. Diz ele que: “há mais que
uma forma de dominação cultural e social, e mais de um tipo de
grupo dominante.”[52]. Além disso, nem todas as pessoas que se
identificam com um determinado grupo subcultural e associam-se às
suas práticas, de fato, têm como motivação acompanhar o ideal de
resistência desse grupo[53].

Cultura pop: modos de expressão


Marcel Danesi ressalta que a cultura popular se manifesta de
várias maneiras, por meios conceituais, materiais, performáticos e
estéticos.

O meio conceitual inclui a linguagem (ou linguagens) falada


pelos membros dessa cultura, suas tradições linguísticas e
rituais (dizeres, provérbios e assim por diante), seus símbolos
(uso das cores, por exemplo, para designar certas ideias), e
suas práticas de transmissão (da instrução oral à alfabetização
formal), entre outras coisas. Cultura material consiste nos
artefatos, formas estruturais (por exemplo, estilos arquitetônicos,
culinária, e outros produtos deste aspecto). É a ‘cultura externa’,
que pode ser vista, tocada e saboreada. Cultura performática
inclui os ritos, rituais, músicas, e várias outras atividades cujas
performances têm diversas funções. Alguns antropólogos
incluiriam rituais de comunicação como parte dela, sendo que
envolvem modos ritualísticos de contato (‘Oi, como vai?’) e
diálogo (fazer o pedido em restaurantes). Por fim, cultura
estética consiste nas artes e textos criativos (estórias, poemas, e
assim por diante) que são criados por membros ou grupos de
uma cultura.[54]

Próximo à perspectiva de Danesi, o jornalista Steve Turner


aponta cinco expressões, “modos de aparição” da cultura pop: artes
populares, design, meios de comunicação, recreação e estilo de
vida.
Em primeiro lugar, ele cita o que de imediato e com maior
frequência associamos à cultura pop: as artes populares (2013,
p.36), como cinema, dança, literatura, música, seriados. Inclui street
dance, o universo cinematográfico da Marvel, os livros do Harry
Potter, hits da Lady Gaga e Stranger Things.
Turner atenta para o fato de que a arte popular não é sinônimo de
Pop Art. A Pop Art foi um movimento artístico cujo nome foi cunhado
em 1956. No final da década de 60, as artes populares eram
diretamente associadas à música pop - como design de capas e
posters de shows. Nesse cenário, escultores e pintores inspiravam
suas obras em elementos da cultura popular. Andy Warhol - notável
artista plástico, cinegrafista e produtor americano do movimento -
baseou suas produções no comércio e estrelas de cinema, por
exemplo. Turner explica a relevância desse movimento afirmando:

O fato de que artistas ‘sérios’ estavam revalorizando o


que antes havia sido considerado cultura inútil deu uma
nova dignidade a coisas como embalagens, marcas,
histórias em quadrinhos, propagandas, revistas
confessionais e até mesmo pornografia.[55]

Em segundo lugar, há o design. Ele abrange a confecção de


vestuário, cortes de cabelo e estética, marcas de roupa, tipografia,
arquitetura, anúncios, websites, games, paisagismo, espaços
urbanos e até carros, utensílios domésticos e máquinas. Para Turner
os designers “literalmente moldam o mundo em que vivemos. Sua
visão de como as coisas são ou deveriam ser podem ter um efeito
nas gerações futuras. ”[56].
Em terceiro, estão os meios de comunicação: internet, jornais,
revistas, TV e plataformas de streaming (como aplicativos de
podcasts ou Youtube).
Em quarto lugar, temos a recreação. Essa categoria diz respeito a
brinquedos infantis, eventos esportivos, jogos de computador,
festivais de música (como os notórios Lollapalooza e Rock In Rio) ou
parques temáticos como a Disney World.
Por último, Turner indica que uma das manifestações da cultura
pop corresponde ao estilo de vida de grupos sociais. Ele diz que se
trata da “escolha individual e a organização de todas as nossas
preferências em uma declaração sobre quem nós somos” que “são
tão parte da cultura pop quanto os artefatos que a testificam.”[57].
Grupos como funkeiros, hippies, nerds, punks e rastafáris são
exemplos disso.

Uma definição funcional de cultura pop


Lynch entende que o dia a dia é a plataforma que sustenta a
definição de cultura popular[58]. Mas antes de estabelecer que a
cultura pop está associada à cultura do cotidiano, ele faz uma
ressalva: devemos ter cautela com o uso dos termos “ordinário” e
“popular”, pois a tendência é trazer à mente uma população
homogênea - que realiza as mesmas atividades, que tem as mesmas
inter-relações, ou tem as mesmas oportunidades. Temos que
considerar, por exemplo, que diferentes pessoas em diferentes
contextos experimentam a cultura popular de maneiras dissonantes.
Atendo-se a isso, um olhar mais amplo sobre a cultura pop
dentro da vida cotidiana das comunidades humanas nos permite
transcender os limites dos estudos de suas obras - filmes, músicas,
literatura popular ou séries, área que costuma concentrar os estudos
sobre o tema. Segundo Lynch, esses produtos culturais compõem
apenas uma parte do nosso envolvimento com o cotidiano e não
contemplam outras atividades que integram a vida comum, como
“cozinhar e comer, cuidar de crianças, gastar tempo no trabalho ou
com os amigos, fazer sexo, arrumar, consertar ou aprimorar nossas
casas, lavar, vestir-se ou sonhar acordado”[59]. É útil uma
abordagem da cultura pop que valoriza não só os seus produtos,
mas as estruturas, relações, padrões e significados do dia a dia que
compõem o cenário em que eles são produzidos e consumidos.
Como resume Lynch, a cultura popular é composta por:
“ambientes, práticas e recursos do cotidiano compartilhados por
pessoas ordinárias dentro de uma sociedade particular.”[60]. Levando
isso em conta, este livro acompanha a proposta de Vanhoozer de
que a cultura pop é uma biblioteca de textos que comporta “músicas,
anúncios, filmes, artes, dispositivos, brinquedos, moda, etc.”. Mas ela
também consiste no ambiente onde circulam e interagem “produtos e
práticas que compreendem o dia a dia da população em dada
sociedade ou grupo social”[61].
Capítulo 2 - Os cristãos e a cultura pop:
posturas, modelos de relação, incursões
teológicas e relevância
“Acho que é na família, com os amigos, no trabalho e na
cultura popular (ou atividades de lazer em geral), que os braços
da nossa teologia alcançam a vida comum”.

– Steve Turner

Em séculos de história eclesiástica, lidar com a cultura foi sempre


motivo de intensas discussões, reformulações, controvérsias e
dissensões entre os cristãos. Quais foram os precedentes decisivos
nos debates sobre fé cristã e cultura popular? O que subjazia às
distintas perspectivas em cena? E mais: como, de modo geral, os
cristãos têm se relacionado com a cultura? É possível mapear isso?
Essas são questões tratadas neste capítulo. Ele aborda também qual
tem sido o lugar da cultura pop nos estudos teológicos para, por fim,
responder à pergunta: por que a cultura pop importa para o
cristianismo?

O que há entre a Igreja e a cultura pop?

Como sinaliza a frase de Tertuliano na introdução,


relacionar o cristianismo à cultura popular tem sido há muito um
desafio e, por isso, teólogos têm se empenhado na reflexão de como
os cristãos deveriam agir diante da arte, do entretenimento e da
filosofia. Segundo Cobb, as diferentes posturas sugeridas ao longo
da história da teologia cristã têm suas fontes em dois pensadores da
Patrística: o próprio Tertuliano (160-225 d.C.) e Agostinho de Hipona
(354-430 d.C.)[62] [63].
Tertuliano argumentava a favor do rigor moral dos cristãos
e defendia a minoria cristã das acusações e cargas impostas pelo
governo hostil ao cristianismo. Ele era a favor da distância dos fiéis
para com as filosofias pagãs e formas de entretenimento como o
teatro e os jogos esportivos (como as lutas entre gladiadores). A
herança do pensamento desse teólogo patrístico inclui a visão de
Igreja e cultura como realidades discrepantes. As atividades
humanas e a cultura são contagiadas pela idolatria, enquanto a igreja
abriga a piedade[64] [65].
Agostinho viveu aproximadamente 150 anos depois. Em
sua época, o cristianismo já havia se estabilizado dentro do Império
Romano, não sendo mais suprimido e periférico, mas aceito e
instituído como a religião oficial do governo. Portanto, o contexto dos
cristãos na cultura passou por mudanças drásticas. A oposição
enfática tinha perdido espaço. Sendo assim, esse segundo teólogo
propôs uma visão que considera igreja e cultura como, em seus
termos, duas cidades entrelaçadas com atividades e espaços em
comum: a Cidade de Deus e a Cidade dos Homens[66]. Embora a
segunda cidade não tenha seu âmago voltado para o Deus
verdadeiro, Agostinho entende que ainda assim há busca pela
verdade e promoção da caridade, portanto, os piedosos podem se
apropriar da cultura a fim de amar a Deus e as pessoas[67].
Essas duas perspectivas tomaram corpo em movimentos
religiosos que, de um lado, promoveram a resistência ou, em últimas
consequências, a retirada da cultura por parte dos cristãos; ou, por
outro lado, almejaram compromisso com o espaço cultural, buscaram
valorizar os atributos benéficos identificados no mundo e reconhecer
seus papéis na vida comum da sociedade. Em síntese: a linha
tertuliana, de modo geral, restringe a interação cultural por destacar
os defeitos congênitos da mesma, enquanto a tradição agostiniana
realça a vitalidade implícita na cultura.

Como responder à cultura?


Essas duas reações do cristianismo frente à cultura
popular perduraram e passaram por mutações no decorrer da
história da cristandade. Diferentes maneiras de relacionar a fé cristã
à cultura vieram à tona. No início da segunda metade do século XX,
o eticista H. R. Niebuhr, depois de averiguar desdobramentos dessa
história, identificou cinco modelos predominantes de relação. Ele os
descreveu e analisou na obra Cristo e Cultura (1957). Os modelos
são: Cristo contra a cultura, Cristo da cultura, Cristo acima da cultura,
Cristo e cultura em paradoxo e Cristo transformador da cultura[68].
Timothy Keller, teólogo e apologista, apresenta uma
ilustração didática sobre os modelos de Niebuhr:

Pense em algum produto cultural – digamos, um computador.


Quem apoia “Cristo contra a cultura” pode se negar a usá-lo
porque o computador enfraquece a comunidade humana. Quem
defende o “Cristo da cultura” fará uso total do computador, certo
de que o aparelho é algo que veio de Deus. Quem adota a
posição “Cristo acima da cultura” também usará o computador,
mas somente para o propósito do evangelismo e do ensino
bíblico. A pessoa que defende “Cristo e cultura em paradoxo”
usará o computador com certa precaução e tomará o cuidado de
não se envolver demais. Por fim, a pessoa que favorece “Cristo
transformador da cultura” analisará os efeitos do computador
nos relacionamentos humanos, nas comunidades e no caráter, e
então descobrirá maneiras particulares de usar o computador
que não minem o desenvolvimento humano conforme definido
pela Bíblia[69]

Depois de sua publicação, outros autores reavaliaram,


negaram ou se empenharam em releituras da obra de Niebuhr.
Embora muitos tenham reivindicado uma repaginação da taxonomia
niebuhriana, ela permanece, como afirma Donald Carson em Cristo e
Cultura: Uma Releitura, como referência nos estudos sobre
cristianismo e cultura[70].
Uma dessas releituras foi proposta pelo próprio Timothy
Keller no livro Igreja Centrada (2015) no ponto em que trata a
contextualização do evangelho. Ele sintetiza quatro modos: o
contracultural, o de relevância, o dos dois reinos e o
transformacionista[71].
Keller sustenta que desdobramentos históricos fizeram
necessárias as revisões quanto à posição da igreja cristã diante da
cultura. Ele sugere que, principalmente a partir da segunda metade
do século XX, os cristãos de ala evangélica perceberam a transição
das bases culturais de sua época, especialmente no terreno norte-
americano. Os cristãos “Acharam que, no mínimo, precisavam
analisar a cultura e depois combatê-la, recuperá-la, adaptar-se a ela
ou, com toda certeza, afastar-se dela. ”[72].

Tendo isso em mente, grupos começaram a propor reações.


O filósofo Carl Henry na década de 1940 convocou os cristãos
ao reingresso nas instituições culturais, para que se engajassem
a partir de uma perspectiva cristã[73], cunhando o termo
“cosmovisão cristã". Nas décadas seguintes, uma porção de
igrejas (às quais Keller denomina “igrejas voltadas para pessoas
em busca de espiritualidade”), passou a buscar adaptações à
cultura apropriando-se de ferramentas do marketing e
desenvolvimento empresarial. E, ainda, na década de 1990, a
tendência da “igreja emergente” apareceu como alternativa às
respostas agressivas de mudança cultural ou as acomodações
displicentes, enfatizando a justiça e o serviço à sociedade e a
formação espiritual para o exercício de profissões seculares[74].

Observar esses modelos fornece um panorama das


maneiras dos cristãos de se relacionarem com a cultura popular[75].
Dependendo de qual postura nos norteie, o modo que interagimos
com o ambiente, artefatos e dinâmicas da cultura pop variará.

O pop e o sagrado
Gordon Lynch assume que o estudo da cultura popular se
tornou estimado nos espaços acadêmicos cristãos principalmente a
partir da década de 1970, tendo como motivação a tentativa de
revitalizar as disciplinas teológicas e das ciências da religião,
reduzindo o volume de discussões abstratas e focando em questões
comuns a um público mais amplo. Essa reformulação progressiva na
teologia, segundo Lynch, desdobra-se em quatro abordagens em
relação à cultura. São elas:

a) O estudo da religião em relação ao ambiente, os recursos e


práticas do cotidiano: sobre como a cultura popular molda as
crenças e atividades religiosas; como os grupos religiosos se
apropriam da cultura popular; como a cultura popular
representa a religião; e como os grupos religiosos interagem
com a cultura popular;
b) O estudo das maneiras pelas quais a cultura popular pode
servir às funções religiosas na sociedade contemporânea;
c) As respostas missiológicas à cultura popular;
d) O uso dos textos e práticas da cultura popular como meios
para a reflexão teológica[76].

O estudo da religião em relação ao cotidiano envolve três


formas de relacionamento entre a teologia e a cultura popular:
apropriação, representação e interação. A primeira estuda de que
modo os artefatos e os hábitos da cultura popular têm moldado os
conjuntos de crenças e as estruturas religiosas. Lynch cita dois
exemplos: o florescer do mercado de música gospel americana na
década 1970 e o papel da imprensa de massa no protestantismo
norte-americano no século XIX. Esses dois casos demonstraram
como grupos religiosos se apossaram de dinâmicas da cultura
popular para sua expansão[77].
A segunda forma de relação, a representação, inclui como os
segmentos religiosos são apresentados no espaço pop. Esse tipo de
estudo, mais do que descrever as representações, contribui para a
denúncia dos preconceitos e vícios da sociedade, identificando os
danos a indivíduos e grupos específicos. Para Craig Detweiler, em
Uma Matrix De Significados: Encontrando Deus Na Cultura Pop[78],
um exemplo desse discernimento de preconceitos se percebe nas
aparições do Islã na mídia ocidental, que corriqueiramente é
retratado em tom negativo (atrelados ao fundamentalismo religioso,
por exemplo), o que indica uma visão reduzida do todo dessa
religião[79].
Por fim, a terceira forma de relação, a interação, trata da
maneira pela qual os grupos religiosos aspiram transpor seus limites
e envolverem-se com a cultura popular. Podemos dizer que esses
grupos têm influência significativa em debates sobre a cultura pop,
como é visto no caso das objeções da Igreja Católica às produções
hollywoodianas na metade do século XX, ou pesquisas sobre as
respostas cristãs à literatura e cinema. Um fenômeno típico do meio
evangélico brasileiro, por exemplo, são as respostas dissonantes à
música popular dita “secular” ou a outras mídias sem um núcleo de
conteúdo definitivamente cristão. Essas respostas acabam tendo
influência no consumo desses textos[80].
No que diz respeito às funções religiosas da cultura popular, é
preciso fazer distinção entre definições substantivas e definições
funcionalistas[81] do termo religião. As primeiras definem as religiões
em termos de elementos centrais: fé em uma divindade ou no
sobrenatural, documentos, rituais e espaços sagrados. Já definições
funcionalistas elencam, de modo geral, três atribuições da religião: a
social (fornecimento de experiências de comunidade e
compartilhamento de crenças e valores), a existencial/hermenêutica
(recursos que proporcionam senso de identidade e significado -
como mitos, narrativas e rituais), e a transcendente (meio de ligação
à divindade/sobrenatural)[82].
Alguns afirmam que a cultura popular pode suplementar ou
até assumir os papéis religiosos. Isso porque, em primeiro lugar, ela
cumpre a função social de gerar ambientes comunitários em torno de
convicções e opiniões - como em uma torcida de futebol. Nesses
ambientes há experiência de communitas: conjunto em que os
participantes se sentem, temporariamente, em igualdade[83] [84].
Além disso, a cultura pop exerce a função
existencial/hermenêutica, provendo fundos modeladores alternativos
a partir dos quais as pessoas apreendem significado para suas
experiências, assumindo o lugar das narrativas e mitos religiosos.
William Romanowski, estudioso da intersecção entre fé e cultura
popular e autor de Eyes Open Wide: Looking For God In Popular
Culture, afirma: “Narrativas são uma parte importante do processo de
orientação cultural, porque elas facilitam a comunicação de mitos,
ideologias, ideais culturais, crenças e valores. “[85].
Por último, a cultura popular exerce a função da
transcendência. Isso ocorre por apresentar meios pelos quais o
público desfruta de encontros com o sagrado e experiencia o
sobrenatural - como em experiências estéticas, festivais de música
eletrônica e até o uso de drogas psicodélicas. Craig Detweiler cita
também os esportes radicais: “Cada manobra de skate assustadora
é um desejo desesperado de alcançar, realizar-se, tocar o céu,
encontrar o transcendente. ”[86].
A terceira abordagem da teologia contemporânea em relação
à cultura - o engajamento missiológico à cultura popular - é
característica do cristianismo ocidental[87]. Ela está diretamente
relacionada à ruptura cultural citada no tópico anterior, o período em
que os pressupostos cristãos passaram a perder espaço no ocidente.
Essas mudanças levaram teólogos a questionar a natureza e as
dinâmicas do modo de vida ocidental e suas implicações para o
cristianismo[88]. Muitos têm incentivado a mudança das estruturas
eclesiásticas e o envolvimento crítico (partindo de pressupostos
teológicos) com as cosmovisões não-cristãs. Dentro dessa
abordagem há tendências conservadoras (com uma visão suspeita
da cultura popular)[89] e outras com perspectivas mais positivas, que
encontram na cultura pop possibilidades de um entendimento criativo
para a fé cristã[90].
A vertente que tende ao engajamento conservador apresenta
limites bem definidos entre cristianismo e cultura, sendo que essa
última necessita de total transformação divina. Não há retirada
definitiva do espaço de cultura popular, mas sim a reflexão crítica do
que reflete ou não a verdade de Deus. Já a segunda vertente sinaliza
que: “onde os símbolos, conceitos e práticas religiosas tradicionais
falharam no engajar-se com esta geração, filmes, TV, música pop,
jogos de computador, a internet, livros e moda tomaram a frente para
preencher essa lacuna” [91]. Entende-se que a cultura pop tem um
papel benéfico por moldar e expressar as questões religiosas das
pessoas - isso implica no fato de que o compromisso teológico de
compreender a cultura pop já é por si só um fator transformativo para
a igreja cristã.
A quarta e última abordagem descrita por Lynch usa os textos
e práticas da cultura popular como matéria-prima para o labor
teológico. Ela envolve o diálogo crítico de aspecto específico da
teologia com outro da cultura pop. Os autores inseridos nessa
abordagem recorrem à cultura popular: “como meio para a
exploração de conceitos, incluindo a natureza de Deus, a
possibilidade de significado na vida, a natureza do bem e do mal e a
natureza da redenção.”[92]. Lynch destaca que a noção de diálogo é
vital para essa abordagem. Um texto ou atividade da cultura pop
deve ser tomado e lido em seus próprios termos, levando o exercício
teológico para além da mera identificação de temas e símbolos
religiosos nesses artefatos e práticas[93].
Dentro dessa quarta abordagem existem duas correntes: os
autores que exploram a cultura pop em relação a textos bíblicos e
temas teológicos e os que recorrem à cultura pop como ponto de
partida metodológico para a produção teológica[94]. A primeira
corrente estabelece correlações entre as demandas e indagações do
tempo presente com as dos períodos bíblicos (ou então justapondo-
as a temas específicos da teologia, por exemplo). A segunda
corrente procura por aspectos teológicos na cultura pop.

O valor da cultura popular para o cristianismo


Nós podemos dizer que quatro ações (ou funções) da cultura
justificam sua importância para o cristianismo – ou o porquê é
indispensável a considerarmos. A cultura, conforme Vanhoozer:
comunica, orienta, reproduz e cultiva[95]. Um cristão deve ter em
mente que a cultura popular afeta inevitavelmente a si mesmo e às
pessoas ao redor, por isso deve valorizá-la.

A ação comunicativa da cultura


A primeira ação da cultura é comunicar, ou seja, ela transmite,
em diferentes níveis e variadas formas, textos que propagam um
significado específico para a vida. Segundo Vanhoozer, os textos
culturais comunicam seus significados tanto por seu conteúdo quanto
por sua “embalagem”[96] [97]. A cultura conduz significados
conotativos e não teses explícitas, quer dizer, essa comunicação é
menos tangível do que seria através de informações propositivas -
embora isso não reduza seu impacto[98].
O que há, então, envolto nesse “discurso” cultural? Vanhoozer
pontua que há “um programa para dar sentido ao mundo: uma
hermenêutica ou quadro interpretativo através do qual nós
compreendemos o mundo e lemos nossas próprias vidas.”[99].
Portanto, concluímos que a cultura pop é digna da atenção do
cristianismo, em primeiro lugar, porque compõe a linguagem
cotidiana na qual as significações para a existência são dialogadas,
porque a cultura pop é como língua franca na qual as questões que
afetam e modelam a sociedade circulam[100].

A ação orientadora da cultura


A segunda ação da cultura é orientar. Ela faz isso projetando
um quadro para a interpretação do cotidiano, servindo como script
para a vida[101]. Os textos da cultura pop não são constituídos só de
lógica, pela operação cognitiva através da qual se ordena o mundo,
mas têm também dimensões afetivas e qualificativas, que
influenciam as preferências e desgostos das pessoas, bem como seu
senso de certo e errado.[102]
Com o desenvolvimento da mídia, os modelos de vida
passaram a ser as celebridades, imagens e personagens do mundo
pop. O que ocorreu não foi uma anulação das narrativas
norteadoras, mas a opção por narrativas alternativas. Mesmo
porque, conforme chama atenção o filósofo David K. Naugle em seu
livro Cosmovisão: a História de Um Conceito, há uma necessidade
narrativa implícita nos seres humanos que decorre da busca de
sentido no Universo. As pessoas: “satisfazem basicamente essa
necessidade em sua atividade típica de contar histórias”[103]. A
proliferação e o sucesso de séries e sagas literárias e
cinematográficas como Friends, Game Of Thrones, Harry Potter,
Senhor Dos Anéis, ou o Universo Marvel refletem o anseio e o
apreço do público por narrativas[104] e testemunham da importância
de histórias que contém um ethos específico de sentimentos sobre o
ambiente em que estamos inseridos[105].
A ação reprodutiva da cultura
A terceira ação da cultura é reproduzir, e o conteúdo dessa
reprodução não envolve somente artefatos, mas uma proposta de
vida. Na cultura popular distribuem-se entre grupos sociais distintos
crenças, valores, ideias, modas e práticas. Diferentes meios são
responsáveis por essa disseminação, como a política, escolas e
outros canais não institucionais, dentre os quais Vanhoozer destaca
os miméticos[106].
Nesse contexto, memes se referem a elementos da cultura
transmitidos não geneticamente, mas através da imitação (a palavra
grega mimesis que dá origem ao termo e conceito). A ideia é que os
produtos da cultura são reproduzidos e replicados à medida, e então
o público passa a copiar seus traços e peculiaridades. Essa
transmissão, de acordo com Vanhoozer, pode ocorrer de maneira
horizontal (pessoa a pessoa) ou vertical (como pelos exemplos
maternos e paternos). Marcel Danesi discorre sobre o papel das
redes sociais (como Facebook, Instagram e Twitter) na proliferação
de memes na internet, que envolvem frases, imagens e GIFs. Ele
diz: “os sites de mídias sociais agora são onde a popularidade é feita
e abrigada.”[107]

A ação cultivadora da cultura


A quarta ação da cultura é cultivar - cultivar, conforme assume
Vanhoozer, o espírito humano[108]. Dada a capacidade de orientação
e reprodução que a cultura possui, pode-se reconhecer nela um meio
de formação espiritual, um processo que modela o coração. A
exposição à cultura popular promove hábitos específicos, molda
pensamentos e atitudes, e gera traços de caráter.
Para Vanhoozer, a cultura popular trabalha o que a filosofia
chama de transcendentais clássicos, “afiando nosso senso do que é
verdadeiro, bom e belo. ”[109] [110]. Gradativamente, através da
influência de filmes, seriados, músicas e outras expressões, a cultura
modela uma visão de mundo segundo seus próprios retratos de ideal
de vida. Explorando a força dos hábitos na formação cultural, em
Desejando o Reino: Culto, Cosmovisão e Formação Cultural, James
K. A. Smith escreve que:
“A maneira mais elementar de objetivar o mundo se dá pela
ordem afetiva do amor. Nós nos orientamos em relação ao
mundo sobretudo, e de maneira fundamental, por esse amor.
Como tal, nosso amor tem sempre como objetivo primordial um
telos, uma imagem da boa vida que nos impele na sua direção,
modelando, desse modo, nossas ações e comportamentos.
”[111]

Disso decorre o fato de que não só a exposição à cultura é


inevitável, mas também o são seus efeitos. O nosso contato – o
contato de qualquer indivíduo ou sociedade – com a cultura pop
implica na geração e no reforço de atitudes específicas, bem como
em variados modos de ser humano, como se espelhássemos as
imagens a que temos acesso.

O letramento cultural e a missão da igreja


Considerando suas características e atribuições, podemos
afirmar que a cultura – particularmente a cultura popular – de fato
importa para o cristianismo. Para Vanhoozer, a valorização da cultura
é indissociável à natureza missional da igreja, que a torna
responsável por encarnar o evangelho em qualquer espaço e tempo,
qualquer contexto[112], sendo o termo “missional” aqui entendido não
como uma atividade ou programa da Igreja, mas, conforme o
missiólogo Michael Goheen, à sua essência e identidade, que são
desveladas à medida em que “ela assume seu papel na história de
Deus no contexto de sua cultura e participa na missão de Deus para
o mundo”[113].
Vanhoozer esclarece que o “alfabetismo” ou “letramento”
cultural, ecoando a ideia de Richard Hoggart, é necessário para que
os discípulos de Jesus se situem no drama da redenção[114], para
que compreendam a rede cultural tecida ao seu redor e explicitem
esse entendimento[115]. Atentar-se à cultura pop pode contribuir para
compreendermos os papéis religiosos que ela tem, desenvolvermos
nossa percepção da vida contemporânea e sermos críticos no que
diz respeito aos “recursos que a cultura popular oferece à nossa
busca por pertencimento, sentido e transcendência. ”[116].
Além disso, também podemos afirmar que a cultura pop pode
colaborar para que a fé cristã se comunique criativamente em
respostas às questões essenciais sobre a existência que circulam na
sociedade atual. Vanhoozer assegura: “Para que sejam
proclamadores e atores competentes do evangelho, então, os
cristãos têm que aprender a ler a Bíblia e também a cultura”[117].
Então, cabe agora expormos os principais componentes dessa
leitura – encontrar um caminho para relação proveitosa entre o
cristianismo e a cultura pop.
Capítulo 3 - Os cristãos e a Cultura Pop: um
caminho para o engajamento
“A cultura pop é sobre algo além de si mesma”

– Ted Turnau

Este terceiro capítulo apresenta uma proposta de engajamento


cristão à cultura pop a partir de uma hermenêutica cultural. Ele
comenta sobre a busca por Deus no pop visando uma exposição
teológica da cultura popular. Em seguida se concentra na análise do
discurso cultural, suas características e demandas e, por fim,
examina os movimentos da interpretação dos textos populares.

Preliminares para a hermenêutica cultural


Se toda leitura demanda interpretação (ou hermenêutica,
como ciência e arte de interpretar textos), precisamos ressaltar os
limites da atividade hermenêutica. Vanhoozer afirma que há na
hermenêutica certa imprecisão porque o objeto da interpretação é
singular, significados são apenas partes compreendidas em relação
ao todo e, por fim, intérpretes optam por uma maneira em detrimento
da outra, o que prejudica uma visão das coisas como realmente
são[118]. No entanto, considerando que a cultura comporta textos –
discursos estruturados compostos de significado – a tarefa
interpretativa é inevitável para esse tipo de engajamento.
No âmbito da hermenêutica cultural há conflitos que se
submetem aos métodos interpretativos: eles ocorrem no nível das
teorias de interpretação, e elas variam porque diferentes métodos
hermenêuticos partem de diferentes ideias básicas do que é o
significado textual. Portanto, surgem as questões: o que é
significado? O que significa significado? O que é um texto cultural?
Vanhoozer chama nossa atenção para um aspecto. A noção
de significado é controversa no que se refere à sua natureza ou
localização (autor/produtor, texto/produto ou receptor/consumidor),
mas ele diz também que é plausível considerá-lo como aquilo que é
“compartilhado através de uma interação comunicativa eficaz,
independendo do meio”. Ele completa: “aquilo que é proposto via
texto para ser considerado, o que o autor/produtor faz com suas
locuções. ”[119]. Quanto aos textos culturais, vale reiterar que são
composições concebidas propositalmente pelo receptor. Esses textos
comportam significado e reclamam interpretação.

O significado do significado na hermenêutica cultural


O método para a leitura da cultura pop aqui apresentado
recorre a metodologias plurais coordenadas pela teologia[120]. O
objetivo é evitar possíveis interpretações reducionistas que tendem a
tratar a cultura como “nada mais que” algo[121]. Observamos o
reducionismo interpretativo nas ciências naturais e também na
abordagem da Escola de Frankfurt e dos Estudos Culturais, descritos
anteriormente. Ainda que possam contribuir para uma proposta de
hermenêutica cultural cristã, segundo Vanhoozer, o principal
equívoco dessas escolas é perder de vista a dimensão espiritual da
cultura e, com isso, tentam explicar fenômenos de dimensão “supra-
material” em termos de processos materiais[122].
A hermenêutica de suspeita[123] marca presença na
interpretação de textos culturais a partir dessas teorias, abordando-
os como algo a serviço do poder e do lucro. São válidas as
advertências “proféticas” contra o uso da cultura a serviço de um
poder. O que não se deve é desconsiderar também a suspeita
teológica, ou seja, que os rastros do pecado e da idolatria nos
empreendimentos culturais percorrem o mundo de Deus.
Vale enfatizar que processos exegéticos (as descrições da
forma e conteúdo das composições) de qualquer natureza, inclusive
da cultura, carecem de neutralidade. Obviamente que intérpretes
atuam partindo de suas convicções. Isso, no entanto, não deve servir
de álibi para buscar uma compreensão da cultura cativa de
interesses próprios. Quem adverte sobre esse risco é Gordon Lynch.
Ele afirma que um texto ou prática da cultura pop “precisa ser levado
a sério em seus próprios termos (isto é, sua própria ‘voz’ necessita
ser ouvida) para que um diálogo apropriado entre teologia e cultura
popular aconteça.”[124] Logo, para uma hermenêutica coesa é
preciso se expor honestamente a cultura.
Isso porque o significado mais essencial de uma cultura vai
apontar para Deus (ou seu deus). Paul Tillich desenvolveu essa ideia
em Teologia da Cultura. Ele diz:

A religião[125], considerada preocupação suprema[126], é a


substância que dá sentido à cultura, e a cultura, por sua vez, é a
totalidade das formas que expressam as preocupações básicas
da religião. Em resumo: religião é a substância da cultura e a
cultura é a forma da religião[127].

A observação de Tillich indica que essa preocupação


suprema[128] dá luz ao olhar das pessoas sobre todas as coisas e
oferece um norte para orientá-las. Em síntese: os textos culturais têm
em si uma dimensão profunda que contém questões últimas da
existência humana, tais como: “O que devo fazer?”, “Por que
estamos aqui?” e “O que devo esperar?”, por exemplo.

As Escrituras como regentes da hermenêutica cultural


Empenhados nesse exercício hermenêutico, devemos recorrer
às Escrituras. O papel delas é de operar como “uma lente corretiva
que nos permite ver o mundo como ele realmente é no contexto do
plano todo-abrangente de Deus.”[129]. Portanto, para interpretar a
cultura respeitando sua realidade e visualizando-a através da Bíblia,
é preciso situar determinado texto cultural no enredo escriturístico –
no teodrama[130] – composto ao menos por três movimentos:
Criação-Queda-Redenção. Conforme explica o teólogo Craig
Bartholomew em O Drama Das Escrituras, essa tríade contempla a
realidade de que “(1) Deus (em Cristo e pelo Espírito) cria o mundo;
(2) o pecado debilita, deturpa e arruina a criação; (3) Deus age para
curar, endireitar e restaurar; (4) Deus finalmente reconcilia todo o
cosmo consigo mesmo.”[131].
Agora, vamos trabalhar a questão da presença de Deus na
cultura pop seguindo este caminho: pontuando três alternativas de
postura da igreja cristã em relação a ela, elencando quatro doutrinas
úteis para compreendê-la e refletindo sobre o papel do Espírito Santo
no cenário pop.

Três perguntas para a cultura pop


Considerando a Bíblia como um script para a hermenêutica
cultural, então, os cristãos devem ler a cultura teologicamente de
modo expositivo e não impositivo. No entanto, cabe a pergunta: os
textos culturais são propriamente teológicos, ou seja, é possível
encontrar Deus na cultura pop? Três alternativas sobre a postura do
cristianismo frente à cultura popular têm de ser consideradas para
atender a essa questão. Elas indicam se a cultura pop é vista como
benéfica ou prejudicial para a igreja: a cultura é um campo de
batalha para atacar o inimigo, uma sala de aula para aprender, ou
um santuário para a adoração? Craig Detweiler é categórico em sua
análise do relacionamento da igreja com a cultura pop. Ele afirma:
Há uma conversa sobre Deus ocorrendo na cultura popular,
na qual a igreja não está engajada e com frequência está
desatenta. Se o mundo cristão continuar neste modo
escolástico, vendo a cultura popular como degradada e
superficial, então a lacuna entre igreja e cultura continuará se
ampliando[132].

Vanhoozer sugere que quatro doutrinas cristãs específicas


são úteis para atender essa questão de se Deus pode ou não ser
encontrado para além da Igreja, na cultura pop[133]: 1) a encarnação,
2) a revelação geral, 3) a graça comum e 4) a imago dei – além
dessas, para ele, a doutrina do Espírito Santo corre operante através
das demais. O que cada uma apresenta?

Doutrinas cristãs para a exposição da cultura pop


A encarnação envolve Deus traduzindo-se para a humanidade
e isso significa que o evangelho é traduzível a qualquer cultura[134].
Vanhoozer capta essa verdade ao afirmar que o sucesso da
propagação do cristianismo pode ser atribuído “à capacidade que
tem de ser traduzido na vida e na língua de contextos culturais
particulares por meio da habilidade do Espírito de ‘situar’
(contextualizar) a Palavra.”[135] [136]. Em razão dessa capacidade
tradutora, é possível dizer que à medida que se infiltra culturalmente,
o evangelho se manifesta em maior plenitude. Em outras palavras,
maior conhecimento da fé pode ser alcançado a cada
contextualização[137]. Apesar de superar toda cultura – o evangelho
é supra-cultural – a cultura o oferece insumos.
A revelação geral explora se, além de ter revelado a si mesmo
na história de Israel e em Jesus Cristo, Deus também se apresenta
em outras culturas – e, além disso, se o conhecimento a respeito
dele encontra-se disponível para além das esferas e elementos
“religiosos”. Em Dogmática Cristã: Uma Introdução, os teólogos
Cornelis van der Kooi e Gijsbert van den Brink argumentam que há
suficientes recursos bíblico-teológicos que apontam para o fato de
que “Deus não pode ser encontrado unicamente nos domínios da
igreja e da liturgia”, pois “este mundo é mundo de Deus e Ele não
abandona o trabalho que suas mãos começaram”[138] [139] [140].
Vanhoozer explica que esse conhecimento de Deus
universalmente disponível consiste no discurso divino entregue
mediante a Criação, portanto “há de ser lido a todo tempo e em todo
lugar”[141]. A essa altura, o autor defende que os textos culturais têm
significado por sua interação nos sistemas simbólicos (conforme vê a
semiótica), mas também porque essencialmente estão vinculados ao
diálogo humano-divino[142]. Isto é, o diálogo que se dá no encontro
do discurso revelador de Deus e a resposta humana culturalmente
intermediada.
Iniciativas culturais são respostas positivas ou negativas à
revelação divina, ou seja, a cultura reflete uma orientação religiosa
fundamental - cultura é um “tipo de adoração”.

A graça comum trata da presença de Deus no mundo, ainda


que caído, implicando na manutenção da bondade, beleza e
verdade[143]. Essa não diz respeito à graça salvífica, mas à que
Deus imprime a toda Criação e para além dos que creem. Vanhoozer
comenta que, especialmente teólogos de linha reformada, discutem a
“bondade cotidiana” em termos de graça comum, ou então que essa
graça envolve o plano que Ele desenvolve para a realidade
criada[144]. O ponto de destaque dessa doutrina, no entanto, é que o
Espírito atua na cultura contendo e apaziguando os efeitos da
corrupção dispersos pelo pecado. Kooi e Brink associam a doutrina à
providência de Deus sobre a Criação e concluem que “na história,
não-cristãos com frequência demonstraram maior preocupação em
humanizar a sociedade do que tiveram os cristãos”[145].
A doutrina da imago dei justifica que a humanidade foi criada
à imagem de Deus[146]. Alister McGrath, baseado na obra
Instituições Divinas (de Lactantius), resume que “o fato do homem
haver sido criado à imagem de Deus conferiu a todos os seres
humanos uma identidade e dignidade” e isso “teve como
consequência direta o surgimento de uma série de doutrinas políticas
relacionadas aos deveres e aos direitos humanos”[147].
É importante observar que aqui percebemos que a criação à
imagem de Deus desdobra-se na confecção de artefatos da cultura,
nesse caso, as ideias políticas. Sendo assim, notam-se nessa
doutrina aplicações claras para o exercício de uma hermenêutica
cultural. Kooi e Brink explicam que uma das implicações da imago
dei é o chamado de Deus à humanidade para que ela cuide da Terra
– o que tem se chamado de mandato cultural. [148] Em síntese, é
certo afirmarmos que os seres humanos são aptos a produzir
trabalhos e mundos de significado porque são criados à imagem de
Deus – criaturas criativas de um Deus criador.

O Espírito e o discurso de Deus na cultura pop


Observando essas quatro doutrinas da teologia cristã,
algumas questões sobre a ação do Espírito no mundo emergem,
como por exemplo: “Podemos também discernir o Espírito
trabalhando, através da igreja e dos indivíduos que creem, nos
círculos mais amplos da cultura e sociedade? [...] Ou a cultura
terrena e a história humana estão apenas sendo preparadas para o
julgamento?”[149]. Vanhoozer compreende que o Espírito Santo é
responsável por ministrar o discurso geral de Deus na Criação e na
consciência humana (aos santos e aos pecadores), da mesma forma
que Cristo dirige o discurso canônico. Na cultura pop há verdade,
bondade e beleza; mas também mentira, maldade e feiura – uma
amálgama de idolatria e graça. Nas palavras de Turner:

Deus estimula nosso intelecto, afaga nossas mentes


atribuladas, revela as maravilhas da vida, nos dá insights sobre
os sentimentos dos outros, suaviza o golpe das adversidades,
desafia nossas certezas, treina nossos olhos para ver, revela-
nos tanto o belo quanto o feio, exalta nosso espírito, satisfaz
nossos sentidos, nos faz rir e nos revela aspectos do seu
caráter[150].

Portanto, partindo dos aspectos teológicos que trabalhamos,


faz sentido concluirmos que os textos culturais têm de ser ouvidos
como possíveis veículos para novos insights de justiça, mas
mantendo as Escrituras como quadro interpretativo. É preciso
“manter os ouvidos e olhos abertos”[151]. Por um lado, cristãos
engajados na cultura precisam ser críticos em relação a tudo o que
há de errado nela, mas por outro lado, manterem-se acessíveis e
atentos às novas ocasiões em que o Espírito pode se apresentar,
pois Ele “trabalha de maneiras inesperadas, ‘multi-contextuais’ e
plurais”[152].

O texto cultural e seus mundos


Buscaremos entender aqui as etapas para a leitura da cultura
pop levando em conta os “mundos” que figuram por trás, no e em
frente aos textos nela contidos. É bastante útil recorrermos aos
passos que Mortimer Adler e Charles Van Doren sugerem na popular
e influente obra Como Ler Livros: o Guia Clássico Para a Leitura
Inteligente. Os três níveis de leitura que Adler e Doren descrevem –
elementar, inspecional, e analítico – podem entrar em diálogo com a
tríade o mundo por trás, do e em frente ao texto[153].

O mundo por trás do texto cultural


O mundo por trás do texto diz respeito ao pano de fundo do
autor que o produz, levando em conta que ele (o texto) vem a refletir
aspectos do produtor (ou produtores), como sua personalidade,
contexto político-social, status e intenções particulares. Isso se
aproxima da explicação que Lynch oferece sobre abordagens à
cultura pop focadas no autor. Ele diz que: “Essa abordagem assume
que, entendendo mais sobre o autor, estaremos mais aptos a ter uma
imagem clara de alguns dos significados centrais da forma de cultura
pop que estamos estudando.”[154]. Nesse ponto, devemos destacar
que precisamos considerar nos textos culturais as cosmovisões
portadas por seus produtores. Entranhadas nos textos estão as
maneiras pelas quais os autores enxergam o significado da vida, ou
seja, quando nós nos expomos a certo discurso da cultura pop
vamos de encontro a uma determinada cosmovisão[155].

O mundo do texto cultural


O mundo do texto se refere ao modo específico de ser e agir
que o texto incorpora e projeta. O foco é observarmos não o que
precede o texto, mas o que está nele: sua forma retórica e conteúdo,
linguagem e símbolos. A primeira etapa é nos familiarizarmos com o
veículo comunicativo em questão (o que Adler chama de “leitura
elementar”), que pode incluir desde anúncios publicitários até o
ambiente modelado por lojas de departamento[156]. O passo
seguinte (a leitura inspecional) é identificarmos o gênero do texto
cultural[157], o que nos auxilia na compreensão do todo e
respectivamente esclarece o entendimento das partes[158]. A última
etapa, por sua vez, consiste na leitura meticulosa (ou analítica, na
terminologia de Adler), com o fim de determinar o que o texto está
realmente dizendo e o modo pelo qual isso é dito.

O mundo em frente ao texto cultural


O mundo em frente ao texto diz respeito ao universo que ele
exibe e para o qual ele convida seus interlocutores a participar. O
foco está em como os significados da cultura pop são apropriados e
se desdobram no mundo real do público.
Seguindo o raciocínio de Adler e Doren, a finalidade da leitura
é o “crescimento e desenvolvimento da mente”[159], o que, segundo
eles, se dá pela compreensão e captura do que um autor propõe:
“detectando suas proposições e argumentos centrais e identificando
as soluções que ele dá aos problemas que se propõe”[160].
Entretanto, Vanhoozer nos ajuda a notar que essa abordagem de
Adler e Doren não é suficiente para a leitura dos textos da cultura
pop, pois são raras as vezes em que textos culturais fazem
afirmações explícitas.
As proposições frequentemente estão implícitas. Em resumo:
argumentos da cultura pop são exibidos concretamente em produtos
e práticas do cotidiano, não em abstrações lógicas[161]. A “exibição
de um mundo” está relacionada às formas narrativas – histórias que
proveem sentido para o dia a dia e delineiam hábitos
cotidianos. Lynch percebe que diferentes disciplinas têm se
preocupado em como uma narrativa forma “um modo alternativo de
entender a existência [...] e também como ela constrói nosso senso
de personalidade e identidade comunitária, além de providenciar um
quadro para pensar o que significa agir moralmente.”[162]. Cobb
ilustra amplamente as transições desse processo formativo:
Estamos em uma nova era, contudo, na qual [...] gerações
inteiras no Ocidente têm formado suas concepções básicas do
mundo pela cultura popular. Televisão, filmes, uma multidão de
gêneros da música pop, parques de diversão, franquias de fast
food, heróis de ação, Dr Seuss, Disney, Dreamworks, histórias
em quadrinhos, publicidade, trilhas sonoras, catálogos de
pedidos por correio, vídeo games, ficção contemporânea,
esportes, celebridades, jornalismo, arte de rua e ficção científica
têm sido as fontes primárias dos mitos, parábolas, iconografias,
hagiografias, demônios e heróis que orientam suas vidas[163].

Vanhoozer explica para nós que embutidas nessas visões de


mundo narradas estão “metáforas radicais” responsáveis por
estimular o entendimento da realidade total recortando um de seus
aspectos e assim “redescrevendo-a”[164] – “Nosso mundo está
encharcado de imagens”, exclama Cobb[165]. Então, concluímos que
o efeito final dos textos culturais é cativar a imaginação[166] [167].

Interagindo horizontes: respondendo a textos culturais


Como interpretar a cultura? Lendo seus textos em seus
próprios termos e à luz do drama divino - discernindo o significado
das expressões culturais e suas tendências à luz do evangelho de
Jesus Cristo.
Os modos de viver no mundo desenvolvem hábitos (e vice-
versa), que formam o caráter. Portanto, a resposta a um convite da
cultura pop define uma escolha do eu, eu que encarna cosmovisões
– torna visões visíveis em si[168]. Ao se engajarem na cultura pop,
cristãos são convidados a mapear os textos nela contidos e discernir
se possuem efeito libertador ou aprisionador no ser humano – ou
seja, se potencializam ou suprimem a experiência de humanidade.
Nesse exercício devemos promover uma intersecção de horizontes,
sustentando a convicção de que somente a verdade correspondente
ao mundo projetado pela Bíblia [169]– em que toda a realidade
converge e é renovada em Cristo – liberta, ou propicia o
florescimento. É isso que vamos aplicar à música pop no capítulo
seguinte.
Capítulo 4 - Achtung Baby
“O rock ‘n’ roll tem os pés afundados na lama e a cabeça
erguida para o céu”. – Bono[170]

O objetivo desse capítulo é aplicar os passos da metodologia para a


hermenêutica cultural detalhada anteriormente. Escolhi como
exemplo para essa aplicação o álbum Achtung Baby, da banda de
rock U2. Optei por esse disco por estar familiarizado com a banda
(sou fã!) e também pelo teor teológico que essa obra traz. A leitura
de um artefato da música pop inclui a análise da história e da
linguagem do gênero em questão. Vamos recorrer às fontes que se
encontram em resenhas especializadas, entrevistas e material
biográfico – bem como às próprias músicas.[171]

O U2 na história do rock
Para a leitura de um artefato inserido no contexto da música
pop, o primeiro movimento interpretativo é localizarmos no cenário
musical popular o artista/autor do texto em questão. Portanto, vale
observarmos o lugar da música no universo da cultura pop e o do U2
no cânon da música popular, especialmente do rock.

O lugar da música na cultura pop


Que lugar a música ocupa na cultura pop? A música figura
entre as artes populares - expressão da cultura pop que
descrevemos no primeiro capítulo. Sendo uma das manifestações
populares mais difundidas, para boa parte do público, música pop e
cultura pop são praticamente sinônimos. Marcel Danesi compreende
que a música popular foi, de fato, a maior responsável pelo alcance
social característico da cultura pop[172] - “há muita música ao
redor”[173]. Consumimos músicas por variados motivos, seja por
função de uma profissão ou puro entretenimento, invariavelmente,
porém, ela propaga múltiplos eventos: pode desenvolver e sustentar
a espiritualidade de uma pessoa, influenciar opções políticas e
administrar o humor[174]. A música popular penetra na complexa
rede de atividades que configura a cultura popular, como assistir
filmes, jogar videogames ou praticar esportes. Ativamente ou
incidentemente é uma ocorrência cotidiana.
O florescimento da música pop está intimamente ligado a
desenvolvimentos tecnológicos pontuais que favoreceram para seu
expressivo impacto social. Esses avanços remontam ao final do
século XIX, quando Thomas Edison em 1877 criou o fonógrafo e
Emile Berliner o gramofone (que viabilizava gravações em discos),
passando pelos anos 1940 a 1980, quando a indústria radiofônica
aumentou, surgiram as fitas cassete, os CDs e a MTV. Em décadas
recentes (2000 até à atualidade) vieram a tecnologia MP3, o
compartilhamento e compra de músicas via download da internet (e.
g. Napster e iTunes) e os serviços de streaming, que oferecem
transmissão instantânea de dados de áudio e vídeo por meio das
redes (e. g. Youtube e Spotify). Esses eventos contribuíram para o
aprimoramento das técnicas de gravação e reprodução sonoras, bem
como a praticidade, portabilidade e assiduidade do ato de ouvir
música.
Tamanho é o papel da música na cultura popular que alguns
autores, como o próprio Danesi, identificam que as tendências
musicais, independente do estilo, acabaram definindo eras da cultura
pop, por exemplo: a era do jazz, a era do swing, do rock, do rap e
assim por diante[175]. Depois do predomínio de artistas que
mesclavam à ópera italiana ritmos dançantes; do jazz, do swing e do
blues, emergiu na metade da década de 1950 o rock and roll, que
incorporava atributos de diferentes estilos musicais que marcaram o
período pós-guerra, tais como o rhythm and blues, o gospel
tradicional, boogie-woogie e o honky-tonk[176]. Seus primeiros
artistas foram, entre outros, Bill Haley, Chuck Berry, Fats Domino,
Elvis Presley, Little Richard, Jerry Lee Lewis e Buddy Holly.

O lugar do rock na música pop


A maleabilidade esteve presente desde a gênese do rock,
sendo que nos anos seguintes ele se proliferou e se diversificou.
Vieram à tona estilos regionais, como o de bandas do sul da
Califórnia, como Beach Boys, ou artistas folk de centros urbanos
como Nova York, por exemplo Bob Dylan. Além disso, tomaram força
a psicodelia, pelas mãos de Jimi Hendrix, o soul e o funk,
representados principalmente por Aretha Franklin e James Brown, e
o country rock como o de Johnny Cash. Somada a esses
desdobramentos, que ocorreram especialmente nos EUA, houve a
chamada British Invasion, quando o rock britânico alcançou o público
americano, tendo nos Beatles seu expoente máximo. A sonoridade
do rock foi sendo reelaborada e subgêneros despontaram[177]. Foi
na década de 1960 o ápice do impacto social e político do rock. Ele
foi incorporado no movimento contracultural, que denunciava o
modelo econômico vigente e protestava contra os empreendimentos
militares norte-americanos, ligados particularmente à Guerra do
Vietnã (1955-1975).
A partir de 1976, o movimento punk (com forte apelo político-
social) se desenvolveu. O jornalista Greil Marcus explica que “era um
som mais adequado para expressar raiva e frustração, focar o caos,
dramatizar a vida cotidiana e chacoalhar todas as emoções no
estreito espaço entre um olhar vazio e um sorriso sarcástico.”[178].
Gradativamente, subgêneros descenderam do punk, entre eles o
post-punk, proeminente na Inglaterra. Os artistas do post-punk se
apropriaram da autonomia e crueza de seus antecessores; no
entanto, optavam pelo experimentalismo e a sensibilidade. A cena
musical irlandesa foi intensamente fomentada por esse movimento, e
alguns grupos formados por adolescentes atraídos por essa
tendência se reuniam para apresentações locais, entre eles o U2.

O lugar do U2 no cânon do rock


Os integrantes do U2 se reuniram pela primeira vez em 1976,
quando o baterista Larry Mullen Jr. divulgou no colégio Mount
Temple, em Dublin, seu interesse em encontrar integrantes para
formar uma banda. O anúncio foi respondido por Adam Clayton, Paul
Hewson e David Evans (então apelidados de Bono Vox e The Edge).
A banda se apresentou com o nome The Feedback, e seu repertório
era composto de covers dos Beatles e Rolling Stones. Em 1977, o
grupo passou a se chamar The Hype e só adotou seu nome definitivo
em 1978.
No mesmo ano, depois de ter assistido a uma apresentação
dos jovens, Paul McGuiness se ofereceu para ser empresário da
banda. Embora tenha participado de uma audiência na gravadora
CBS, só em 1979 lançaram o primeiro EP: U2 Three, que alcançou o
topo das paradas de sucesso nacionais. Em 1980, o primeiro álbum
completo foi lançado: Boy, produzido por Steve Lillywhite[179].
Lillywhite produziu ainda outros dois trabalhos do U2 nessa década:
October (1981) e War (1983) – que alavancou o reconhecimento
internacional da banda. Logo em seguida, em 1984, veio
Unforgettable Fire, dessa vez com a produção de Brian Eno e Daniel
Lanois, que acompanharam a banda em outros sete projetos.
Enquanto os dois primeiros álbuns ressaltavam a temática da
espiritualidade, War explicitou em suas letras as percepções políticas
de Bono.
The Joshua Tree, quinto LP de inéditas da banda, veio em
seguida e teve o melhor desempenho comercial e crítico da carreira
do grupo. Isso motivou o U2 a registrar um documentário retratando
a turnê nos Estados Unidos. Durante essa produção, surgiu o álbum
Rattle & Hum (1988). Nesse disco, a banda explorou estilos de
raízes americanas, como o blues, soul, country e folk. Embora bem
aceito pelo público, as críticas foram negativas – as mais negativas
até aquele momento na carreira da banda. Por causa da
repercussão controversa desse último trabalho o grupo anunciou
uma pausa[180].

O lugar de Achtung Baby no cânon do U2


Durante o hiato, a banda reviu suas ênfases, até que em 1991
Achtung Baby veio a público. O álbum apresentou uma transição
radical de conceitos, estilo e sonoridade e evidenciou a capacidade
de mutação do grupo. Em uma edição especial sobre o U2 publicada
em 2011 pela revista Bizz, especializada em música, Carlos Messias
observa que embora tenha surgido na esteira do movimento post-
punk, (com grupos como Talking Heads, The Cure, The Fall, Gang of
Four, Joy Division, Killing Joke e New Model Army, influentes nos
anos 80), o U2 “soube incorporar elementos que entraram em voga
de lá para cá, ou que já tinham sido utilizados na história do pop (…)
Para comprovar a eficácia de tamanha versatilidade basta tentar
localizar no mapa do pop onde se encontram seus contemporâneos
e onde está o U2”[181].
Conforme Steve Stockman coloca em Walk On: a Jornada
Espiritual do U2, de início, o público manteve-se reticente, mas
algumas semanas após o lançamento do primeiro single, The Fly, os
ouvintes se acostumaram[182]. Já os críticos e jornalistas
perceberam que a banda migrou de “melodias sinuosas para ritmos
agitados e distorcidos”, como afirma Ryan Dombal em resenha para
a revista Pitchfork[183]. Além disso, “eles também mudaram sua
atitude, comportamento, aparência e ideias sobre como lidar com
celebridades. De repente, eles eram engraçados, sexy e um pouco
perigosos”[184]. O que teria desencadeado essa mudança?

Bono, The Edge, Larry Mullen Jr. e Adam Clayton em ensaio


fotográfico na época do lançamento do álbum de estreia, Boy (1980).
[185]
A banda, durante ensaio para a divulgação do quarto LP de
inéditas, Unforgetable Fire (1984).

A banda na época do lançamento de The Joshua Tree (1987),


trabalho que impulsionou o grupo definitivamente em escala global.
Bono, The Edge, Larry Mullen Jr. e Adam Clayton nos dias de
Achtung Baby (1991). Em poucas imagens nota-se a drástica
transição estética da banda – que foi além do figurino.

“I’m ready, ready for what’s next”[186]: o mundo por trás de


Achtung Baby

Podemos dizer que pelo menos quatro fatores contextuais


culminaram na reinvenção vista em Achtung Baby. São eles: as
tensões internas da banda que sucederam o ápice do sucesso no
final dos anos 80, os diálogos com pessoas próximas ao grupo, as
influências artísticas e literárias, além do cenário político da época.

Achtung Baby: do abismo pós-sucesso à reinvenção


Após o êxito de Joshua Tree (e sucessivamente de Rattle &
Hum), os membros da banda enfrentaram dilemas pessoais agudos
e, como grupo, uma espécie de crise de identidade. The Edge, o
guitarrista, acabara de se divorciar. Ele relata na biografia U2 por
U2[187]: “foi um período sombrio para mim [...] fazer a gravação foi
uma distração bem-vinda, mas, inevitavelmente, isso começou a
refletir o que estava acontecendo na minha própria vida”[188]. Bono
completa: “A separação de Edge e Aislinn causou um estrago em
nossa pequena comunidade. Era muito para suportar. [...] Então
houve um efeito dominó, e todos nós enfrentamos tempos
difíceis”[189].
Diante da necessidade que tinham de reestimular sua
imaginação, a banda reuniu os produtores Brian Eno e Daniel Lanois
(além do engenheiro de som Mark Ellis, conhecido como Flood) e
decidiu viajar até o Hansa Studios[190] para uma temporada em
Berlim. Porém, os membros discordavam a respeito das inovações
propostas.
Enquanto Edge explorava referências na música eletrônica,
experimental, industrial music e noise rock (de bandas como Insekt,
Nitzer Ebb, Nine Inch Nails, KMFDM e Front 242)[191], o baterista
Larry Mullen ouvia o rock mais tradicional, como Jimi Hendrix e Led
Zeppelin. Bono era inspirado pelo uso da tecnologia nos trabalhos de
rappers e argumentava que a banda deveria se engajar em ritmos
mais dançantes, semelhantes ao da onda britânica do madchester
[192], representada pelo Stone Roses, Primal Scream e Happy
Mondays. Adam Clayton, por sua vez, optava por manter as
estruturas dos trabalhos anteriores[193]. Bill Flanagan, que
documentou as atividades do U2 durante os anos 1990 em U2 at The
End Of The World[194], concluiu que “uma divisão foi prontamente
estabelecida”[195].
Apesar das desavenças, Brian Eno, um dos produtores,
encorajou o grupo, assegurando-os de que o que tinha sido
produzido até aquele momento estava melhor do que notavam.
Sobre a temporada em Berlim, Edge afirma: “Foi um lugar
estranhamente inspirador […] Mas na verdade foi quando voltamos a
Dublin que as coisas se encaixaram”[196]. Os membros do U2
recobraram a confiança e decidiram prosseguir com o trabalho.
Depois de terem voltado para a Irlanda no final de 1990, em janeiro
de 1991 retornaram à capital alemã para encerrar algumas
gravações. Na primavera daquele ano deram continuidade às
sessões do álbum no estúdio caseiro montado na mansão
Elsinore[197], em Dalkey.
U2 no emblemático Hansa Studio em Berlim.

No mês de julho, Achtung Baby foi mixado[198] por Eno,


Flood, Lanois e Lillywhite (que produzira os dois primeiros álbuns do
grupo) no Windmill Lane Studios (Dublin). Em uma noite foi escolhida
a sequência das faixas do LP, e no dia seguinte Edge foi a Los
Angeles com as fitas para a masterização[199] [200].

Achtung Baby: influências pessoais, artísticas e político-


sociais
Antes do início definitivo das gravações de Achtung Baby,
Bono, Edge, Adam e Larry se resguardaram das pressões
comerciais e pessoais e se concentraram nos diálogos com amigos e
conselheiros que compunham o “círculo íntimo, artístico, fiel e
duradouro” da banda – com quem conversavam, debatiam e
consideravam novas ideias[201].
Três pessoas foram especialmente decisivas para as
reflexões: Gavin Friday e Derek Rowan (Guggi), amigos de infância
de Bono, e T-Bone Burnett[202]. Friday e Guggi[203] foram da banda
Virgin Prunes, que haviam formado na juventude. Os Prunes traziam
um visual glam: usavam maquiagem, vestidos e prezavam pela
teatralidade[204] – o que se tornou prioridade para o U2 a partir dos
anos 90. Burnett, músico e produtor, acompanhou a banda de Bob
Dylan ao longo da turnê Rolling Thunder Review e, em seguida,
lançou seu primeiro trabalho solo, Behind The Trap Door (1982).
Bono foi inspirado principalmente pela maneira como Burnett
escrevia suas letras, que eram caracteristicamente dúplices no
sentido[205].
Segundo Stockman, podemos identificar também inspirações
literárias. Ele cita, por exemplo, The Truth Of The Mask, de Oscar
Wilde, e The Book Of Judas, de Brendan Kennelly. Ele menciona
também: Divertindo-nos Até Morrer (Amusing Ourselves To Death),
de Neil Postman, e Cartas De Um Diabo a Seu Aprendiz, obra de
C.S. Lewis. Flanagan sugere que o álbum como um todo reconta a
narrativa do clássico de James Joyce, Ulisses[206]. Para o autor, a
faixa Zoo Station deixa isso claro. Stokes explica: “A canção abriria o
álbum declarando sua intenção [...] Você está prestes a embarcar em
uma jornada ao desconhecido. ”[207].
Além dos dilemas pessoais, tensões internas, referências
musicais destoantes, conselhos artísticos e inspirações literárias, o
contexto político-social da época também influenciou na produção de
Achtung Baby.
O disco foi gravado durante o término do comunismo na
Alemanha Oriental e a eclosão da Guerra do Golfo no Oriente Médio
(1990-1991). O grupo desembarcou em Berlim no dia da reunificação
alemã (3 de outubro de 1990) – eles pegaram o último voo para a
antiga Alemanha Oriental. Bono conta: “As ruas estavam cheias e
nós estávamos vagando em uma multidão em que ninguém parecia
estar em um bom momento. [...] Na verdade havíamos nos juntado a
uma marcha de protesto do Partido Comunista.”[208]. Stockman
afirma que a banda, sensível a esse espírito de fragmentação e
encruzilhada, incorporou-o em Achtung Baby[209].

“We’ll Slide down the surface of things”[210]: o mundo de


Achtung Baby
O caminho para a hermenêutica da cultura pop proposto no
capítulo anterior recomenda que identifiquemos o que está no texto
cultural. Vamos, então, primeiramente analisar a linguagem e o
conteúdo do disco em si, observando o que caracteriza e como se
comunica Achtung Baby.
A linguagem da música pop e do rock
Podemos dizer que há ao menos três aspectos na maneira em
que a música pop se comunica: a emotividade, a tensão e a
diversidade. Em primeiro lugar, como a cultura pop em geral, a
música pop não expõe afirmações diretas e lineares, antes, envolve
as emoções – “o significado da música reside muito além de simples
palavras”, de acordo com Barry Taylor[211]. Em segundo lugar, a
música pop é formada pela tensão e, por último, há variedade de
gêneros. Stuart Borthwick e Ron Moy, pesquisadores da música
popular, atentam para o fato de que certos gêneros transcendem
períodos históricos, enquanto outros estão estritamente vinculados a
uma época e seus respectivos modos de produção e circunstâncias
sociais. Eles também destacam que os gêneros musicais são
dotados de elasticidade[212] [213].
Essa elasticidade persiste no rock desde sua gênese - o
gênero tem abrigado e mesclado múltiplas características. De início
apresentou sua energia e rebeldia envolvidas em melodias
cativantes, e com o tempo se expandiu até composições
requintadas. “Tudo, desde a batida de Chuck Berry, os roqueiros de
três acordes e as doces harmonias dos Beatles até o ruído atônito
estridente do Sonic Youth”, é classificado como rock[214] [215]. Além
das aproximações históricas, musicais e estilísticas, o que une o
linguajar do rock, segundo Antônio Carlos Senefonte, músico e
jornalista, é a atitude[216]. Achtung Baby veio à tona durante o auge
do rock alternativo, gênero que engloba bandas (dissidentes do post-
punk) das décadas de 1980 e 1990.

A linguagem do U2 em Achtung Baby


De Boy (1980) até Rattlle & Hum (1988), que antecederam
Achtung Baby, o U2 se caracterizava por hinos, linhas de guitarra
minimalistas responsáveis por criar ecos e paisagens sonoras,
seções rítmicas lineares e pungentes promissoras para
apresentações em arenas. Além disso, também trazia letras
enfáticas sobre espiritualidade e política. A partir de Achtung (e nas
obras subsequentes) esses elementos não foram totalmente
rechaçados, mas autocriticados e revistos.
Novas técnicas vocais foram trabalhadas por Bono,
destacando a sensualidade e o melodrama que evocam inquietação,
imperfeição, solidão e urgência em seu modo de cantar (como em
The Fly)[217]. The Edge aplicou distorções e texturas cacofônicas às
guitarras (além de ter dado mais espaço aos solos), como se ouve
em Zoo Station. Adam e Larry Mullen, por sua vez, incorporaram
conduções funkeadas às músicas, bem como batidas também
inclinadas à sonoridade industrial (percebidas em Mysterious Ways e
Until The End Of The World). As ênfases temáticas também tomaram
outra direção: traição, amor, moralidade[218].

Capa oficial de Achtung Baby.


Until The End Of The World e Mysterious Ways são os
exemplos mais claros de espiritualidade e referências bíblicas no
álbum. Na primeira, Bono olha para o episódio da traição de Cristo
(Jo 18.2-6) pela perspectiva de Judas. Essa canção sugere que a
história de Judas não é tão simplista como a maioria dos cristãos a
descrevem – “Ele foi Satanás encarnado e vendeu sua alma por
trinta peças de prata.”[219]. Dentro de um enredo sobre traição, a
música leva à reflexão sobre lealdade. Os versos finais dizem: “Eu
procuro por aquele que tentei destruir/ Você... Você disse que
esperaria/ Até o fim do mundo” – aludindo às palavras de Jesus em
Mateus 28.20 e imaginando como seria se Ele as tivesse dito a seu
traidor.[220] Bono revela que é uma canção sobre tentação: “A
tentação não é óbvia. Tentação é qualquer coisa que impede você de
chegar ao seu destino.”[221].
Já em Mysterious Ways a figura feminina funde-se ao Espírito:
“o espírito se move de maneira misteriosa/ela se move de maneira
misteriosa/ela se moveu com ele/ela se move com ele/ergue meus
dias e ilumina minhas noites”. Stockman entende que essa canção
mostra que Deus está presente no meio das contradições e lutas –
que Ele enxerga o homem além de sua imaturidade[222].
Mysterious Ways também exemplifica um aspecto
predominante no linguajar de Achtung Baby. As letras têm duplo
sentido proposital, conotando “uma mente contemplando duas
realidades”, conforme Steve Turner[223]. Na maioria dos casos, elas
são dirigidas a Deus ou a uma mulher. As letras expõem uma visão
da superfície, mas escondem e se invertem para uma dimensão
presente, porém não visível, sugerindo aos ouvintes que na mais
comum das situações há muito mais oculto, muito mais a se
contemplar[224] [225]. A faixa Even Better Than The Real Thing
assume isso: “Dê-me uma última dança, vamos deslizar na superfície
das coisas”. A linguagem é sutil.
Além da duplicidade subversiva predomina também a
ironia[226] – afirmando o oposto do que se tem em mente ou o que
pretende dizer. As letras irônicas aparecem como recurso para a
denúncia e crítica. Em um álbum que aborda assuntos sérios,
melancólicos e dolorosos, a banda traz uma irreverência ausente nos
primeiros anos de carreira. Zombam da cultura e de si mesmos. Um
dos artifícios para expressar isso é a composição vocal, que traz
vozes simultâneas ou distintas entre estrofe e refrão. Essa tática
propõe tanto a interpretação literal quanto irônica. Bono justapõe
sussurros, cânticos e falsetes para contrastar cinismo e lampejos de
esperança[227] [228].
A ironia de Achtung Baby não foi só cantada, mas encenada.
Da época das gravações até o trajeto da turnê Zoo TV, Bono criou
para si três alter egos: The Fly, Mirror Ball Man e Mr. MacPhisto,
indícios das inspirações da estética glam para a obra.
Com The Fly, o vocalista introduziu a paródia às suas
performances. A personagem, com sua roupa de couro envernizada
e óculos-escuros extravagantes – ilustra a autocrítica da banda à
atitude das celebridades e à figura do rockstar. Adam Clayton conta
sobre a faixa The Fly e o personagem: “Eu não sei qual veio
primeiro, os óculos ou a música, mas logo que Bono encontrou
aqueles óculos, ele soube como deveria ser o personagem”. Mirror
Ball Man apareceu na etapa americana da Zoo TV Tour, ele vestia
um chapéu de cowboy e distribuía freneticamente dinheiro e confete
– uma caricatura incisiva dos tele-evangelistas dos Estados Unidos.
Com o tempo Mirror Ball Man se tornou Mr. MacPhisto: “o lugar onde
Satanás encontra o ego da estrela do rock desonesta”[229] – a mais
controversa das encenações.

Bono como The Fly.


Bono interpretando Mirror Ball Man.

Bono como Mr. MacPhisto.

Mas o que a figura de uma celebridade diabólica comunica?


Bono afirmou que MacPhisto foi inspirado no escárnio ao diabo que
C.S. Lewis imprime em Cartas de Um Diabo a Seu Aprendiz, livro no
qual o autor retrata satiricamente a vida de uma pessoa sob o ponto
de vista de um demônio, Scewtape. Bono expõe que o visual
pitoresco foi muito útil, pois “quando você está vestido como o diabo,
sua fala é processada imediatamente, então se você diz a alguém
que está gostando muito do que estão fazendo, você sabe que não é
um elogio”[230]. Edge confirma a ironia que percorre a obra dizendo
que o personagem foi “um ótimo mecanismo para dizer o oposto do
pretendido”[231].

“It’s no secret that our world is in darkness tonight”: o


mundo em frente a Achtung Baby
Traçamos os aspectos do mundo por trás de Achtung Baby,
bem como o mundo do disco em si. Portanto, seguindo a proposta de
leitura da cultura pop sugerida nesse livro, resta apresentar qual
seria o mundo projetado pela obra – em frente a ela.

Achtung Baby e a calamidade do amor


Achtung Baby não é otimista, mas sofisticadamente realista.
Seu ambiente é misterioso e obscuro, e escancara incisivamente a
condição humana. Ele pinta com honestidade um quadro da
calamidade do amor pós-queda, sua artificialidade, instabilidade,
decadência e crueldade (explicitamente em So Cruel). Nas palavras
de Stokes: “Você poderia ouvir Achtung Baby de qualquer jeito.
Poderia virá-lo de ponta-cabeça, poderia olhar por uma dúzia de
ângulos distintos. Não importa o modo que você chegue até ele: há
sangue em todas as faixas. ”[232]. Jon Pareles identificou que:

Em algumas músicas, o amor é um refúgio, como em


"Ultraviolet (Light My Way)". Mas, mais frequentemente, é um
estado de desespero ou uma memória amarga. Em "One", ele
cobra: "Você age como se nunca tivesse amor / e quer que eu
fique sem". As marcantes "So Cruel" e "Who Will Ride Your Wild
Horses" [...] vão de uma lembrança carinhosa à vingança e
acusações – algumas delas dirigidas ao próprio narrador: “Eu
estendi a mão para o que eu tentei destruir", Bono canta em"
Until The End Of The World ". O álbum termina com uma
espécie de resumo: "Love Is Blindness", uma elegia que
compara o amor a "se afogar em um poço profundo” e um
desejo a qualquer custo (1991, tradução nossa).

Um olhar teológico para a narrativa do álbum capta a


aspiração da humanidade por relacionamentos. As músicas sugerem
não um elogio ao amor, mas um desconsolo por sua falibilidade. De
fato, a denúncia do estado humano é um aspecto pungente da arte e
da cultura pop em geral, e tal honestidade desafia o exercício
teológico e a experiência cristã, pois a própria Bíblia expõe
contundentemente a fragilidade da humanidade.
Bono, em diversos episódios, expressou seu apreço pela
literatura dos Salmos, tanto que, em 2011, a editora Canongate o
convidou para escrever a introdução aos Salmos para uma série de
livros chamada Pocket Canons, uma iniciativa para reacender a
curiosidade pública pelas Escrituras[233]. Em 2016, em uma
entrevista promovida pelo Fuller Theological Seminary com Bono e
Eugene Peterson[234], tradutor da Bíblia A Mensagem, o vocalista do
U2 afirma que nos salmos há palavras e melodias com crueza e
honestidade brutais – poesias honestas sobre a profunda alegria ou
tristeza, a confusão e o desespero[235]. Para Achtung Baby, o amor
se apresenta como uma virtude indispensável de plenitude
inalcançável para o ser humano.

Achtung Baby e a banalidade do caos


A banalização do sofrimento é um tema caro para a teologia, e
ele pode ser percebido em Achtung Baby. O disco imagina um
mundo onde o caos é banalizado – no qual facetas distintas da
sociedade se amoldam ao show business (o entretenimento e o
sucesso da imagem).
Para os integrantes da banda, a espetacularização dos
acontecimentos tornou-se visível na transmissão ao vivo da Guerra
do Golfo. Foi o primeiro evento do gênero transmitido em tempo real
pela televisão, o que para Bono era como se uma terrível catástrofe
humana fosse reduzida a um vídeo game[236]. O refinado espetáculo
promovido pela banda no palco sugeria que a intensa exposição das
pessoas à informação e ao apelo sensorial distorcem a percepção da
realidade: “Os sentidos da plateia foram bombardeados com
estímulos e atacados por verdades e mentiras das palavras mordidas
que lhes esmurravam. ”[237].
Cenas do telão da Zoo TV Tour.

Isso foi notável durante a performance de The Fly, quando


aforismos e slogans comerciais figuravam nas telas. Stockman
conclui que “Aquilo que o U2 comunicou de maneira tão poderosa no
palco no início dos anos 90 foi que estávamos banalizando a vida.
Estávamos fazendo do absurdo algo normal”[238]. O experiente
demônio Screwtape da obra de Lewis diz algo parecido. Ele orienta
seu aprendiz que mantenha seu “paciente” (a pessoa a quem está
tentando) preso no fluxo de sensações imediatas, afastando-o de
“questões universais”[239]. Screwtape assevera: “Persista incutindo
nele a banalidade das coisas”[240].

Achtung Baby: imaginando a vida real


O poder imagético da cultura pop conduz seus espectadores,
leitores, ouvintes e participantes a uma visão vívida do mundo – seja
de suas virtudes e possibilidades, ou de suas máculas e limitações.
Entendo que o cristianismo deve estar aberto a essas imagens,
sendo receptivo para o diálogo e discernindo sua coerência com o
retrato bíblico do mundo.
Achtung Baby convida a refletir sobre o que há de errado com
o amor, com as relações, e questiona se existe algo para além da
traição e futilidade – como se a banda questionasse: “Ao
contemplarmos o horizonte da mais barulhenta e brilhante cultura da
história da humanidade, há alguma chance de podermos encontrar
no meio da superficialidade algo mais profundo, algo mais preciso,
algo mais duradouro?”[241]. Steve Turner conclui: “Qualquer reflexão
honesta sobre a vida lidará com a imperfeição.”[242]. Em suma,
nessa obra o U2 – canalizando o contexto e as experiências que
vivenciou em um linguajar específico – instiga a imaginação da vida
real.
Para terminar
Cristianismo e cultura pop: consciência, ação e
missão

“Os fariseus e os saduceus aproximaram-se de Jesus e o


puseram à prova, pedindo-lhe que lhes mostrasse um sinal do
céu. Ele respondeu: “Quando a tarde vem, vocês dizem: ‘Vai
fazer bom tempo, porque o céu está vermelho’, e de manhã:
‘Hoje haverá tempestade, porque o céu está vermelho e
nublado’. Vocês sabem interpretar o aspecto do céu, mas não
sabem interpretar os sinais dos tempos!”

– Mateus 16.1-3 (NVI)

“’Ame o Senhor, o seu Deus de todo o seu coração, de toda


a sua alma e de todo o seu entendimento’. Este é o primeiro e
maior mandamento. E o segundo é semelhante a ele: ‘Ame o
seu próximo como a si mesmo’”.

– Mateus 22.39 (NVI)

Meu objetivo aqui foi apontar um caminho para a relação do


cristianismo com a cultura pop. Vimos definições de cultura pop,
modos de relacionamento do cristianismo com a cultura e da teologia
cristã com a cultura popular, e vimos também premissas e
movimentos do engajamento cristão à cultura pop (hermenêutica
cultural), proposta que depois aplicamos ao Achtung Baby.
Exploramos, no decorrer do texto, teorias da cultura pop e suas
categorias, as posturas do cristianismo diante da cultura popular, a
interação teológica com o pop e as justificativas à importância da
cultura pop para os cristãos. Também analisamos as características
dos textos culturais e da hermenêutica cultural, e, finalmente,
pensamos sobre o lugar da música na cultura pop, os aspectos do
rock e os mundos de Achtung Baby.
Lembrando que a ideia aqui é propor um caminho para a
leitura de um texto da cultura pop que tem potencial para ser
articulado, com as devidas nuances, em outras diversas expressões
da cultura popular, a análise que fiz, então, serve de modelo e
incentivo para desenvolvermos nossa capacidade de interpretação
cultural com amplitude, densidade e espiritualidade.
Os textos culturais-populares ecoam duas vozes: a de Deus,
que comunica dádivas culturais, e a da idolatria, que distorce a
primeira voz - mas sem comprometer o poder dela, conforme
Romanos 1.21, em uma dinâmica de revelação e contrarrevelação.
Uma amálgama de idolatria e graça. Tanto a graça comum quanto a
idolatria pretendem capturar o coração e a imaginação. Todo
empreendimento e produto cultural, do mais delimitado e sofisticado
ao mais rudimentar e corriqueiro, pressupõe a mesma dinâmica
espiritual. O contato com a cultura pop é bastante complexo, ele é ao
mesmo tempo promissor e arriscado. Circulando no universo pop
podemos encontrar virtudes, modos de vida saudáveis, mas
acabamos também expostos à influência de vícios e modos
corrosivos de vida.
Como lidar com isso? À luz da narrativa bíblica, uma postura
coerente em relação à cultura pop é a gratidão e deleite, atenção,
crítica e atuação. Enfatizei neste trabalho a leitura teológica da
cultura pop como caminho para o cristão, porém, a discussão tem
potencial para se estender para o campo eclesiológico, por exemplo.
Qual a relevância da cultura pop para a igreja local? Qual o lugar da
cultura pop no discipulado cristão?
Assim, nós nos deparamos com a possibilidade de pensar não
apenas a respeito de consciência cultural, mas sobre agência
cultural. Detweiler[243] ressalta: “Jesus gastou muito tempo em
lugares públicos, envolvido com as pessoas, ouvindo suas histórias e
contando as dele. [...] A cultura pop é [...] a arena que visitamos
diariamente para nos depararmos com as questões de vida e morte,
descobrir o significado de ser humano, ouvir as perguntas da
sociedade, e nos encontrarmos com Deus.” O estudo da relação
cristianismo e cultura pop é oportuno para a igreja local e o
discipulado, porque a igreja é uma comunidade hermenêutica e
criativa em cena no cotidiano, o terreno da cultura popular.
Isto é decisivo para um engajamento cultural saudável: a
relação dos cristãos com a cultura popular vai muito além das
afirmações simplistas do que pode ou não pode. Responder e se
relacionar com a cultura pop demanda (re)afirmar a integralidade da
fé, ou seja, entender o caráter todo-abrangente da transformação
fruto do evangelho, que afeta, consequentemente, a interação com a
realidade criada. A fé tem alcance público! A cultura pop proporciona
a apreciação da criação e o exercício do mandato cultural. Ela
também promove comunidade; indica o senhorio, ação e presença
de Cristo no mundo; desperta percepção temporal e sensibilidade;
viabiliza insights sobre a humanidade e o diálogo entre mundos.
A cultura pop desafia e enriquece o cristianismo. Envolver-se
com ela corresponde a seguir a advertência de Jesus sobre perceber
os “sinais dos tempos” (Mt 16.1-3) e cumprir a missão de amar “o
universo ao lado”[244] (Mt 22.39). Perceber e amar são
indispensáveis para a consciência e agência cultural, e
imprescindíveis para viver em missão.
Apêndice A
Pegue e leia: direções metodológicas para a
hermenêutica cultural

1. Escute a cultura pop, capte suas intenções antes de


interpretá-la. Treine sua curiosidade e perspicácia (faça
perguntas!): consuma cultura pop com maturidade e recorra
a boas descrições sobre ela - blogs, revistas, especialistas.
2. Observe a metáfora ou imagem de mundo disposta por
um texto específico. Que história ele conta? Perceba o
“modo de ser humano” que esse texto cultural articula,
recomenda ou testemunha.
3. Atente-se ao que a cultura pop está dizendo e fazendo
através de determinado artefato: está afirmando uma
crença, confrontando ideais, etc? Identifique quais poderes
e tendências a movimentam. Não seja reducionista.
4. Localize um discurso específico da cultura pop no drama
das Escrituras (criação-queda-redenção) e entenda-o à luz
da imaginação bíblica.
Apêndice B
Ide por todo o mundo: incentivos pastorais para a
participação cultural

1. Seja grato a Deus pelas dádivas da cultura pop - o


prazer que ela proporciona, os desafios que ela propõe, a
bondade, verdade e beleza que ela sinaliza. Ore
agradecendo antes de ouvir um disco, ver um filme ou
produzir cultura, por exemplo. Exercite o deleite na criação
e na cultura.
2. Saiba discernir os ídolos na cultura popular que tentam
você: seja humilde, consciente e honesto em seu consumo
cultural.
3. Interaja culturalmente em comunidade. Compartilhe suas
experiências, percepções e ouça as perspectivas de outras
pessoas sobre expressões da cultura popular. Seja
intencional em encontros para conversar sobre cultura pop -
essa é uma rica oportunidade para a igreja!
4. Participe da cultura pop: aprecie as artes (além de sua
zona de conforto), circule em centros culturais de seu
contexto, colabore na produção cultural da sua cidade.
Esses são proveitosos empreendimentos missionais.
5. Lembre-se que: envolver-se na cultura pop - circular em
universos plurais, compartilhar sua fé e ser criativo - é,
acima de tudo, uma forma de encenar o discipulado, cujo
fim é amar como Cristo amou.
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[1] Doutorando em Filosofia (UFG) com estágio na Vrije Universiteit


Amsterdam, graduado em Teologia pelo Seminário Presbiteriano Brasil Central
onde, atualmente, é professor de Filosofia e Cosmovisão Reformada. É co-
fundador do Invisible College e tutor nas turmas Essencial e Avançado.
[2] Zizek, Slavoj. Bem Vindo ao Deserto do Real (São Paulo:
Boitempo, 2013), p. 15.
[3] Ibid.
[4] TURNER, Steve. Engolidos Pela Cultura Pop (Viçosa, MG:
Editora Ultimato, 2014), p. 15
[5] Estúdios de Hollywood ameaçam deixar de filmar em estado
dos EUA após aprovação de lei contra abortos (Época Negócios
Online), 31 Mai 2019. Disponível em: https://glo.bo/2PcUg6l.
[6] TERTULIANO apud MCGRATH, 2014, p. 51
[7] Nesta obra, cultura pop e cultura popular serão termos intercambiáveis.
[8] Refiro-me no texto ao evangelicalismo brasileiro de modo geral, sem
diferir denominações e tradições. O ponto é: mesmo que haja nuances entre
os grupos evangélicos, percebe-se uma dificuldade comum entre nós no que
diz respeito à relação com a cultura. Para o filósofo e teólogo Pedro Dulci, as
complicações no desenvolvimento de um cristianismo integral têm aspectos
comuns. Ele aponta que há entre os diferentes grupos (divididos pelo autor em
três vertentes: os que valorizam a práxis e a relevância social, as igrejas
seeker-sensitive, e a teologia reformada) um desequilíbrio entre a
compreensão e a experiência da imanência e transcendência, o que afeta
diretamente a relação do cristianismo com a cultura de modo geral. Dulci
defende que “o principal desafio que a Igreja brasileira tem no início do século
21 é reestabelecer o equilíbrio entre pensamento teológico ortodoxo e ação
integral da Igreja na sociedade.” (2015, p. 61).
[9] Popular Culture, a User’s Guide, Imre Szeman e Susie O’Brien, 2017, p.
10, tradução do autor.
[10] Os antropólogos Alfred Kroeber (1876-1960) e Clyde Kluchohn (1905-
1960), por exemplo, averiguaram no livro Cultura: Uma Análise Crítica Dos
Conceitos e Definição (1952) mais de 160 definições possíveis para cultura
(TURNER apud KROEBER e KLUCHOHN, 2013, p.).
[11] COBB, 2005, p. 42
[12] ARNOLD, 1869, p. 7
[13] Essa disciplina herda traços marxistas, por isso dedicam atenção às
hierarquias sociais, dinâmicas de poder e processos econômicos e políticos
que perpassam a cultura. Entre suas primeiras referências estão Richard
Hoggart (1918-2014), Stuart Hall (1932-2014), Paul Willis (1945-), Angela
McRobbie (1951) e John Hartley (1948-) (COBB, 2005, p. 53).
[14] COOB, 2005, p. 44
[15] VANHOOZER, 2007, p. 21
[16] Etimologicamente, “cultura” deriva do latim colere, que se refere ao
manejo e trabalho aplicados ao solo, convertendo a superfície crua em local
habitável. Portanto, cultura tem relação com os atos de desenvolver e
preservar.
[17] VANHOOZER, 2007, p. 26, tradução do autor
[18] Understanding Theology And Popular Culture. 2008, p. 2
[19] Popular Culture: Introductory Perspectives. DANSEI, 2018, p. 12
[20] DANESI, 2018, p. 15.
[21] Hoje a ópera apesar de atrair grande público é considerada uma
representante da alta cultura. No século XIX, a audiência ia aos concertos para
interagir com os artistas, cantar junto e ventilar seus prazeres e desprazeres
abertamente. Atualmente os shows de rock, por exemplo, tomaram esse papel
(DANESI, 208, p. 16).
[22] DANESI, 2018, p. 19-21.
[23] DANESI, 2018, p. 22.
[24] DANESI 2018, p. 26, tradução do autor.
[25] COOB, 2005, p. 53
[26] Apesar de envolvidos sob a mesma tradição, os teóricos da Escola de
Frankfurt concordavam em algumas ideias, discordavam em outras, ou então
ampliavam as teorias entre si (SZEMAN e O’BRIEN, 2017, p. 97).
[27] SZEMAN e O’BRIEN, 2017, p. 97
[28] Nesse contexto, um conjunto de ideias e valores que modelam a
maneira com que as pessoas se organizam e percebem a vida (COBB, 2005,
p. 45).
[29] COBB, 2005, p. 45
[30] COBB, 2005, p. 53
[31] DANESI, 2018, p. 54
[32] The Uses Of Literacy.
[33] SZEMAN e O’BRIEN, 2017, p. 14
[34] SZEMAN e O’BRIEN, 2017, p. 44
[35] COBB, 2005, p. 58
[36] DANESI, 2018, p. 70
[37] COBB, 2005, p. 67
[38] SZEMAN e O’BRIEN, 2017, p. 13
[39] STOREY, 2018, p. 13, tradução do autor
[40] Em Teoria Cultural e Cultura Popular (Cultural Theory And Popular
Culture).
[41] Alguns dos autores cruciais dessa linha foram: Matthew Arnold (1822-
1888), F.R. Leavis (1895-1978), Clement Greenberg (1909-1994) e Dwight
McDonald (1906-1982) (LYNCH, 2005, p. 4).
[42] LYNCH, 2008, p. 4
[43] LYNCH, 2005, p. 4
[44] A denominação de “baixa cultura” atribuída à cultura pop é também
acompanhada de termos como slapstick e campy (“palhaçada” e “exagerada”
em uma tradução literal); escapista, aproveitadora, obscena, atrevida e vulgar
(DANESI, 2018, p. 8). Além desses, a expressão mais significativa é kitsch:
produtos da sociedade industrializada (como música popular, filmes
hollywoodianos e revistas) que proveem entretenimento à classe média/baixa,
mas não tempo e instrução suficientes para apreciar expressões de arte e
cultura mais exigentes. Entende-se que isso se manifesta no oferecimento de
formas de entretenimento “pré-digeridas” que dispensam esforço analítico e
intelectual (LYNCH, 2005, p. 7).
[45] LYNCH, 2008, p. 7
[46] LYNCH, 2008, p. 7
[47] LYNCH, 2008, p. 10
[48] Esse é o fenômeno da globalização: o processo pelo qual culturas
formadas separadamente entram em contato umas com as outras por
diferentes maneiras (DANESI, 2018, p. 353).
[49] LYNCH, 2008, p. 11
[50] LYNCH, 2008, p. 11
[51] LYNCH, 2008, p. 12
[52] LYNCH, 2008, p. 13
[53] LYNCH, 2008, p. 13
[54] Popular culture: introductory perspectives. DANESI, 2018, p. 7,
tradução do autor.
[55] TURNER, 2013, p. 39.
[56] TURNER, 2013, p. 37
[57] TURNER, 2013, p. 38.
[58] LYNCH, 2008, p. 14.
[59] LYNCH, 2008, p. 15.
[60] LYNCH, 2008, p. 14.
[61] VANHOOZER, 2007, p. 250-251, tradução do autor.
[62] COBB, 2005, p. 75
[63] Dissertando sobre a história da teologia patrística, Alister McGrath
indica que a relação da teologia cristã com a cultura secular foi um dos
principais debates desse período – mais especificamente, como o cristianismo
lidaria com o “legado cultural do mundo clássico – a poesia, a filosofia e a
literatura.”. Ele afirma que tais discussões foram cruciais, pois apresentaram a
questão a respeito dos cristãos voltarem as costas a sua herança clássica ou
tomá-la para si, ainda que com modificações (2014, 50).
[64] COBB, 2005, p. 87
[65] Pode-se dizer que no âmago da postura de Tertuliano está seu apelo à
suficiência das Escrituras, que o opunha ao uso de recursos extra bíblicos para
a fundamentação da teologia e apologética cristã (MCGRATH, 2014, p. 45).
[66] McGrath também esclarece o contexto da obra de Agostinho. Para ele,
ela foi escrita em um contexto que poderia ser denominado “apocalíptico”, “pois
nele acontecia a destruição da grandiosa cidade de Roma, bem como o
colapso do Império Romano. ”. Falando do tema central do escrito, ele
completa: “As complexidades da vida cristã, especialmente no que tange aos
aspectos políticos, estabelecem-se pela dialética entre essas duas cidades. ”
(2014, p. 626).
[67] COBB, 2005, p. 87
[68] Keller identifica as limitações e as vantagens do uso tipológico feito por
Niebuhr. Ele diz que a configuração de modelos corre o risco de ser artificial,
estabelecendo grupos imprecisos que não comportam a complexidade das
posturas históricas. Mas ele atenta também para o fato de cada modelo
apresentar “um tema ou verdade bíblica orientadora que ajuda os cristãos a se
relacionar com a cultura.” (2015, p. 231).
[69] KELLER, 2015, p. 230-231
[70] DONALD CARSON, 2012, p. 36
[71] KELLER, 2015, p. 230
[72] KELLER, 2015, p. 220
[73] Existem dissonâncias nessa e nas demais respostas. Enquanto alguns
“tendiam a ser progressistas em sua política [...] outra ‘ala’ de proponentes da
cosmovisão cristã emergiu nas décadas de 1970 e 1980 nos Estados Unidos:
a direita religiosa.” (KELLER, 2015, p. 223).
[74] 2015, p. 222-225
[75] Segundo Carson: “Mesmo quando não se adota formalmente nenhuma
posição teórica (sobre a forma de se relacionar com a cultura), geralmente se
pressupõe uma posição teórica. Quando vozes firmes que expressam uma ou
outra tradição dão conselhos práticos aos cristãos, invariavelmente se
pressupõe algum tipo de relacionamento entre Cristo e cultura.” (2012, p. 19).
[76] LYNCH, 2008, p. 21
[77] LYNCH, 2008, p. 22-23
[78] A Matrix Of Meanings: Finding God In Pop Culture.
[79] CRAIG DETWEILER, 2003, p. 34
[80] LYNCH, 2008, p. 25
[81] LYNCH, 2008, p. 27
[82] LYNCH, 2008, p. 28
[83] LYNCH, 2008, p. 31
[84] Detweiler explica que fatores que emergem de competições
esportivas, como o orgulho nacional e os heróis locais, expressam um tipo de
religião popular. Ele diz: “O Brasil adora Pelé. [...] Note a linguagem religiosa
associada às mais memoráveis vitórias. Os argentinos continuam celebrando o
gol de Diego Maradona com “a mão de Deus” na Copa do Mundo de 1986.
Americanos chamam a equipe de hockey que ganhou a medalha de ouro nas
Olimpíadas de 1980 de “o milagre do gelo. [...] Universidades, pequenas ligas
e vizinhanças, todos têm heróis locais particulares. Comunidades segregadas
por raça, classe e religião, reúnem-se em torno de seus times e estrelas
esportivas. ” (2003, p. 245).

[85] ROMANOWSKI, 2005, p. 71


[86] DETWEILER, 2003, p. 267, tradução do autor
[87] LYNCH, 2008, p. 33
[88] Timothy Keller sugere que múltiplos fatores desencadearam a
supressão da influência cristã no ocidente. Primeiro ele indica as tendências
intelectuais consequentes do Iluminismo do século XVIII. Ele lista também
cinco fatores sociais: a polarização política que fragilizou a credibilidade tanto
de igrejas protestantes históricas (esquerda) quanto de linhas evangelicais
conservadoras (direita); a revolução sexual e surgimento de métodos
contraceptivos; a expansão da globalização (e a visão imperialista do
cristianismo decorrente disso); o crescimento da prosperidade material; e a
perda da gerência das instituições acadêmicas por parte dos cristãos. Além
disso, Keller menciona a acomodação das igrejas às dinâmicas culturais. Ele
conclui: “Se todas essas abordagens são realmente complementares e suas
conclusões são acertadas, o cristianismo no Ocidente tem sido vítima de uma
‘tempestade perfeita’ de tendências, fatores e forças.” (2015, p. 302-303).
[89] LYNCH, 2008, p. 34
[90] DETWEILER, 2003, p. 25
[91] LYNCH, 2008, p. 35
[92] LYNCH, 2008, p. 37, tradução do autor.
[93] LYNCH, 2008, p. 37
[94] LYNCH, 2008, p. 38
[95] VANHOOZER, 2007, p. 28
[96] VANHOOZER, 2007, p. 28
[97] “palavras escritas e faladas, representações de ações físicas, objetos,
imagens, e sons (incluindo música).” (LYNCH, 2008, p. 140).
[98] VANHOOZER, 2007, p. 29
[99] VANHOOZER, 2007, p. 29
[100] DETWEILER, 2003, p. 21
[101] VANHOOZER, 2007, p. 29
[102] VANHOOZER, 2007, p. 29
[103] DAVID K. NAUGLE, 2017, p. 376
[104] DETWEILER, 2003, p. 39
[105] VANHOOZER, 2007, p. 29
[106] VANHOOZER, 2007, p. 30
[107] DANESI, 2018, p. 319.
[108] VANHOOZER, 2007, p. 31
[109] Vanhoozer explica que os “transcedentais” consistem nas:
“prioridades que excedem todas as classes específicas de seres, mas que
podem, não obstante isso, ser afirmados no que se refere a qualquer ser ou a
todos eles, contanto que existam. [...] Os três elementos transcedentais mais
importantes são: verdade, bondade e beleza. “ (2016, p. 60). No contexto
apresentado aqui, significa que a cultura é responsável por formar os seres
humanos a partir de uma fonte que está além desses seres, mas que pode ser
afirmada por eles.
[110] VANHOOZER, 2007, p. 31
[111] JAMES K. A. SMITH, 2018, p. 80
[112] VANHOOZER, 2007, p. 34
[113] MICHAEL GOHEEN, 2015, p. 20
[114] Na terminologia de Vanhoozer: “O Evangelho é a narrativa do Deus
que se fez carne. O Evangelho - que Deus ofereceu para a salvação do mundo
ao enviar o Filho e torná-lo Senhor do mundo - foi representado antes de ser
proclamado. Temos algo a proclamar porque algo foi feito. Deus se tornou
carne, habitou entre nós e nos fez participar de sua vida. O Evangelho é as
boas-novas sobre Deus realizar algo no palco da história do mundo. ” (2018, p.
177).
[115] VANHOOZER, 2007, p. 35
[116] LYNCH, 2008, p. 41
[117] VANHOOZER, 2007, p. 35
[118] VANHOOZER, 2007, p. 36
[119] VANHOOZER, 2007, p. 250
[120] Acompanho aqui a definição de teologia proposta por Vanhoozer: “A
´fé em busca do entendimento: 1) identificando Deus através de suas palavras
e ações registradas no texto bíblico e 2) inquerindo a relação de todo o resto
com Deus, então identificado.” (2007, p. 251).
[121] “Essas descrições ‘nada mais que’ podem ser verdadeiras no tanto
que vão, mas elas não vão longe o bastante.” (VANHOOZER, 2007, p. 37,
tradução do autor).
[122] VANHOOZER, 2007, p. 39
[123] Esse é o título atribuído pelo filósofo Paul Ricoeur às interpretações
que distinguem entre o significado superficial e uma realidade mais a fundo.
Ele identificou essa tendência especialmente em Freud, Marx e Nietzsche.
Embora tenha elaborado um conceito em torno da hermenêutica textual, é
possível reconhecer correspondentes na hermenêutica da cultura
(VANHOOZER, 2007, p. 37). Nesse caso, a suspeita é de que seu significado
está atrelado à manutenção do poder ou a busca pelo lucro.
[124] LYNCH, 2008, p. 37, tradução do autor
[125] Cobb explica que Tillich usa o termo “religião” de duas maneiras.
Primeiro, uma esfera da cultura onde a revelação é transmitida pelo clero,
instituições, histórias, liturgias e textos sagrados. Segunda, que é a
mencionada neste trabalho, uma fonte primordial de sentido – “o que fervilha
abaixo da superfície de todas as esferas da cultura sustenta a nossa convicção
de que vale a pena participar delas” (2005, p. 92, tradução do autor). Nas
palavras do próprio Tillich: “Se abstrairmos o conceito de religião do grande
mandamento, poderemos dizer que religião significa preocupação suprema
com aquilo que nos preocupa em última análise. ”. (2009, p. 81).
[126] “Preocupação suprema” diz respeito a uma profunda convicção (ou
lealdade) em torno das quais todas as outras convicções são relativizadas.
Para Tillich, trata-se de um sinônimo para “fé” e “Deus”, tanto que ele postula:
“Fé, então, é o estado em que somos tomados pela preocupação suprema, e
Deus é seu nome e conteúdo” (2009, p. 81).
[127] PAUL TILLICH, 2009, p. 83
[128] Deve-se observar, porém que o lugar sobre o qual essa preocupação
repousa não é sempre o mesmo. Para esclarecer isso é proveitoso voltar-se ao
conceito de “antítese” oriundo da obra de Abraham Kuyper e trabalhado entre
os teóricos da filosofia reformacional. Em Countorns Of The Kuyperian
Tradition, Craig Bartholomew fala sobre o ser humano como homo religiosis –
“nossos corações estão sempre direcionados para o Deus vivo ou para um
ídolo. ” (2017, p. 108-109).
[129] VANHOOZER, 2007, p. 41
[130] “A história que a Bíblia narra da atividade e presença de Deus no
mundo [...] na qual os seres humanos têm falas e partes de atuação. ”
(VANHOOZER, 2007, p. 41, tradução do autor).
[131] CRAIG BARTHOLOMEW, 2017, p. 62
[132] DETWEILER, 2003, p. 23
[133] VANHOOZER, 2007, p. 42
[134] Vemos isso nos relatos do livro de Atos: no Pentecostes, quando o
Espírito capacita os que foram ungidos para proclamarem o evangelho em
seus próprios idiomas (At 2.6-8) e no momento em que o evangelho fora
anunciado aos gentios pela primeira vez (At 11.19-26). Vanhoozer entende que
essa segunda ocasião foi decisiva, pois representou “a independência do
evangelho com relação ao judaísmo ou a qualquer cultura específica.” (2016,
p. 333).
[135] VANHOOZER, 2016, p. 333
[136] Em O Drama Da Doutrina: Uma Abordagem Canônico-Linguística Da
Teologia Cristã.
[137] VANHOOZER, 2016, p. 334
[138] KOOI e BRINK, 2017, p. 190, tradução do autor
[139] Mas Kooi e Brink ressaltam que o conhecimento salvífico presume
revelação bíblica (2017, p. 184).
[140] Entres as referências bíblicas predominantemente ocorridas nos
estudos sobre a revelação geral de Deus estão: Sl 19 e 104, Rm 1.19-25 e
2.14-15, e At 17.22-31.
[141] VANHOOZER, 2007, p. 42, tradução do autor
[142] VANHHOOZER, 2007, p. 42
[143] Essa doutrina encaminha uma apreciação pela criatividade de Deus,
não dependendo por quais fontes ela venha à tona. Detweiler ilustra isso
mencionando episódios da Bíblia em que Deus se comunicou por meios “não
convencionais”, como na sarça em chamas (Ex 3.1-4), uma mula (Nm 22.28) e
através de sonhos. No Novo Testamento, ele cita a escolha de Jesus por
pescadores e cobradores de impostos para testemunharem do seu Reino. E
também fala sobre a relação de Jesus com as pessoas às margens da
sociedade (prostitutas, samaritanos, viúvas e órfãos). Com isso, ele defende
que a garça comum “subverte as noções preconcebidas de como, quando e
através de quem Deus escolhe se comunicar” (2003, p. 16-17, tradução do
autor).
[144] VANHOOOZER, 2007, p. 42-43
[145] KOOI E BRINK, 2017, p. 240
[146] Um texto fundamental para os desdobramentos desse ensino é
Gênesis 1.26-28.
[147] MCGRATH, 2014, p. 504
[148] Steve Turner escreve que “as bases para a cultura foram
estabelecidas no início da Bíblia: cuidar do jardim e nomear os seres em
Gênesis 2, cuidar da terra e fazer roupas em Gênesis 3, construir cidades e
tocar harpas e flautas em Gênesis 4, construir barcos em Gênesis 6, construir
um altar em Gênesis 8, plantar frutas e produzir vinho em Gênesis 9, produzir
tijolos em Gênesis 11, produzir tendas em Gênesis 12” (2013, p. 43).
[149] KOOI e BRINK, 2017, p. 516, tradução do autor
[150] TURNER, 2013, p. 51
[151] KOOI e BRINK, 2017, p. 523, tradução do autor
[152] KOOI e BRINK, 2017, p. 523, tradução do autor
[153] VANHOOZER, 2007, p.49
[154] LYNCH, 2008, p. 112
[155] Há uma variedade de definições para “cosmovisão”, portanto é válido
pontuar a pressuposta aqui. Tenho em mente a definição traçada por James W.
Sire, filósofo e teólogo, na obra Dando Nome ao Elefante: Cosmovisão Como
Um Conceito. Sire afirma: "Cosmovisão é um compromisso, uma orientação
fundamental do coração, que pode ser expresso como uma estória ou num
conjunto de pressuposições (suposições que podem ser verdadeiras,
parcialmente verdadeiras ou totalmente falsas) que sustentamos (consciente
ou subconscientemente, consistente ou inconsistentemente) sobre a
constituição básica da realidade, que fornece o fundamento no qual vivemos,
nos movemos e existimos." (2012, p. 179).
[156] VANHOOZER, 2007, p. 50
[157] Distinguir se um filme corresponde ao gênero western, terror, ficção
científica, comédia romântica ou noir. Ou então se um programa de TV é
identificado como novela periódica ou noticiário (LYNCH, 2008, p. 116). O foco
no caso é discernir o tipo de texto – “No geral, determinar o gênero de um texto
cultural representa um grande passo em entender do que ele trata. ”
(VANHOOZER, 2007, p. 50).
[158] Nas palavras de Adler: “O objetivo desse nível é examinar a
superfície do livro [...] a pergunta do nível inspecional é ‘O livro é sobre o quê?
’. Há outras perguntas similares, como ‘Qual a estrutura do livro? ’ ou ‘Em
quais partes o livro é dividido?’. (2010, p. 39).
[159] ADLER E DOREN, 2010, p. 346
[160] ADLER E DOREN, 2010, p. 147
[161] “Proposições culturais não são unidades de pensamento: são
unidades de vida.” (VANHOOZER, 2007, p. 51, tradução do autor).
[162] LYNCH, 2008, p. 144
[163] COBB, 2005, p. 7
[164] Por exemplo, referir-se ao mundo como “organismo” ou então
“máquina”. Outra amostra disso é a expressão corriqueira “tempo é dinheiro”,
que sugere que o tempo (um aspecto da realidade) é uma espécie de
commodity, predispondo as pessoas a refletir sobre seu cotidiano em termos
de “gastar”, “economizar” ou “desperdiçar” tempo (VANHOOZER, 2007, p. 52).
Em outro texto, Vanhoozer esclarece: “Segue-se que as metáforas e outros
produtos da imaginação verbal desempenham uma função-chave na facilitação
do entendimento, essa apreensão do todo e de nosso lugar nele. A busca por
sentido na vida está ligada com intimidade à busca por metáforas mediante as
quais se vive. Metáforas são a matéria-prima das visões pelas quais vivemos.”
(2018, p. 32).
[165] COBB, 2005, p. 29
[166] É proveitoso fazer certas considerações sobre do que se trata
“imaginação” nesse contexto. Ela não é vista meramente como uma faculdade
para a criação de imagens (irracional), mas não é também simplesmente
cognitiva, pois envolve tanto a mente quanto as emoções – é uma “faculdade
integradora que se dirige à totalidade dos seres humanos” (VANHOOZER,
2018, p. 26). Precisamente: “é a capacidade cognitiva – uma habilidade mental
– que nos permite sintetizar coisas diferentes. Pense na imaginação como um
‘poder formador’: a habilidade de criar ou perceber totalidades dotadas de
sentido e forma coerentes. [...] é, pois, o auxílio vital no discernimento da
adequação – o modo como as partes ‘pertencem’ ao todo. [...] Precisamos de
imaginação a fim de perceber o sentido.” (VANHOOZER, 2018, p. 26).
[167] Ted Turnau, em Popologetics: Popular Culture In Christian
Perspective descreve como se dá esse convite ou captura da imaginação: “O
entretenimento legítimo convida o espectador, ouvinte ou leitor a uma resposta
que beira o temor. [...] O tipo de prazer encontrado no entretenimento nos
conecta a um nível de nossa imaginação e desejos profundos. [...] Se você
seguir os passos do prazer e entretenimento, pode encontrar muito sobre a
vida religiosa de um povo. [...] A cultura pop tem certos momentos que nos
viram do avesso e arrancam risos, lágrimas, alegria e encanto. Essa é a
adoração nos moldes da cultura popular. Assim nos tornamos fãs. (2012, p. 74-
75, tradução do autor).
[168] VANHOOZER, 2007, p. 53
[169] Denominado por Karl Barth como o “estranho mundo novo” das
Escrituras (Palavra de Deus, palavra do homem, 2011, p. 94).
[170] Hungry For Heaven: Rock ‘n’ Roll & The Search For Redemption, de
Steve Turner.
[171] VANHOOZER, 2007, p. 83, 88
[172] DANESI, 2018, p. 169
[173] Personal Jesus: How Popular Music Shapes Our Souls, Clive Marsh e
Vaughan Robert, 2013, p. 4
[174] MARSH; ROBERT, 2013, p. 3-4
[175] DANESI, 2018, p. 169
[176] DANESI, 2018, p. 173
[177] Entre as bandas desse movimento decisivo para a história da música
popular estiveram, por exemplo, The Kinks, Rolling Stones e – notavelmente –
The Beatles. Esse é considerado como um “evento crucial na história da
música pop”, de acordo com o crítico Lester Bangs (1992, p. 199). Bangs
defende essa ideia na obra compilada pela revista Rolling Stone: The Rolling
Stone Illustrated History of Rock and Roll: The Definitive History of the Most
Important Artists and Their Music).
[178] MARCUS, 1992, p. 595, tradução do autor.
[179] Esse disco chamou a atenção especialmente do público cristão, pois
três dos quatro integrantes da banda seguiam o cristianismo (Bono e The Edge
eram protestantes, e Larry Mullen Jr., católico).
[180] Por conta do recorte deste livro, a discografia da banda não será
apresentada exaustivamente, mas é útil uma amostra ao menos dos discos
inéditos da banda. Segue sequência com os títulos e os anos de publicação:
Boy (1980), October (1981), War (1983), Unforgettable Fire (1984), The Joshua
Tree (1987), Rattle & Hum (1988), Achtung Baby (1991), Zooropa (1993), Pop
(1997), All That You Can’t Leave Behind (2000), How To Dismantle Na Atomic
Bomb (2005), No Line On The Horizon (2009), Songs Of Innoncence (2014) e
Songs Of Experience (2017). Bono, Edge, Larry Mullen e Adam Clayton
seguem ativos atualmente, tendo encerrado uma turnê no final de 2018.
[181] CARLOS MESSIAS, 2011, p. 72
[182] O LP contém 12 faixas: Zoo Station, Even Better Than The Real
Thing, One, Until The End Of The World, Who’s Gonna Ride Your Wild Horses,
So Cruel, The Fly, Mysterious Ways, Tryin’ To Throw Your Arms Around The
World, Ultra Violet (Light My Name), Acrobat, Love Is Blindness.
[183] Disponível em <https://bit.ly/2mXX2RN>. Acesso em: 24 set. 2019.
[184] 2011, tradução do autor.
[185] As imagens deste capítulo foram retiradas do acervo do site do fã
clube U2Start.com, todas com direito de uso indiscriminado. Disponíveis em
https://u2start.com/photos/. Acesso em 18 fev. 2020.
[186] “Estou pronto, pronto para o que vier” (Even Better Than The Real
Thing).
[187] U2 by U2. Nesse livro, o crítico de rock Neil McCormick reuniu mais
de 150 horas de entrevistas exclusivas feitas com a banda (e o empresário
Paul McGuiness) durante dois anos.
[188] 2006, p. 268, tradução do autor
[189] 2006, p. 269, tradução do autor
[190] Nesse estúdio, artistas de referência para a banda irlandesa
gravaram alguns de seus principais trabalhos: David Bowie gravou a trilogia
Low (1977), Heroes (1980) e Lodger (1983), e Iggy Pop o disco The Idiot
(1977).
[191] Estilos da década de 1990 caracterizados pela fusão do rock e da
música eletrônica: marcados pelo misto de experimentalismos eletrônicos
vanguardistas e da voracidade do punk.
[192] Corrente do rock britânico entre os anos 80 e 90, na qual as bandas
mesclavam ritmos dançantes da acid-house music (música eletrônica com
traços psicodélicos) com linhas melódicas do pop.
[193] Larry Mullen afirma: “Edge e Bono estavam trabalhando muito
próximos durante aquele período. Eu e Adam nos sentimos um pouco à parte
do que estava acontecendo. Sentíamos que a maneira que tratávamos as
composições havia mudado. Edge e Bono moviam-se muito rápido para
descobrir coisas novas.” (MCORMICK, 2006, p. 268, tradução do autor).
[194] U2 At The End Of The World.
[195] BILL FLANAGAN, 1996, p. 7, tradução do autor.
[196] MCCORMICK, 2006, p. 275
[197] Ou Dogtown, apelido dado pela banda (MCCORMICK, 2006, p. 275).
[198] Processo em que o material gravado em estúdio (ou ao vivo) é
balanceado, quando há o ajuste dos de volume vocais e dos timbres
instrumentais.
[199] Etapa final da a pós-produção do áudio, que visa à correção de
possíveis deficiências sonoras (como ruídos, falta de equalização e
sibilâncias).
[200] MCCORMICK, 2006, p. 285
[201] STOCKMAN, 2006, p. 105
[202] STOCKMAN, 2006, p. 105-106
[203] Além de integrarem a fraternidade adolescente Lypton Village, Friday
e Guggi também participavam das mesmas reuniões de oração e estudo
bíblico que Bono frequentava, ligadas à Comunidade Shalom, grupo cristão-
evangélico de Dublin (STOCKMAN,2006, p. 29).
[204] O glam rock se popularizou na Europa (principalmente na Inglaterra)
a partir da década de 1970, representado pela banda Roxy Music e David
Bowie. Os músicos se apossavam de artifícios como a dramaticidade,
ambiciosidade lírica e sonora, visual extravagante e sensualidade como
recursos para explorar temas muitas vezes obscuros, envoltos na elegância
das músicas.
[205] STOCKMAN, 2006, p. 107
[206] STOCKMAN, 1996, p.21-23
[207] STOCKMAN, 2011, n. p., tradução do autor
[208] MCCORMICK, 2006, p. 270
[209] MCCORMICK, 2006, p. 110
[210] “Vamos deslizar na superfície das coisas”.
[211] TAYLOR, 2003, p. 139
[212] STUART BORTHWICK E RON MOY, 2008, p. 3V
[213] Gêneros da Música Popular: Uma Introdução (Popular Music Genres:
An Introduction).
[214] ALLMUSIC, tradução do autor.
[215] Disponível em https://bit.ly/2Bg6QdT. Acesso em: 15 out 2019.
[216] SENEFONTE, Almanaque do rock: histórias e curiosidades do ritmo
que revolucionou a música.
2008, p. 9.
[217] Logo após o lançamento do disco, o crítico Robert Hilburn escreveu
no texto U2 Ousa Descer à Escuridão (U2’s Daring Descent Into Darkness):
“As letras de Bono são introspectivas e reflexivas. Ele pode ter expressado
desilusão e dúvidas em álbuns anteriores, mas a mensagem geral sempre foi
animadora, indicando um senso de destino e esperança. [...] Bono ficaria
naturalmente intrigado com os assuntos mais concretos do coração. As novas
músicas lidam com decepções e enganos - como o amor, sim, pode elevá-lo e
despedaçá-lo.” (1991). Disponível https://lat.ms/2ltyLCU. Acesso em: 18 set.
2019.
[218] STOKES, 20011, n. p.
[219] STOCKMAN, 2006, p. 108
[220] O eu lírico se coloca no lugar de Judas. Stockman descreve que na
obra de Kennelly “o profano se assenta ao lado de Cristo ao olhar para o Judas
do Getsemani, o Judas em nossa cultura e o Judas em todos nós.” (2006, p.
109). Edge conta que a ideia do título da música surgiu quando a banda foi
convidada a gravar uma música para o filme de mesmo nome dirigido por Wim
Wenders, cineasta alemão. No decorrer do trabalho eles decidiram colocar a
canção no disco e disseram a Wenders: “Você pode ter a faixa, mas nós
queremos também” [...] “Então dissemos: ‘A propósito, estamos pegando seu
título emprestado!’” (MCCORMICK, 2006, p. 278).
[221] MCCORMICK, 2006, p. 279
[222] STOCKMAN, 2006, p. 112
[223] TURNER, 2016, p. 132
[224] TURNER, 2016, p. 132
[225] Em Imagine: a Vision For Christians In The Arts.
[226] A começar pelo título. Bono disse em entrevista a David Fricke, da
revista Rolling Stone: “Ironicamente, a única coisa engraçada de Achtung Baby
é o título, que o U2 retirou do filme The Producers, de Mel Brooks, através do
engenheiro de som da banda Joe O'Herlihy, que o usou como uma frase de
estimação durante as sessões de gravação em Berlim. [...] Mas é
provavelmente o disco mais pesado que já fizemos. Há muito sangue e tripas
nesse disco. ” (1992, tradução do autor). Disponível em https://bit.ly/2n8sop5.
Acesso em 27 set 2019.
[227] PARELES, 1991
[228] Descrição do jornalista Jon Pareles na resenha do disco publicada
pelo New York Times: U2 Takes a Turn From The Universal To The Domestic.
Disponível em https://nyti.ms/2nAya2V. Acesso em 26 set 2019.
[229] STOCKMAN, 2006, p. 118
[230] MCCORMICK, 2006, p. 304, tradução do autor
[231] MCCORMICK, 2006, p. 305, tradução do autor
[232] STOKES, 2011, n. p., tradução do autor
[233] STOCKMAN, 2006, p. 143
[234] Disponível em https://bit.ly/2mUlgfL. Acesso em 20 set 2019.
[235] Douglas Stuart, especialista em Antigo Testamento, afirma que os
salmos de lamentação compõem a maior parte do saltério, e entre eles figuram
as lamentações individuais, que “tanto expressam quanto pressupõem
profunda confiança em Javé, e ajudam a pessoa a expressar diante do Senhor
as suas lutas, sofrimentos ou a sua decepção. ” (2011, p. 255). Nessa
categoria estão: Sl 3; 22; 31; 39; 42; 57; 71; 88; 120; 139 e 142.
[236] STOKES, 2011, n. p.
[237] STOCKMAN, 2006, p. 114
[238] STOCKMAN, 2006, p. 116
[239] LEWIS, 2017, p. 18
[240] LEWIS, 2017, p. 20
[241] STOCKMAN, 2006, p. 132
[242] TURNER, 2016, p. 75
[243] DETWEILER, 2003, p. 28.
[244] James W. Sire, O Universo Ao Lado. Um Catálogo Básico Sobre
Cosmovisão.

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