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UNIVERSIDADE FEDERAL DE GOIÁS

FACULDADE DE HISTÓRIA

ÁLVARO ANTÔNIO ALVES DA SILVA


BÁRBARA DEZEMBRINA BARROS DA SILVA
FÉLIX AZEVEDO DE OLIVEIRA
HEITOR GONDIM DE ANDRADE
MARIA EDUARDA ALVES DE OLIVEIRA
RAFAELA CAMELLO DA MATA
THIAGO ALECRIM DE SOUZA

ANÁLISE DOCUMENTAL: O "De excidio Vrbis" e outros sermões sobre a queda de


Roma.

GOIÂNIA - GO
2022
ÁLVARO ANTÔNIO ALVES DA SILVA
BÁRBARA DEZEMBRINA BARROS DA SILVA
FÉLIX AZEVEDO DE OLIVEIRA
HEITOR GONDIM DE ANDRADE
MARIA EDUARDA ALVES DE OLIVEIRA
RAFAELA CAMELLO DA MATA
THIAGO ALECRIM DE SOUZA

ANÁLISE DOCUMENTAL: O "De excidio Vrbis" e outros sermões sobre a queda de Roma

Análise documental apresentada para a disciplina de


História Medieval 1, do curso de História - Licenciatura
da Universidade Federal de Goiás.

Orientador: Prof. Dr. Hugo Rincon Azevedo.

GOIÂNIA - GO
2022
SUMÁRIO

1. Crítica Externa: apresentação do texto-documento……………………….…………….4


1.1 Introdução ao documento……………………………………………………………...4
1.2 Bibliografia do Autor………………………………………………………………….4
1.3 Temas centrais contidos no documento………………………………………………..6
1.4 Tópicos centrais para a análise da obra………………………………………………..6

2. Problematização (levantamento de questões problemas).................................................7

3. Sintetização da pesquisa – crítica historiográfica e análise pormenorizada do


documento…………………………………………………………………………………… 8

4. Bibliografia………………………………………………………………………………. 15
4

1. Crítica Externa: apresentação do texto-documento

1.1 Introdução ao documento


AGOSTINHO, Santo. O "De excidio Vrbis" e outros sermões sobre a queda de Roma. Trad.
Carlota Miranda Urbano. 3o ed. Coimbra: Imprensa da Universidade de Coimbra, 2013.

De urbis Romae excidio é escrita originalmente em Latim em 410 d.C. A obra é um


sermão (termo vindo de sermo, no Latim). De acordo com a primeira percepção do termo, um
sermão é uma prática que é realizada por um clérigo cristão a fim de ensinar algo aos fiéis.
Quando um sacerdote prega um sermão, por conseguinte, pretende fazer um ensinamento
relacionado com a doutrina religiosa. Na idade média os sermões eram dados em latim, mas
com o passar do tempo, começam a ser desenvolvidos em outras línguas, visando a
compreensão por parte da população em geral.

1.2 Bibliografia do Autor


Aurélio Agostinho de Hipona ou Aurelius Augustinus Hipponensis, em latim,
conhecido geralmente como Santo Agostinho, foi um dos mais importantes teólogos e
filósofos nos primeiros séculos do cristianismo.
Agostinho nasceu em 354 no município de Tagaste, na província romana da Numídia.
Sua mãe, Mônica, era uma cristã devota, mas seu pai só iria se converter ao cristianismo no
leito da sua própria morte, como mostra em “Confissões de Santo Agostinho” , escrito entre
397 d.C. e 400 d.C. Agostinho considerava-se um púnico, filho da civilização cartaginesa que
foi uma civilização da Antiguidade que se desenvolveu na Bacia do Mediterrâneo entre o fim
do século IX a.C. e meados do século II a.C. e esteve na origem de uma das maiores potências
comerciais e militares do seu tempo.
Quando ele tinha onze anos, foi enviado para uma escola em Madauro uma pequena
cidade númida a apenas 30 quilômetros ao sul de Tagaste, onde ele estuda sobre a literatura
latina e as práticas e crenças pagãs. Foi ali também, por volta de 369 ou 370, que ele desperta
seu interesse por filosofia, quando lê o diálogo perdido de Cícero, "Hortênsio".
Já aos seus dezessete anos, Agostinho mudou-se para Cartago para estudar retórica,
nessa época ele adere à filosofia maniqueísta, e adota um estilo de vida hedonista, que era a
“moda” entre os jovens de sua época e classe social, hedonismo do grego significa “prazer”, e
se trata de uma família de teorias, as quais têm em comum que o prazer desempenha um papel
central nelas. O hedonismo afirma que o comportamento humano é determinado por desejos
de aumentar o prazer e diminuir a dor, seguindo essa linha de pensamento agostinho se
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associa a jovens que se vangloriavam de suas aventuras sexuais com mulheres e homens. É
deste período uma famosa oração de Agostinho: "Senhor, conceda-me castidade e
continência, mas não ainda" (AGOSTINHO. Confissões. 2004.)
Algum tempo depois, creia-se que dois anos, Agostinho inicia um romance com uma
jovem cartaginesa, da qual mantém uma relação de concubinato. Dessa relação nasce seu filho
Adeodato. Por volta de seus 30 anos de idade, Agostinho assume como professor de retórica
na corte imperial em Mediolano.
Sobre sua conversão ao cristianismo, Agostinho se converte no verão de 386, depois
de ouvir a história da vida de Santo Antão do Deserto por Placiano e seus amigos, ele nos
conta em uma das suas confissões, que ouviu uma voz infantil dizendo “tolle, lege” que seria
"tomar e ler", o que ele entendeu ser um comando divino para abrir a Bíblia, e ler a primeira
coisa que encontrasse, foi então que ele encontra o seguinte trecho: “Andemos honestamente
como de dia, não em orgias e bebedices, não em impudicícias e dissoluções, não em
contendas e ciúmes; mas revesti-vos do Senhor Jesus Cristo, e não vos preocupeis com a
carne para não excitardes as suas cobiças.” (Romanos 13:13-14). Esse trecho é conhecido
como "transformação dos crentes".
Agostinho é batizado em 387 d. C. por Ambrósio um dos mais importantes membros
do clero no século IV, junto ao seu filho Adeodato.
Em 391, Agostinho é ordenado sacerdote em Hipona, e em 395, foi nomeado bispo
coadjutor de Hipona, logo depois, assume o trono episcopal, motivo pelo qual é conhecido
como "Agostinho de Hipona", uma posição que manteve até sua morte.
Sobre seus últimos dias de vida temos apenas relatos de Possídio, o bispo de Calama
que seria melhor amigo de Agostinho. Na primavera de 430, os vândalos, uma tribo
germânica convertida ao arianismo, invadiram a África romana e cercaram Hipona, mas essa
não é a razão de sua morte, a verdade é que Agostinho já estava muito doente, segundo
Possídio, Agostinho passa seus últimos dias em oração e penitência, com salmos pendurados
nas paredes de seu quarto e antes de morrer, ordena que a biblioteca da igreja de Hipona e
todos os seus livros fossem cuidadosamente preservados, e então falece em 28 de agosto de
430 d.C.
Há duas obras que podem ser consideradas as principais desenvolvidas pelo intelectual
durante sua vida. A primeira delas é “Confissões” (397-400), a qual retrata a sua vida antes
de ser membro da Igreja Católica (focando no pecado, no maniqueísmo e no hedonismo)e o
seu processo de conversão. A segunda é “A Cidade de Deus”, em que vai tratar dos dogmas
cristãos, iniciando um movimento de filosofia cristã.
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1.3 Temas centrais contidos no documento


A obra analisada apresenta em forma de sermões a associação de passagens bíblicas e
a pregação de Santo Agostinho com a queda de Roma, após ser dominada pelos godos. Sendo
assim, Santo Agostinho irá comparar o ocorrido em Roma com a destruição de Sodoma e vai
diferir os dois casos, dizendo que Deus não poupou nem mesmo um animal de Sodoma,
devido à ausência de qualquer justo na cidade, enquanto afirmará que, em Roma, aqueles que
sobreviveram não eram considerados justos, pois apenas o personagem bíblico Daniel
possuiria esse título, ainda assim viviam uma vida de bondade, justiça e fé, logo foram
poupados por Deus.
Ademais, ele irá enfatizar a necessidade de resistência aos males terrenos por parte dos
crentes, fato relacionado ao contexto caótico de invasões germânicas que esses indivíduos
estavam inseridos.
Além disso, Santo Agostinho defenderá os cristãos das acusações de serem os
culpados da queda de Roma feita pelos pagãos, afirmando que Roma foi fundada com a
crença em deuses pagãos, sendo que, os mesmos deuses, foram derrotados em Tróia, local
onde eram adorados, logo eles estavam em mesma situação que os cristãos. Por fim, Santo
Agostinho irá afirmar que os cristãos que nunca deixaram de louvar a Deus se diferenciam
daqueles que blasfemam e negaram Deus na queda de Roma, pois estes últimos estariam
perdendo suas terras em vida e suas terras eternas, expondo, assim, uma visão escatológica.

1.4 Tópicos centrais para a análise da obra


● a utilização de personagens bíblicos (como Daniel e Job) visando o enriquecimento do
discurso.
● a indicação de uma localidade centrada no extenso Império Romano.
● o fato de o autor ser um membro do corpo eclesiástico e o desenvolvimento do texto
ter se dado durante a crise do Império Romano.
● o uso do sermão como forma de difundir os ideais que a Igreja julgava corretos no
início do medievo.
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2. Problematização (levantamento de questões problemas)

I. A partir do contexto histórico em que o documento foi produzido, quais as principais


causas que levaram Santo Agostinho a recuperar trechos da bíblia que sugerem a
necessária resistência dos cristãos aos sofrimentos terrenos, buscando um pós vida
longe do sofrimento?

II. Como a ideia de um fim do mundo já definido, de uma consequente morte de todos,
um final certo relacionado ao fim da humanidade, exposta no sermão 81, pode nos
ajudar a entender a visão de história desse período?

III. Como, por meio da perspectiva apresentada por Agostinho, podemos entender a
relação entre as religiosidades tradicionais romanas, consideradas pagãs, e o
catolicismo?

IV. De que forma, por meio dos sermões, Santo Agostinho de Hipona se coloca em
contra-resposta aos pagãos que atribuíram o declínio do Império Romano ao
cristianismo e eram favoráveis ao culto dos deuses romanos?
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3. Sintetização da pesquisa – crítica historiográfica e análise pormenorizada do


documento.
Tendo em vista os sermões trabalhados, principalmente o “Sermão sobre a destruição
da cidade de Roma”, e a interpretação dos mesmos, há o levantamento da hipótese de que
Santo Agostinho, ao utilizar tais trechos bíblicos na produção desses escritos, busca, na
essência de seus pensamentos, afastar o círculo clerical e as pessoas do sofrimento
momentâneo, do sofrimento de tudo que é humano. Esse fator se deve, principalmente, ao
contexto conflituoso em que esses indivíduos estavam inseridos: a queda e descentralização
de Roma e do poder de seus territórios, a partir das invasões germânicas. Ao se abdicar de
tais, o fiel, se abstêm destas mencionadas experiências, a fim de conseguir disfrutar do
santíssimo pós vida, fugindo da imperfeição e momentaneidade humana, de suas mazelas e
falhas, em troca de uma eternidade plena, santa, longe do tão característico sofrimento, que
durante toda história se mostra parte da essência do ser humano. Os trechos a seguir
apresentam, de forma central, esse intuito de Santo Agostinho, ao utilizar o exemplo bíblico
de Job, ele incentiva a resistência às dores terrenas dos fiéis, visando um pós vida virtuoso:
Vede como a morte seria para ele um benefício, e tal benefício ninguém lho oferecia.
Mas em tudo aquilo que a sua santa alma suportava, era exercitada a sua paciência,
provada a sua fé, confundida a sua mulher e vencido o demónio. Grande maravilha é
ver tão preclara beleza da virtude naquela fealdade de podridão. (AGOSTINHO,
2013, P.46)

Prestai atenção às palavras deste varão forte e fiel. Prestai ouvidos às palavras de um
homem que apodrece por fora mas é íntegro no seu íntimo. “Falaste como a mais
insensata das mulheres. Se recebemos das mãos do Senhor os bens, porque não
havemos então de suportar os males? Ele é Pai. Porventura deve ser amado quando
acarinha e repudiado quando corrige? Não é Ele Pai, tanto quando promete a vida,
como quando impõe a disciplina?” (AGOSTINHO, 2013, P.47).

Esqueces o seguinte: “Filho, ao aproximares-te do serviço de Deus, permanece na


justiça e no temor e prepara a tua alma contra a tentação. Aceita tudo o que te tiver
sido dirigido; no sofrimento resiste, e na humilhação tem paciência. Pois no fogo se
provam o ouro e a prata, os homens agradáveis [a Deus], porém, nas chamas da
humilhação20”. Esqueces ainda: “O Senhor repreende aquele a quem ama e castiga
todo aquele que acolhe como filho”. (AGOSTINHO, 2013, P.47).

No sermão 81, há a retomada da questão da vida, mais especificamente, o fim dela,


assim, nota-se de forma mais enfática a difusão de uma ideia de fim certo por Santo
Agostinho. Esse ideal pode ser relacionado à visão histórica da cristandade do período em que
o texto foi escrito, baseada sobretudo na escatologia e na linearidade:
Pois tanto o mundo, que Deus criou para ti, há de findar um dia, como a ti próprio,
Deus te criou para um dia morreres. Até mesmo o homem, ornamento da cidade, o
próprio homem que nela habita, que a rege e governa, veio para partir, nasceu para
morrer, entrou para por ela passar. O Céu e a Terra passarão. Porque nos havemos de
admirar se a cidade um dia chega ao fim? Talvez não seja agora o fim da cidade, mas
ele virá um dia, seguramente. (AGOSTINHO, 2013, P.80).
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Segundo o Dr. Ivan Aparecido Manoel (2007), na obra “História, religião e


religiosidade”, o cristianismo consolidou uma concepção histórica - anteriormente já presente
na lógica dos textos sagrados do judaísmo - baseada na noção de retilinearidade e de
escatologia, além da visão de progressividade, ideia que possui influências em suas religiões
derivadas. Desse modo, ressalta a ação de Agostinho de Hipona de criar a "linha do tempo”
(artifício de compreensão da progressividade temporal ainda utilizado nos dias atuais),
aspecto que consagra essa ideia e demonstra a sua influência na produção intelectual do
bispo. Sendo assim, Aparecido Manoel enfatiza a contraposição dessa visão histórica à visão
histórica grega, a qual possuía um ideal de circularidade, baseada na repetição contínua de
processos. Ele afirma que não caberia ao monoteísmo essa visão circular. Hilário Franco
Júnior, na obra “A Idade Média, nascimento do Ocidente”, reafirma o desenvolvimento da
linearidade da história. Entretanto apresenta uma perspectiva diferente em relação à
apresentada por Aparecido Manoel quanto à ideia de uma exclusão total da circularidade da
história. O autor afirma que, mesmo com o ideal de linearidade imposto pelo catolicismo,
ainda haveria resquícios de uma mentalidade cíclica advinda de um pensamento já constante
nas camadas mais populares da sociedade:
Contudo, se o cristianismo reinterpretou a História, não pôde deixar de sentir seu
peso, inclusive da mentalidade* cíclica, daí a liturgia cristã basear-se na repetição
periódica e real de eventos essenciais como Natividade, Paixão e Ressurreição de
Jesus: ao participar da reprodução do evento divino, o fiel volta ao tempo em que ele
ocorreu. Ou seja, a cristianização das camadas populares não aboliu a teoria cíclica,
pelo contrário, influenciou o cristianismo erudito e reforçou certas categorias do
pensamento mítico. (FRANCO JÚNIOR, 2001, p.19).

Franco Júnior ainda afirma que essa linearidade não seria infinita, mas que teria um
fim definido por Deus: destacando, assim, a escatologia. Essa ideia se baseava na própria
Bíblia, a qual estabelecera o início (Gênesis) e o fim (Apocalipse) da história dos homens na
Terra. Aparecido Manoel complementa, ao afirmar que a história humana teria se iniciado
com Adão e acabaria com o retorno de Cristo, no Juízo Final. Além disso, durante esse
processo os homens "deverão buscar o seu aperfeiçoamento moral visando à salvação e a vida
eterna”. (APARECIDO MANOEL, 2007, P. 110).
Esse ideal de finalidade apresentado por Agostinho também pode ser notado em sua
obra “A cidade de Deus”, ao criticar a visão de uma história cíclica, ele afirma que:
Os filósofos pagãos introduziram ciclos de tempo em que as mesmas coisas seriam
restauradas e repetidas pela ordem da natureza e afirmaram que esses rodopios de
idades passadas e futuras prosseguirão incessantemente … A partir dessa zombaria,
são incapazes de por em liberdade a alma imortal, mesmo depois que ela atingiu a
sabedoria, e acreditam que ela está incessantemente caminhando para uma bem –
aventurança falsa e incessantemente retornando a uma miséria verdadeira … É
apenas através da sólida doutrina de um curso retilinear que podemos escapar de não
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sei quantos falsos ciclos descobertos por sábios falsos e enganosos. (AGOSTINHO.
1990, p.79).

Corroborando com essa ideia, o teólogo Pedro Paulo Alves dos Santos, na obra “ ‘De
Civitate Dei’: História e ‘eschatologia’ em Santo Agostinho. Poder e Religião no Cristianismo
‘latino’ e (Proto) Medieval”, define a escatologia como sendo a teologia do tempo histórico.
O autor, utilizando o pensamento do historiador italiano Arnaldo Momigliano, relaciona a
construção histórica proposta pelo historiador grego Políbio com a de Santo Agostinho.
Políbio, a princípio, trouxe a ideia do desenvolvimento de uma história universal, haja visto
que todos os eventos que já haviam ocorrido na história teriam seu fim no Império Romano,
devido à sua grande expansão no período. Desse modo, segundo o historiador José Moran
(1958), a perspectiva de construção histórico-política e teológica de Agostinho se insere nessa
perspectiva. Entretanto, ela seria adaptada à ideia de uma finalidade ligada ao próprio fim do
mundo e, consequentemente, ao fim da humanidade. Por fim, Dos Santos conclui que “O
pensamento apocalíptico era um estímulo à observação histórica.” (DOS SANTOS, 2008, p.6)
Nessa perspectiva, podemos realizar uma reflexão sobre os objetivos da Igreja ao
propagar essa ideia e o que ela afirmava que viria após o fim do mundo. Primeiramente, é
importante reconhecer a religião como um instrumento de controle usado na Idade Média,
uma vez que justificava fenômenos sociais por meio do discurso, tendo um papel notadamente
coesivo e integrativo. Assim, a Igreja buscava uma imutabilidade social através do campo
ideológico, já que os homens encontrariam compensação para a situação presente, na
esperança de uma salvação futura (GOMES, 2002, p.222).
Esse controle e força coercitiva da religião no medievo era fundado no medo, na culpa
e na esperança do fiel de alcançar o Reino de Deus no futuro através da obediência à Igreja –
detentora do poder religioso e da fé – e das boas obras feitas no presente. Nesse contexto, é
correto afirmar que a influência religiosa no campo social estava inserida em uma lógica
escatológica, ou seja, voltada para o fim, seja ele do indivíduo ou dos homens e a vida terrena
seria algo provisório. Tal afirmação pode ser observada no sermão 81 de Santo Agostinho:
Vamos, cristãos, raça celestial, peregrinos nesta terra que procurais a vossa cidade no
céu, que ansiais por vos juntardes aos santos anjos, compreendei que vós viestes a
este mundo para partir. (AGOSTINHO, 2013, p.75).

Ademais, Agostinho, segundo Francisco José Silva Gomes rejeitava a possibilidade da


existência de um Reino de Deus na Terra antes do Juízo Final. Sendo assim, deveria haver
uma manutenção das estruturas e relações sociais, desfavoráveis para as camadas mais pobres,
pois a sociedade perfeita não poderia ser alcançada na Terra pelos homens, e os indivíduos só
poderiam desfrutar do Paraíso caso se garantissem por meio da fé, da crença no catolicismo e
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da obediência à Igreja. Dessarte, fica evidente que o objetivo da Igreja e, portanto, de Santo
Agostinho, ao propagar a ideia do fim do mundo já definido era exercer um controle social,
evitando fazer com que as pessoas desfavorecidas pelo sistema se revoltassem em busca de
mudanças, com o entendimento que sua condição no presente é temporária e sua aceitação
garantiria um lugar no Reino de Deus. Como é citado em “A Cristandade medieval entre o
mito e a utopia”:
Cada recriação recapitula a criação primordial e todos os começos são,
pois,recomeços, conjugando-se o mito do começo com o do fim último, a protologia
com a escatologia. Resumindo, a escatologia cristã, na Bíblia, relaciona-se com as
categorias de “memória” e “promessa” do discurso histórico-salvífico, com a
profecia e com discurso mítico.(GOMES, 2002, p.227).

A bifurcação da escatologia cristã consumou-se com a teologia agostiniana,


mantendo o cristianismo numa permanente tensão entre instituição e inspiração,
entre poder e carisma. Agostinho refutou o milenarismo e a escatologia iminente,
rejeitando a possibilidade da identificação de um reino visível de Cristo na terra
antes do Juízo Final e falando antes de uma presença invisível do Reino de Deus na
Igreja (GOMES, 2002, p.228).

Nesse sentido, um grupo de indivíduos se afirmará como empecilho a esse controle


hegemônico almejado pela Igreja nesse contexto de desmantelamento de Roma: os
denominados pagãos. Antes de entendermos a visão de Santo Agostinho relacionada às
religiões consideradas pagãs, é necessário que haja o entendimento acerca do que o
cristianismo considerava pagão, além da compreensão das relações históricas entre o
cristianismo em si e essas demais crenças. O historiador Fabiano de Souza Coelho (2011),
analisou essas relações em sua tese “Religião, Identidade e Estigmatização: Agostinho e os
pagãos na obra De Civitate Dei”. O autor expõe a construção e as utilizações do termo
“pagão” durante o final do Império Romano e o início do medievo. A princípio, afirma que o
termo foi utilizado por parte dos cristãos romanos, já em um tom de desprezo, ao se referirem
aos indivíduos que praticavam religiões que fugiam ao cristianismo ou ao judaísmo, em suma,
religiões politeístas. Por fim, o autor define pagão, no contexto em que Agostinho escreve,
como os indivíduos que “se opunham à nova doutrina do Cristianismo”, os “adeptos da
religião tradicional antiga dos romanos''.
A partir do apresentado, podemos notar uma inferiorização do politeísmo e uma visão
de superioridade propagada pelo cristianismo, em relação aos caracterizados como “pagãos”.
Estaria dada a gênese de um iminente enfrentamento. Nesse sentido, o autor vai enfatizar as
mudanças nessas relações entre crenças ao longo do tempo, destacando períodos de
alternância entre a dominação do cristianismo e a dominação do paganismo, baseando-se,
principalmente, nas perspectivas adotadas por cada imperador. Destacando o papel de
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Constantino (272 d.C. - 337 d.C) como adepto ao cristianismo e de Juliano (331 d.C. - 363
d.C.) como atuante na tentativa de reabilitar o paganismo. Já no final do século IV d.C., o
imperador Teodósio (347 d.C. - 395 d.C.) vai consolidar a dominação do cristianismo por
meio, principalmente, do edito de Tessalônica (380 d.C.), que declara o cristianismo como
religião oficial do Império. Além disso, em 392 d.C ele promulga a lei que proíbe a oferenda
de sacrifícios, a adoração de ídolos e a elevação de altares, bases das religiões politeístas
romanas. Concluindo suas ações anti pagãs mais representativas, o imperador declara o fim do
financiamento estatal dos ritos politeístas. Assim, a perseguição contra esses indivíduos
aumenta e eles passam à clandestinidade:

Não obstante, além das medidas legais, os pagãos tinham que lidar com uma
ascendente violência contra seus locais religiosos e suas pessoas. Contando com a
cumplicidade do Império Romano, os clérigos da Igreja cristã representados pelos
bispos, padres e monges motivavam os cristãos a atacarem e destruírem os templos e
as estátuas dos deuses, tidos como manifestações de ordem demoníaca (COELHO,
2011, p. 79).

Por fim, a partir dos inícios do século V, o paganismo vai ser considerado como um
superstitio, ou seja, é desconsiderado como religião, sendo encarado como uma mera
superstição (COELHO, 2011, p. 72-78). Tal menosprezo já podia ser visto anteriormente com
Constantino, pois como é citado em seus primeiros editos, os pagãos poderiam cultuar seus
deuses e seus ritos, os quais foram considerados obsoletos, caso não fizessem com que os
Cristãos colaborassem, evidenciando uma tolerância do Estado ao paganismo apenas na
condição de inferioridade, julgando o politeísmo como uma crença vazia de significado e
importância. (COELHO, 2011, p.80)
As disputas travadas entre pagãos e cristãos não se desenvolveram apenas por meio de
perseguições, agressões e destruição de templos, mas também foram levadas para o campo
intelectual, com o Bispo Agostinho de Hipona se opondo ao pagão Volusiano, que era de uma
antiga e importante família romana. Assim, Agostinho, que tinha muitos conhecimentos
acerca da cultura politeísta romana, troca correspondências com Volusiano e seu grupo de
pagãos:
Diante dos questionamentos, Agostinho produziu de forma sistemática os seus
discursos contra os pagãos, utilizou todo seu conhecimento sobre a cultura clássica,
retórica e a própria história dos romanos interpretada numa perspectiva cristã, para
apresentar uma resposta sólida aos pagãos. (COELHO, 2011, p. 107).

A partir dessa contraposição de ideias, chegamos à perspectiva de Agostinho sobre os


adeptos do paganismo. O bispo salienta uma inferioridade pagã, considerando os deuses dessa
crença como demônios ou como falsos deuses e, assim, por meio da alteridade entre
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cristianismo – adorador de um deus único, verdadeiro e superior – e paganismo, o bispo


define a própria identidade. Desse modo, uma identidade precisa da outra para existir, para
uma ser considerada verdadeira, uma precisa ser falsa. Um exemplo desse desprezo de
Agostinho acerca da religião pagã pode ser notada no seguinte trecho, no qual é evidente um
tom de menosprezo quando o bispo cita os pagãos que blasfemam, e, portanto, não fariam
parte da Cidade de Deus:
Amai pois a Lei de Deus, e não seja para vós escândalo. Rogamo-vos, pois,
suplicamo-vos e exortamo-vos: sede humildes, sofrei com os que sofrem, acolhei os
mais fracos e nesta ocasião em que há tantos desalojados, tantas necessidades e
sofrimentos, abunde a vossa hospitalidade e abundem as vossas boas obras. Façam
os cristãos o que Cristo manda e sejam apenas os pagãos, para sua infelicidade, a
blasfemar. (AGOSTINHO, 2013, p. 81-82).

Após essa breve análise do cenário das relações entre cristãos e “pagãos” romanos, e
da exposição da visão crítica de Santo Agostinho acerca dessa temática, presente,
principalmente, no sermão 105, faz-se necessário o entendimento acerca da maneira a qual
Agostinho de Hipona lidou com a culpabilização do cristianismo realizada por esses
descrentes da fé cristã, associando-o à crise e à consequente queda de Roma.
O saque de Roma em 410 d.C, realizado pelos “bárbaros” liderados por seu rei,
Alarico, para muitos representava não só o declínio de uma civilização, mas, também, o “fim
do mundo”, levando em consideração toda a conjuntura social, política e cultural da época.
Por sua vez, os pagãos, por não compartilharem da mesma fé que os cristãos, logo, atribuíram
todas as desventuras vividas por Roma aos mesmos. Onde, para os pagãos, seria justamente
no tempo do cristianismo que Roma teria sido devastada, pois quando se oferecia sacrifícios
aos deuses (romanos), Roma florescia. Em contra - resposta aos que “blasfemavam”, e,
culpavam o cristianismo pelo enfraquecimento do Império Romano, Agostinho de Hipona em
412 d.C, pôs-se a refutá-los em seus sermões sobre a queda de Roma:

Isto que dizem, não é verdade: que Roma foi tomada e humilhada assim que os
deuses foram destruídos. De todo, não é verdade. Não tinham sido já destruídas
essas imagens quando Radagásio e os godos foram vencidos? […] Esses que
blasfemam, que correm atrás dos bens terrenos, que desejam os bens mundanos, que
põem a sua esperança nos bens da terra, quando, querendo ou não querendo, os
perderem, o que lhes resta? Para onde irão eles? Não terão nada por fora nem nada
por dentro. (Sermão 105, Agostinho de Hipona: 104-105) .

Para o Santo, as acusações dos pagãos contra a religião cristã por causa da devastação
de Roma, seria justamente um castigo àqueles que blasfemavam, desacreditavam, da figura de
Deus. Chegando a citar exemplos de pessoas que conseguiram escapar do saque antes que lhe
acontecessem algo, Agostinho defendia que não se trataria da queda de Roma, pois “muito”
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teria sido poupado: suas ruínas ainda estavam de pé, os templos cristãos e a cidade não teria
se “acabado em chamas como Sodoma”.
Ora, dizem por aí que foi nestes tempos cristãos que Roma caiu. Mas talvez
Roma não tenha caído. Talvez tenha sido castigada em vez de aniquilada, talvez
emendada em vez de destruída. Talvez Roma não morra, se os romanos não
morrerem. E na verdade não morrerão, se louvarem a Deus. Morrerão, sim, se O
blasfemarem. Pois que é Roma senão os Romanos? (Sermão 81, Agostinho de
Hipona: 79) .

A fim de finalizar seu discurso sobre o declínio do Império Romano atribuído à fé


cristã, Santo Agostinho de Hipona, resgata a origem dos deuses romanos. Fazendo, desse
modo, alusão à filiação de Roma à antiga cidade de Tróia, para que os receptores de sua
mensagem, percebam, que, afinal, os deuses pagãos não teriam sequer protegido a cidade em
que eram adorados. Colocando deste modo o receptor em um paradoxo: como seria possível a
veneração de deuses destruídos na cidade de Tróia, como possíveis protetores e defensores da
cidade?
Os deuses em que os Romanos puseram a sua esperança, precisamente os deuses
romanos, em que os pagãos romanos puseram a sua esperança, vieram de Tróia,que
se consumia em chamas, para fundar Roma. (Sermão 81, Agostinho de Hipona: 80).

Assim sendo, Agostinho lida com o paganismo e suas críticas devolvendo-as ao


mesmo, demonstrando que o próprio paganismo, para o santo, seria desabito não só em
proporcionar felicidade eterna para os homens, mas, também, prosperidade. Portanto, Santo
Agostinho de Hipona, irá finalizar seu sermão diferenciando os cristãos em dois: aqueles que
durante o saque não deixaram de louvar a Deus e aqueles que blasfemaram, adoraram “falsos
deuses”, dizendo que estes perderiam duas vezes, seus bens terrenos e seus bens eternos.

Que venham, que desistam de blasfemar e aprendam a adorar. Que os escorpiões


com as suas ferroadas sejam comidos pela galinha, que se convertam no corpo
daquela que os engole. Que na terra sejam provados e no céu coroados. (Sermão
105, Agostinho de Hipona: 106).
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4. Bibliografia

AGOSTINHO (Santo), Bispo de Hipona. A cidade de Deus (contra os pagãos). Petrópolis,


Vozes, São Paulo, Federação Agostiniana Brasileira, 1990, 2 v

AGOSTINHO, Santo. O "De excídio Vrbis" e outros sermões sobre a queda de Roma. Trad.
Carlota Miranda Urbano. 3o ed. Coimbra: Imprensa da Universidade de Coimbra, 2013.

COELHO, Fabiano de Souza. Religião, Identidade e Estigmatização: Agostinho e os pagãos


na obra De civitate Dei. 2011.

DOS SANTOS, Pedro Paulo Alves. ‘DE CIVITATE DEI’: HISTÓRIA E ‘ESCHATOLOGIA’
EM SANTO AGOSTINHO. PODER E RELIGIÃO NO CRISTIANISMO ‘LATINO’E
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FRANCO JR., Hilário. Introdução. O (pré)conceito de Idade Média. In: A Idade Média,
nascimento do Ocidente. São Paulo: Brasiliense: 2001, p. 9-20.

GOMES, Francisco José Silva. A Cristandade medieval entre o mito e a utopia. Topoi (Rio de
Janeiro), v. 3, p. 221-231, 2002.

MANOEL, Ivan Ap. História, religião e religiosidade. Revista de Cultura Teológica, n. 59,
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